Reexame e revaloração da prova na admissibilidade do recurso especial: o enunciado da Súmula n. 7, do STJ

Resumo: O presente ensaio tem por objetivo o estudo do juízo de admissibilidade do recurso especial com foco na análise da tratativa das questões de direito e questões de fato, diante do teor do enunciado da Súmula n. 7/STJ. Percorre questões relativas à qualificação jurídica do fato, incidência e aplicação da norma jurídica. Apresenta pesquisa de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

Palavras-chaves: Direito Processual Civil; Superior Tribunal de Justiça; Recurso Especial; Admissibilidade; Reexame da Prova e Revaloração da prova.

Abstract: This essay will examine the admissibility requirements for the special appeal focused on the analysis of matters-of-law and matters-of-fact, given the content of the statement of Sumula n. 7 / STJ. It will address the issues related to the legal qualification of the fact, incidence and application of the legal norm. Presents a research of the jurisprudence of the Superior Tribunal de Justiça on the subject.

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Keywords: Civil Procedure Law; Superior Tribunal de Justiça; Special Appeal; Admissibility; Reexamination and Reevaluation of Evidence.

Sumário: 1. O Superior Tribunal de Justiça e o Recurso Especial. 1.1. Do Juízo de Admissibilidade do Recurso Especial. 1.1. Do Prequestionamento. 1.1.2 Da ampliação do raio de incidência do efeito devolutivo dos recursos excepcionais no NCPC. 2. Distinção da Questão de Fato e Questão de Direito para Fins de Cabimento do Recurso Especial – Reexame e Revaloração da Prova: o Enunciado da Súmula n. 7, do STJ. 2.1. Pesquisa de Jurisprudência: Reexame e Revaloração da Prova: o Enunciado da Súmula n. 7, do STJ. Considerações Finais.

1 O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E O RECURSO ESPECIAL

O Superior Tribunal de Justiça tem sua origem na Constituição de 1.988, que lhe atribuiu competência para processar e julgar o recurso especial em casos relativos às ‘questões federais`.

Acerca das dificuldades que seriam enfrentadas com a criação do STJ, escreveu Barbosa Moreira:

“A bipartição do antigo recurso extraordinário, perfeitamente explicável à luz da reestruturação da cúpula do Poder Judiciário, não deixou de causar problemas de ordem prática. Temos agora dois recursos em vez de um só, interponíveis ambos, em larga medida, contra as mesmas decisões. Daí a necessidade de articulá-los; e o sistema resultante teria de ficar, como na verdade ficou, bastante complicado em mais de um ponto. É inegável que o novo regime acarreta, muitas vezes, aumento considerável na duração do processo”. (MOREIRA, 2012, P. 583)

As hipóteses de cabimento do recurso especial estão dispostas no artigo 105, III, e alíneas, da Constituição Federal. É possível o seu manejo em face de decisões de Tribunais estaduais ou regionais federais quando, em única ou última instância: a) contrariarem tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgarem válido ato de governo local contestado em face de lei federal; ou c) derem a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

O Código de Processo Civil dispõe em seu Livro III, Título II, Capítulo VI sobre os recursos extraordinário e especial, artigos 1.029 a 1.044. O Regimento Interno do STJ, dispõe sobre o recurso especial nos artigos 255 a 257-A.

De acordo com Rodolfo Camargo Mancuso (2015, p. 117):

“(…) a competência infraconstitucional do Superior Tribunal de Justiça é ampla e irrestrita, tanto em direito material como processual, atuando geralmente no plano da revisão – errores in iudicando –, mas podendo também atuar como corte de cassação – errores in procedendo / nulidades insanáveis –, abrangendo as modalidades originária, recursal-ordinária e recursal-especial (arts. 105, I a III, da CF)”.

Ada Pellegrini Grinover (2012) afirma que “o recurso especial figura como verdadeiro instrumento de censura, destinado mais a manter a coerência e unidade do sistema jurídico federal, do que a reparar injustiça cometida no julgamento proferido pela instância subalterna”.

