O CEJUSC como instrumento [in]viabilizador do acesso à justiça

Autores: PEREIRA, Ana Júlia Barbosa. Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). E-mail: [email protected].

JESUS, Lucas Pereira de. Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). E-mail: [email protected].

SILVA, Lucas Vinicius Rodrigues. Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). E-mail: [email protected].

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SANT’ANA, Janice Cláudia Freire. Professora efetiva do curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Mestra em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Advogada. E-mail: [email protected].

VELOSO, Cynara Silde Mesquita. Professora efetiva do curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). E-mail: [email protected].

Resumo: O acesso à justiça consiste, na sua essência, como o direito da pessoa de resolver seus conflitos, de modo que seu conceito pode ser analisado sob a ótica de “ondas” renovatórias, ou possíveis soluções para superação dos obstáculos de acesso à justiça. A quinta onda de acesso à justiça reflete um movimento pela “desjudicialização”, que culmina na valorização dos Meios Alternativos de Solução de Conflitos (MASCs), como a conciliação e a mediação. O Brasil recepciona esses métodos a partir de normas recentes, como a Resolução n° 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que cria os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs ou Centros), que oferecem serviços de conciliação e mediação à população. O presente artigo procura investigar se o CEJUSC é um instrumento [in]viabilizador do acesso à justiça. Esta é uma pesquisa descritiva, em que se utiliza das técnicas bibliográfica e documental. Faz-se breve revisão de literatura e um estudo de caso do CEJUSC na Justiça Estadual de Minas Gerais, para que se satisfaça o objetivo geral deste artigo. Conclui-se que o CEJUSC é uma alternativa satisfatória na resolução de conflitos, em muitos casos, de modo que ele viabiliza o acesso à justiça.

Palavras-chave: CEJUSC. Acesso à justiça. Conciliação. Mediação.

 

Abstract: The access to justice consists in, on its essence, the right of people to solve their own problems, so that its concept can be analyzed by the “waves” of reform, or possible solutions to overcome the obstacles that are in the way to this access. The fifth wave of access to justice reflects a movement that seeks to escape from the judicial system, that culminates in the appreciation of the Alternative Means of Conflict Resolution (MASCs), such as conciliation and mediation. Brazil receives these methods from recent rules, like 125/2010 Resolution of the National Council of Justice (CNJ), that is responsible for creating the Judicial Center of Conflict Resolution and Citizenship (CEJUSCs or Centers), that offers conciliation and mediation services to the people. The present article seeks to investigate if CEJUSC is an [in]feasible tool of accessing justice. This is a descriptive research, in which is used bibliographic and documental techniques. There is a short literature review and a case study of CEJUSC in the State Justice of Minas Gerais, in order to satisfy the general purpose of this article. It can be inferred that CEJUSC is a satisfactory alternative to resolve conflicts, in many cases, so that the access to justice can be enabled.

Keywords: CEJUSC. Access to justice. Conciliation. Mediation.

 

Sumário: Introdução. 1. O acesso à justiça sob a ótica de Cappelletti e Garth. 2. CEJUSC a partir da Resolução n° 125/2010 do CNJ.  3. Estudo de Caso: Os CEJUSCs no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

       O presente estudo versa sobre o acesso à justiça enquanto ideário que influenciou o surgimento dos Meios Alternativos de Solução de Conflitos (MASCs), em que se incluem a conciliação e mediação. O ideário do acesso à justiça é fundamentado pela noção de que os cidadãos têm direito de resolver seus conflitos intersubjetivos de maneira igualitária e justa, conferindo aos envolvidos o tratamento adequado para que possam propor a satisfação de seus respectivos interesses.

Sob esse prisma, o estudo partiu da concepção de acesso à justiça de Cappelletti e Garth (1998), que é demonstrado como um direito social fundamental, que visa a garantia de um sistema jurídico moderno que atenda a necessidade de todos. Nesse sentido, o conceito analisado culmina no movimento de “saída da justiça” (ou desjudicialização), exercido por meio dos MASCs (em especial, a conciliação e a mediação). Nessa conjuntura, recentes normas têm privilegiado essas alternativas, como a Resolução n° 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que cria os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs ou Centros), órgãos cuja principal competência é promover sessões de conciliação e mediação.

