Resumo: O presente estudo tenciona expor os aspectos controvertidos acerca das limitações impostas pelo legislador às tutelas antecipadas contra a Fazenda Pública. O trabalho tem como enfoque precípuo o instituto da Suspensão do Mandado de Segurança ínsito no art. 4. da Lei 4.348/64, apontando as principais nuances trazidas por esta norma e pela Medida Provisória que alterou alguns de seus dispositivos.
Palarvras-chave: Suspensão – Segurança – Medida Provisória 2.180
Abstract: This study intends to expose controversial aspects about the limitations imposed by the legislature to injunctive relief against the State. The work focuses on the principal purpose of suspending the writ of mandamus innate in art. 4. Law 4348/64, pointing the main nuances brought by this rule and the Provisional Measure that changed some of its devices.
Keywords: Suspending – mandamus – Provisional Measure 2.180
Sumário: 1.Introdução 2.Precedentes jurisprudenciais em sentido restritivo 3. Limites legais à tutela antecipada contra a Fazenda Pública 4. Da Liminar em Mandado de Segurança 5. Da suspensão do mandado de segurança pelo Presidente do Tribunal. Breves anotações 5.1. Natureza jurídica 5.2. Natureza de ação ou exceção? 5.3. Tipificação legal 5.4. Doutrina e legislação 5.5. Questões da competência absoluta dos órgãos colegiados 5.6. Da liminar à sentença concessiva da segurança. Recurso 5.7. Jurisprudência 5.8. Sobre a sentença sujeita a recurso 5.9. Execução provisória de mandado de segurança 5.10. Inadmissível a suspensão sem pedido específico 6. Eficácia temporal da decisão que acolhe o pedido de suspensão 7. A introdução, no referido art. 4º, dos §§ 1.º e 2.º, pela medida provisória 2.180-35 8. Da inconstitucionalidade do “novo” pedido de suspensão para o mandado de segurança 9. Conclusão 10. referências
1. Introdução:
Aspecto bastante polêmico acerca da antecipação da tutela diz respeito à possibilidade de sua concessão contra os entes que compõem a Fazenda Pública (União, Estados, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas), em razão de gozarem de certas prerrogativas processuais, como o reexame necessário das sentenças que lhes são desfavoráveis (art. 475, II e III, do CPC), execução especial, na forma do art. 730 do CPC, e o pagamento das condenações por via de precatório (art. 100 da Constituição Federal).
A questão ressente-se de uma análise mais objetiva e menos ideológica ou passional, afastando-se, de um lado, as posições que propugnam fórmulas mágicas que culminam por não produzir qualquer efeito prático e, de outro, sectarismos ou tendências que somente fazem por obscurecer um instituto de virtualidades indubitáveis ao aperfeiçoamento de nosso sistema processual.
Os principais obstáculos levantados à antecipação da tutela contra a Fazenda Pública residem nos pedidos que envolvem pagamento de soma em dinheiro, que constituem a maioria das pretensões antecipatórias contra pessoas jurídicas de direito público.
Basicamente, os óbices que se opõem são os seguintes:
a) a regra do art. 475, II, que estabelece a necessidade de reexame necessário para as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública, pois, se a sentença desfavorável à Fazenda Pública não pode ser executada antes de revista pelo tribunal ad quem, não poderia sê-lo a decisão que antecipa a tutela, um minus em relação àquela;
b) a regra do art. 100 da Constituição, impondo seja a execução de sentença contra a Fazenda Pública submetida ao regime do precatório;
c) a regra do parágrafo 2º do art. 273, que estabelece como requisito negativo da tutela antecipada o “perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”; e
d) a existência de disposições legais que limitam a concessão de liminares e tutela antecipada contra a Fazenda Pública.
O presente estudo tem como escopo demonstrar que a suspensão dos efeitos da concessão de liminares e sentenças prejudica, algumas vezes, o acesso ao judiciário, violando a Constituição Federal, quando não preenchidos os requisitos ou quando são suspensas decisões fora do caráter de excepcionalidade proposto pela legislação.
2. Precedentes jurisprudenciais em sentido restritivo
Exemplos de decisões que lançam mão destas premissas, proferiu o STJ:
“PROCESSUAL CIVIL – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – UNIÃO E AUTARQUIAS – IMPOSSIBILIDADE – IRREVERSIBILIDADE. Estando a sentença proferida contra a União e suas autarquias sujeita ao duplo grau de jurisdição, não pode haver antecipação da tutela contra a União. Existindo perigo de irreversibilidade do provimento, não há como ser concedida a tutela antecipada. Recurso provido” (REsp nº 190.361-SP, 1ª Turma, rel. Min. Garcia Vieira, unânime, DJU de 08.03.99, seção I, p. 143).
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. SUSPENSÃO DA INCIDÊNCIA DA COFINS E DO PIS SOBRE AS OPERAÇÕES RELATIVAS AOS DERIVADOS DO PETRÓLEO E COMBUSTÍVEIS. LIMINAR DO STF NA ADC 04/98. 1. O instituto da antecipação da tutela (art. 273, CPC) deve ser homenageado pelo Juiz quando os pressupostos essenciais exigidos para a sua concessão se tornarem presentes. 2. Tutela antecipada concedida para suspender a incidência da COFINS e do PIS sobre as operações relativas aos derivados de petróleo e combustíveis que se revoga, face o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na medida liminar da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 4), em Sessão Plenária do dia 11/02/98, impedindo a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública. 3. Recurso provido” (STJ, REsp. 184261-PE, v.u., j. 20-10-1998, DJU 01/03/1999, p. 248).
3 – Limites legais à tutela antecipada contra a Fazenda Pública
Como que fazendo letra morta a todos o avanços consignados pela influência direta do princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional (art. 5º., caput, XXXV, da CF), editou-se a Lei n°. 9.494/97, que preceitua a limitação da tutela antecipada, pelo seguinte (art. 1º.):
1) Vedação de concessão de medida liminar visando a reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou a concessão de aumento ou extensão de vantagens (art. 5º., caput, e art. 1º.,§4º., da Lei nº. 5.021/66);
2) O recurso voluntário ou ex offício interposto de decisão concessiva que importe em outorga ou adição de vencimentos bem como reclassificação funcional, terá efeito suspensivo (art. 7º., da Lei nº. 4.348/64);
3) O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença final, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual ou municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial (art. 1.º, caput da Lei 5.021/66);
4) Vedação de liminar para efeito de vencimentos e vantagens pecuniárias (art. 1º, § 4º, da Lei nº. 85.021/66);
5) Execução do provimento final de procedência de pedidos dessa matéria só com o trânsito em julgado (art. 5º, par. Único, da Lei nº. 4.348/64);
6) Vedação de liminar, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de proibição legal (art. 1º, caput, da Lei nº. 8.437/92);
7) Vedação de provimento de urgência, no primeiro grau, quando impugnado o ato de autoridade sujeita, na via do mandado de segurança, à competência originária do tribunal (art. 1º, §1º, da Lei nº. 8.437/92);
8) Vedação de liminar que esgote, no todo ou em parte, objeto da ação (art.1º, §3º, da Lei n°. 8.437/92).
Para começar, não existe (item 2) recurso ex officio (art. 7.° da Lei 4.348/64). O instituto é de remessa necessária e sobre ele teceremos as devidas considerações no momento oportuno. Por ora, impende salientar que não é recurso e, pois, não está sujeito a nenhum efeito da sua ocorrência, não cabendo falar, sequer, em sua interposição. Outrossim, somente incide sobre sentenças e não sobre decisões interlocutórias.
De outra parte, as ações que sigam o procedimento comum não têm, ao contrário dos mandados de segurança, (item 3) nenhuma limitação quanto à abrangência pretérita ao ajuizamento, no caso de eventual procedência. Se assim fosse, tudo que eventualmente devido antes da propositura da demanda estaria perdido para sempre. Em verdade, o casuísmo legislativo (art. 1º, caput, da Lei 5.021/66) só tem lugar no mandado de segurança, que se entende não ser substitutivo de ação de cobrança (Súm. 269 do STF).
A exeqüibilidade do provimento final concessivo só com o trânsito em julgado não é absoluta (item 5), posto que os recursos extraordinários não dispõem normalmente de efeito suspensivo, senão quando expressamente lhes seja aquinhoado por meio da via própria (art. 542, § 1.°, do CPC). Na antinomia das duas normas, há que prestigiar a exegese que melhor espelhe o ideário de justiça. Mesmo o STJ já vem admitindo execução provisória contra a Fazenda Pública, entendimento este que está prevalecendo.
Pontifique-se ainda que há nítida diferença de tratamento entre o caput e o § 3º do art. 100. No primeiro, não se fala em trânsito em julgado, e no parágrafo é exigência expressa. Assim, o pagamento de valores definidos em lei como pequenos para fins de pagamento independente de precatórios pressupõe o trânsito em julgado, coisa que não ocorre para o caput, ou seja, para os valores não definidos em lei como pequenos. Essa diferenciação nasce, essencialmente, da inobservância do regime de precatórios com relação aos primeiros, como garantia de melhor zelo para com os liames financeiros.
Também não há falar em vedação do provimento de urgência na ação que siga o procedimento comum pelo fato de estar sendo impugnado ato de autoridade sujeita (item 7), na via do mandado de segurança, à competência originária de tribunal (art. 1.°, § 1.°, da Lei 8.437/92), porque, em verdade, a pretensão é movida contra a própria pessoa jurídica e não contra a autoridade, a contrario sensu do writ.