1.1 DO JUIZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL

Os requisitos de admissibilidade dos recursos em geral podem ser divididos em intrínsecos – relativos à existência do direito – e extrínsecos – pertinentes ao exercício do direito de recorrer. Conforme esta classificação, os requisitos intrínsecos seriam: cabimento, legitimação para recorrer, interesse de recorrer e inexistência de fato impeditivo do poder de recorrer. Os requisitos extrínsecos, de outro lado, seriam: tempestividade, a regularidade formal e o preparo.[1]

Ada Pellegrini Grinover (2012) aduz que, como todo e qualquer outro recurso, os recursos extraordinários, “estão sujeitos a pressupostos de admissibilidade; alguns gerais, outros específicos”.

Sob este último ângulo, a doutrina aponta três pressupostos ou condições de admissibilidade específico: a) a existência de uma causa; b) existência de uma decisão emanada de tribunal, em único ou último grau de jurisdição; e c) existência de questão constitucional ou federal sobre a qual tenha versado, expressamente, mencionado ato decisório. (GRINOVER, 2012)

Tratando-se, o recurso especial, de tipo de recurso de fundamentação vinculada, certa celeuma aparece na distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito. Discute-se se para conhecer ou não do recurso deve-se adentrar na análise sobre a existência ou não de violação à lei federal na decisão impugnada.

Predomina na doutrina[2] posição de que basta que a contrariedade à lei federal seja alegada pelo recorrente e a questão tenha sido analisada pela decisão recorrida para ensejar o seu cabimento.

Teresa Wambier (2014, pp. 55 -56), neste ponto, defende que admitido o recurso, ter-se-á feito, ainda que apressadamente, o juízo sobre a existência de um destes vícios, que, em realidade, se traduz num juízo de viabilidade do recurso. De outro modo, quando se tratar de juízo de inadmissibilidade será um juízo definitivo, de certeza quanto à inviabilidade do provimento do recurso.

1.1.1 Do Prequestionamento

A dificuldade inicial ao abordar o tema, conforme aduz José Miguel Garcia Medina (2009, p. 216), está na ausência de uniformidade de entendimento acerca do que se deva entender por questão federal, questão constitucional e prequestionamento.

A noção de prequestionamento nasce como “fenômeno de atividade das partes. As partes é que ‘questionam’, discutem ao longo do processo sobre a questão federal.” (DANTAS; WAMBIER, 2016, p. 335)

Afirmam os autores (DANTAS; WAMBIER, 2016, p. 337) que parcela da doutrina enfatiza que, embora relevante a provocação das partes, mais importante é a existência da questão na decisão recorrida, mesmo que esta surja com surpresa das partes.

Ada Pellegrini Grinover (2012) afirma que o prequestionamento consiste no “prévio tratamento do tema de direito federal pela decisão recorrida. Tal requisito decorre da própria natureza e finalidade política dessas impugnações, criadas para possibilitar o reexame de decisões em que tivesse sido resolvida uma questão de direito federal”.

Teresa Wambier (2008, p. 401) defende que “a exigência do prequestionamento decorre da circunstância de que os recursos especial e extraordinário são recursos de revisão. Revisa-se o que já se decidiu. Trata-se na verdade, de recursos que reformam as decisões impugnadas, em princípio, com base no que consta das próprias decisões impugnadas”.

Ainda neste campo, é salutar o novo texto preconizado pelo CPC/15 no tocante ao dispositivo do art. 1.025, que parece encerrar celeuma que desde sempre foi motivo de insatisfação para aqueles que buscavam ter admitido seu recurso especial e encontravam óbice no enunciado da Súmula n. 211/STJ: inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal.

Saliente-se, o posicionamento diverso que vinha adotando o STF quanto ao tema, consoante o enunciado da Súmula/STF n. 356: o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.

