Resumo: O presente artigo trata da problemática causada em razão da omissão legislativa na estrutura da Lei nº 9.099/1995 de normas procedimentais referentes ao incidente de Uniformização de Jurisprudência das decisões das Turmas Recursais dos Tribunais dos Juizados Especiais Estaduais, e da possibilidade do cabimento da Reclamação Constitucional como substitutivo processual recursal.
Palavras-chaves: resolução, uniformização, STJ.
Sumário: Introdução. 1. Breve histórico da Lei 9.099/1995. 2. Da impossibilidade de interposição do Recurso Especial. 3. Da possibilidade do cabimento da Reclamação Constitucional. 4. Da decisão do STF. 5. Da Resolução nº 12 do STJ. 6. Conclusão.
INTRODUÇÃO.
Antes de adentrarmos no tema principal, insta fazer uma breve exposição sobre o propósito do surgimento e algumas características importantes da Lei nº 9.099/95. O início de tudo, deu-se em razão do descontentamento da sociedade em geral, que, descrente com a atuação do nosso judiciário, em razão da morosidade em proferir suas decisões que, na maioria dos casos, levava anos para se chegar a uma solução fez com que o cidadão deixasse, de forma cada vez mais crescente, de bater às portas do judiciário à procura da prestação jurisdicional; um direito e, ao mesmo tempo, um dever do Estado, assegurado a todos pela nossa Carta Magna de 1988.
Sentia-se naquele momento, a necessidade premente de um instrumento que fosse capaz de resolver as questões de menor complexidade vivenciadas pelos indivíduos na sociedade, de forma mais célere, e num prazo mais curto, o que, para isso, necessário se fazia um procedimento simples, sem complicações, que atendesse aos anseios e necessidades dos litigantes.
Foi, então, que em 1995, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, sancionou a Lei 9.099, uma norma de cunho processual, com aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil, que se propunha a resolver as causas Cíveis de menor valor e complexidade, assim consideradas todas aquelas descritas em seu Art. 3º, e, no âmbito Criminal, ficou estabelecido que é de sua competência, as Contravenções Penais e as Infrações de Menor Potencial Ofensivo – também conhecidas por IMPO’s -, descritas como sendo aquelas a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, na dicção do Art. 61.
2. DA IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL.
Nesse momento, adentrando ao que nos interessa, vale lembrar, que apesar de ser regida pelos princípios da Oralidade, Simplicidade, Informalidade, da Economia Processual e Celeridade, a Lei nº 9.099/1995 – Lei dos Juizados Especiais Estaduais -, tem sido o palco de muitas críticas envolvendo renomados doutrinadores, e, também, nos Tribunais Superiores, em virtude da falta de previsão legal na sua estrutura, de um mecanismo que possibilite a interposição de Recurso Especial, quando uma decisão venha a dar interpretação à lei federal contrária à súmula ou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, cabendo nesse caso a última palavra ao Colégio Recursal dos Juizados.
Duas são as razões, que impossibilitam chegue a matéria a ser impugnada junto ao STJ: a uma, encontra-se no art. 105, inc. III da CF, que diz caber ao STJ:
“julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: (…)
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”
Nesse sentido, a CF, expressamente, impõe pelo referido dispositivo que só é cabível a interposição do Recurso Especial quando tais decisões forem proferidas por “TRIBUNAIS”. O que a contrário sensu, significa que aquele instrumento recursal é inaplicável das decisões oriundas das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais – que possuem na sua composição somente juízes de primeiro grau de jurisdição -, não constituindo assim “TRIBUNAIS”; a duas, na estrutura da Lei 9.099/1995, não existe um mecanismo de Uniformização de Jurisprudência, como ocorre no Art. 14 da Lei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais), e nos Arts. 18 e 19 da Lei 12.153/2009 (Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública), que permite o conhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça de decisões contrárias aos entendimentos consolidados por Tribunais Superiores, no que diz respeito à aplicação e/ou interpretação de Lei Federal.
3. DA POSSIBILIDADE DO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL.
O mais interessante, diante dessa álea de desconforto causado pela Lei 9.099/1995, é que nem mesmo a “RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL” era aceita para solucionar tal problemática, como assim fora decidido no julgado proferido pelo STJ na Rcl 2.704/SP, de relatoria do Min. Teori Albino Zavascki, j. 12.03.2008. E ainda, mesmo que fosse possível a reclamação constitucional em tal situação, não seria o instrumento próprio para se impugnar decisões contrárias aos entendimentos consolidados pelo Superior Tribunal de Justiça, por motivos óbvios.
Nesse contexto, urge trazer à baila trecho da decisão proferida pelo Egrégio Tribunal, cuja transcrição segue abaixo, in verbis:
“Alega-se que os Juizados Especiais estaduais, em razão da complexidade da matéria (art. 3º da Lei n. 9.099/1995), não teriam competência para julgar as causas referentes à cobrança da tarifa de assinatura básica de linha telefônica e que eles também estariam a descumprir a jurisprudência deste Superior Tribunal quanto à matéria. Diante disso, a Seção firmou que a reclamação dirigida ao STJ não é a via própria para o controle da competência dos Juizados Especiais. Entendeu ser inadequada, também, para sanar a grave deficiência do sistema normativo vigente, que afasta o STJ do controle das decisões daqueles juizados contrárias à sua jurisprudência, o que permite a eles, no âmbito de sua competência, ser a última palavra na interpretação do direito federal. Anotou-se que, no trato de Juizado Especial Federal, há mecanismo próprio para sanar tal deformação – o incidente de uniformização de jurisprudência (art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001) -, solução que poderia até ser aventada, isso ao se utilizar uma aplicação por analogia, porém não nessa via, que não comporta juízos dessa natureza. (grifos nossos) AgRg na Rcl 2.704-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 12/3/2008.”