Igualmente, cuidando-se de antecipação de efeitos da decisão de mérito, é inócua a inviabilização da liminar quando esta esgote (item 8), no todo ou em parte, o objeto da ação (art. 1.°, § 3.°, da Lei 8.437/92), porque é justamente essa a intenção da tutela antecipada. O preceito só tem razão de ser quando cotejado à luz da tutela cautelar e da sua característica instrumental desvirtuada, ou seja, às chamadas cautelares “satisfativas”.
Isso porque, tratando-se de liminar por tutela antecipada (que visa assegurar os efeitos de uma sentença de mérito) e não cautelar (que visa assegurar o resultado útil de um processo principal), o julgamento ocorrerá normalmente, já que há de ser perquirido normalmente o mérito (art. 273, § 4.°, do CPC), ao passo que a liminar cautelar “satisfativa” (rechaçada desde sempre, acertadamente, pela melhor doutrina) poderia mesmo prescindir de um processo principal, em que a discussão jurídica poderia se dar.
Os demais embaraços são atinentes basicamente à matéria de servidores públicos e suas vantagens pecuniárias. O argumento que se levantou contra eles foi a afronta ao princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional.
Infelizmente, a Lei 9.494/97 encontrou amparo no seio do Excelso Pretório, que declarou sua constitucionalidade na ADC 4-DF, rel. Min. Sydney Sanches, DJU 25.09.1999, p. 2, entendimento precedido daquele contido na ADIn 1.576-UF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ .16.04.1997 (decisão não publicada), proposta em face da então MedProv 1.570, de 26.03.1997, que se transformou na Lei 9.494/97. No mérito, deu-se procedência à ADC 4-DF.[1] O argumento utilizado pelo relator foi de que a Lei 9.494/97 não viola o princípio de acesso ao Judiciário.
Porém, tal declaração de inconstitucionalidade, com efeito vinculante, por si só não enseja o afastamento do controle incidental, desde que com base em outros motivos que não os apreciados na ação declaratória acima aludida. De fato, como já leciona Arruda Alvim, “essa decisão tem eficácia erga omnes e tem, igualmente, efeito vinculante, salvo se se deduzir um outro fundamento, ou, se se quiser, uma outra causa petendi, a que não se fez referência na decisão”[2].
Daí que pode ser dada a liminar antecipatória mesmo nos casos regrados pela Lei nº. 9.494/97, dando-se a declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade, desde que por motivo diverso do princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional.
Assim é que é possível a tutela antecipada contra a Fazenda Pública, sempre que não se trate de hipóteses reprimidas pela Lei nº. 9.494/97, e mesmo nelas, desde que sua inconstitucionalidade não diga respeito aos mesmos fundamentos da ADC 4-DF.
E tais situações não são difíceis de ocorrer. Muito do revés. Perceba-se que as limitações, em sua maior parte, adstringem-se ao tema servidores públicos e seus rendimentos e vantagens pecuniárias. Essa exegese não pode ser estendida (porque normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente, como bem sabido) para outros temas.
Por isso hoje não há dúvidas com relação ao cabimento nas tutelas de fazer (como apostilamento), não fazer (não demitir um servidor, por exemplo) e toda e qualquer outra que não esteja englobada pela Lei nº. 9.494797.
4 – Da Liminar em Mandado de Segurança:
O instituto da liminar é, com certeza, elemento indissociável à figura do mandado de segurança. Ao nosso pensar, não haveria razão para o legislador ter idealizado uma garantia do porte do mandado de segurança sem que tivesse oportunizado ao impetrante a possibilidade de pleitear a suspensão liminar do ato de coação. Instrumento ontologicamente vocacionado para contrastar atos administrativos auto-executórios ou, no mínimo, exigíveis, seria virtualmente inútil caso não existisse a possibilidade de suspensão liminar dos atos impugnados por meio deste instrumento processual.
Destarte, não obstante estar prevista de modo expresso apenas em lei ordinária (art. 7°, II, da Lei 1.533/51), é imperioso entender-se que a liminar em mandado de segurança possui status constitucional, e, sendo assim, não pode ser violada por leis infraconstitucionais. Pode-se dizer, inclusive, que, se o acesso à Justiça é assegurado em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito (CF, art. 5°, XXXV), com muito mais razão deverá sê-lo se tratar-se de direito líquido e certo, isto é, se o particular puder deduzir, contra a administração, pretensão demonstrável de plano por meio dos documentos anexados ao pedido inicial do mandado de segurança. Afiguram-se, então, insofismavelmente inconstitucionais quaisquer leis que pretendam restringir as hipóteses de cabimento da medida liminar em mandado de segurança.[3]
Sejam referidas, a propósito, as palavras de José Roberto dos Santos Bedaque: “Inafastável, portanto, a necessidade de um provimento jurisdicional destinado a eliminar qualquer risco decorrente da demora na oferta da prestação requerida. Trata-se, sem dúvida, de proteção inerente à garantia constitucional da ação, que não pode ser objeto de restrição por parte do legislador ordinário”[4].
A liminar em mandado de segurança pode assumir tanto feição antecipatória de tutela quanto feição tipicamente cautelar.[5] Na verdade, a liminar em mandado de segurança ainda que assuma caráter antecipatório, não deixa de ter uma certa veia cautelar. Indaga José Roberto dos Santos Bedaque: “Será que toda essa polêmica não constitui resquício da fase puramente técnica ou instrumental por que passou a ciência processual? Não estamos retomando o momento metodológico que se acredita superado? Não se trata, enfim, de questões que nada significam para o resultado do processo?”[6] A essas indagações, mais adiante, responde, afirmando: “(…) as semelhanças são muito maiores do que as diferenças. Requisitos e escopos de uma e outra praticamente se confundem. Nessa medida, a tutela antecipada, mesmo se rejeitada sua natureza cautelar, constitui modalidade de pronunciamento judicial cujas regras de regência são praticamente as mesmas concebidas para a tutela cautelar.”[7]
Do exposto, conclui-se que a liminar em mandado de segurança não pode ser acutilada por leis infraconstitucionais, seja porque não seria concebível o instituto do mandado de segurança sem que fosse aparelhável de medida liminar apta a coactar de plano os efeitos do ato impugnado, seja porque as liminares cautelares, entre as quais se inclui a liminar em MS, encontram respaldo no preceito constitucional que garante o amplo e incondicionado acesso ao Judiciário em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5°, XXXV).
Infelizmente, os exemplos que se vê no âmbito da legislação infraconstitucional que restringem a utilização das medidas liminares multiplicam-se. Uma das mais citadas é a do art. 1° da Lei 4.348/64, que estabelece que “a medida liminar somente terá eficácia pelo prazo de (90) noventa dias a contar da data da respectiva concessão, prorrogável por mais (30) trinta dias quando provado o acúmulo de processos pendentes de julgamento a justificar a prorrogação”. Trata-se de regra absurda e ilógica que vem sendo aplicada pelos tribunais pátrios.
Restrições outras, como aquela constante da Lei n°. 5.021/66, que no §4° do art.1°, assim dispõe: “Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias”, de igual modo não se afiguram consoantes com nosso sistema constitucional.
Mas não é só. Observa-se que as limitações à concessão de medidas liminares foram estendidas a outros procedimentos e tiveram a sua aplicabilidade, portanto, ampliada às medidas de urgência (de natureza cautelar e/ou antecipatória), em face do Poder Público. E ainda: chamado a manifestar-se acerca da compatibilidade de ditas leis com o sistema constitucional e legal em vigor, o Poder Judiciário, seja em controle difuso ou abstrato, tem se pronunciado pela constitucionalidade das mesmas. A exemplo do que se expôs, cita-se a decisão proferida na Ação Declaratória de Constitucionalidade 04, publicada no DJU de 04.11.1999, que reconheceu a constitucionalidade de mais um preceito limitador à concessão de liminares em face da Administração, consubstanciado no art. 1° da Lei n°. 9.494.
De outra parte, a exeqüibilidade imediata da sentença concessiva do mandado de segurança também é, segundo nos parece, corolário da dignidade constitucional do instituto e, mais, por que não dizer, dos próprios direitos e garantias por ele amparados. Sendo reconhecido direito líquido e certo ao impetrante, a sentença deve produzir efeitos de imediato. A propósito, são pertinentes as considerações de Cássio Scarpinella Bueno: “Não duvidamos que a ratio da subtração ex lege do efeito suspensivo da apelação na hipótese de concessão do mandado de segurança deriva de sua idéia básica e função de destaque no Estado de Direito. É, como já tivemos a oportunidade de acentuar, ação tipicamente disponível para o administrado defender-se dos abusos e desvios do Estado, preservando – ou procurando preservar – a plena fruição do bem invocado. Se, por hipótese, não fosse possível, uma vez concedida a ordem (que pressupõe direito líquido e certo), fruir o direito reconhecido ao impetrante, independentemente da interposição de recursos pelo Estado, o mandado de segurança tornar-se-ia ação ineficaz, deixando de cumprir seu papel como garantia constitucional”.[8]
Sem embargos, é possível à Fazenda Pública – como sucede com qualquer particular, em qualquer ação – pleitear a obtenção de efeito suspensivo à apelação, em caso de sentença concessiva do mandado de segurança. A regra constante do art. 558, parágrafo único do CPC remete às hipóteses do art. 520, I a VII, mas deve ser interpretada extensivamente. Desta forma, há plena possibilidade, presentes os requisitos do caput do artigo 558, de atribuição de efeito suspensivo à apelação, ainda que a hipótese esteja fora dos incisos I a VII do art. 520, disciplinada em lei extravagante, como é o caso da apelação em mandado de segurança.
Tenha-se presente, todavia, que o caput do art. 558 alude à relevância da fundamentação, o que, segundo parece, quer significar que a atribuição de efeito suspensivo pressupõe que o juiz tenha a apelação por plausível.