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Teresa Wambier e Bruno Dantas entendem que esta inovação do NCPC é positiva, conforme a seguinte assertiva:

“(…) justamente pelo fato de não poderem e não deverem ficar as partes à mercê das eventuais decisões não cooperativas dos tribunais de 2.º grau, que não podem não incluir nas suas decisões elementos relevantes para viabilizar admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial, é que o legislador "dispensou" a volta dos autos ao 2.º grau para que sejam admitidos e providos, embargos de declaração que tenham sido indevidamente inadmitidos ou improvidos.” (DANTAS; WAMBIER, 2016, p. 341)

Este debate desemboca, invariavelmente, em questão relacionada ao dever, que é decorrente do modelo do Estado Democrático de Direito, de fundamentação das decisões judiciais, em suas diversas dimensões, conforme disposto no art. 93, IX, da CF/88, e, também, extensivamente tratado pelo novo código em seu art. 489, II.

Importante destacar, do mesmo modo, o dispositivo do art. 941, § 3o., do NCPC, que impõe o dever de se declarar o voto vencido, considerando-se parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento.

A legislação processual de 2015, neste ponto, é inovadora. Em momento anterior, Ada Pellegrini Grinover já sustentava que não seria correto afirmar que o acórdão editado pelo Tribunal Regional conteria um voto vencido. De acordo com a autora:

“(…) tecnicamente falando, (…) só se pode considerar como tal a divergência que repousa na parte dispositiva do acórdão; o que, claramente, não é o caso. Evidência disso é que não haveria interesse recursal para o consulente interpor recurso especial contra o aresto, diante da ausência de prejuízo”. (GRINOVER, 2012)

Neste sentido também era o enunciado da Súmula n. 320, do STJ, ao dispor: a questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento.

Não se pode descuidar, todavia, a observação de Grinover (2012) quanto a utilidade que o conteúdo do voto vencedor, das razões de recurso das partes e do parecer do Ministério Público, possa propiciar, prospectivamente, em proveito das partes.

Fato é que o disposto no art. 941, § 3o., do NCPC, acaba por comprometer o enunciado da referida Súmula/STJ 320. Termos em que, consoante T. Wambier (2008, p. 346) “o voto vencido deve ser necessariamente declarado e é, por força de lei, considerado parte do acórdão, para todos os efeitos, mas principalmente para fins de prequestionamento”.

Por fim, ao se exigir o prequestionamento da questão infraconstitucional que se pretende ver analisada em recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça limita-se a definir o sentido e o alcance da expressão ‘causas decididas’ (art. 105, III, caput, da CF), interpretando-a, sem ‘criar’ qualquer requisito adicional, e sem visualizar qualquer requisito implícito, dotado de autonomia.[3]

1.1.2 Da ampliação do raio de incidência do efeito devolutivo dos recursos excepcionais no NCPC

O tema do prequestionamento está intimamente relacionado com o tema do efeito devolutivo dos recursos extraordinário e especial. Tais recursos, destinados que são à rediscussão de questões de direito federal, possuem efeito devolutivo limitado, respectivamente, à matéria constitucional ou de lei ordinária que tenha ensejado sua admissão.

O efeito devolutivo significa a circunstância de a interposição do recurso transferir ao órgão responsável pelo julgamento do recurso (ad quem) o conhecimento parcial ou integral da matéria que havia sido submetida ao órgão que proferiu a decisão impugnada (a quo. (DANTAS; WAMBIER, 2016, p. 341)

Deste efeito, é possível identificar dois vetores: a extensão e a profundidade.

O vetor extensão, nos recursos em geral, é matéria imanente ao princípio dispositivo, e cabe ao recorrente delimitá-lo, estabelecendo os contornos da sua impugnação. (DANTAS; WAMBIER, 2016, p. 341) Por sua vez, o vetor profundidade importa o dever do juiz de decidir questões suscitadas pelas partes ou apreciáveis de ofício, que estejam associadas aos fundamentos do pedido e da defesa. (DANTAS; WAMBIER, 2016, p. 341)

O recurso especial é tipo de recurso de devolutividade restrita, assim, o ônus de o recorrente estabelecer contornos à extensão do seu recurso encontra na lei fator limitador, de modo que o recurso será total ou parcial na exata medida do espaço que a lei houver deixado ao arbítrio do recorrente. (DANTAS; WAMBIER, 2016, p. 341)

Não obstante a isso, aduzem Teresa Wambier e Bruno Dantas que o NCPC introduziu avanços no campo do rendimento dos recursos excepcionais, impedindo, por exemplo, que questões formais obstem a adequada resolução do conflito subjacente e a correta aplicação do direito (art. 1.024, § 5.º). (DANTAS; WAMBIER, 2016, p. 341)

Sustentam, os autores, ser a nova norma disposta no art. 1.034 e parágrafo único, do NCPC, responsável por ampliar o efeito devolutivo dos recursos extraordinário e especial; in verbis:

“Art. 1.034. Admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça julgará o processo, aplicando o direito.

