Da Proporcionalidade na Fixação Dos Honorários Contra a Fazenda Pública no Novo CPC

Luciano Carlos de Melo[1]

 

Resumo: O presente artigo tem por finalidade analisar a possibilidade de flexibilização da regra prevista no § 3º do art. 85 do CPC, que trata das condenações em honorários contra a Fazenda Pública, à luz dos princípios da supremacia do interesse público e da isonomia. Analisa também as ponderações em sentido contrário e a situação atual da questão perante os Tribunais.

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Palavras chave: Fazenda Pública. Honorários. Flexibilização

 

Abstract: The purpose of this article is to analyze the possibility of easing the rule provided for in § 3 of art. 85 of the CPC, which deals with convictions in honoraria against the Public Treasury, in the light of the principles of public interest supremacy and equality. It also examines the countervailing considerations and the current status of the matter before the Courts.

Keywords: Public treasury. Fees. Flexibilization

 

Sumário: Introdução; 1. Da análise do tema. Conclusão. Referências

 

Introdução

A entrada em vigor da Lei Federal 13.105/2015 trouxe inovações acerca da condenação da Fazenda Pública em honorários, afastando regra da legislação revogada que previa a fixação por equidade.

A legislação atual prevê a aplicação da equidade apenas para majorar os honorários contra a Fazenda Pública, determinando que a fixação se dê com base no §3º do art. 85, onde se criou uma “tabela de valores”.

O tema a ser abordado envolve a análise da possibilidade de flexibilização desta regra rígida, analisando os princípios gerais aplicáveis e a posição do STJ.

 

 

  1. Da análise do tema

Acerca da condenação da Fazenda Pública em honorários o antigo CPC/73 tinha tal previsão:

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que aprecipou e os honorários advocatícios.

(…)

  • 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:
  1. a) o grau de zelo do profissional;
  2. b) o lugar de prestação do serviço;
  3. c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
  • 4º Nas ações de valor inestimável ou pequeno, bem como naquelas em que for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das letras a a c do parágrafo anterior.

Com a entrada em vigor do Novo CPC, a regulamentação passou a ser a seguinte:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

  • 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
  • 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I – o grau de zelo do profissional;

II – o lugar de prestação do serviço;

III – a natureza e a importância da causa;

IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

  • 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:

I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

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V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

Verifica-se diferenças substanciais no novo regramento.

Com efeito, a lei abandonou a regra anterior que levava em conta apenas os requisitos do § 2º (grau de zelo, local da prestação do serviço etc), criando percentuais mínimos e máximos, conforme o valor da condenação.

Aparentemente, a legislação restringiu o alcance da “apreciação equitativa” que outrora seria a regra.

Entretanto, não é esta a posição que vem sendo firmada perante os Tribunais, inclusive o STJ.

Há inúmeras decisões mitigando o alcance do § 3º do art. 85 do NCPC com base na aplicação do § 8º do mesmo regramento:

  • 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

Entende-se que a legislação envolvida na aplicação dos honorários da FESP deve ser levada em conta em sua totalidade, formando um sistema próprio, a conduzir a sentença no sentido de que a aplicação não pode se tornar um despropósito.

Vejamos, como exemplo, decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo que bem expõem o pensamento:

Agravo de Instrumento nº 3000066-65.2019.8.26.0000

Agravante: Estado de São Paulo

Agravado: Aspen Distribuidora de Combustiveis Ltda Comarca: Paulínia

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. Objeção acolhida apenas para a adequação dos juros à taxa Selic. Honorários advocatícios devidos. Precedentes. Hipótese em que, no entanto, não se mensura pelo proveito econômico obtido pelo impugnante. Artigo 85 do CPC cujos vários dispositivos compõem um microssistema normativo cuja leitura deve compreender a totalidade de suas matrizes estruturantes, das quais a principal é a busca da justa medida entre o excesso e a insuficiência na fixação de honorários, à vista do esforço que a defesa da causa efetivamente requereu e do peso que a verba assuma para o vencido. Verba requisitada deste como verdadeira exação. Necessidade de leitura integrada dos incisos do §2º, do §3º e do §8º do art. 85 evitando-se a imposição de ônus desproporcional ao empenho de fato requerido pela causa. Honorários fixados em R$2.000,00. Agravo parcialmente provido.

