O precedente judicial e sua dinamicidade

Resumo: O presente artigo objetiva fazer uma análise sobre o precedente judicial no ordenamento jurídico e sua dinamicidade abordando as técnicas de redação do texto do precedente do distinguishing overruling e overriding.

Palavras-chave: Precedente. Dinamicidade. Distinguishing. Overruling. Overriding.

Sumario: Introdução. 1. A técnica da elaboração do precedente judicial. 2. A técnica do distinguishing. 3. As técnicas do overruling e overriding. Considerações finais para revogação de precedente. Referências.

Introdução

Inicialmente, fundamental é pontuar que a regra do precedent impõe aos magistrados regras de Direito destacadas de outras decisões.

Isso significa que o precedente é retirado da fundamentação da decisão, ou seja, da sua ratio decidendi. O precedente toma por base uma interpretação geral, sendo possível, portanto, aplicá-lo reiteradamente em vários processos.

Desta forma, a norma individualizada não pode ser considerada um precedente, pois este só se aplica ao caso concreto específico.  

Lenio Streck elucida melhor a questão quando afirma que a decisão judicial apresenta dupla função:

“A primeira, que não é peculiar àquele Direito, é definir e dirimir a controvérsia apresentada ao tribunal, pois na doutrina da res judicata, as partes não podem tornar a discutir questões já decididas. A segunda função da decisão judicial – característica da tradição inglesa -, é estabelecer um precedente em face do qual um caso análogo, a surgir no futuro, será provavelmente decidido dessa forma”.[1]

Assim, haja vista a autoridade (eficácia) que o legislador brasileiro vem emprestando ao precedente judicial, faz-se necessário a análise de suas técnicas para que estas, quando observadas, atinjam a finalidade precípua da segurança jurídica atrelada à a celeridade das decisões judiciais.

1. A técnica da elaboração do precedente judicial

A técnica de elaboração do precedente judicial em nada se parece com o processo legislativo do direito. A técnica em questão é produzida essencialmente através da ratio decidendi, decorrente do caso concreto e esta deve ser formulada da forma mais clara e precisa para que não exista qualquer dificuldade em sua aplicação futura. Isso significa que o precedente judicial, diferentemente do processo legislativo, que cuida de norma geral, deve trazer em seu bojo a concretude necessária aos termos abertos, gerais, vagos e abstratos do direito legislado.

Essa técnica, todavia, não foi observada pelo STF no momento da elaboração do enunciado da súmula vinculante nº 11:

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Lendo o enunciado acima, além de ser muito extenso, apresenta vários termos genéricos, como exemplo, “fundado receio de fuga”, “perigo à integridade física própria ou alheia”, “justificada a excepcionalidade por escrito”, dificultando, portanto a sua aplicação e assemelhando-se com um texto legislativo.

Essa mesma súmula é analisada por Fredie Didier Jr., que explica a importância da tecnicidade na elaboração desse instituto:

“O STF deve lembrar que o “papel normativo” da jurisprudência tem outras características. Situações como essas não poderiam ser “sumuladas”, exatamente porque, em razão das suas peculiaridades concretas, devem sempre ser examinadas a posteriori, e não a priori”.[2]  

Desta forma, não resta dúvidas da importância do conhecimento pelo aplicador do direito da técnica de redação do preceito normativo jurisprudencial, que também deve ser empregada no instituto da súmula vinculante.

2. A técnica do distinguishing

Inicialmente cumpre esclarecer que essa técnica do distinguishing é utilizada em um sentido negativo, ou seja, para não aplicação de um precedente. Ela nada mais é do que a comparação do caso concreto e a tese jurídica (ratio decidendi) do precedente, todavia desse processo se verifica uma distinção entre aquele e o paradigma (ratio decidendi), não sendo seguido, conseqüentemente, o precedente.

Fredie Didier Jr. explica que o distinguishing  pode ser utilizado em duas acepções:

“(i) para designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma (distinguish-método); (ii) e para o resultado desse confronto, nos casos em que se conclui haver entre eles alguma diferença (distinguish-resultado)”[3]

Pode-se dizer, então, que o precedente, como qualquer outra norma, precisa ser interpretado. Não há eficácia do precedente sem o distinguishing. É o que acontece também na aplicação da súmula vinculante: é preciso que o juiz aplique essa técnica para ter certeza que determinado caso concreto e se aplica a súmula vinculante. 

Não é porque existe uma súmula vinculante que o magistrado deixa de pensar. É preciso que ele se utilize do distinguishing, valendo-se, portanto, da interpretação do precedente ao caso concreto. 