Da mesma forma, concedida medida liminar em mandado de segurança, e contra essa decisão interposto recurso de agravo de instrumento, a possibilidade de suspensão dos efeitos da decisão de primeiro grau requer a verificação da relevância da fundamentação (art. 527,III, e art. 558 do CPC).
Vislumbra-se, nesse sentido, que a tônica comum é que só há suspensão de decisão se o recurso entremostrar-se plausível. Se essa assertiva é válida para toda e qualquer apelação desprovida de efeito suspensivo, ou todo e qualquer agravo interposto contra decisões interlocutórias, com muito mais razão em se tratando de mandado de segurança, segundo quer nos parecer. Isto porque a liminar em mandado de segurança e a exeqüibilidade imediata da sentença concessiva da ordem são verdadeiros espelhos da dignidade constitucional do instituto.
Assim, soa-nos inadmissível que a suspensão de sentença/liminar em mandado de segurança seja possível pela simples invocação de interesse público, sem necessidade de discussão do acerto da decisão monocrática, como se pudesse existir interesse público fora da lei. Não se pode concordar com o contra-argumento no sentido de que, havendo interesse público, que preponderaria sobre o particular, estar-se-ia, apenas, suspendendo a eficácia da decisão até que ela fosse confirmada pela instância superior.
Se ao impetrante é concedida medida liminar, é porque o juiz terá vislumbrado, além de uma situação de periculum in mora, a relevância da fundamentação consoante da petição inicial. Sendo assim, na exata medida em que a liminar é verdadeiramente inerente ao instituto, a suspensão de sua eficácia, nesse caso, pode implicar o esvaziamento do próprio objeto do mandado, sendo que há prova documental do alegado, e, inclusive, a fundamentação da inicial se mostra juridicamente plausível (relevância da fundamentação).
Concluindo este ponto, pensa-se que o instituto da suspensão de liminar e da sentença em mandado de segurança deveria ser entendido como um instrumento a mais, franqueado ao Estado para buscar, junto ao Presidente do Tribunal a quem competir o conhecimento do recurso contra a decisão cuja eficácia se busca combater, a suspensão da decisão, mas não poderia mencionado objetivo ser alcançado sem que se demonstrasse que a decisão não está correta. Entretanto, esse não é, exatamente, o posicionamento adotado pelo E. Supremo Tribunal Federal.
5. Da suspensão do mandado de segurança pelo Presidente do Tribunal. Breves anotações.
A doutrina brasileira não se dedica à determinação da natureza jurídica da medida que suspende a eficácia de liminares ou seguranças concedidas em primeira instância, ou do procedimento pertinente a essa postulação, seus requisitos, seu ato postulatório etc. Tal instituto permanece à sombra dos ricos progressos da doutrina brasileira do mandado de segurança e ainda constitui, para todos os doutrinadores, uma verdadeira ilha de mistérios a desvendar. E, quando o caminhar sem rumo e sem norte por entre tais mistérios traz o risco de injustiças e desvios, torna-se aguda a necessidade de perquirir e meditar adequadamente, para que da ausência de uma sólida edificação conceitual não decorram males inquinadores dos verdadeiros objetivos do sistema processual-constitucional.
Do ponto-de-vista puramente procedimental, não há dúvida de que se trata de mero incidente do processo de mandado de segurança. Tenha-se presente a distinção entre questão incidente, incidente do processo e processo incidente, lembrando-se preciosas lições de Francesco Carnelutti. Certas questões que incidem sobre o processo, ou seja, que recaem sobre ele (incidunt) são desde logo decididas sem maiores desvios no procedimento, como é o caso das preliminares de carência de ação, coisa julgada ou incompetência absoluta, etc. No extremo oposto, há discussões que se travam em novo processo, distinto do primeiro mas incidente a ele, como são os embargos do executado, os de terceiro ou os embargos ao mandado de pagamento ou entrega (processo monitório). No entremeio, há questões cujo surgimento não ocasiona a formação de processo novo mas provoca desvios procedimentais significativos, ora com suspensão do procedimento principal, ora sem ela (ex.: as exceções de suspeição, impedimento, incompetência relativa). É o que se dá aqui. Não surge processo novo, mas a lei elabora um sistema mais complexo, ou menos, de apreciação de questão de ordem pública suscitada pela entidade de direito público. Esse incidente chega ao ponto de sujeitar-se a uma competência hierarquicamente diferenciada da competência para o próprio processo da impetração. É, todavia, um mero incidente do processo, tanto quanto uma exceção de incompetência relativa e não processo incidente. O que ali se decide prevalece somente quanto à concreta medida que se concedeu no processo pendente (em liminar ou em sentença, conforme o caso).
5.1– Natureza jurídica.
A medida que a Presidência concede não cassa a liminar de primeiro grau, como nos recursos sucede. Menos que isso: nos termos da própria lei expressa, limita-se a suspender sua eficácia, ou seja, a impor a provisória inanidade prática da medida enquanto assim convier e outra convicção não se formar a respeito. Embora a edição do novo art. 273 do Código de Processo Civil haja aberto os olhos da doutrina para a natureza não-cautelar das antecipações de cautela, ainda assim permanece a realidade de medidas que são provisórias e revisíveis, devendo ser reversíveis na prática, justamente porque fundadas na necessidade de urgência e da boa probabilidade da existência do direito (cognição superficial)[9]. Pode-se atribuir à medida suspensiva de competência do Presidente do Tribunal, mutatis mutandis, a natureza de contra-cautela destinada a oferecer um equilíbrio jurídico e substancial entre valores em jogo. Havendo risco de certos males a serem causados pela medida concedida na instância precedente, reage a ordem processual mediante outra medida que de algum modo neutraliza tal risco e afasta esses males. É como no caso das suspensões de eficácia, aqui submetidas a exame: se a preservação de um direito amparado em fumus boni juris entrar em conflito com relevantes valores inerentes à ordem pública e assim elencados na lei (lei n. 4.348, de 26.6.64, art. 4º), a solução será impor ao impetrante o risco e dar prevalência ao interesse público; e isso acontece ainda quando em sentença de mérito houver sido afirmada a lesão a direito líquido e certo, sendo ela suscetível de reforma pela instância superior.
5.2- Natureza de ação ou exceção?
Outra indagação refere-se à iniciativa desse procedimento e condicionamento da medida que mediante ele se prepara. Ela não se concede ex officio e quanto a isso o art. 4º é claro (lei n. 4.348, de 26.6.94). Pedi-la-á sempre a entidade a que pertencer o impetrado[10] e pedi-la é um dos chamados ônus absolutos, ou seja, ônus sem cujo desempenho veda-se por completo a obtenção do benefício.[11] Em linguagem mais clara, pode-se também dizer que a iniciativa prevista na lei caracteriza um ato indutivo, ou seja, ato indispensável para tornar possível o benefício desejado, embora insuficiente para que o resultado se produza (suficientes são os atos causativos).
O que acaba de ser dito não chega ao ponto de tomar partido sobre a precisa natureza jurídica da medida dos Presidentes dos Tribunais seja para caracterizá-las como demanda integrada no exercício de ação pelo Poder Público, seja para afirmar que se trata de uma exceção em sentido estrito: tal determinação não é relevante no deslinde da questão prática posta acima, porque em qualquer das duas hipóteses a solução prática será sempre a mesma.
Se se tratar de ação, chega a ser óbvia a afirmação de não estar o Presidente do Tribunal autorizado a conceder a suspensão da liminar ou da segurança sem a iniciativa da entidade interessada, ou além dos limites do pedido ou por fundamentos diversos dos alegados. Todo e qualquer juiz está sempre adstrito a julgar as demandas nos limites em que houverem sido propostas (art. 128 CPC, primeira parte), em decorrência do princípio da inércia da jurisdição e da tradicional regra da correlação entre o pedido e o concedido (judex judicare debet secundum allegata et probata partium). Se todo processo civil só pode começar por iniciativa de parte (CPC, art. 262) e se a tutela jurisdicional não será concedida se o sujeito legitimado não a postular (CPC, art. 2º), segue-se que, dispondo o juiz sem fidelidade à demanda, dispõe ele contra a regra da inércia, a que está fadado pelo sistema. Quem entender que a iniciativa da pessoa jurídica de direito público (art. 4º, cit.) constitui exercício do poder de ação já estará, portanto, automaticamente afirmando também a impossibilidade de conceder a suspensão da liminar com base em fatos não alegados naquela iniciativa.
O mesmo se terá também, se em vez de ação considerarmos que a postulação da pessoa jurídica de direito público, instituída no art. 4º da lei especial, caracteriza-se como exceção e não ação. Quando digo exceção, nesse contexto, refiro-me ao tradicional conceito de defesas atribuídas à iniciativa da parte e mais ou menos tipificadas na lei substancial ou material, às vezes estritamente dependentes dessa iniciativa. Para Liebman trata-se da “afirmação por parte do réu de um fato extintivo, modificativo ou impeditivo, destinada a obter a rejeição da ação”. Exceção é, nesse sentido e na linha dessa lição, defesa cujo exercício a lei tem por indispensável para que o juiz possa levar em conta algum desses fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor. Tanto quanto o exercício da ação, o da exceção faz-se por uma demanda de parte e, tanto quanto aquela iniciativa, essa do réu constitui-se em ônus absoluto. Em conseqüência, aos termos da exceção, conforme deduzida, está adstrito o juiz. Não é outra coisa que diz o Código de Processo Civil na locução, contida no mesmo art. 128 acima referido (segunda parte), e assim posta: “(…)sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. A exigência está nítida no art. 4º da lei especial aqui considerada. Trata-se, pois, daquilo que tradicionalmente a doutrina dos processualistas denomina exceções de mérito em sentido estrito e que, conceitual e funcionalmente, se opõem à chamadas objeções.
