1. Introdução
O direito processual civil sofreu recentemente um conjunto de reformas. Dentre as alterações aperfeiçoadas, fora permeada de modo mais pungente a seara da execução, haja vista a promulgação de duas leis que modificaram substancialmente o respectivo procedimento, seja quanto ao cumprimento dos títulos judiciais, seja quanto à execução amparada em título extrajudicial.
As reformas em apreço foram motivadas, sobretudo, pelo descrédito do Poder Judiciário em razão da morosidade na entrega efetiva da prestação jurisdicional. Por essa razão alvitrou-se simplificar os ritos para assegurar celeridade, e, por conseguinte, agilizar o cumprimento das decisões oriundas do aludido Poder.
Destaca-se na reforma a novel norma insculpida no artigo 745-A do CPC, cuja seiva possibilita que o executado, mediante o atendimento de alguns requisitos, requeira o parcelamento da dívida em até 06 (seis) parcelas mensais.
O conteúdo do aludido dispositivo, entretanto, suscita dúvidas na sua interpretação, quanto ao procedimento e também no atinente a própria natureza jurídica da regra nele encerrada.
2. O parcelamento do art. 745-a do CPC.
A Lei 11.382/2006 introduziu, no ordenamento processual Pátrio, a possibilidade do executado requerer o parcelamento do débito objeto de execução em até 06 (seis) parcelas mensais, desde que reconheça o crédito do exeqüente e comprove o depósito de 30% do quantum executado, ex vi do artigo 745-A do CPC, cuja seiva segue adiante transcrita:
“Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.”
Trata-se de norma de cunho processual, imbuída do propósito de facilitar a satisfação das obrigações, e, por conseguinte, aperfeiçoar a atividade jurisdicional.
O texto do mencionado diploma legal, silencia, no entanto, quanto a necessidade ou não da aquiescência do credor para que o Juízo autorize o processamento do parcelamento.
Em face da indigitada lacuna, inúmeros doutrinadores prelecionaram acerca do tema, aduzindo que uma vez requerido o parcelamento do débito, atendidos os requisitos extrínsecos do requerimento (tempestividade e comprovação do depósito), ficaria o magistrado obrigado a deferir o pleito.
Asseveraram, os doutrinadores mais incisivos, até mesmo que se o executado cumprir os requisitos ali previstos (…), não poderá o juiz negar tal parcelamento e tampouco o exeqüente poderá dele discordar, tanto é que não lhe é dada, em momento algum, a possibilidade de opinar[1].
Assim, consoante o magistério acima transcrito, nem mesmo a audiência do credor/exeqüente seria necessária para autorizar o deferimento do parcelamento pelo Juízo, em razão do procedimento sedimentado na lei ordinária nº 11.382/2006 não mencionar a necessidade de intimação do mesmo para se manifestar sobre o pleito do executado.
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR[2], por seu turno, reputa necessária a audiência do credor acerca do pedido de parcelamento, tão somente em face do contraditório, reconhecendo, no entanto, a força vinculante do requerimento, in verbis:
“O parcelamento deve ser requerido em petição simples, no bojo dos autos da execução.
Ouvido o exeqüente, para cumprir-se o contraditório, verificará o juiz a observância das exigências do caput do art. 745-A. Estando satisfeitas, proferirá decisão interlocutória, com que deferirá o parcelamento. Não se trata de ato discricionário do juiz.”
Não obstante, o aludido Autor[3] arremata o seu entendimento, acerca da moratória insculpida no art. 745-A, concluindo que a mesma consubstancia-se em verdadeiro direito do executado, a saber:
“Não se afigura, in casu, um poder discricionário do juiz diante do pedido de parcelamento. Presentes os requisitos legais, é direito do executado obtê-lo.”
CASSIO SCARPINELLA BUENO[4], acompanhando as razões acima, defendeu expressamente o efeito vinculante do requerimento da moratória ora comentada, da seguinte forma:
“Em função do que escrevi até agora é que me parece a melhor interpretação para o art. 745-A a de entender a iniciativa do executado como vinculante para o exeqüente e para o próprio juízo, é dizer: desde que sejam observados os pressupostos da lei (v. número seguinte), não há como o exeqüente não aceitar a moratória que não poderá ser recusada pelo juízo, que deverá ser deferida.”