O objetivo geral do presente artigo é analisar se a atuação do CEJUSC contribui para a efetivação da noção contemporânea de acesso à justiça, de modo que se responda ao seu questionamento: O CEJUSC é um instrumento que viabiliza ou inviabiliza o acesso à justiça?

Cabe dizer que este trabalho utilizou a metodologia dedutiva para abordar sobre as temáticas, procedendo-se com análise bibliográfica do livro “Acesso à Justiça” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988) e de artigos sobre as temáticas abordadas. Além disso, foi feita investigação documental nas normas atinentes ao objeto de estudo, como a Resolução n° 125/2010 do CNJ, a Lei de Mediação, o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), dentre outros diplomas.

Além disso, realizou-se um estudo de caso em que são analisados dados estatísticos do CEJUSC do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). A análise refere-se ao número de conciliações agendadas, acordadas e realizadas entre 2013 e 2020 e a índices de satisfação de usuários desses órgãos entre 2018 e 2020.

 

  1. O ACESSO À JUSTIÇA SOB A ÓTICA DE CAPPELLETTI E GARTH

O conceito de acesso à justiça passou por uma série de transformações que evidenciaram a amplitude e o reconhecimento de sua definição. A doutrina tradicional considera o acesso à justiça como o direito de ingressar no sistema jurisdicional e ao processo. Esse entendimento parte das leituras da Declaração Universal dos Direitos Humanos[2] e na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu rol de direitos fundamentais.[3] Essa é a posição Cappelletti e Garth (1998, p.8):

“A expressão ‘acesso à justiça’ é de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente e justos.”

Referido conceito adveio de uma enorme transformação na passagem dos Estados liberais burgueses dos Séculos XVIII e XIX, que tinham procedimentos para a solução de litígios com caráter individualista e resguardados para as sociedades modernas, nas quais as ações assumiram uma forma coletiva, dado que passaram a reconhecer os direitos e deveres sociais das associações, comunidades e indivíduos.

Nesse sentido, Capelletti e Garth (1998, p. 9) apontam a transformação do conceito:

“Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um ‘direito natural’, os direitos naturais não necessitavam de uma proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros.”

Desse modo, a atuação do Estado passou a ser necessária para assegurar direitos sociais básicos e o direito ao acesso efetivo à justiça ganhou corpo à medida que as reformas do Estado de bem-estar social procuraram conceder aos indivíduos novos direitos. Cappelletti e Garth dividiram em três ondas os principais movimentos renovatórios do acesso à justiça: assistência judiciária, representação jurídica para os interesses difusos e enfoque de acesso à Justiça.

A primeira onda citada por Cappelletti e Garth (1998) teve como foco a assistência judiciária às pessoas carentes, como contraponto à tradicional liberal-burguesa dos Tribunais que impunham óbices econômicos para a lide judicial. A segunda onda apresentava preocupação com a satisfação de interesses difusos, os quais tinham a própria organização judiciária como obstáculo. A terceira onda detinha “o enfoque do acesso à justiça”, pois entendia essa expressão de maneira ampla (e não apenas enquanto valor promovido apenas pelo Judiciário). Nesse momento, surgiam mecanismos processuais mais adequados para acesso à justiça, além de se preocupar com a preparação dos operadores do Direito para essa demanda.

Igualmente digna de destaque é a quarta onda, a qual não é abordada por Cappelletti e Garth, mas foi desenvolvida por autores posteriores. Ela se preocupa com a formação ética dos operadores do direito, incumbindo-lhes a responsabilidade de promoverem o acesso à justiça. Nesse sentido, a própria noção de justiça é repensada, para que se adeque às necessidades sociais dos indivíduos na contemporaneidade. Além disso, essa onda tem papel importante no preparo de novos juristas para uma atuação socialmente responsável. (BACELLAR, 2012)

Posteriormente, surge a quinta onda – denominada “saída da justiça” -, proposta por Bacellar (2012, p. 28). Ao contrário das outras ondas que trabalham sob a perspectiva do sistema judicial, essa última dimensão: “[…] tem como desafio inicial eliminar o estoque de casos antigos e como desafio permanente ode ampliar e manter um leque de opções colocadas à disposição do cidadão para solucionar seus conflitos na forma alternativa adequada.”