Tais argumentos levam a considerar que a iniciativa prevista no art. 4º constitui uma exceção em sentido estrito, não exercício de ação. Deve-se ter por certo que o juiz fica adstrito aos limites da iniciativa do Poder Público e violará o art. 128 do Código de Processo Civil (primeira ou segunda parte) se se apoiar em fatos não alegados ou se estender a medida suspensiva a outro ato judicial não impugnado.
5.3 – Tipificação legal.
Por outro lado, as razões que podem ser alegadas e consideradas nesse incidente perante o presidente do tribunal são típicas razões de interesse público. Caracterizam-se como razões que transcendem os pontos relevantes para a pura consideração do confronto entre os interesses opostos dos litigantes instalados na relação jurídica processual. São motivos que dizem respeito à sociedade como um todo, ou ao próprio Estado como instituição permanente e que, por esse ou aquele motivo, devem ter seu peso na solução do conflito inter partes.
Na técnica processual, a lesão ou ameaça aos valores indicados no art. 4º constitui fato impeditivo do direito do impetrante aos efeitos da liminar ou mesmo da sentença concessiva de segurança. O raciocínio completo é este: a) considerando os fatos inerentes ao litígio em si mesmo, o impetrante pode ter direito ao writ e aos seus efeitos; b) mas o Estado tem o direito à preservação daqueles valores de que a Constituição e a lei o instituem guardião; c) em conseqüência, a ordem jurídica afasta os efeitos da medida concedida, para que prepondere o culto a tais valores. Em suma: a lesão ou ameaça aos valores invocados pela entidade (art. 4º) são fatos que têm o poder de impedir que prepondere o direito do impetrante, ainda quando líquido e certo (e sempre que ainda não haja sido afirmado por decisão passada em julgado).
Nenhum fato é, em si mesmo, por sua natureza e em todas as situações, sempre constitutivo, sempre modificativo, sempre extintivo, ou sempre impeditivo. O enquadramento em alguma dessas categorias é sempre efeito do modo como aparece na concreta situação posta em cada caso. Aquelas razões de interesse público postas pelo art. 4º com o objetivo de autorizar a suspensão de segurança poderiam figurar como fato constitutivo em algum outro pleito judicial mas, tratando-se do direito à segurança que poderá ficar suspenso por esse meio, nessa sede a alegação terá nítido caráter impeditivo.
Por isso é que, como dito na parte final do tópico precedente, é preciso estar atento ao disposto no art. 128 do Código de Processo Civil, especialmente porque a própria lei deixa bem claro que não se trata de questionar os fatos constitutivos desse direito. A suspensão presidencial é instituto coexistencialmente ligado ao interesse público que em certas situações se sobrepõe legitimamente ao interesse de indivíduos ou grupos, sendo ilegítimo suspender a segurança por outro motivo que não aqueles elencados no art. 4º. A tipificação legal de hipóteses postas como impeditivas do direito à segurança é expressa e taxativa no direito positivo, resumindo-se a casos de perigo de grave lesão (a) à ordem pública, (b) à saúde pública, (c) à segurança pública ou (d) à economia pública. E, exigindo a lei que os fatos juridicamente relevantes sejam descritos, sendo um fato a lesão referida no art. 4º segue-se que (e) tudo quanto se apoiar em outro fato que a entidade não alegou é nulo por infração àquelas normas e princípios já referidos.
Assim, (a) se o pedido de suspensão se fundar em hipótese não elencada no art. 4º, ele será tecnicamente inepto; b) se a decisão presidencial se fundar em fato assim não tipificado, que a pessoa jurídica de direito público haja alegado, ela será violadora do art. 4º e da própria garantia constitucional e disciplina legal do mandado de segurança; c) se o pedido de suspensão se fundar em uma das hipóteses elencadas no art. 4º e o ato presidencial tiver outra motivação, este será infringente ao disposto na segunda parte do art. 128 do Código de Processo Civil.
Tudo isso porque, como dito, só sendo legalmente admitidos como impeditivos do direito do impetrante os fatos que se enquadrem nas hipóteses do art. 4º, nenhum outro pode ser validamente invocado pela pessoa jurídica de direito público e muito menos tomado como razão de decidir.
Seria algo como alegar ou tomar como razão de decidir, em um pleito de anulação de casamento, o adultério do demandado. A infidelidade conjugal, como qualquer outro fato subseqüente à celebração do matrimônio, é substancialmente relevante para a separação judicial ou divórcio, jamais para a anulação. Uma alegação daquela ordem, com aquele objetivo, viciaria a petição inicial (inépcia) e a sentença anulatória (violação à lei material). Se for alegado adultério pelo demandante e a sentença conceder a anulação por algum erro essencial contemporâneo ou precedente à celebração, então estaria violada a regra da correspondência entre a sentença e os fundamentos da demanda.
As decisões suspensivas das liminares não podem em hipótese alguma assentar no fundamento da complexidade da matéria, na discutibilidade da tese jurídica do impetrante, na falta do requisito de liquidez e certeza etc.
5.4 – Doutrina e legislação
No pouco que se escreveu sobre o tema, o pouco que se vê soa pelo mesmo tom do que acima vem sendo dito, embora a partir de outras colocações conceituais e sistemáticas. É assim o pronunciamento do conceituadíssimo Hely Lopes Meirelles, que diz algo de muito significativo para o deslinde dessa questão quando, referindo-se ao presidente do tribunal em sua competência para suspender liminares e mandados de segurança, enfatiza: “fica ao seu alto critério a valoração da oportunidade e conveniência da suspensão”[12].
Falar em oportunidade e conveniência é situar-se no campo das decisões legítimas em face dos valores expressos na ordem jurídica, sendo legítima uma solução mas podendo o agente público optar por outra igualmente legítima. Aliás, toda a teoria da discricionariedade assenta nessa institucionalizada liberdade de apreciar situações em face dos reflexos perante a sociedade, definindo-a a monografista Maria Sylvia Zanella di Pietro como a “faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito”[13].
Também Hely Lopes Meirelles, falando em suspender a segurança em face de critérios de oportunidade e conveniência, deixa muito claro que não está aludindo aos pressupostos da impetração, ou da concessibilidade da segurança ou mesmo da medida liminar (direito líquido e certo, perigo etc.). Trata-se, como dito, de observar os interesses da ordem pública, entendendo-se por isso “a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funções da Administração pelas autoridades constituídas“.
Não se trata de recurso, mas de pedido de competência originária do Presidente do Tribunal, visando tão-somente à suspensão provisória da liminar, uma vez verificadas as circunstâncias mencionadas no dispositivo comentado. É vedado ao órgão destinatário do pedido de suspensão o exame do mérito do mandado de segurança, bem como lhe é defeso proferir decisão revogando ou modificando a liminar. Caso assim proceda, essa decisão é nula porque ultra petita e contrária à norma legal autorizadora da medida[14].
Enfáticas e ainda mais expressivas são as palavras do processualista Donaldo Armelin, em pronunciamento que figura nos repertórios jurisprudenciais:
“o requerente somente pode fundar seu pedido de suspensão dos efeitos da liminar concedida em mandado de segurança nas causas enumeradas na lei n. 4.348/64, art. 4º, sendo vedado ao presidente do tribunal o reexame das razões de decidir do provimento jurisdicional que concedeu essa medida”[15].
Tudo isso somado converge ao resultado que aqui vem sendo demonstrado, ou seja, à interpretação sistemática do art. 4º da lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no sentido de que as suspensões ali autorizadas não constituem um juízo de reexame das liminares ou da própria segurança em seus pressupostos de admissibilidade ou requisitos de concessibilidade. As razões de interesse público ali consideradas, quando presentes e reconhecidas em decisão motivada, impedem que o impetrante, não obstante presentes os requisitos para a medida, se beneficie dela antes do trânsito em julgado da última decisão no processo da impetração. Daí, pois, dizer-se que tais razões constituem fatos impeditivos do direito à segurança.
Nem é outro o significado de manifestações jurisprudenciais, como esta do Col. Supremo Tribunal Federal, dizendo ser cabível a suspensão nos casos em que “o cumprimento imediato do julgado ou da liminar pode ferir ou ameaçar os interesses superiores legalmente protegidos”.[16]
5.5 Questões da competência absoluta dos órgãos colegiados
O que acaba de ser dito e sempre considerando a especificidade das situações jurídico-substanciais dadas pela lei como impeditivas do direito do impetrante à liminar ou à própria segurança projeta-se no direito positivo como importante fator determinante e limitador de competências. Pelo art. 4º da lei especial, é exclusivamente nas hipóteses ali indicadas que compete ao Presidente do Tribunal a competência para suspender a efetividade da medida concedida em primeiro grau de jurisdição. O Presidente não dispõe de competência geral para apreciar impugnações de toda ordem à concessão dessas medidas pelos juízos inferiores. O exame das questões referentes à própria admissibilidade do writ e de suas liminares pertence à competência dos órgãos colegiados do tribunal, não da sua Presidência.
Medidas que foram concedidas em processo regular e poderiam em tese ser censuradas por uma de câmaras do tribunal tiveram sua eficácia suspensa por um órgão monocrático (a Presidência). Para a crítica dos pressupostos de admissibilidade ou concessibilidade daquelas medidas existe o sistema recursal; e os recursos cabíveis são plenamente capazes de levar ao órgão colegiado competente eventuais pretensões à cassação do que tiver sido feito em contraste com a lei.