Nesse passo, frente a essa situação desconfortável, causada pela omissão do legislador federal na Lei 9.099/1995, a exemplo do que não aconteceu com as leis 10.259/2001 e 12.153/2009 (Lei dos Juizados Especiais Federais e Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, respectivamente). Pergunta-se: Qual seria a solução possível? Que recurso poderia ser interposto para impugnar as decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais, quando dessem interpretação à lei federal decisões contrárias a súmulas ou jurisprudências dos Tribunais Superiores? As respostas se encontram nos itens seguintes.
4. DA DECISÃO DO STF.
Como todos já podemos imaginar, a Suprema Corte Constitucional brasileira – Supremo Tribunal Federal -, acabou sendo demandado a proferir uma solução para o caso e, foi, então, no julgamento do RE 571.572 QO-ED/BA, de relatoria, da Ministra Ellen Gracie – julgado em 26.08.2009 -, que se consolidou o entendimento no sentido de, enquanto não existir um mecanismo processual mais apropriado a permitir a atuação do Superior Tribunal de Justiça nas ações que envolvam os Juizados Especiais Estaduais, que se deve admitir a Reclamação Constitucional. Em abono dessa disposição doutrinária, mister se faz traz à colação a ementa do referido julgado:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO ÀS CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS. RECLAMAÇÃO PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CABIMENTO EXCEPCIONAL ENQUANTO NÃO CRIADO, POR LEI FEDERAL, O ÓRGÃO UNIFORMIZADOR. 1. No julgamento do recurso extraordinário interposto pela embargante, o Plenário desta Suprema Corte apreciou satisfatoriamente os pontos por ela questionados, tendo concluído: que constitui questão infraconstitucional a discriminação dos pulsos telefônicos excedentes nas contas telefônicas; que compete à Justiça Estadual a sua apreciação; e que é possível o julgamento da referida matéria no âmbito dos juizados em virtude da ausência de complexidade probatória. Não há, assim, qualquer omissão a ser sanada. 2. Quanto ao pedido de aplicação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, observe-se que aquela egrégia Corte foi incumbida pela Carta Magna da missão de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional, embora seja inadmissível a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais. 3. No âmbito federal, a Lei 10.259/2001 criou a Turma de Uniformização da Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão da turma recursal contrariar a jurisprudência do STJ. É possível, ainda, a provocação dessa Corte Superior após o julgamento da matéria pela citada Turma de Uniformização. 4. Inexistência de órgão uniformizador no âmbito dos juizados estaduais, circunstância que inviabiliza a aplicação da jurisprudência do STJ. Risco de manutenção de decisões divergentes quanto à interpretação da legislação federal, gerando insegurança jurídica e uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio eficaz para resolvê-la. (grifos nossos) 5. Embargos declaratórios acolhidos apenas para declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105, I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional.”
5. DA RESOLUÇÃO Nº 12 DO STJ.
Importante ressaltar que tal entendimento é hoje abraçado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o qual, acabou por editar a Resolução de nº 12 de 14.12.2009, permitindo o uso das reclamações que possuem o propósito de dirimir divergências entre acórdãos de turmas recursais e sua jurisprudência. ‘Ex vi’ do exposto na literalidade dos Arts. 1º e 2º, como se pode notar da transcrição abaixo:
“Art. 1o. As reclamações destinadas a dirimir divergêcia entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil serão oferecidas no prazo de quinze dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo. (…)
Art. 2o. Admitida a reclamação, o relator:
I – poderá, de ofício ou a requerimento da parte, presentes a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de dano de difícil reparação, deferir medida liminar para suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, oficiando aos presidentes dos tribunais de justiça e aos corregedores-gerais de justiça de cada estado membro e do Distrito Federal e Territórios, a fim de que comuniquem às turmas recursais a suspensão;
II – oficiará ao presidente do Tribunal de Justiça e ao corregedor-geral de Justiça do estado ou do Distrito Federal e ao presidente da turma recursal prolatora do acórdão reclamado, comunicando o processamento da reclamação e solicitando informações;
III – ordenará a publicação de edital no Diário da Justiça, com destaque no noticiário do STJ na internet, para dar ciência aos interessados sobre a instauração da reclamação, a fim de que se manifestem, querendo, no prazo de trinta dias;
IV – decidirá o que mais for necessário à instrução do procedimento.”
Em suma, em razão da impossibilidade da interposição do Recurso Especial contra a decisão de Turma Recursal, não há dúvidas de que a Reclamação Constitucional é possível, com escudo no entendimento criado de forma improvisada pelo STF, e com respaldo na Resolução n. 12 do STJ; Resolução que, diga-se de passagem, é bastante questionada por inúmeros doutrinadores, no tocante a sua inconstitucionalidade; resolução é ato administrativo normativo, e não lei federal. Daí, advém, a sua inconstitucionalidade questionada, veementemente. O que se justifica, consoante a Constituição Federal, que somente a União pode legislar sobre direito processual.
6. CONCLUSÃO.
Ad conclusum, ancorado no princípio da segurança jurídica, lapidar nesse sentido, necessário seria a criação de uma Lei Federal para Uniformização das Jurisprudências proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais, que a tornaria dessa forma, compatível com as leis dos Juizados Especiais Federais e dos Juizados da Fazenda Pública, inclusive. Desnudando-a, desse modo, do véu da inconstitucionalidade.
Informações Sobre o Autor
Alexandre Farias Peixoto
Advogado, OAB-CE 5029, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Fortaleza