Parágrafo único. Admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial por um fundamento, devolve-se ao tribunal superior o conhecimento dos demais fundamentos para a solução do capítulo impugnado.”

Ada Grinover (2012) identifica o mesmo fenômeno processual ao observar que no julgamento do recurso extraordinário ou especial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso, não se limitam a cassar a decisão recorrida, devolvendo os autos para um novo julgamento. Isso somente ocorrerá quando, pela nova solução dada a questão de direito federal, ocorrer a decretação de uma nulidade processual.

Fora dessa hipótese, o próprio tribunal superior, depois de fixado o entendimento que entende correto a respeito da quaestio iuris, proferirá um novo julgamento da causa, à luz da tese adotada. (GRINOVER, 2012)

Com efeito, o novo enunciado normativo do NCPC, reproduzido em linhas acima, trata de matéria que já vinha disposta no enunciado da Súm./STF n. 456, sobre que: o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.

Assim, a ampliação do raio de incidência do efeito devolutivo dos recursos excepcionais posta-se em favor do rendimento e da instrumentalidade permitindo que um único processo solucione de vez controvérsias emergentes de uma relação jurídica. (GRINOVER, 2012)

2 DISTINÇÃO DA QUESTÃO DE FATO E QUESTÃO DE DIREITO PARA FINS DE CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL – REEXAME E REVALORAÇÃO DA PROVA: O ENUNCIADO DA SÚMULA N. 7, DO STJ

De acordo com Teresa Arruda Alvim Wambier (1998), a possibilidade de se subdividirem as questões jurídicas em questões predominantemente fáticas e questões predominantemente de direito no sentido estrito, pode nascer de dois critérios diferentes.

O primeiro deles seria o ontológico ou substancial, que diz respeito à natureza mesma, ao "ser" dessas questões. (WAMBIER, 1998)

Esta perspectiva muito se relaciona ao que Michele Taruffo (2015, p. 224) se referiu como um problema de caráter semântico inerente à possibilidade de tradução das assertivas de fato, tais como enunciadas em linguagem comum, em assertivas correspondentes formuladas segundo a linguagem do direito posto; de maneira que, procedendo-se de modo defeituoso este raciocínio de transformação / tradução, tudo mais que se lhe seguir será inexoravelmente ilegal. (WAMBIER, 1998)

Neste ponto, observa Teresa Wambier (1998) que se a função do recurso especial é fundamentalmente a de flagrar e a de corrigir ilegalidades, todos os casos em que os fatos foram qualificados erradamente, tendo-se-lhes aplicado norma diferente daquela que, na verdade, deveria ser aplicada, deveriam ser reavaliados pelos Tribunais superiores no bojo desses recursos.

Não obstante a isso, afirma, a autora, que sob o critério técnico-processual, estar-se-ia diante de uma questão de fato; ainda que sob o aspecto substancial, tratar-se-ia de questão de direito. (WAMBIER, 1998)

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Neste entrecruzamento, é pertinente a observação de Vicente Greco Filho (2006, p. 372) de que o recurso especial apenas será admissível se o seu fundamento é matéria de direito, não cabendo se o erro ou injustiça imputados ao acórdão forem decorrentes de má apreciação da matéria de fato. Observe-se, porém, que o erro sobre critérios de apreciação da prova ou errada aplicação de regras de experiência são matéria de direito, e, portanto, não excluem a possibilidade de recurso especial.

Sobre o segundo critério, de natureza técnico-processual, classificam-se as questões em fáticas e jurídicas, para efeito de possibilidade de reexame por meio de remédios de estrito direito, a partir do mecanismo processual por meio do qual deve operar-se o reexame (WAMBIER, 1998); ou seja, para se aferir a validade da norma jurídica individual e concreta.