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Nesse contexto, a heterocomposição judicial (sistema em que o juiz decide o caso) é substituída pela autocomposição consensual – em que as partes envolvidas chegam a acordos sobre a melhor resolução do litígio, de maneira autônoma pacífica. (SOUZA, 2019) Sob outra ótica terminológica, passa-se a sugerir métodos consensuais baseados no valor de pacificação social em substituição aos tradicionais métodos adversariais, que são definidos pela “cultura do litígio”, da crença no embate como única alternativa possível. Assim, inicia-se um empenho por uma mudança de mentalidade, de operadores do direito e dos próprios cidadãos, em que a resolução satisfatória dos conflitos seja prioridade sobre a forma litigiosa adversarial. (GUEDES, 2019) Destarte, a conciliação e a mediação emergem como metodologias satisfatórias para esse fim. Aquela primeira, por exemplo, é tratada por Cappelletti e Garth (1998, p.37), que sustentam: ”a conciliação é extremamente útil para muitos tipos de demandas e partes, especialmente quando consideramos a importância de restaurar relacionamentos prolongados, em vez de simplesmente julgar as partes vencedoras ou vencidas. Mas, embora, a conciliação se destine, principalmente, a reduzir o congestionamento do judiciário, devemos certificar-nos de que os resultados representam verdadeiros êxitos, não apenas remédios para problemas do judiciário, que poderiam ter outras soluções.”

O surgimento dessa onda não ocorre à toa. Conforme apresentado por Cappelletti e Garth, já havia sugestões para mitigar o número de processos judiciais em tradicionais Tribunais. No Brasil, não seria diferente, onde se vinha experimentando alternativas semelhantes. Um exemplo dessas propostas são os antigos Juizados de Pequenas Causas – por meio da Lei nº 7. 244, de 7 de novembro de 1984, que instituiu os Juizados na década de 1980. Em sequência, a Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que, atualmente, são instituições consolidadas.

É a partir dessa necessidade que surge o fenômeno da “desjudicialização”, movimento pela diminuição na entrada de ações nos quaisquer tribunais, de modo que os indivíduos suas lides sem a figura do juiz. Por meio dessa nova proposta, satisfaz-se a intenção da quinta onda de acesso à justiça (ou saída da justiça), que começa a ganhar adequada aplicação prática. Para Bacellar (2012), a desjudicialização trata-se de uma alternativa que visa descomplicar o Sistema Judiciário, ao adotar métodos autocompositivos para resolução de contendas, em que se formam os MASCs. Esse novo arcabouço de metodologias produz diversos benefícios, como:

  1. autonomia nas decisões interpartes, visto que são os litigantes que protagonizam o processo decisório;
  2. economias de custos relacionados a processos judiciais;
  3. democratização do acesso à justiça, visto que os MASCs são mais ágeis, mais econômicos e mais humanizados;
  4. fortalecimento da confiança dos envolvidos na real possibilidade de resolver suas contendas;
  5. maior agilidade nas soluções de lides (se comparados com a heterocomposição judicial), o que o configura como alternativa aos morosos processos judiciais.

Ainda que persista a “cultura do litígio”, é inegável que houve avanços no incentivo à utilização dos MASCs. Como exemplo dessa evolução, cita-se: I) a Resolução n° 125/2010 do CNJ, que instituiu Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses, que define sobre aludidos métodos e cria os Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSCs); II) a Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o Código de Processo Civil de 2015, reconhecendo a necessidade de estímulo dos operadores do Direito à conciliação e à mediação, além de dispor várias regras sobre a sua realização; III) a Lei nº 13.140/2015, que dispôs sobre a resolução autocompositiva de conflitos na seara da Administração Pública. (FERRO, 2019)

Nessa conjuntura, emerge a noção de Justiça Multiportas. Na didática de Bacellar (2012, p. 80), as múltiplas portas referem-se à “mais ampla oferta de meios, métodos, formas e mecanismos (vinculantes ou não) colocados à disposição do cidadão, com o estímulo do Estado, a fim de que ocorra o adequado encaminhamento dos conflitos para os canais disponíveis”.