Trilhando o mesmo entendimento a derredor da temática em apreço, REINALDO ALVES FERREIRA[5], asseverou expressamente que o parcelamento do débito configura direito subjetivo do devedor no processo judicial, nos seguintes termos:
“Releva salientar que o parcelamento do débito, estando presentes os requisitos legais, não se constitui em ato discricionário do juiz. Assim, deve o juiz, atendidas as exigências já aludidas, deferir o parcelamento, por se tratar o mesmo de direito subjetivo do executado.”
Em que pesem a sapiência e o renome dos doutrinadores acima nominados, defender-se-á, no presente estudo, a indispensabilidade da ouvida e concordância do credor para que o magistrado fique autorizado a deferir o requerimento de parcelamento do débito, ex vi do artigo 745-A do CPC.
O processo figura na qualidade de garantia individual dos cidadãos. A execução alvitra entregar, por intermédio de medidas coercitivas, o bem da vida ao seu respectivo credor, conforme certificação aposta em determinado título ao qual a lei tenha atribuído a eficácia executiva.
O processo de execução garante que o credor receba na proporção exata daquilo que tem direito, bem como assegura que o devedor não seja onerado além do que devia pagar. Objetiva-se a pacificação social e a estabilidade das relações jurídicas.
A delimitação do crédito do credor e do respectivo débito do devedor é temática inserta na seara do direito obrigacional. No campo das obrigações há terreno fértil para se discutir os direitos e deveres das pessoas, matéria disciplinada pelo Livro I da Parte Especial do Código Civil.
O direito material certifica a obrigação e o direito processual tutela o cumprimento da obrigação pré-definida. As normas de direito substancial não se confundem com as de direito processual, cada qual possui objeto próprio e finalidade específica.
Nessa esteira, oportuno relembrar a lição de CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO[6]:
“Segundo o seu objeto imediato, geralmente se distinguem as normas jurídicas em norma materiais e instrumentais.
São normas jurídicas materiais (ou substanciais) as que disciplinam imediatamente a cooperação entre pessoas e os conflitos de interesses ocorrentes na sociedade, escolhendo qual dos interesses conflitantes, e em que medida, deve prevalecer e qual deve ser sacrificado.
As normas instrumentais apenas de forma indireta contribuem para a resolução dos conflitos interindividuais, mediante a disciplina da criação e atuação das regras jurídicas gerais ou individuais destinadas a regulá-los diretamente.”
A especificidade desses tipos de norma, portanto, desautoriza que uma verse sobre matérias afetas ao tema da outra. A norma de direito processual não pode alterar o direito material, assim como é proibido que norma de direito material modifique os direitos e obrigações processuais. Por essa razão, tais normas não podem disciplinar a mesma matéria, quiçá se contraporem.
Não pode a certificação do direito material afastar o controle jurisdicional, assim como resta defeso ao Estado-Juiz interferir no conteúdo do direito material certificado. Pensamento diverso conduziria, no primeiro caso, ao retorno dos tempos da auto-tutela e da vingança privada, enquanto que a segunda hipótese remontaria o período inquisitorial.
Ante a celebração de negócio jurídico válido e eficaz, assumem, as partes envolvidas, direitos e deveres. Trata-se de vínculo jurídico, assim definido por ORLANDO GOMES[7]:
“O conteúdo compreende o poder de exigir, do credor, e a necessidade jurídica de satisfazer, do devedor.
Positivado que a relação obrigacional compreende dívida e crédito, que mais não são do que aspectos sob que se apresenta, não é correto conceituá-la unilateralmente, ainda quando se insista em designá-la com vocábulo obrigação, que é o corriqueiro. A definição, para ser completa, deve ressaltar as duas facetas, ativa e passiva.
Encarada em seu conjunto, a relação obrigacional é um vínculo jurídico entre duas partes, em virtude do qual uma delas fica adstrita a satisfazer uma prestação patrimonial de interesse da outra, que pode exigi-la, se não for cumprida espontaneamente, mediante agressão ao patrimônio do devedor.”
Os deveres e obrigações pactuados na celebração de negócio jurídico, revestido da qualidade de ato jurídico perfeito, sedimentam direito adquirido aos contratantes. A Constituição da República salvaguarda os pilares do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, impedindo que a lei venha a prejudicá-los de qualquer modo (artigo 5º, XXXVI, CF).
Assim, após a certificação do direito material, consubstanciado em direito adquirido, não pode a lei sobrevir para alterar-lhe o significado. Trata-se de garantia com o escopo de estabilizar as relações jurídicas, impedindo que o mero arbítrio estatal modifique os direitos e obrigações dantes pactuados.