Marcelo Alves Dias de Souza faz uma importante ressalva quanto ao “poder de distinguir”:

“O poder de distinguir é importante – não se nega – como meio de dar flexibilidade ao sistema e de fazer justiça no caso concreto. Entretanto, não pode ser levado ao extremo, sobretudo por assim ferir, com uma injustiça gritante, o princípio da isonomia. Sem falar no uso indiscriminado do poder de distinguir pode levar a se duvidar, de modo geral, da real vinculação aos precedentes obrigatórios e, conseqüentemente, levar à falência do sistema, o que com certeza, não é o desejado”.[4]

3. As técnicas do overruling e overriding

As técnicas de overrruling e overriding são chamadas de técnicas de superação. Faz-se necessário distinguir essas duas técnicas.

O overruling se parece com uma revogação de uma lei por outra, ou seja, determinado precedente perde sua força vinculante, sendo substituído por outro precedente. Já o overriding é uma espécie de revogação, todavia, não há uma revogação total como acontece no overruling, a revogação é parcial, ou seja, o tribunal limita a incidência do precedente, em razão de alguma regra ou princípio superveniente. 

Saliente-se que para aplicação do overruling é fundamental uma alta carga de motivação, justificando a real necessidade de superação do precedente.

Ademais, esclarece Fredie Didier Jr. que a substituição de um precedente por outro pelo tribunal pode se dar de forma:

“(i) expressa (express overrling), quando um tribunal resolve, expressamente, adotar uma nova orientação, abandando a anterior; ou (ii) tácita (implied overruling), quando uma orientação é adotada em confronto com posição anterior, embora sem expressa substituição desta última – trata-se de hipótese rara”.[5]

Em homenagem a proteção da confiança e do principio da segurança jurídica, a regra é que o overruling produza efeitos prospectivos. Isto quer dizer que a superação do precedente opera a partir da substituição do precedente para frente (efeito ex nunc).

Excepcionalmente, é possível se falar em overruling retrospectivo. Trata-se da substituição de um precedente com efeitos ex tunc, ou seja, o precedente substituído não poderá ser utilizado mesmo em relação a casos anteriores a substituição do precedente, ainda que esses processos não tenham sido julgados.

Não restam dúvidas quanto a importância do estudo dessas técnicas no instituto da súmula vinculante, pois a partir delas é possível se chegar a revisão ou cancelamento dos seus enunciados. 

Celso de Albuquerque Silva faz uma importante observação sobre o tema:

“Modernamente, a modificação da doutrina vinculante é vista como um aprimoramento do pensamento jurídico passado para adequá-lo ao desenvolvimento social. Dentro dessa ótica, a invalidação parcial ou total de uma doutrina vinculante é considerada como um instrumental intrasistêmico para assegurar a necessária flexibilidade ao ordenamento jurídico. Overruling e overriding entendidos como soluções sistêmicas para evitar a petrificação do direito, fazem parte e complementam a idéia de uma doutrina vinculante”.[6]

Considerações finais para revogação de precedente

Como já foi dito anteriormente, para que seja aplicada a técnica do overruling é fundamental uma alta carga de motivação, justificando o a necessidade real de superação do precedente. E ponderar sobre a conveniência de revogação do precedente não é simples. Várias questões devem ser levadas em consideração, tais como injustiça, imprecisão na redação do precedente e prejuízos para a estabilidade do ordenamento jurídico.

Celso de Albuquerque Silva explica que a superação do precedente pode acontecer basicamente nas seguintes hipóteses: “(i) quando o precedente está obsoleto e desfigurado; (ii) quando é absolutamente injusto e/ou incorreto; (iii) quando se revelar inexeqüível na prática”.[7]

 

Referências
JR., Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4 ed. Salvador: Editora jus podivm. 2009. v.2.
SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2005
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá. 2007
STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado. 1998
 
Notas:
[1] STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado. 1998, p. 59.

[2] JR., Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4 ed. Salvador: Editora jus podivm. 2009, v. 2, p. 392.

[3] JR., Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. Salvador: Editora jus podivm. 2009, v. 2, p. 393.

[4] SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá. 2007, p. 145.

[5] JR., Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4 ed. Salvador: Editora jus podivm. 2009, v. 2, p. 395.

[6] SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2005, p. 303.

[7] SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2005, p. 266.


Informações Sobre o Autor

Lívia Patriota de Holanda

Advogada. Graduada pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduada em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco – ESMAPE


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