(…)

De fato, no caso concreto não se justifica vincular a verba honorária ao valor da redução do débito ou àquele atribuído à causa.

(…)

Nessa circunstância, o atrelamento da verba honorária ao valor da execução ou a percentual do valor cobrado em excesso desnatura o sentido daquela que não visa a proporcionar enriquecimento sem suficiente causa, mas sim a recompensar a aplicação do saber jurídico do advogado à defesa da parte e o serviço por esse modo prestado à efetivação da Justiça.

O artigo 85 do Código de Processo Civil compõe um efetivo microssistema normativo cuja leitura deve compreender a totalidade de suas matrizes estruturantes, e não apenas uma delas; e a principal diretriz a ser seguida é a busca da justa medida entre o excesso e a insuficiência na fixação de honorários à vista do esforço que a defesa da causa efetivamente requereu e do peso que a verba assuma para o vencido, valendo lembrar que, deste, a verba é requisitada como verdadeira exação estatal, ainda que em benefício de particular.

Nessa perspectiva, impõe-se concluir que a Lei Processual disse menos do que pretendia, no § 8º do art. 85, ao se referir apenas a parte dos casos em que a verba e o esforço não encontram correspondência bastante na metodologia ordinária para a estimativa dos honorários (lex dixit minus quam voluit). E para que se restaure seu propósito, há de se compreender os incisos do § 2º, o § 3º e o § 8º do art. 85 como integrados evitando-se fixar verba desproporcional ao empenho de fato requerido pela causa e revelado em sua condução.

Nessa circunstância, pelas balizas do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil e já atendendo ao § 11, do mesmo dispositivo, ante as peculiaridades do caso concreto, acima discutidas, dá-se provimento ao agravo e fixa-se a verba honorária em R$2.000,00 (dois mil reais) quantia que, sem ensombrecer o esforço exigido para a apresentação da exceção de pré-executividade, não impõe ao vencido ônus desproporcional a tanto[2].

Ainda:

 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – CONTRADIÇÃO, OMISSÃO OU OBSCURIDADE INEXISTÊNCIA – CARÁTER INFRINGENTE INADMISSIBILIDADE – PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA – ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DO ARTIGO 1.022 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – NECESSIDADE – EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS – RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DE ERRO MATERIAL HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS NOS TERMOS DO § 8º DO ARTIGO 85 DO CPC/2015.

(…)

Ora, diferente do que alega a Embargante, o caso não é de aplicação seja do inc. II e §3º do art. 85 do CPC/2015, seja do inc. III e §4º do art. 85 do CPC/2015.

A utilização dos mencionados dispositivos legais para fixar a verba honorária, no caso em apreço, acabam por remunerar excessivamente o trabalho do patrono da empresa Embargante, dada a singeleza da demanda, desbordando dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Há que se considerar que normas do artigo 85 do CPC/2015 visam a assegurar que os procuradores recebam remuneração consentânea com o grau de complexidade da causa em que atuam, não podendo servir, à obviedade, como fator de enriquecimento sem causa.

Veja-se que foi atribuído à causa o valor de R$200.000,00 pela Autora, ora Embargante, de modo que a condenação arbitrado nos percentuais indicados (de 8% a 10% do valor da causa) importaria na condenação da FESP ao pagamento de pelo menos R$16.000,00 (dezesseis mil reais).

Com efeito, a excepcionalidade da situação impõe a aplicação do §8º do art. 85 do CPC/2015, sendo os honorários advocatícios fixados em R$2.500,00 por equidade, sob pena de impor ônus excessivo ao erário.[3]

A matiz do entendimento repousa em princípio basilar que veda o enriquecimento sem causa.

Com efeito, a frieza na interpretação legislativa acaba por criar situações desproporcionais, muitas vezes remunerando o advogado em quantia exacerbada se considerados os requisitos do § 2º do NCPC.

