Assunto
que vem suscitando considerável controvérsia é o que diz respeito ao pedido nas
ações nas quais busca o autor indenização por danos morais. A indenização por
dano moral é instituto relativamente novo no direito brasileiro. Tornou-se de
indiscutível viabilidade somente após a Constituição de 1988. A partir daí vem
sendo perseguida em inúmeros feitos, e tem merecido tratamento diferenciado
pelos Tribunais nos mais diferenciados aspectos.
Uma
das celeumas mais freqüentes relativas à matéria diz respeito à fixação
do valor da indenização, tema que está intimamente ligado ao pedido
inicial pelo princípio da congruência. Tais pedidos vêm sendo formulados de
forma genérica, sob o argumento de que valor do dano moral deve ser arbitrado
exclusivamente pelo Juiz.
Tal
prática, tolerada até então pela maioria dos Magistrados, vem sendo combatida
mais recentemente por Juízes atentos ao problema, alertados pela verdadeira
enxurrada de ações buscando indenização por danos morais, cumulados ou não ao
dano material. Note-se que hoje é raro o pedido de indenização por danos
materiais que não venha acompanhado de pretensão por danos morais. A leniência da jurisprudência para com a questão
do pedido genérico, com a sua evidente influência na fixação
do valor da causa e o recolhimento da taxa judiciária, aguçou o ânimo
dos aventureiros processuais, sempre prontos a “tentar a sorte” em demandas
algumas vezes verdadeiramente insólitas.
Sob
o prisma puramente técnico a prática vem agredindo frontalmente o disposto no
artigo 286 do CPC. Verbis;
Art.
286 – O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, formular pedido
genérico:
I
– nas ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens
demandados;
II
– quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do
ato ou do fato ilícito;
III
– quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser
praticado pelo réu.
Como
se vê em nenhuma das exceções à regra de que o pedido deve ser certo e
determinado encontra-se a ação de indenização por danos morais. Nela, como em
qualquer ação que visa condenação por ato ilícito, o pedido tem de ser certo e determinado(trata-se de conjunção aditiva mesmo), ou seja, o
autor deve requerer a condenação em quantia certa.
A
exceção ocasionalmente aplicável às ações indenizatórias é a prevista no
inciso II, do artigo 286 acima transcrito. Pode o autor formular pedido
genérico quando não for possível ab initio determinar, de modo definitivo, as consequências do ato ou fato ilícito. A não ser que o dano
moral tenha reflexos de índole material disseminados no futuro(cancelamento
progressivo de contratos por artista difamado, por exemplo), não vemos como
fazer incidir tal regra às ações que tenham como pretensão essa modalidade
de indenização.
Não
são poucos os que na doutrina defendem que o valor da indenização pelo dano
moral deve ser arbitrado pelo Juiz, sem, contudo, explicar exatamente o que
significa esse “arbitramento”. A expressão é bem próxima de outra que
deve causar arrepios ao jurista; arbítrio.
Da
forma como colocam alguns autores o leitor menos atento pode ser levado à
errônea conclusão de que o Magistrado pode “tirar um valor da
cartola” e atirá-lo sobre o réu, que teve a oportunidade de discutir a
existência do dano moral, mas não sua extensão.
O
primeiro equívoco a ser sanado reside na própria denominação do instituto,
utilizada sem maiores preocupações técnicas. Havendo dano moral não há que se
falar em “indenização” em termos estritamente técnicos. Indenizar
significa tornar indene, retornar ao status quo ante,
repor o patrimônio jurídico nos moldes do que existia antes do prejuízo
injustamente causado.
Ora,
não há como desfazer a dor, a tristeza, o aborrecimento desmedido, mas é
possível compensar o sofrimento experimentado. A “indenização”
consiste, isto sim, numa compensação, a tentativa de substituir uma dor
por uma satisfação, além do aspecto retributivo e
verdadeiramente punitivo no tocante ao causador do dano.
Em
não havendo um prejuízo palpável, aferível em termos quantitativos,
corre-se o risco de beirar a subjetividade mais exacerbada na fixação da
reparação da dor moral. A doutrina e a jurisprudência têm cunhado parâmetros no
auxílio de tal missão. Todavia, a celeuma parece longe de ser resolvida.
Um
dos critérios admitidos é o que tem como paradigma a pena criminal de eventual
condenação por crime contra a honra. Não nos parece o melhor. É preferível levar em consideração o padrão social da vítima e do
causador do dano, a extensão do dano, sua natureza, suas conseqüências em
relação ao devedor e ao credor, e acima de tudo utilizar-se o chamado
“critério da lógica do razoável”, muito bem cunhado e delimitado pelo
Professor e Desembargador Sérgio Cavalieri em várias de suas proveitosas
palestras sobre o tema.
Só
que, qualquer que seja o critério utilizado, o réu tem o direito de
discutir o valor ao qual pode vir a ser condenado. Sustentando-se que o
Juiz poderá ao final estabelecer um valor aleatoriamente, sem discussão
pretérita sobre o montante indenizatório, nega-se automaticamente o direito ao
contraditório e a ampla defesa quanto a esse aspecto da eventual condenação.
Mais um fator deve ser considerado. Se é a dor do
autor que será compensada, sendo o sofrimento um sentimento e como todos os
sentimentos incompartilhável, fechado no casulo do
ser, quem melhor do que ele próprio para estabelecer o quantum a que faz jus?
Em
verdade duas são as verdadeiras motivações do pleito genérico em relação ao
dano moral. O primeiro é a sorte. Ao pedir um valor certo o autor pode acabar
obtendo menos do que o juiz lhe daria. Não são poucos os julgamentos nos
quais o órgão julgador literalmente afirma que daria mais se o pedido
permitisse.
O
segundo, e de tão óbvio salta aos olhos, é a fuga ao pagamento da taxa
judiciária. O pedido genérico permite a fixação do valor da causa em módicas
quantias, tornando a taxa mais “palatável”.
Em
certa ação por nós julgada o autor propôs no bojo da inicial a utilização como
paradigma para a fixação do valor do dano moral que perseguia,
o parágrafo primeiro, do artigo 60, do CP, c/c o artigo 1.547 do CC,
mencionando de passagem o montante de 10.800 salários mínimos. Em moeda
corrente algo em torno de R$ 1.200.000,00(um milhão e duzentos mil reais).
No
entanto, ao final, fez o pedido de condenação de forma genérica, sob o
argumento de que a condenação seria arbitrada pelo Magistrado, dando à causa
valor infinitamente inferior e sobre ele recolhendo o tributo. Aquele imaginoso
autor, como muitos outros como pudemos constatar posteriormente, estão a criar
uma nova modalidade de pedido; o “insinuado”.
Pelos argumentos acima expendidos chega-se à inarredável conclusão de
que a obediência ao artigo 286 do CPC é impositiva nas ações que visam
indenização por dano moral, inexistindo qualquer argumento lógico ou jurídico a
apontar para outro caminho.
Informações Sobre o Autor
Gabriel de Oliveira Zéfiro
Juiz de Direito titular da 2ª Vara de Falências e Concordatas da Capital/RJ
Professor de Processo Civil na Universidade Estácio de Sá