Em situações de significativa urgência, o exame dos pressupostos da medida concedida em primeiro grau pode até ser feito pelo relator em sede de agravo de instrumento, suspendendo a medida (CPC, arts. 527, inc. II e 558, par.). Mas esse é sempre um ato provisório e emergencial, situado no trajeto do recurso em direção ao órgão colegiado, o qual é o competente para tal exame. Jamais se legitima um ato da Presidência, quando não fundado nas estritas razões de interesse público elencadas no art. 4º da lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964; o presidente não tem essa competência, ainda quando, estranhamente, o regimento interno de algum tribunal lhe atribuísse.
“Podem os tribunais, através de norma regimental, atribuir competência própria e singular aos seus membros. Mas não podem declinar a favor deles a competência que a Constituição investiu nos próprios tribunais, como órgão de deliberação coletiva”.
Essa máxima, colhida em julgado do Excelso Supremo Tribunal Federal, é de plena aplicação ao caso em exame e a todos aqueles em que, seja por qual motivo for, um órgão singular do Tribunal julgar causas ou questões para as quais caiba recurso aos colegiados fragmentários.
5.6. Da liminar à sentença concessiva da segurança, sujeita a recurso
Será que, concedida a liminar e depois julgada procedente a impetração, o acesso às situações desejadas pelo impetrante continua tendo apoio naquela ou passa a ser efeito da sentença? Inversamente, quando a liminar foi concedida e a segurança vem a ser negada em sentença, sobrevive aquela até que esta seja reexaminada em decisão com trânsito em julgado?
A doutrina brasileira tem consciência de que as liminares típicas instituídas em certas leis, como a do mandado de segurança, da ação popular, da ação civil pública etc., assim como os interditos possessórios, constituem antecipações dos resultados postulados no processo antecipações às vezes integrais e no mais das vezes parciais, antecipação de todos ou de somente algum efeito da futura e verossímil concessão da tutela postulada, mas sempre antecipações de tutela jurisdicional. Essas antecipações nada têm de cautelares, dado que não se resolvem em meios de apoio ao processo, mas de verdadeira tutela jurisdicional às pessoas (tutela menos intensa que a definitiva mas sempre, tutela). Ao conceder liminar em mandado de segurança, o juiz antecipa a própria tutela que o impetrante pretende obter afinal, ou ao menos oferece-lhe proteção suficiente para instalá-lo em uma situação propícia a poder, no futuro, fruir com utilidade a tutela definitiva esperada.[17] Por isso mesmo que provisórias e destinadas a dar tutela urgentíssima em situações particularmente angustiosas, as liminares antecipatórias não devem criar situações irreversíveis e, no caso específico do mandado de segurança, são em tese destinadas a uma duração limitada no tempo (lei n. 4.348, de 26.6.64, art. 1º).
Discorrendo sobre a eficácia da liminar em face da sentença que julga afinal a impetração, estabeleceu Celso Agrícola Barbi uma distinção entre duas situações: a) ou a segurança é concedida e nesse caso “a liminar antes concedida será absorvida pela sentença final, que é imeditamente exeqüível“; b) ou ela é negada e a liminar “extinguir-se-á, porque não mais existem dois dos pressupostos de sua concessão, quais sejam a relevância do fundamento do pedido e a necessidade da manutenção do status quo até à sentença”.[18]
É sobre essa temática que versam os itens subseqüentes, onde se demonstra que, cessando a eficácia da liminar quando a impetração vem a ser julgada por sentença, fica também prejudicada a medida presidencial suspensiva dos efeitos daquela. Possíveis razões de interesse público eventualmente capazes de impedir a imediata efetividade da tutela jurisdicional buscada pelo impetrante (lei n. 4.348, de 26.6.64, art. 4°) hão de ser postas em confronto com a sentença e seus fundamentos e não mais com a liminar, que já inexiste no mundo jurídico.
5.7 Jurisprudência
Os tribunais brasileiros têm sido praticamente uníssonos no sentido daquela judiciosa afirmação de Barbi, de que o julgamento da impetração, por sentença, sempre supera e deixa sem conteúdo ou eficácia a liminar antes concedida. Outra não é, por exemplo, a premissa da qual deriva a afirmação de que “denegada a segurança, não pode o juiz restaurar a liminar, ao receber a apelação interposta pelo impetrante” (TJSP) [19]; Essa linha conta inclusive com o respaldo da Súmula 405 do Col. Supremo Tribunal Federal, assim enunciada:
“denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo dela interposto, 271 fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária”.
A parte dessa Súmula, aplicável e aproveitável para a questão em exame, é a que diz: “denegado o mandado de segurança pela sentença, fica sem efeito a liminar concedida“. Está o Supremo Tribunal, com essas palavras, deixando claro que a sentença substitui a liminar, em sua eficácia. E tanto a substitui quando nega, quanto também quando concede a medida. Tal inferência conta com o claríssimo respaldo da invocação do contraditório, da qual é antecedida a sentença, não o sendo a liminar. É inegável a diferença de eficácia entre uma sentença e uma liminar, sendo inadmissível pensar que uma decisão interlocutória tomada inaudita altera parte, antes das informações e eventuais provas trazidas pelo impetrado, e ainda sem o parecer do Ministério Público, pudesse prevalecer sobre uma sentença dada depois de cumpridas todas essas exigências.
Tudo converge, portanto, à premissa posta à base da opinião exarada neste capítulo, ou seja, a de que em qualquer hipótese o ato jurisdicional pleno, caracterizado pela sentença, substitui a decisão interlocutória proferida em resposta a pedido de liminar. Essa máxima vale para casos (a) de liminar concedida e sentença também concedendo a segurança, (b) de liminar concedida e sentença negando a segurança, (c) de liminar negada e sentença concedendo a segurança e (d) de liminar negada e sentença também negando a segurança. Ela prevalece, como dito, sempre. Em todos esses casos, não se aceitando a indispensável substituição do ato interlocutório pela sentença, poder-se-ia sempre chegar a resultados práticos inaceitáveis ou mesmo absurdos.
E as razões de assim ser repousam, como já dito também, no contraditório e observância de todo o procedimento, que antecedem à sentença e não ao julgamento do pedido de liminar.
5.8. Sobre a sentença sujeita a recurso
O que acaba de ser dito repousa, inclusive, sobre a moderna visão da sentença sujeita a recurso a qual, conquanto ainda não amparada pela autoridade da coisa julgada, pela lei é algumas vezes dotada de uma eficácia integral ou parcial.
A eficácia da sentença sujeita a recurso pode ser contida ou retardada pelo ordenamento jurídico, mas pode também ser liberada desde logo e essa será sempre uma opção de política legislativa. A ausência de coisa julgada não é fator posto de modo absoluto pelo ordenamento jurídico-processual como impeditivo dos efeitos da sentença. Tudo depende de como a lei trata cada espécie de sentença e, portanto, do modo como o direito positivo disciplina a matéria.
Eis como, de modo sistemático, chega-se ao disposto no parágrafo do art. 12 da Lei do Mandado de Segurança e à regra, que contém, da não-suspensividade do recurso interposto contra sentença concessiva do writ. Quando ali se autoriza de modo expresso a execução provisória de tal sentença, nisso reside a opção do legislador por liberar desde logo os efeitos desta. E, sempre nos quadros do direito positivo brasileiro, tem-se que essa exeqüibilidade só será suspensa quando, nas estritas hipóteses do art. 4º da lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, houver fundadas razões de ordem pública a desaconselhar que os efeitos da sentença concessiva de segurança sejam liberados antes do trânsito em julgado. É o direito positivo dispondo e excepcionando mas, sempre, o direito positivo.
5.9 Execução provisória de mandado de segurança
Como medida que “tem por fito preponderante que alguma pessoa atenda, imediatamente, ao que o juízo manda“, o remédio heróico consubstanciado no mandado de segurança dispõe de uma força íntima capaz de desencadear meios para sua própria efetivação, independentemente dos meios convencionais de executar estabelecidos no Código de Processo Civil (por quantia certa, por obrigações de fazer ou não-fazer etc.). Quer se aceite ou não a teoria das ações e sentenças mandamentais, à moda de Pontes de Miranda (de quem são as palavras entre aspas), [20] o certo é que o mandado de segurança, como medida impaciente, destinada institucionalmente a debelar agressões a direitos, clama sempre por uma eficácia imediata. Sem essa eficácia imediata, deixaria de ser um remédio heróico, como o quer a Constituição.
Ele é, por natureza, uma injunção, ou seja, comando a realizar um ato; comando imperativo, portador do imperium estatal. Por isso é que, diferentemente do que sucede com outras condenações, a sentença concessiva do mandado de segurança destina-se a ser cumprida imediatamente ou no prazo fixado. Pela própria missão institucional de que é dotada, com vista à efetiva tutela contra atos estatais ilegítimos, é conatural a ela a sua eficácia imediata. Seria uma frustração e uma inconstitucionalidade a prolação de sentença concessiva da segurança em breve tempo e, depois, a imposição das angustiosas esperas pela chegada da coisa julgada material ou pelas medidas de um processo executivo convencional, quase sempre insuficientes.
Tal é o significado da visão do mandado de segurança como “rito célere, escoimado das formalidades peculiares às ações em geral” (Seabra Fagundes)[21]. O Superior Tribunal de Justiça, referendando ensinamento de Hely Lopes Meirelles, consagra que:
“o mandado de segurança tem rito próprio e suas decisões são sempre de natureza mandamental, que repele o efeito suspensivo e protelatório de qualquer de seus recursos. Assim sendo, cumprem-se imediatamente tanto a liminar como a sentença ou o acórdão concessivo da segurança”[22].
Conta-se, também, um julgado em que, havendo o juiz a quo recebido em ambos os efeitos uma apelação contra sentença concessiva de segurança, o Tribunal deu provimento a agravo de instrumento, suprimindo o efeito suspensivo[23].