Em que pese a novel legislação tenha reservado o método de apreciação equitativa do juiz apenas para as causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º, CPC/15), fato é que os Tribunais, em respeito ao erário público e à proibição do enriquecimento sem causa, estão mitigando tal aplicação.

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A própria previsão de que a “equidade” somente pode ser usada para elevar honorários se afigura contraditória, denotando a atividade casuística e corporativa da inserção de referida regra no ordenamento, em detrimento ao erário público. Se há previsão de equidade, deve a mesma valer para todas as partes, em nome da isonomia.

Há que se considerar no presente caso, além da vedação ao enriquecimento sem causa, os princípios da supremacia do interesse público, proporcionalidade e indisponibilidade do interesse público, amplamente debatidos e difundidos pela doutrina.

Assim, por simetria, apesar da apreciação equitativa ter sido prevista somente para os casos em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório e ainda quando o valor da causa for muito baixo, há de se entender que a norma comporta interpretação extensiva, viabilizando-se sua aplicação também como forma de preservação da razoabilidade.

Por seu turno, é certo que equidade não é sinônimo de modicidade.

Nesse sentido, o ensinamento de Nelson Ney Junior:

O critério da equidade deve ter em conta o justo, não vinculado à legalidade. Fixar honorários por equidade, não significa necessariamente, modicidade.”[4]

Relembre-se, ainda, a conceituação do princípio da supremacia do interesse público nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello[5], que por si demonstra a necessidade da flexibilização:

Trata-se de um verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o particular, como condição até mesmo da sobrevivência e asseguramento deste último. É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados.

Na tecitura dessas noções, veja-se que o princípio em comento é tido como fundamento para dar sustento aos atos da Administração Pública, a qual se estriba pela então supremacia do interesse público e indisponibilidade do interesse público, que se encontram assentados em um elevadíssimo grau de prevalência.”

Dessa forma, entendemos que se deve ponderar o ordenamento como um todo, inclusive os princípios gerais do direito administrativo, freando-se os excessos a partir da razoabilidade, preservando-se o erário de eventuais abusos.

Não se desconhece que o entendimento em sentido contrário repousa também em respeitáveis argumentos, inclusive invocando-se a isonomia:

“Respeitados os entendimentos acima, que revelam divergência jurisprudencial no seio do mesmo tribunal, não se pode perder de vista que o valor causa, da condenação ou do proveito econômico (adotados como base de cálculo para fixação da verba honorária advocatícia) também atuam como balizadores do ônus financeiro do processo.

Em outras palavras, na medida em que os honorários advocatícios são fixados em percentual a incidir sobre os critérios estabelecidos no art. 85, § 2º, do CPC, a aplicação de referido dispositivo evita a formulação de pedidos munidos de valores exorbitantes e até mesmo irresponsáveis, porquanto o demandante, ciente de que em possível perda da demanda será aplicada verba honorária a incidir em percentual sobre o valor da causa, seguramente pleiteará em juízo proveito econômico ligado àquilo que efetivamente acredita ter razão.

Também não se pode perder de vista que, sendo o custo do processo mais alto (porquanto a verba honorária advocatícias é fixada em percentual de 10% a 20% sobre o valor da causa, proveito econômico ou valor da condenação), por vezes tal regra também fomenta a cultura da conciliação, senão a colaboração das partes para, por meio de negociações extrajudiciais, evitarem, a todo custo, a judicialização da controvérsia, porquanto sabedoras de que sobre eventual sucumbência considerada em valores elevados também pesará a verba honorária incidente sobre uma condenação de grande vulto.

Ainda, em eventual sucumbência e fixada a verba honorária nos moldes do art. 85, § 2º, do CPC, não se pode olvidar que o sucumbente/recorrente certamente pensará duas vezes quanto as efetivas chances de reforma ou anulação do julgado em recurso de apelação, porquanto ciente que daqueles honorários já fixados (ainda que considerados “exorbitantes”), uma vez mantida a decisão impugnada, haverá majoração da verba honorária advocatícia (art. 85, § 11º, do CPC/2015). Sob este prisma, tal medida também atinge um dos desideratos do CPC/2015, ligados a se mitigar a cultura da recorribilidade e desafogar a lotada pauta de julgamentos dos tribunais.