Maior interesse recai em perquirir sobre este segundo critério, considerando que, partindo-se dele, chegar-se-á ao tema espinhoso relativo ao que se convencionou denominar: reexame e revaloração da prova.

Sustenta-se que a questão será predominantemente fática, do ponto de vista técnico, se, para que se redecida a matéria, houver necessidade de se reexaminarem provas, ou seja, de se reavaliar como os fatos teriam ocorrido, em função da análise do material probatório produzido. (WAMBIER, 1998)

Aqui, portanto, a restrição de se admitir o recurso especial, em razão da natureza peculiar do recurso extremo; razão por que do enunciado da Súmula/STJ n. 7, que dispõe: a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

A despeito da existência deste enunciado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em determinadas situações, vem separando / delimitando em diferentes planos as figuras: (i) do ‘mero reexame das provas’, inadmitindo o recurso especial; e (ii) da ‘revaloração da prova’, admitindo e analisando as questões trazidas no bojo do recurso especial.

Com efeito, tratam-se de fenômenos distintos. Teresa Wambier (1998), explica que a revaloração das provas tem sido permitida predominantemente (e desemboca necessariamente na possibilidade de que haja requalificação – qualificação diferente – dos fatos) quando é desobedecida norma que determina o valor que a prova pode ter, em função do caso concreto.

Por outro lado, o ‘mero reexame da prova’, seria o equivalente à atividade desempenhada pelo juízo a quo de se proceder a um exame mais minucioso, atento e vagaroso das provas constantes dos autos, que, todavia, poderia levar ao mesmo resultado: à solução de que a subsunção ter-se-ia dado de modo equivocado. (WAMBIER, 1998)

2.1 PESQUISA DE JURISPRUDÊNCIA: REEXAME E REVALORAÇÃO DA PROVA – SÚMULA N. 7, DO STJ

Antes que se inicie a análise da matéria de fundo proposta no presente estudo, impende salientar que não se verifica uniformidade no uso terminológico para distinguir os dois fenômenos: reexame e revaloração.

No AgRg no AREsp 610815, empregou-se na ementa da decisão o termo ‘revaloração do conjunto fático-probatório’, com designação à inadmissibilidade do recurso especial pela incidência da Súm. 7, STJ, conforme transcrição a seguir:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. ATRASO DE VÔO. DANOS MORAIS. VALOR. REVISÃO. REVALORAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. NÃO INCIDÊNCIA DA CONVENÇÃO DE MONTREAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO”. (AgRg no AREsp 610.815/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2016, DJe 25/02/2016)

Todavia, ao se analisar os fundamentos da decisão monocrática impugnada por meio d agravo regimental, verifica-se o uso do termo ‘revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos’, conforme excerto a seguir:

“Efetivamente, constata-se que o Tribunal de origem concluiu pela existência da responsabilidade civil e consequentemente pelo dever da indenização com base na análise dos elementos fáticos e probatórios delineados na lide. Assim, elidir as conclusões do aresto impugnado demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial a teor da Súmula 07/STJ.”

Outros termos encontrados subjacentes à questão da incidência do enunciado da Súmula n. 7, foram:

(i) ‘Má valoração da prova’:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. MEAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 364 DO CPC/1973. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. MÁ VALORAÇÃO DA PROVA. INEXISTÊNCIA. CASAMENTO REALIZADO SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. SUB-ROGAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. REVISÃO. MATÉRIA   FÁTICO-PROBATÓRIA.  SÚMULA  7/STJ.  AGRAVO NÃO PROVIDO. (…)

2.  No que diz  respeito  à má  valoração  da prova, a orientação jurisprudencial  deste  Sodalício estabelece que "vigora, no direito processual  pátrio,  o  sistema  de persuasão racional, adotado pelo Código de Processo Civil nos arts. 130 e 131, não cabendo compelir o magistrado a acolher com primazia determinada prova, em detrimento de outras  pretendidas  pelas partes, se pela análise das provas em comunhão  estiver  convencido  da  verdade  dos fatos (AgRg no REsp 1.251.743/SP,  Rel.  Ministro LUIS  FELIPE  SALOMÃO,  QUARTA TURMA, julgado em 16/09/2014, DJe de 22/9/2014).