O direito comum positiva que o fenômeno intitulado de obrigação tem como núcleo a prestação (comprometimento de dar, fazer ou prestar), ao passo que o objeto da prestação seria o bem da vida envolto no negócio (fato ou coisa).
As obrigações, como aduzido alhures, têm como objeto a prestação. A prestação pode ser divisível (susceptível de partição) ou indivisível (insusceptível de fracionamento). Cumpre esclarecer que a obrigação, ainda que divisível, em razão do seu objeto, pode ser contratada de modo indivisível, tal como preceituado por ROBERT JOSEPH POTHIER[8]:
“Certas circunstâncias pelas quais se contrata a obrigação de uma coisa podem também tornar a obrigação indivisível, ainda que a coisa em si e separada dessas circunstâncias seja bem divisível.”
POTHIER[9] esclarece que nessas obrigações, não poderá, o pagamento, ser realizado por partes, a saber:
“295. Há uma terceira espécie de indivisibilidade, chamada individuum solucione tantum.
É aquela que concerne somente ao pagamento da obrigação, e não à obrigação em si, quando a coisa devida é em si mesma divisível e susceptível de partes, e pode ser devida parcialmente, seja aos diversos herdeiros do credor, ou pelos diversos herdeiros do devedor, mas que não pode ser paga por partes.”
Destarte, a obrigação é composta pela prestação (conduta assumida pelo devedor), pelo seu objeto (fato ou coisa que a conduta do devedor introduzirá na esfera patrimonial do credor) e pela forma de adimplemento dessa obrigação (ato único ou atos sucessivos).
A relação obrigacional é complexa, albergando todos os direitos subjetivos e potestativos, deveres, ônus e sujeições do envolvidos, tal como esclarece FERNANDO NORONHA[10]:
“O centro ou conteúdo da relação jurídica obrigacional é constituído pelos laços existentes entre o credor e o devedor, que compõem o que se costuma designar por vínculo jurídico. Este, portanto, é o conjunto de direito subjetivos e de deveres jurídicos, ou melhor, de direitos subjetivos e potestativos, deveres, ônus e sujeições que integram a obrigação.”
O modo de pagamento causa efeitos patrimoniais diretos, atenuando ou intensificando a carga obrigacional envolvida no negócio. A forma de pagamento pactuada é elemento componente da obrigação, aderindo ao núcleo da prestação, vale dizer, inexiste a singela obrigação de pagar R$ 1.000,00 (hum mil reais), mas sim a obrigação de pagar a integralidade desse valor no dia “x”, ou de pagar tal quantia parcelada em “x” prestações, sendo a primeira vencível no dia “x”.
Leia-se o exemplo ilustrado por FERNANDO NORONHA[11], o qual demonstra claramente os elementos componentes do vínculo obrigacional na sua inteireza, a saber:
“Exemplificando, na relação nascida da comum venda em estabelecimento comercial com entrega da mercadoria na residência do comprador, o vendedor tem duas obrigações simples, uma, que é a principal, entregar a coisa, e outra, acessória, de fazer o respectivo transporte até à casa do comprador. Este, por seu turno, terá a obrigação de aceitar as duplicatas eventualmente emitidas e de as ir pagando, no respectivo vencimento. Ora, neste caso, a relação obrigacional complexa é constituída pelo conjunto dos direitos e dos deveres que resultam, para o comprador e o vendedor, do contrato celebrado.”
A forma de cumprimento da prestação, portanto, vincula o credor e o devedor envolvidos na relação obrigacional. Por essa razão a legislação civil ordinária positivou que não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou. Leia-se, nesse sentido, a íntegra do artigo 314 do Código Civil:
“Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.”
Tal como se infere do dispositivo legal, acima transcrito, fica evidente que a forma de pagamento adere à obrigação, pelo que não pode ser o credor compelido a aceitar ou o devedor a prestar de modo diverso do ajustado.