Ante esta nova realidade, “acesso à justiça é ter a capacidade de resolução de conflitos de forma eficiente, seja através de ações judiciais, seja por métodos alternativos” (BACELLAR, 2012, p. 37). Sob essa ótica, a conciliação e a mediação encontram-se no rol de estratégias dispostas pela Justiça Multiportas. A pessoa deve ter direito de escolhê-las como “portas” mais adequadas para resolver suas lides, se assim o desejar, garantindo-lhe as informações sobre os seus benefícios. Assim, considerando esta estrutura jurídica contemporânea, a garantia desses métodos aos cidadãos é fundamental e encontra-se atrelada ao direito de acesso à justiça, constitucionalmente consagrado.

 

  1. CEJUSC A PARTIR DA RESOLUÇÃO N° 125/2010 DO CNJ

Com advento da Resolução nº 125/2010 do CNJ, possibilitou-se a estruturação e consolidação da Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses. Em suma, a Política prevista pela Resolução tem como objetivo assegurar a todos o acesso à justiça,

O Judiciário brasileiro, com objetivo de minimizar problemas no que concerne à duração de processos, seguiu o caminho traçado por diversos países como Argentina e Itália, adotando métodos alternativos de solução de conflitos. Nesse sentido, visando a eficiência na solução de conflitos, houve a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSCs), cuja implementação se deu no final de 2011. Assim, a Resolução nº 125/2010, com alteração da Emenda nº 01/2013, ambas do Conselho Nacional de Justiça, programou a criação dos CEJUSCs.

Compete aos Centros a realização das sessões e audiências de conciliação e de mediação bem como o atendimento e a orientação às pessoas que possuem dúvidas e questões jurídicas. Nessa toada, as conciliações e mediações nos CEJUSCs devem observar o princípio de gratuidade da Justiça às pessoas hipossuficientes, conforme é previsto no artigo. 5°, inciso LXXIV, da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (BRASIL, 1998). Nesse sentido, as pessoas hipossuficientes economicamente terão a oportunidade de ver suas questões resolvidas pelo Judiciário de forma gratuita e plena. Assim, o CEJUSC se mostra como instrumento de acesso à justiça, que visa solucionar os conflitos com mediação ou conciliação sem obrigação de pagamento. Dessa forma, ele se mostra um meio que promove o exercício da cidadania, em que o cidadão é capaz de resolver os conflitos de forma pacífica e reflexiva resultando na efetividade dos direitos fundamentais.

É cabível destacar que as sessões de mediação e de conciliação promovem a democratização da Justiça. Dessa forma, cabe conceituar esses termos de relevância: a mediação, segundo a Lei nº 13.140/2015, que consiste num dos meios alternativos para resolução de conflitos em que um acompanhado por um “terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.” (BRASIL, 2015). Por outro lado, a conciliação consiste em um método em que o terceiro facilitador deve interferir na solução de conflito de maneira mais direta e, inclusive, pode oferecer formas de solucionar o litígio.

Ao se compreender que a conciliação e a mediação são ferramentas adequadas para a solução e prevenção de conflitos, buscou-se organizar, aprimorar e promover ações de incentivo a esses métodos de autocomposição de litígios. Dessa forma, o artigo 7º da referida Resolução determinou a criação dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMECs) pelos Tribunais, que teriam como algumas de suas atribuições: a instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), onde seriam realizadas as sessões de conciliação e de mediação; e a capacitação permanente dos servidores que ali se encontram – sejam eles magistrados, conciliadores, mediadores ou servidores. (CNJ, 2010)

A partir de sessões de mediação e conciliação, os CEJUSCs têm por objetivo estabelecer um “espaço” democrático para a solução de litígios, o que possibilita a participação ativa das partes envolvidas e que seus interesses sejam devidamente respeitados. Dessa forma, deixa-se de lado a cultura da sentença, tão presente no cotidiano brasileiro, e estimula-se os meios alternativos de resolução de conflitos – que propiciam tanto uma maior celeridade em suas resoluções e menos gastos ao Estado, além de democratizar o acesso à Justiça e desafogar o Poder Judiciário.