3.  A Corte de origem, ao dirimir a controvérsia, mediante o exame dos elementos informativos da demanda, entendeu pela configuração da condição  de  meeira  da  ora  agravada,  não  tendo,  ainda, ficado demonstrado  que  o  patrimônio adquirido na constância do casamento seria decorrente da sub-rogação de bens particulares do de cujus.

Desse modo, infirmar as conclusões do julgado, como ora postulado, para  excluir da meação os bens deixados pelo de cujus, demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório da demanda, o que encontra óbice no enunciado da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.

4.  Na  hipótese,  a  irresignação  das  ora agravantes não trata de apenas  conferir diversa qualificação jurídica aos fatos delimitados na  origem  e  nova valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização  da  prova,  mas,  ao  revés, de realização de novo juízo valorativo  que substitua o realizado pelo Tribunal a quo para o fim de  formar  nova  convicção  sobre  os  fatos a partir do reexame de provas,    circunstância,    todavia,    vedada    nesta   instância extraordinária.  Incidência da  Súmula  7  do  Superior Tribunal de Justiça.

5. Agravo interno a que se nega provimento”. (AgInt no AREsp 904.524/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2016, DJe 12/08/2016)

Todavia, nos moldes do que ocorreu no caso anterior, à analise dos fundamentos da decisão impugnada, verifica-se somente o uso do termo ‘revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos’, a despeito do que consignado na ementa; o excerto segue abaixo:

“(…) infirmar as conclusões do julgado, como ora postulado, exige o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que atrai o óbice da Súmula no 7 desta Corte Superior.”

Dessume-se, deste modo, que o emprego do termo ‘má valoração da prova’, em verdade, remete à noção de ‘revaloração’ e, não, mero ‘reexame’.

ii) ‘Tese recursal que parte de pressupostos incompatíveis com as premissas fáticas assentadas pelas instâncias ordinárias’

“AGRAVO  REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.  AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO.    TESE   RECURSAL   QUE   PARTE   DE   PRESSUPOSTOS INCOMPATÍVEIS  COM  AS PREMISSAS FÁTICAS ASSENTADAS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.  ENUNCIADO  N.  7  DA  SÚMULA  DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1.  O  órgão  jurisdicional  não  tem o dever de se manifestar sobre todos os argumentos suscitados pelas partes, incumbindo-lhe resolver fundamentadamente as questões relevantes ao julgamento da causa. (…)

4.  Somente  se  poderá  dizer  que a pretensão recursal se limita à revaloração  da  prova  quando o inconformismo veicular alegações de contrariedade  ou  negativa  de  vigência  às normas legais federais atinentes ao direito probatório. Precedente.

5.  Aplica-se  a  Súmula  n.  7  do  STJ  aos casos em que o recurso especial  veicula  alegações  acerca  dos  fatos  da causa que foram refutadas  pelo  acórdão  recorrido  ou que são incompatíveis com as premissas fáticas assentadas pelo Tribunal a quo.

6. O entendimento expresso no enunciado n. 7 da Súmula do STJ apenas pode  ser  afastado  nas hipóteses em que o recurso especial veicula questões  eminentemente  jurídicas,  sem  impugnar  o  quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias no acórdão recorrido.

7.  A reforma do valor dos honorários advocatícios de sucumbência em recurso  especial  apenas é possível excepcionalmente, quando houver inobservância  do  postulado  da proporcionalidade, isto é, quando a quantia se revelar exorbitante ou irrisória. Precedentes.

8. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no AREsp 723.035/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 27/11/2015)

O voto do Min. Bellizze, por sua vez, traça distinção no seguinte sentido:

“Sabe-se que o reexame do conjunto fático-probatório não se confunde com a "valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção". O que o enunciado n. 7 da Súmula do STJ visa impedir é a formulação de nova convicção acerca dos fatos, a partir das provas. Por isso, esse entendimento sumulado apenas pode ser afastado nas hipóteses em que o recurso especial veicula questões eminentemente jurídicas, atinentes ao direito probatório.”