A indigitada norma desvela, ainda, que no ordenamento Pátrio a regra é a indivisibilidade das obrigações, ou seja, no silêncio do instrumento negocial resta configurada a indivisibilidade da obligatio. Eis o magistério de PONTES DE MIRANDA[12] nesse sentido:
“O Código Civil não se absteve de definir obrigações indivisíveis e, a contrario sensu, obrigações divisíveis (art. 258). Pôs, ainda, a regra jurídica do art. 314, que é ius dispositivum e pode ser lido como se dissesse: as obrigações são, em princípio, indivisíveis. (…)
No sistema jurídico brasileiro, que fez depender da vontade manifestada a divisibilidade da obrigação, não se pode dizer a obrigação de dar quantia quantitas de coisa fungível (cem tonéis de vinho, trinta automóveis Ford 1960) seja divisível, por sua natureza (aí confundido com o seu objeto). É o que resulta do Código Civil, art. 314.”
Fica evidente, ante as aduções em epígrafe, que as normas substanciais disciplinam o direito das obrigações, definindo o objeto das obrigações e a forma de adimplemento destas, bem como os direitos e deveres dos agentes envoltos pelo negócio.
A obrigação, por corolário do artigo 314 do CC, ainda que faticamente divisível, juridicamente una pode ser. É o que deflui da lição de PONTES DE MIRANDA[13], adiante trazida à baila:
“2. Divisibilidade e indivisibilidade. A divisibilidade ou indivisibilidade da obrigação em geral consiste na possibilidade ou impossibilidade de se fracionar o objeto da prestação, isto é, a prestação mesma (pois o dividi-lo importaria em dividir-se a prestação).
De início, é de observar-se que a divisão do objeto da prestação não implica que se divida a relação jurídica pessoal, ou a obrigação; de modo que a obrigação divisível não se divide em duas ou mais obrigações. A divisão, de que aqui se cogita, é divisão interna da prestação, a prestação é que se divide. Obrigação divisível é obrigação que se pode cumprir em partes, obrigação que não se divide a si mesma mas permite que o adimplemento se divida. Se a prestação é faticamente divisível, mas juridicamente não o é (= incide o Código Civil, art. 314), o adimplemento não pode ser por partes da prestação.”
Como visto, o artigo 314 do Código Civil consagra o direito subjetivo do devedor não ser cobrado a pagar de modo diverso do pactuado, bem como do credor não ser compelido a receber o pagamento diferentemente do contratado.
Consoante os ensinamentos de PABLO STOLZE GAGLIANO[14], o pagamento, em regra deve ser efetuado de modo integral em obediência ao art. 314 do Código Civil, in verbis:
“É que, havendo apenas um único obrigado, mesmo que a prestação seja essencialmente divisível (dar dinheiro, por exemplo), o credor não é obrigado a receber por partes, se tal não fora convencionado. O pagamento, pois, em princípio, deverá ser feito sempre em sua integralidade (art. 314 do CC/02 e art. 889 do CC/16).”
Na hipótese de ser celebrada obrigação juridicamente indivisível, mas com objeto faticamente divisível, resta defeso ao devedor impor o cumprimento parcelado, entretanto, poderá o credor, por mera liberalidade, aceitar receber fracionadamente aquilo que teria por direito receber integralmente.
Nessa esteira, caso o credor se recuse a receber a prestação parcelada, quando tiver por direito o recebimento integral da prestação contratada, o devedor incorrerá em mora do total da obligatio. Leia-se o parecer de JUDITH MARTINS-COSTA[15] a derredor da assertiva em epígrafe:
“Como principal conseqüência do art. 314 está a circunstância de, se o devedor pretender adimplir por partes, quando assim não convencionou, e seu credor recusar, não estará este incorrendo em mora accipiendi. Haverá, ao contrário, mora do devedor, e não apenas em relação à parte faltante do adimplemento, mas em relação à totalidade. Porém, nada impede que o credor, se quiser, receba por partes. Por acordo, se pode evitar a mora do devedor em relação a parte faltante, prorrogando-se o prazo fixado para o adimplemento.”
Assim, o parcelamento do débito, ex vi do artigo 745-A do CPC, caso entendido como direito subjetivo do executado, malsinaria, necessariamente, o direito adquirido do credor/exeqüente, violando os artigos 5º, XXXVI, da Norma Maior e 314 do Código Civil.
O art. 314 do CC estatui a indivisibilidade da obligatio e o seu cumprimento da forma pactuada, caso a moratória do artigo 745-A do CPC seja compreendida como direito subjetivo do devedor, ter-se-ia, nessa hipótese, dois direitos antagônicos, o que configura antinomia – vedada no ordenamento Pátrio.