Do contrário, salvo melhor juízo, o subjetivismo do aplicador da lei naquilo que enxerga como honorários “excessivos”, “exorbitantes” que “agride o princípio da proporcionalidade” ou “que viabiliza o enriquecimento sem causa do patrono da parte”, cujo grau interpretativo varia de julgador para julgador, não obstante trazer um juízo de incerteza e violador de novel dispositivo de um código que sequer completou três anos de vigência, vai na contramão do quanto apontado nos parágrafos acima, a viabilizar o ajuizamento de demandas pleiteando irresponsavelmente valores elevados para, em eventual sucumbência, a verba honorária advocatícia deixar de conter congruência alguma com o volume financeiro excessivamente pleiteado”[6]

Verifica-se que os entendimentos em sentido contrário, em sua maioria, apegam-se a questões processuais e na refração a eventuais subjetivismos, deixando de lado a razoabilidade.

A questão chegou no STJ, que no Recurso Especial 1.789.913/DF, tratou da questão através da aplicação da razoabilidade. Trata-se de caso em que os honorários foram fixados nos termos do Novo CPC em valor excessivo frente a mera apresentação de uma exceção de pré-executividade onde se alegou pagamento do débito:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DO ART. 85, §§ 3º E 8º DO CPC/2015, DESTINADA A EVITAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DESPROPORCIONAL. POSSIBILIDADE.

  1. No regime do CPC/1973, o arbitramento da verba honorária devida pelos entes públicos era feito sempre pelo critério da equidade, tendo sido consolidado o entendimento jurisprudencial de que o órgão julgador não estava adstrito ao piso de 10% estabelecido no art. 20, § 3º, do CPC/1973.
  2. A leitura do caput e parágrafos do art. 85 do CPC/2015 revela que, atualmente, nas causas envolvendo a Fazenda Pública, o órgão julgador arbitrará a verba honorária atento às seguintes circunstâncias: a) liquidez ou não da sentença: na primeira hipótese, passará o juízo a fixar, imediatamente, os honorários conforme os critérios do art. 85, § 3º, do CPC/2015; caso ilíquida, a definição do percentual a ser aplicado somente ocorrerá após a liquidação de sentença; b) a base de cálculo dos honorários é o valor da condenação ou o proveito econômico obtido pela parte vencedora; em caráter residual, isto é, quando inexistente condenação ou não for possível identificar o proveito econômico, a base de cálculo corresponderá ao valor atualizado da causa; c) segundo disposição expressa no § 6º, os limites e critérios do § 3º serão observados independentemente do conteúdo da decisão judicial (podem ser aplicados até nos casos de sentença sem resolução de mérito ou de improcedência); e d) o juízo puramente equitativo para arbitramento da verba honorária – ou seja, desvinculado dos critérios acima – , teria ficado reservado para situações de caráter excepcionalíssimo, quando “inestimável” ou “irrisório” o proveito econômico, ou quando o valor da causa se revelar “muito baixo”.
  3. No caso concreto, a sucumbência do ente público foi gerada pelo acolhimento da singela Exceção de Pré-Executividade, na qual apenas se informou que o débito foi pago na época adequada.
  4. O Tribunal de origem fixou honorários advocatícios abaixo do valor mínimo estabelecido no art. 85, § 3º, do CPC, almejado pela recorrente, porque “o legislador pretendeu que a apreciação equitativa do Magistrado (§ 8º do art. 85) ocorresse em hipóteses tanto de proveito econômico extremamente alto ou baixo, ou inestimável” e porque “entendimento diverso implicaria ofensa aos princípios da vedação do enriquecimento sem causa, razoabilidade e proporcionalidade” (fls. 108-109, e-STJ).
  5. A regra do art. 85, § 3º, do atual CPC – como qualquer norma, reconheça-se – não comporta interpretação exclusivamente pelo método literal. Por mais claro que possa parecer seu conteúdo, é juridicamente vedada técnica hermenêutica que posicione a norma inserta em dispositivo legal em situação de desarmonia com a integridade do ordenamento jurídico.
  6. Assim, o referido dispositivo legal (art. 85, § 8º, do CPC/2015) deve ser interpretado de acordo com a reiterada jurisprudência do STJ, que havia consolidado o entendimento de que o juízo equitativo é aplicável tanto na hipótese em que a verba honorária se revela ínfima como excessiva, à luz dos parâmetros do art. 20, § 3º, do CPC/1973 (atual art. 85, § 2º, do CPC/2015). 7. Conforme bem apreendido no acórdão hostilizado, justifica-se a incidência do juízo equitativo tanto na hipótese do valor inestimável ou irrisório, de um lado, como no caso da quantia exorbitante, de outro. Isso porque, observa-se, o princípio da boa-fé processual deve ser adotado não somente como vetor na aplicação das normas processuais, pela autoridade judicial, como também no próprio processo de criação das leis processuais, pelo legislador, evitando-se, assim, que este último utilize o poder de criar normas com a finalidade, deliberada ou não, de superar a orientação jurisprudencial que se consolidou a respeito de determinado tema.
  7. A linha de raciocínio acima, diga-se de passagem, é a única que confere efetividade aos princípios constitucionais da independência dos poderes e da isonomia entre as partes – com efeito, é totalmente absurdo conceber que somente a parte exequente tenha de suportar a majoração dos honorários, quando a base de cálculo dessa verba se revelar ínfima, não existindo, em contrapartida, semelhante raciocínio na hipótese em que a verba honorária se mostrar excessiva ou viabilizar enriquecimento injustificável à luz da complexidade e relevância da matéria controvertida, bem como do trabalho realizado pelo advogado.
  8. A prevalecer o indevido entendimento de que, no regime do novo CPC, o juízo equitativo somente pode ser utilizado contra uma das partes, ou seja, para majorar honorários irrisórios, o próprio termo “equitativo” será em si mesmo contraditório.
  9. Recurso Especial não provido.[7]