Não só existe norma explícita outorgando eficácia imediata à sentença concessiva de mandado de segurança não passada em julgado (não-suspesividade da apelação ou da devolução oficial), como ainda que essa solução legislativa é de toda legitimidade diante da própria destinação institucional desse remédio constitucional.
Como é notório, o art. 461 do Código de Processo Civil, trazido pela Reforma em 1994, agregou eficácia mandamental às sentenças condenatórias por obrigação de fazer ou de não-fazer, proferidas no processo civil comum. Eis a adoção de uma idéia e a generalização de uma sistemática que antes se impunham somente no processo do mandado de segurança ou da tutela coletiva (CDC, art. 84). Mais atualmente teve-se a terceira fase da reforma com sincretização do processo conhecimento-executivo (Lei n. 11.232/05)
5.10 Inadmissível a suspensão sem pedido específico
A teor do exposto, jamais poderá a suspensão de uma liminar concedida em processo de mandado de segurança propagar-se à sentença concessiva do writ, sem que haja pedido expresso da pessoa jurídica de direito público a que pertence o impetrado. E não só esse pedido é indispensável quer consideremos que a lei o qualifica como autêntico exercício de ação ou como exceção em sentido estrito como ainda a suspensão só pode ter por motivo os fundamentos invocados pela pessoa jurídica requerente ao pedir a nova suspensão. A sentença concessiva da segurança, sendo precedida de muito mais cuidados que a mera liminar, é ato jurisdicional que invariavelmente substitui a decisão interlocutória concessiva desta.
Essa substituição chega a ser uma verdade elementar, em direito processual. Liminares como essas, sendo medidas concedidas em consideração a uma situação de urgência e em face da mera probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante, têm vocação a uma vida relativamente efêmera e destinada somente a antecipar o que afinal provavelmente será decidido. Daí dizer a lei que elas são provisórias e revisíveis (CPC, art. 461, § 3º). Como toda antecipação de tutela jurisdicional, elas nem sempre são portadoras dos mesmos efeitos da sentença que julga o objeto da impetração. Referem-se a um momento da vida do processo – o da espera por uma sentença – que já estará superado quando esta vem a ser proferida. Concedida uma liminar e depois concedida a segurança por sentença, prevalecem os efeitos desta, na medida do que dispuser, e não mais os efeitos da liminar. Não pode pois haver a menor dúvida quanto à substituição da liminar pela sentença.[24]
6 – Eficácia temporal da decisão que acolhe o pedido de suspensão
Cabe examinar, enfim, a eficácia temporal da decisão que, acolhendo o pedido de suspensão manejado, determina a sustação dos efeitos da decisão de primeira instância, proferida no bojo de mandado de segurança. A questão fundamental que se coloca, neste momento, é a de saber se a decisão que suspende os efeitos da liminar, uma vez concedida a segurança, perde a sua eficácia.
Neste sentido imperioso consignar a inexistência de previsão legal específica a regular o caso concreto. Isto porque dispõe o § 9º do art. 4º da Lei 8.437/92 que: “A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”. O §2º do art. 4º da Lei 4.348/64, todavia, ao remeter aos preceitos da Lei 8.437/92 aplicáveis ao mandado de segurança, não se refere ao § 9º do art. 4º, mas apenas aos §§5º a 8º do art. 4º. da Lei 8.437/92.
Mesmo à mingua de previsão legal expressa, suspensa a decisão pelo Presidente do Tribunal e diante da concessão da segurança pela primeira instância, há bons argumentos para respaldar a conclusão de que os efeitos da suspensão da liminar devem subsistir à sentença.
Modo diverso do que sucede caso a liminar seja cassada em grau de agravo de instrumento – pois aqui o juiz, ao proferir a sentença (decisão judicial baseada em cognição exauriente), não está jungindo ao que tenha sido decidido pelo tribunal no agravo interposto contra a liminar (cognição sumária) -, no caso do pedido de suspensão, o que se verifica é que, se os motivos políticos que podem conduzir à suspensão da liminar foram reputados presentes, não é o fato de ser proferida a sentença que deve alterar a eficácia da decisão de suspensão pelo tribunal. Além disso, tenha-se presente que a decisão concessiva de segurança, ainda que não possa ser executada definitivamente, está sujeita (a sua eficácia) ao reexame do Tribunal (art. 12, parágrafo único da lei 1.533/51).
Há, nesse sentido, farta jurisprudência do STF, e, bem assim, do STJ, sustentando a manutenção da suspensão mesmo após a prolação da sentença concessiva da segurança.[25]
Discordando do entendimento acima manifestado são os apontamentos de Marcelo Abelha Rodrigues:
“(…) Se o pedido de suspensão de execução é de liminar, por que então valer para suspender a execução da sentença? Não fosse assim, não teria o menor sentido que o legislador especificasse como objeto do incidente suspensão de execução de liminar, sentença ou acórdão (nos processo de competência originária dos tribunais) como faz questão de dizer ao longo dos dispositivos legais que cuidam do tema em tela.
Assim, pensamos, só se pode falar em eficácia da suspensão da execução concedida enquanto existirem as seguintes situações: a) existir decisão (ter vigência) cuja eficácia foi suspensa, e b) ainda existir (ter vigência) a decisão suspensiva concedida pelo presidente do tribunal.”[26]
Em sentido idêntico, ao abordar este tema, a Ministra Ellen Gracie Northfleet cita julgado do eminente Min. Milton Luiz Pereira, que diz:
“Os efeitos temporais da suspensão amoldam-se às hipóteses de liminar seguida, ou não, e sentença favorável à parte autora. Os efeitos extinguem-se sobrevindo o título sentencial, dependendo a suspensão de nova provocação do interessado. Antes da sentença, os efeitos da suspensão fluem enquanto pender o curso processual da ação”[27]
Infere-se, contudo, que a concessão da segurança não tem o condão de retirar a eficácia da decisão proferida pelo Presidente do Tribunal competente e que decidiu pela suspensão da liminar concedida pela primeira instância. É por isso que, alinhando-se ao quanto tem sido ostensivamente sustentado em sede jurisprudencial, em especial pelos Tribunais Superiores, entende-se que, apenas com o exame final e definitivo da questão litigiosa (e com a formação da coisa julgada), é que sucumbirá a decisão prolatada em sede de pedido de suspensão.
7. A INTRODUÇÃO, NO REFERIDO ART. 4º, dos §§ 1.º E 2.º, PELA MEDIDA PROVISÓRIA 2.180-35.
Note-se, por oportuno, que a Medida Provisória 2.180-35, de 24.08.2001, introduziu dois parágrafos no referido art. 4º. , além de ter alterado vários dispositivos da Lei n. 8.437/92, cujo art. 4.º contém preceito similar àquele do art. 4.º da Lei n. 4.348/64.
Trata o §1.º recentemente inserido da possibilidade de um novo pedido de suspensão (per saltum) diretamente ao Presidente do STJ ou do STF, a depender do caso concreto, isto é, conforme esteja em pauta matéria de lei federal infraconstitucional ou matéria constitucional, respectivamente.
Esse pedido possibilita à Fazenda Pública que chegue muito rapidamente aos órgãos de cúpula do judiciário. Indeferida a suspensão pleiteada ou provido o agravo de que trata o caput do art. 4.º da Lei n. 4.348/64 (isto é, restaurada a decisão que fora suspensa pelo Presidente do Tribunal por órgão fracionário desse mesmo tribunal), caberá novo pedido ao Presidente do STF ou STJ, a depender da matéria que esteja em pauta no mandado de segurança. O pedido de suspensão deve ser dirigido ao Presidente do Tribunal ao qual couber o recurso, de tal sorte que, se a matéria envolvida for de índole constitucional, o pedido de suspensão haverá de ser dirigido ao Presidente do STF; se a matéria envolvida for de ordem infraconstitucional, então o pedido de suspensão devera ser dirigido ao Presidente do STJ.
Evidentemente, alem da suspensão per saltum, e possível pleitear-se a suspensão ao Presidente do STJ de liminar ou acórdão concessivo de mandado de segurança em única ou ultima instancia pelos Tribunais de Justiça ou Regionais Federais (art. 25 da Lei n. 8.038/90), se a causa envolver matéria de lei federal. Se estiver em pauta matéria de cunho constitucional, o pedido de suspensão há de ser dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal Federal (a propósito, dispõe o art. 297 do Regimento Interno do STF).
Se se diz que o pedido de suspensão, com a feição que lhe da a doutrina majoritária (secundada por vasta jurisprudência), não tem natureza recursal, pois não se objetiva por seu intermédio a reforma ou a anulação da decisão, este pedido de suspensão per saltum, e objeto de apreço, não deixa de ter uma certa feição recursal, como argutamente ponderado por Cássio Scarpinella Bueno[28], na medida em que em seu bojo se há de demonstrar que estão presentes os motivos conducentes à suspensão da decisão (liminar/sentença) e que, portanto, errou o Presidente do tribunal local ao não determiná-la.
Com razão,pondera mencionado autor – Cássio Scarpinella Bueno – que a Fazenda há de demonstrar, em seu conteúdo, que “a decisão presidencial, ao negar o pedido de suspensão originário, acabou por contrariar o interesse público ou é flagrantemente ilegítima ou, ainda, que viola os bens jurídicos referidos no caput do dispositivos”[29]. Daí, conclui com razão o referido autor, tal novo pedido de suspensão tem natureza recursal, no sentido de que por seu intermédio a Fazenda há de impugnar os motivos da decisão do Presidente do Tribunal local ou regional que tiver negado a suspensão, e não, pura e simplesmente, renovar o pedido de suspensão na instância ad quem.