Por essa razão, a norma de cunho processual inserta no art. 745-A do CPC não pode ser compreendida como um direito subjetivo do devedor/executado. Isso porque direito subjetivo, devidamente certificado, tem o credor/exeqüente de receber o objeto da obrigação na sua inteireza e da forma avençada. Acerca do direito subjetivo do credor, assentou FERNANDO NORONHA[16]:
“O crédito é o direito do credor à prestação, é o poder de exigir a realização da prestação debitória, com recurso, se necessário, aos meios coercitivos de tutela jurídica, que examinaremos no Capítulo 2. Ele é típico direito subjetivo.”
Por óbvio, existindo norma de direito material assegurando o direito subjetivo do credor ao percebimento do crédito como avençado, impossível seria reconhecer o direito subjetivo do executado de alterar unilateralmente a forma de pagamento da obligatio, por aplicação de norma de direito processual, diferindo no tempo o pagamento que deveria ser integral.
Com efeito, não pode o credor ser impelido a receber por partes se assim não foi acordado, pelo que a norma processual do art. 745-A do CPC não pode obrigá-lo a receber fragmentadamente o que teria direito de receber por inteiro.
Ante tais razões, defende-se que o parcelamento de que trata o art. 745-A do CPC deve ser compreendido como um instrumento facilitador da satisfação do provimento jurisdicional, mas não como um direito subjetivo do executado, sob pena de afrontar o art. 314 do Código Civil e instabilizar a segurança das relações jurídicas.
Destarte, considerando o direito subjetivo do credor de exigir o cumprimento da obrigação contratada, nos termos e condições do respectivo negócio, o requerimento de parcelamento da dívida (art. 745-A do CPC) somente poderá ser deferido mediante a prévia consulta e aquiescência do mesmo.
Trata-se a norma in quaestio de ferramenta para facilitar a satisfação do provimento jurisdicional guerreado. Ressalvando-se que esse instrumento deve ser utilizado na medida da efetiva conveniência e interesse do credor, sob pena de inquinar-se o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, o que provocaria uma severa instabilidade das relações jurídicas desenvolvidas no Estado brasileiro.
Em última análise, o art. 745-A do CPC, caso compreendido como um direito subjetivo do devedor, estimularia incisivamente o descumprimento das obrigações contratadas sob a modalidade de pagamento à vista, o que culminaria na elevação dos preços em função do alto risco de inadimplemento.
3. Conclusão
O sumo do presente trabalho indica que as regras de direito material e de direito processual são específicas e autônomas, cada qual com objeto e finalidade próprias. Assim, tais normas não podem disciplinar as mesmas matérias, mormente de modo antagônico.
Evidenciou-se que o conteúdo da relação obrigacional, concebida através de ato jurídico perfeito, constitui direito adquirido às partes envolvidas. Tais relações jurídicas, conforme restou sedimentado, são formadas pelo conjunto de direitos subjetivos e potestativos, deveres, ônus e sujeições, inclusive e principalmente o objeto do pagamento e a forma de adimplemento do mesmo.
A norma do art. 745-A do CPC, em virtude das reflexões acima delineadas, não pode consubstanciar direito subjetivo do executado, uma vez que o exercício desse suposto direito previsto em norma processual fulminaria o direito subjetivo do credor de receber a totalidade do seu crédito e da forma avençada, conforme positivado na norma de direito material inserta no art. 314 do Código Civil.
A elevação da regra do art. 745-A do CPC ao status de direito subjetivo do executado, culminaria, fatidicamente, na instabilidade das relações jurídicas, conquanto modificar-se-ia o verdadeiro conteúdo obrigacional avençado. Tal entendimento violaria frontalmente os pilares do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.
Conclui-se, portanto, que o parcelamento de débito, ex vi do mencionado diploma legal, serve aos sujeitos do processo como instrumento com o escopo de facilitar a satisfação da prestação jurisdicional, porém devendo restar condicionada a conveniência e interesse do credor da prestação. O requerimento do executado, com arrimo no art. 745-A do CPC somente poderá ser deferido mediante a prévia consulta e expressa anuência do credor.
4. Referências bibliográficas
Notas:
[1] Ribeiro, Leonardo Ferres da Silva, Nova execução de título extrajudicial, São Paulo : Método, 2007. Página 234.
Informações Sobre o Autor
Artur Ribeiro Barachisio Lisbôa
Acadêmico em direito (10º semestre – UCSal), estagiário do EABL – Escritório de Advocacia Barachisio Lisbôa.