Para melhor compreensão do papel do CEJUSC enquanto incentivador da autocomposição, faz-se importante conhecer sua estrutura. Os Centros contemplam três setores: o de solução de conflitos pré-processual, em que qualquer pessoa pode apresentar o conflito que deseja solucionar e será informada acerca dos meios possíveis para essa resolução; o de solução de conflitos processual, que atende os processos que já foram judicializados; e o de cidadania, que tem a incumbência de orientar a população acerca de seus direitos e como garanti-los. É essencial destacar que são diversas as áreas abrangidas pelo CEJUSCs, a exemplo das questões de famílias, cíveis e previdenciárias. (MINAS GERAIS, 2020)

Quanto aos colaboradores presentes nos CEJUSCs, faz-se necessária a presença de 1 (um) juiz coordenador e 1 (um) adjunto, caso preciso. Eles terão as seguintes competências, conforme disposto no art. 9º da Sessão III da Resolução nº 125/2010 do CNJ: “I – administrar o Centro; II – homologar os acordos entabulados; III – supervisionar o serviço de conciliadores e mediadores.” (CNJ, 2010). Ademais, é necessário que haja, ao mínimo, um servidor capacitado que se dedique exclusivamente ao CEJUSC.

Para a solução de conflitos, é imprescindível a presença de um terceiro que não esteja envolvido no processo. Dessa forma, ficam encarregados de conduzir as sessões de autocomposição dos CEJUSCs os mediadores e conciliadores, que tem o papel de viabilizar o diálogo entre as pessoas envolvidas, buscando a resolução do conflito de forma equilibrada e justa, conforme seus princípios basilares. Esses servidores serão, conforme o disposto no “Anexo I” da Resolução, capacitados de forma teórica e prática acerca dos métodos de solução de litígios. (CNJ, 2010). É importante destacar que eles deverão, de forma continuada, buscar se aperfeiçoar e se adequar aos métodos de autocomposição e suas inovações.

Com o objetivo de guiar a forma de atuar dos conciliadores e mediadores, o artigo 1º do “Anexo III” da Resolução supracitada estabelece que: “são princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.” (CNJ, 2016)

Dessa maneira, esses servidores podem exercer suas funções com lisura, compromisso e respeito àquilo que se propuseram a realizar.

 

  1. ESTUDO DE CASO: OS CEJUSCS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Para melhor a compreensão do tema em estudo serão analisados os dados estatísticos do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG, por meio estudo de caso para a consecução dos objetivos deste trabalho.  Assim, após a devida contextualização do CEJUSC, será analisada a quantidade de procedimentos agendados, realizados e bem-sucedidos nos Centros do TJMG. Além disso, observar-se-á as porcentagens de respostas a uma pesquisa de opinião sobre as conciliações e mediações do CEJUSC no TJMG. A análise das informações permite desvendar em que medida as sessões de conciliação e de mediação realizadas no CEJUSC implicam na homologação de acordos, demonstrando-se como eficiente na resolução de conflitos.

Em relação ao CEJUSC da Justiça Estadual de Minas Gerais, sua instalação se deu em 27 de agosto de 2012. Dentro dessa estrutura administrativa, há o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de 2º Grau (CEJUSC de 2º Grau), órgão diretamente ligado ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC). A atribuição do CEJUSC de 2º Grau é a realização de audiências de conciliação e mediação na 2ª Instância.

Há, também, o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania para Demandas Territoriais, Urbanas, Rurais e de Grande Repercussão Social (CEJUSC Social), que foi instalado no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Comarca de Belo Horizonte, conforme Portaria Conjunta nº 420/PR/2015 entre a Justiça Estadual e a Corregedoria de Minas Gerais. (MINAS GERAIS, 2020). Cabe lembrar que o CEJUSC Social tem abrangência em todo o Estado de Minas Gerais, para a conciliação e a mediação, pré-processual e processual.