Observe-se que, se é verdadeiro que o pedido de suspensão originário não se sujeita a prazo nenhum, não menos correto é afirmar que, tão logo se configure a situação subsumível à fattispecie do art. 4.º da Lei 4.348/64, há de se lançar mão do pedido de suspensão, sob pena de verdadeira descaracterização de situação apta a conduzir a referida suspensão.
Há de se indagar, todavia, se o pedido de suspensão per saltum, em razão da natureza recursal que se lhe reconhece, há de se submeter-se a prazo, ou se, tal qual o pedido de suspensão originário, não se submete a prazo algum, ainda que, naturalmente, o transcurso do tempo contribua para descaracterizar a situação concreta como subsumível à hipótese do art. 4.º da Lei 4.348/64. Responde afirmativamente a essa pergunta Cássio Scarpinella Bueno, asseverando que o prazo é de 15 dias, aplicando-se o art. 508 do CPC.[30]
A resposta à indagação formulada no parágrafo anterior, é forçoso reconhecer, não é simples. Isto porque, como observa com pertinência Marcelo Abelha Rodrigues, o pedido de suspensão per saltum é criticável por dois motivos, seja porque desvirtuou a natureza do instituto, seja porque criou “um remédio de uma só via, que se presta apenas ao Requerente do pedido de suspensão, já que só é cabível quando prejudicar à Fazenda Pública”[31]. A opinião defendida no presente estudo é a de que o pedido de suspensão per saltum não se sujeita a prazo nenhum, tal qual o pedido de suspensão originário.
Preceito de cunho similar a este insculpido no art. 4.º da Lei 4.348/64 encontra-se no art. 4.º da Lei n. 8.437/92, que trata da possibilidade de suspensão “da liminar em ações movidas contra o Poder Público e seus agentes”, que se aplica também às hipóteses de tutela antecipatória (arts. 273 e 461 do CPC), segundo o que estabelece o art. 1.º da Lei 9.494/97, bem como às ações cautelares inominadas, ações populares e ação civil pública, de acordo com o § 1.º do art. 4.º da Lei n. 8.437/92.
Observe-se que o § 3.º do art. 4º da Lei n. 4.348/64 estabelece ser cabível agravo da decisão que concede ou da que denega o pedido de suspensão, pelo que não se aplicam a essa hipótese as Súmulas 217 do STJ e 506 do STF que se referem especificamente à suspensão de que trata o art. 4.º da Lei 4.348/64. De outro lado, o prazo do agravo previsto na Lei 8.437/92 (§2º do art. 4.º) é de cinco dias, ao passo que no caso do agravo previsto no art. 4.º da Lei 4.348/64 o prazo é de dez dias, malgrado as opiniões em sentido contrário. Evidentemente, no âmbito do STJ e do STF, o prazo do agravo interno é de cinco dias, em face do que dispõem o §2.º do art. 25 e o art. 39 da Lei 8.038/90.
O § 2.º do art. 4.º da Lei 4.348/64 estabelece que se aplicam à suspensão de liminar ou sentença em mandado de segurança os §§ 5º a 8.º do art. 4.º da Lei 8.437/92, pelo que cabe referí-los, neste momento.
Segundo o § 5º do art. 4.º da Lei 8.437/92, é possível o pedido de suspensão, quando “negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere o artigo”. Quer isto significar que, interposto agravo de instrumento pela Fazenda, acaso lhe seja negado provimento caberá pedido de suspensão ao STJ ou STF, conforme hipótese.
Já o § 6º procura deixar bem claro que a Fazenda dispõe de dois instrumentos – agravo de instrumento e pedido de suspensão – com objetivos e finalidades distintas, já que este último não colima a reforma ou anulação da decisão recorrida, mas sim, exclusivamente, a sua suspensão enquanto não revista a decisão pelo tribunal.
Resguarda o pedido de suspensão, em primeira mão, o interesse público, tendo em vista os motivos políticos estampados no texto legal, ao passo que pelo agravo de instrumento pretende-se a reforma da decisão. O agravo de instrumento é recurso, ao passo que o pedido de suspensão encarta-se na categoria de incidente processual. Os requisitos necessários à suspensão dos efeitos da decisão agravada, estampados no inc. III do art. 527 e no art. 558 do CPC, diferem daqueles outros constantes do art. 4.º da Lei 4.348/64.
Enquanto para a concessão de efeito suspensivo ao agravo (ou antecipação da tutela recursal, como didaticamente passou a dispor o inc. III do art. 527, com redação que lhe foi dada pela Lei n. 10.352/2001) é preciso que se demonstre o perigo de lesão grave de difícil reparação, ao lado da relevância da fundamentação (entendida esta como a probabilidade de que seja dado provimento ao recurso), para que sejam suspensos pelo presidente do Tribunal os efeitos da decisão, deve ser demonstrado o risco de perecimento do interesse público, caracterizado pela verificação empírica dos itens constantes do art. 4.º da Lei n. 4.348/64.
Evidentemente, caso o presidente do tribunal suspenda os efeitos da decisão (liminar ou sentença), falecerá interesse ao recorrente para pleitear efeito suspensivo ao agravo de instrumento (se se tratar de recurso interposto contra medida liminar) ou à apelação (caso se trate de recurso interposto contra sentença).
Entretanto, é possível pleitear a suspensão da sentença sem a interposição do recurso cabível, como anteriormente sustentado. Por força da remessa necessária a que se sujeita a sentença concessiva do mandado de segurança (art. 12, parágrafo único da Lei n. 1.533/51), esta será revista pelo tribunal, ainda que não haja interposição de recurso voluntário (apelação). Neste caso, suspensa a sentença pelo presidente do tribunal, graças ao deferimento do pedido de suspensão a que se refere o art. 4.º da Lei n. 4.348/64, ainda que não haja interposição de recurso voluntário, a decisão do presidente do tribunal ad quem haverá de perdurar até o julgamento da remessa necessária.
Note-se que tal preceito admite claramente o cabimento de agravo de instrumento contra liminar concedida em ações promovidas contra o Poder Público e é aplicável à disciplina do mandado de segurança por força de preceito legal expresso.
De outra banda, o § 7.º trata da possibilidade de suspensão liminar de decisão e refere-se a dois requisitos – plausibilidade do direito invocado e urgência na concessão da medida – e, de uma certa forma, respalda o posicionamento a que se acompanha, no sentido de que a suspensão da liminar ou da sentença em mandado de segurança não requer, apenas, a verificação dos requisitos políticos estampados no art. 4.º da Lei n. 4.348/64, mas demanda também que se aponte por que a decisão cuja suspensão se almeja não está correta (juridicamente correta). Seja como for, é forçoso reconhecer, a jurisprudência e a doutrina majoritárias inclinam-se no sentido de que o pedido de suspensão demanda, apenas, verificação de ditos motivos políticos, não sendo necessário (nem mesmo admissível) discutir no pedido de suspensão a legalidade da decisão (liminar ou sentença).
Segundo o § 8.º do art. 4.º da Lei n. 8.437/92, aplicável ao mandado de segurança, o presidente do tribunal poderá estender a suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido inicial, o que se afigura como inteiramente correto: uma vez presentes os pressupostos políticos aptos a conduzir à suspensão, não há por que não se estender mencionada decisão a liminares posteriores.
8 – Da inconstitucionalidade do “novo” pedido de suspensão para o mandado de segurança
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.251, o novo pedido de suspensão do art. 4.°, § 4.°, da Lei 8.437/92 foi declarado, embora liminarmente, constitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federa! para as ações cautelares e naquelas ações em que formulado pedido de antecipação de tutela contra o Poder Público.
Entendeu-se na oportunidade que a criação de um novo mecanismo de controle dos atos jurisdicionais não só não maculava a competência constitucionalmente traçada para os tribunais superiores, mas também que era oportuna e razoável porque viabilizadora de um grau a mais de reexame de determinadas decisões que têm impacto inconteste no interesse público (valores protegidos no caput do art. 4.” da Lei 8.437/92 e pelo caput do art. 4.° da Lei 4.348/64).
Mais: a exemplo do que levou à negativa da cautelar pleiteada quanto ao novo § 5.° do art. 1.° da Lei 8.437/92, também acrescentado pelo art. 1.° da Medida Provisória 2.180,26 entendeu-se legítimo que a lei infra-constitucional discipline a tutela de urgência exercitável inclusive contra o Poder Público como melhor parecer ao legislador infraconstitucional (que legislador?) sem que isto signifique ofensa ao comando do art. 5.°, XXXV, da CF.
O que não foi enfrentado naquela sede – e nem havia necessidade diante do objeto daquela ação – é se um novo modelo de reexame de liminares em mandado de segurança fere ou não a Constituição Federal.
Isto porque o mandado de segurança e sua liminar têm assento constitucional ainda maior e mais abrangente do que as demais e quaisquer modalidades de tutela de urgência exercitáveis contra o Poder Público ou não. Não só encontra fundamento no multicitado inciso XXXV do art. 5.° da CF, mas, também, na própria previsão do mandado de segurana como ação civil predestinada a evitar e a repelir abusos e ilegalidades do Poder Público e de seus agentes (CF, art. 5.°, LXIX), inclusive sob a forma coletiva (CF, art. 5.°, LXX), conservando in natura a fruição plena do direito do particular.
É correta esta afirmação. O mandado de segurança, ontologicamente, é hipertrofiado pela Constituição. Tanto assim que, por diversas vezes, o Supremo Tribunal Federal negou que a legislação infraconstitucional (ou o que lhe faça as vezes) possa pretender minimizar, frustrar, embaraçar ou obstaculizar a eficácia plena do mandado de segurança que, muito comumente, realiza-se em função de sua liminar que, direta ou indiretamente (rectius, antecipando ou meramente acautelando) viabiliza e garante a fruição in natura do bem jurídico reconhecido em prol do particular.