Vemos que tal decisão acabou por preservar o erário, levando em conta a razoabilidade, que inclusive já era levada em conta pelo STJ antes da nova legislação.

Entretanto, no julgamento de embargos de declaração julgado em 23/05/2019, foram anulados os julgamentos de referido feito, até a solução a ser adotada no REsp 1.644.077/PR.  Referido recurso ainda não fora efetivamente julgado, mas em 17/09/2019 ocorreu proclamação parcial de julgamento nos seguintes termos:

“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista regimental do Sr. Ministro Herman Benjamin, ratificando integralmente seu voto, negando provimento ao recurso, a retificação de voto do Sr. Ministro Og Fernandes, para acompanhar a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, dando provimento ao recurso, pediu vista dos autos a Sra. Ministra Assusete Magalhães.”[8]

Aliás, ressaltamos que, em nosso sentir, afigura-se incorreta a anulação levada a efeito pelo STJ no presente caso, posto que as situações tratadas nos dois REsp são diferentes.

No Resp 1.644.077 a discussão referia-se à exclusão de responsabilidade de sócio por débito tributário, onde o Min. Herman Benjamin acabou por entender que inexiste possibilidade de mensurar o proveito, entendendo que “a discussão acerca do débito fiscal e seu montante permanece inalterada, havendo o ajuste apenas em relação aos sujeitos passivos que respondem por seu pagamento“, fixando os honorários com base na própria equidade. Neste o que se discute é como aplicar o § 2º do art. 85 do NCPC, não se falando em flexibilização da aplicação do §3º.

Já no REsp 1.789.913/DF a questão tratada referia-se a uma exceção de pré-executividade em que se alegou pagamento, o que afastaria de plano a aplicação do §2º do art. 85 do NCPC, pois o proveito é mensurável. Discute-se aqui a própria relativização do §2º.

De qualquer forma, teve por bem o STJ vincular a discussão ao que for decidido no Resp 1.644.077/PR, com nítido intuito de pacificar o entendimento.