Já o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania Ambiental (CEJUSC Ambiental) foi criado para solucionar conflitos relacionados a demandas ambientais de grande repercussão social. Por sua vez, o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania para demandas de Direito de Família da Justiça de Primeiro e Segundo Graus do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (CEJUSC Família) tem a finalidade de resolver conflitos relacionados a divórcio, disputa pela guarda de filhos, partilha de bens e pensão alimentícia. Vale salientar que, das 297 comarcas mineiras, 243 já possuem CEJUSCs (MINAS GERAIS, 2021).

Diante dessas proposições, o presente artigo se propõe a apresentar os dados estatísticos sobre as conciliações e mediações (pré-processuais e processuais) agendadas, realizadas e com sucesso (acordadas) nos Centros da Justiça Estadual de Minas Gerais. A coleta das informações deu-se mediante dados obtidos do site oficial do TJMG, na seção destinada ao CEJUSC.

Primeiro, foram analisados os números de sessões de conciliação/mediação agendadas, realizadas e acordadas entre 2013 e 2020. Como artifício para investigar o objeto deste trabalho, foi feito um cálculo percentual das sessões acordadas sobre aquelas agendadas, no total desses anos, para verificar a “taxa de sucesso” das audiências autocompositivas no CEJUSC. Nesse diapasão, é possível apresentar os resultados desses levantamentos:

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Em análise à tabela 01, pode-se observar que 1.433.652 sessões foram agendadas. Além disso, 1.014.128 sessões foram realizadas e 609.436 acordadas, entre os anos de 2013 e 2020. Ademais, houve uma taxa de 60,09%de acordos por sessões realizadas. Pode-se observar que existe uma alta taxa de efetividade dos CEJUSCs do TJMG. Os benefícios das conciliações e mediações promovidas pelo CEJUSC são percebidos pelos próprios membros da Justiça do Estado.

O Juiz de Direito Renan Chaves Carreira Machado, do TJMG, observa em uma entrevista jornalística que “além de significar menos tempo e gastos na solução de um litígio, a solução consensual reduz as chances de descumprimento do que foi acordado entre as partes.” (MINAS GERAIS, 2018). Assim, em análise, o CEJUSC cumpriu com o seu propósito principal, qual seja: promover os meios alternativos de forma célere e sem custos aos interessados, demonstrando a eficácia dos meios adequados na resolução das lides, com vistas ao devido acesso à justiça.

Ainda, cabe apresentar resultados de questionários que foram respondidos pelos usuários dos Centros, depois de realizadas as conciliações. As respostas dos questionamentos indicam o alto índice de satisfação com o sistema, conforme se observa na tabela a seguir:

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       É possível observar que, em relação às intervenções do conciliador/mediador, 75,51% dos entrevistados em 2020 responderam que elas contribuíram para o resultado da audiência. Após participarem das sessões autocompositivas, 86,69% dos usuários consideraram que participar da audiência de conciliação/mediação lhes trouxe benefícios e 67,60% dos entrevistados afirmaram que sua visão sobre o Poder Judiciário melhorou.

Em síntese, chegou-se ao resultado de 60,09% de acordos por sessões realizadas, dentro da soma dos números de cada ano, entre 2013 e 2020. Ademais, os resultados percentuais de respostas dos usuários dos Centros do TJMG a questionário de opinião, dentre os anos de 2018 e 2020, também refletem posicionamentos satisfatórios. Ali, percebeu-se que todas as respostas favoráveis às expectativas do Tribunal excederam os 60% em todos os anos, chegando à taxa de satisfação em cerca de 90% em alguns questionamentos.

Assim, o CEJUSC é considerado um órgão que promove a resolutividade na maior parte das sessões realizadas, além de ter altas taxas de aprovação por parte dos seus usuários. Logo, sua atuação alcança o objetivo a que se propõe na Resolução n° 125/2010 do CNJ, que é o da resolução das demandas de seus usuários de maneira satisfatória para as partes envolvidas nas lides.