Para destacar apenas um precedente daquela Corte, pertinente o destaque de trecho de voto que o Min. Carlos Velloso proferiu na ADI 975-DF.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, partindo da premissa de que, presentes os pressupostos para a concessão de medida liminar para o impetrante (Lei l .533/51, art. 7.°, II), ela deve ser deferida, escreveu seguinte, em passagem digna de aplauso:
“Assim posta a questão, Sr. Presidente, considero inconstitucional a lei ou medida provisória que suprime a medida liminar, porque essa lei ou medida provisória torna letra morta a ação constitucional do mandado de segurança, que é muito mais do que uma simples ação sob o ponto de vista processual, porque é ação constitucional, é garantia constitucional de direito individual.
Ademais, Sr. Presidente, convém não esquecer que a Constituição, ao cuidar do princípio da inafastabilidade do conhecimento do Poder judiciário de qualquer lesão a direito, estabelece, também, que a ameaça a direito não pode ser subtraída do conhecimento do Judiciário (CF, art. 5º, XXXV).
Ora, de regra, somente através da medida liminar é que seria possível coibir ameaça a direito.
Também por isto, é fácil perceber que seria inconstitucional uma medida provisória que proíbe a concessão de medida liminar no mandado de segurança. Repito: raciocino, evidentemente, nos casos em que a medida liminar é necessária, vale dizer, nos casos em que ocorrer os seus pressupostos, que se orientam no rumo daquilo que, na linguagem comum do foro, se denomina fumus boni iuris e periculum in mora.”
Pouco mais adiante – o que estava em pauta era a análise da constitucionalidade de uma medida provisória do Governo Collor que proibia a concessão de medidas liminares e da execução provisória em mandados de segurança impetrados contra Plano Econômico -, o Min. Carlos Velloso não deixou de acentuar que o instituto do pedido de suspensão previsto no art. 4.° da Lei 4.348/64 precisava ser interpretado restritivamente, “sob pena de causar maus tratos à Constituição”.
Em outra ocasião, o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de reafirmar seu entendimento de que o agravo referido no hoje art. 4.°, caput, da Lei 4.348/64 não cabe da decisão presidencial que nega o pedido de suspensão. E não cabe porque o pedido de suspensão limita e excepciona a grandeza e a finalidade do mandado de segurança pelo que não há razão para admitir a revisão do ato que o nega por requerimento do Poder Público.
Embora não se concorde com o não cabimento deste agravo também para particular – ao menos quando a questão é analisada com os olhos voltados mais ao necessário tratamento paritário das partes em juízo do que à grandeza constitucionalmente estabelecida ao mandado de segurança -, não se pode deixar de reconhecer a profundidade e o alcance das considerações então feitas pelo Supremo Tribunal Federal: tamanho o valor que a Constituição reservou para o mandado de segurança como garantia individual ou coletiva que não se pode admitir a revisão de ato que, em última análise, serviu para confirmar que o particular tem mesmo razão e necessidade de usufruir imediata e plenamente de seu direito e que isto não significa qualquer desordem pública.
Do que se vê da mais recente investida executiva na área do direito processual público a orientação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema não tem sido observada. Nem um pouco, a bem da verdade.
É certo que o art. 14 da Medida Provisória 2.180 não impede a possibilidade de concessão de medida liminar em mandado de segurança. Tampouco veda que a sentença que o concede comporte “execução” provisória nos termos do parágrafo único do art. 12 da Lei 1.533/51.
Mas não se pode deixar levar pelas aparências. Muito menos pela técnica empregada para a introdução dos dois novos parágrafos no art. 4.° da Lei 4.348/64. A inconstitucionalidade da medida provisória deriva da sombra com que o novo pedido de suspensão quer encobrir a luz que a Constituição Federal reconhece expressamente ao mandado de segurança. O novo pedido de suspensão e a aleatória possibilidade de ascensão imediata do Governo às Cortes superiores equivalem, em termos práticos, a duvidar da eficácia que o mandado de segurança pode ter concretamente. E o mandado de segurança, mais do que as outras ações, sem liminar é pouco útil. Vale muito pouco quando o dano que motiva seu ajuizamento tende a se consumar e vale nada quando se consuma. É típico caso de justiça tardia, que é não-justiça. Daí a inadmissibilidade de ato infraconstitucional pretender minimizá-lo, obstaculiza-lo, embaraçá-lo ou dificultar sua aptidão de produzir os efeitos que a Constituição reserva para e em prol do particular.
Assim, não é porque a medida provisória não veda expressamente a concessão de liminar em mandado de segurança, que ela deixa de incidir em flagrante inconstitucionalidade. Esta sua invalidade deriva, como o parágrafo anterior quer evidenciar, da criação de subterfúgios que dificultam a plena fruição imediata de decisões proferidas a favor do impetrante. A sombra, a ameaça e a presença constante do novo pedido de suspensão, decisivamente, é sinónimo de inconstitucionalidade. Sujeitar o que eventualmente for decidido em prol do particular ao controle imediato das Cortes superiores (por um atalho criado por medida provisória, cuja edição se fundamenta em relevância e em urgência) é, decididamente, ferir as garantias reservadas pela Constituição ao mandado de segurança e sua predisposição de fazer produzir efeitos concretos para o cidadão.
Estas razões são suficientes para que estas mais recentes inovações na Lei 4.348/64 sejam, qualquer dia desses, declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no exercício do controle abstrato ou concentrado da constitucionalidade. Enquanto ação direta de inconstitucionalidade com este objeto não vem, que sejam desconsideradas ou declarada sua impropriedade, porque francamente inconstitucionais – sempre de forma motivada, evidentemente -, pelos presidentes daquelas Cortes a exemplo do que já teve oportunidade de fazer o Min. Marco Aurélio, no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, quando da apreciação da Petição 2.066-9, pouco antes da análise, pelo Plenário daquele Tribunal, da já referida ADI 2.251.
9 – CONCLUSÃO:
Por fim, pretendeu-se abordar de maneira sistemática o tema, buscando conceitos simples e que explicassem corretamente o sentido dos institutos jurídicos. Dessa forma temos os seguintes pontos conclusivos:
1 – A liminar em mandado de segurança é, antes de tudo, instituto imanente a esta modalidade de ação constitucional e revela-se, ainda, como verdadeira garantia dos direitos por ela tutelados. Para o seu deferimento não há que se falar em discricionariedade. Presentes os pressupostos autorizadores e enumerados no art. 7o, II, acima descritos, a sua concessão é obrigatória;
2 – o pedido de suspensão de eficácia da decisão liminar ou da sentença em mandado de segurança está previsto no art. 4o. da Lei 4.348 e art. 13 da Lei 1.533. No seu exame, como têm se pronunciado majoritariamente doutrina e jurisprudência, não há que se avaliar a legalidade ou a juridicidade da medida concedida. Apenas se examina se estão presentes os pressupostos referidos na Lei. Tratar-se-ia, tais motivos, consoante a lição de Cândido Dinamarco, de verdadeiros impedimentos à concessão da segurança;
3 – A chamada suspensão de segurança demanda uma situação absolutamente excepcional. Como sustentado precedentemente, ainda que se encampe a posição majoritária no sentido de que a suspensão da liminar ou da sentença é possível mediante a mera invocação dos motivos políticos enumerados no art. 4o. da Lei 4.348/64, há de se entender que a efetiva existência desses motivos configura situação francamente extraordinária, apta a afastar, em razão dessa excepcionalidade, a liminar anteriormente concedida, tendo em vista, ainda, a supremacia do interesse público em face do privado;
4 – No pedido de suspensão deve ser demonstrado o fumus boni iuris, respeitando-se, inclusive, o contraditório;
5 – A legitimidade para formular o pedido de suspensão não é apenas das pessoas jurídicas da Administração direta, mas também das empresas públicas e as entidades de direito privado, pertencentes à Administração pública indireta. Idêntica legitimidade tem o Ministério Público;
6 – Não cabe agravo da decisão que indefere o pedido de suspensão, por expressa previsão legal;
7 – A suspensão da decisão determinada pelo presidente do tribunal competente para tanto subsiste até o trânsito em julgado do pronunciamento de mérito;
8 – A Med. Prov. 2.180-35 de 2001 introduziu na lei no. 4.348 o polêmico novo pedido de suspensão, revestido de natureza recursal, por meio do qual possibilita à Fazenda Pública dirigir-se rapidamente aos órgãos de cúpula (STJ e STF) e não se sujeita a prazo algum;
9 – o prazo para agravar a decisão que suspende os efeitos é de 10 dias, devendo-se observar, porém que, no âmbito do STJ e STF, o prazo passa a ser de 5 dias.
10 – O presidente do tribunal poderá estender a suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido inicial, de tal forma que, uma vez presentes os pressupostos políticos aptos a conduzir à suspensão, a extensão desta decisão às liminares supervenientes é medida que se impõe.
Entretanto, não é porque a medida provisória não veda expressamente a concessão de liminar em mandado de segurança, que a suspensão deixa de incidir em discutível inconstitucionalidade. Esta sua invalidade deriva da criação de subterfúgios que dificultam a plena fruição imediata de decisões proferidas a favor do impetrante. A sombra, a ameaça e a presença constante do novo pedido de suspensão, decisivamente, é sinônimo de inconstitucionalidade. Sujeitar o que eventualmente for decidido em prol do particular ao controle imediato das Cortes superiores (por um atalho criado por medida provisória, cuja edição se fundamenta em relevância e em urgência) é, decididamente, ferir as garantias reservadas pela Constituição ao mandado de segurança e sua predisposição de fazer produzir efeitos concretos para o cidadão.
Informações Sobre o Autor
Ricardo Manoel da Cruz Formiga
Advogado militante, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pós-graduação em direito processual civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.