O que nos parece é haver uma propensão do STJ na flexibilização da regra criada no novo CPC, conforme visto acima, inclusive em respeito à jurisprudência já existente naquele sodalício.

A questão encontra-se pendente e será definitivamente pacificada com o julgamento do REsp 1.644.077/PR.

 

CONCLUSÃO

Da análise do tema, verificamos que a recente alteração da questão pelo CPC leva a condenações muitas desarrazoadas, ferindo os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, da isonomia, acabando por gerar enriquecimento ilícito.

Atento a isso, os Tribunais tendem a relativizar a aplicação do § 3º do art. 85 do CPC, sendo que a discussão está pendente de pacificação perante o STJ.

 

REFERÊNCIAS

BERTAGNOLLI, Danielle. Honorários em ações envolvendo
Fazenda Pública e o CPC/2015. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2017-jul-28/honorarios-acoes-envolvendo-fazenda-publica-cpc2015>. Acesso em 20/11/2019.

 

BRASIL, Lei nº 13.105/2015 Código de Processo Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm .

 

CASTRO, Daniel Penteado de. Honorários advocatícios por equidade: interpretação extensiva ou contrária à lei?. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI286170,21048-Honorarios+advocaticios+por+equidade+interpretacao+extensiva+ou. Acesso em 26/11/2019.

 

Decisões jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, disponível em <www.stj.jus.br>.

 

Decisões jurisprudenciais do Tribunal de Justiça de São Paulo, disponível em <www.tj.sp.jus.br>.

 

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Honorários Advocatícios no Novo CPC. Disponível em <https://www.gaiojr.adv.br/artigos/honorarios_advocaticios_no_novo_cpc>. Acesso em 21/11/2019.

 

NERY JR., Nelson, Andrade Nery, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008

 

PEIXOTO, Ravi. Honorários nos processos que envolvem a Fazenda e a não aplicação da lei pelo STJ. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2019-abr-22/ravi-peixoto-honorariosnos-processos-envolvem-fazenda>. Acesso em 20/11/2019

 

SCHACHNIK VALENÇA, Eduardo. A flexibilização judicial dos honorários de sucumbência nas condenações da Fazenda Pública: análise sistemática do art. 85 do CPC/15. Disponível em <http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51990/a-flexibilizacao-judicial-dos-honorarios-de-sucumbencia-nas-condenacoes-da-fazenda-publica-analise-sistematica-do-art-85-do-cpc-15>. Acesso em 21/11/2019.

 

[1] Luciano Carlos de Melo, Procurador do Estado de São Paulo. Pós Graduado em Direito Tributário pela UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina. [email protected]

[2] BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº  000066-65.2019.8.26.0000.  Rel. Des. BANDEIRA LINS. Data do julgamento 24 de abril de 2019

[3] BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Embargos de Declaração Cível nº 1000715-02.2019.8.26.0053/50000, Rel. Des. PAULO GALIZIA. Data do julgamento 25 de novembro de 2019

[4] NERY JR., Nelson, Andrade Nery, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 224

[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág 60.

[6] CASTRO, Daniel Penteado de. Honorários advocatícios por equidade: interpretação extensiva ou contrária à lei?. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI286170,21048-Honorarios+advocaticios+por+equidade+interpretacao+extensiva+ou>

[7] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. RESP 1.789.913/DF. Rel. Min. HERMAN BENJAMIN. Órgão julgador T2 – SEGUNDA TURMA. Data do julgamento 12/02/2019. Disponível em  https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=91586814&num_registro=201900004591&data=20190311&tipo=5&formato=PDF

[8] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. RESP 1.644.077/PR. Rel. Min. HERMAN BENJAMIN. Órgão julgador T2 – SEGUNDA TURMA. Data do julgamento 11/03/2019. Disponível em  https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=91586814&num_registro=201900004591&data=20190311&tipo=5&formato=PDFhttps://ww2.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?sequencial=91587185&tipo_documento=documento&num_registro=201603258045&data=20190403&formato=PDF

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