 

CONCLUSÃO

O acesso à justiça passou por uma evolução histórica e há três “ondas” renovatórias de acesso à justiça. Cada onda refere-se a um momento em que se levantaram questões e sugestões para a promoção do acesso à justiça. Com o tempo, novas ondas emergiram a partir da análise de outros autores, como a quarta onda (preocupada com a atuação dos operadores do Direito no que tange ao acesso à justiça) e quinta onda (de saída da justiça).

Especificamente, a quinta onda incentiva a desjudicialização dos litígios, mediante promoção de Meios Alternativos de Solução de Conflitos (MASCs), com o intuito de descongestionamento do Judiciário. Essa alternativa está em pleno acordo com a prerrogativa de acesso à justiça ora consagrada na CRFB/1988. Assim, dentre os MASCs disponíveis, é possível destacar a conciliação e a mediação, incentivada por normas recentes, como o CPC/2015 e a Lei de Mediação.

Assim, no escopo deste artigo, analisou-se a Resolução n° 125/2010, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que cria uma Política de incentivo à conciliação e à mediação. Para tanto, são criados os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs ou Centros), como órgãos integrantes de cada Tribunal. Assim, após a revisão de literatura, analisou-se o CEJUSC do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) como estudo de caso para verificar a [in]viabilidade desse órgão na promoção do objetivo precípuo de acesso à justiça (mediante autocomposições). Após breve análise de sua estrutura, foram analisados dados estatísticos referentes ao seu desempenho.

Os estudos da revisão bibliográfica demonstraram a atual tendência à desjudicialização, incentivada por recentes legislações e pela atuação dos próprios Tribunais por meio de seus CEJUSCs. Assim, há consonância entre esse fenômeno e a noção de acesso à justiça estudada por Cappelletti e Garth, especialmente sob o escopo da quinta onda de saída da justiça. A utilização dos MASCs é fundamental, pois, além de evitar os processos judiciais, permite a solução de litígios de maneira autônoma, célere, econômica e pacífica.

Ainda, o estudo de caso do CEJUSC no TJMG apresenta a atuação plural desse órgão na prestação gratuita e universal de serviços de conciliação e mediação, demonstrando um modelo do Centro. Nesse sentido, a análise de dados estatísticos sobre o número de acordos por sessões é maior que 60% (calculado sobre números absolutos entre 2013 e 2020). As porcentagens de posicionamentos favoráveis à experiência com o CEJUSC, coletadas a partir de questionários aos usuários após sessões autocompositivas entre 2018 e 2020, demonstram grande satisfação dos cidadãos. Nesses resultados, as respostas favoráveis a esse órgão nos anos analisados excedem os 60%, em todos os casos.

Após os estudos realizados por meio da revisão de literatura e do levantamento de dados estatísticos, conclui-se que o CEJUSC é um instrumento que, de fato, viabiliza o acesso à justiça. Entende-se que a realização da conciliação e da mediação nos Centros permite que os envolvidos em uma lide encontrem uma alternativa gratuita, fácil, rápida e pacífica para resolver seus conflitos. Além disso, os dados apontam que as taxas de sucesso em sessões autocompositivas e de satisfação com o CEJUSC do TJMG, tomado como exemplo, estão em altos níveis.

 

REFERÊNCIAS

BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. São Paulo (SP): Saraiva, 2012.

 

BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 set. 2021.

 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156. Acesso em: 09 set. 2021.

 

BRASIL. Lei 13.105/2015 de 16 de março de 2015 [Código de Processo Civil]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 09 set. 2021.

 

BRASIL. Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995. Brasília: Presidência da República, 1995. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm. Acesso em: 09 set. 2021.

 

CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1998.

 

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[1]Trabalho produzido no âmbito do Projeto de Pesquisa “Conciliação Judicial e Extrajudicial em Montes Claros” na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

[2]Artigo 8°: “Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

[3] Artigo 5°, inciso XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” (BRASIL, 1998)

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