Assim, o emprego análogo do termo ‘tese recursal que parte de pressupostos incompatíveis com as premissas fáticas assentadas pelas instâncias ordinárias’ para referir-se ao mero ‘reexame’.

Cumpridas estas considerações iniciais, passa-se à análise de alguns julgados que percorrem o extrato ‘fático-probatório’ tangente ao óbice da Súmula 07/STJ, conforme segue:

a) REsp n. 888.420/MG:

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS". DESAFIO AO ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E O DANO – INCÊNDIO -. CULPA DE TERCEIROS. PREJUDICADA A ANÁLISE DO CHAMAMENTO DO PROCESSO.

1. Ação indenizatória em face de Município, em razão de incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows, ocasionando danos morais, materiais e estéticos ao autor.

2. A situação descrita não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte.

Isto porque, não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de nova convicção acerca dos fatos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem de tese consubstanciada na caracterização da responsabilidade civil do Estado.

3. "O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial, viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções; ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório". (Luiz Guilherme Marinoni in "Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário", publicado na Revista Genesis – de Direito Processual Civil, Curitiba-número 35, págs. 128/145)

4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a circunstância em que se configura a responsabilidade objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, que prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso. Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp 471606/SP;  DJ 14.08.2007; REsp 647.493/SC;  DJ 22.10.2007; REsp 893.441/RJ, DJ 08.03.2007; REsp 549812/CE;  DJ 31.05.2004)

5. In casu, o Tribunal de origem entendeu tratar-se da responsabilidade subjetiva do Estado, em face de conduta omissiva, consoante assentado: "(…)Também restou incontroveso nos autos que o incêndio teve como causa imediata as faíscas advindas do show pirotécnico promovido irresponsavelmente dentro do estabelecimento, não obstante constar da caixa de fogos o alerta do fabricante para soltá-los sempre em local aberto, ao ar livre, e nunca perto de produtos inflamáveis. Ainda assim, me parece óbvio que, se o município tivesse sido diligente, exercendo regularmente seu poder de polícia, fiscalizando o estabelecimento e tomando as medidas condizentes com as irregularidades constatadas, certamente evitaria o incêndio, porque a Casa não estaria funcionando, ou, alternativamente, daria às pessoas ali presentes a possibilidade de se evadirem do local de  maneira mais rápida e segura   .(…)" (fls. 410)

6. Desta forma, as razões expendidas no voto condutor do acórdão hostilizado revelam o descompasso entre o entendimento esposado pelo Tribunal local e a circunstância de que o evento ocorreu por ato exclusivo de terceiro, não havendo nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano ocorrido.

7. Deveras, em se tratando de responsabilidade subjetiva, além da perquirição da culpa do agente há de se verificar, assim como na responsabilidade objetiva, o nexo de causalidade entre a ação estatal comissiva ou omissiva e o dano. A doutrina, sob este enfoque preconiza: "Se ninguém pode responder por um resultado a que não tenha dado causa, ganham especial relevo as causas de exclusão do nexo causal, também chamadas de exclusão de responsabilidade. É que, não raro, pessoas que estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que apenas aparentemente deram causa, pois, quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas. E, como diziam os antigos, 'ad impossibilia nemo tenetur'. Se o comportamento devido, no caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que o dever foi violado.(…)" (pág. 63). E mais: "(…) é preciso distinguir 'omissão genérica' do Estado e 'omissão específica'(…) Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado.(…)" (pág. 231) (Sérgio Cavalieri Filho, in "Programa de Responsabilidade Civil", 7ª Edição, Editora Atlas).

8. In casu, o dano ocorrido, qual seja o incêndio em casa de shows, não revela nexo de causalidade entre a suposta omissão do Estado.

Porquanto, a causa dos danos foi o show pirtotécnico, realizado pela banda de música em ambiente e local inadequados para a realização, o que não enseja responsabilidade ao Município cujas exigências prévias ao evento não foram insuficientes ou inadequadas, ou na omissão de alguma providência que se traduza como causa eficiente e necessária do resultado danoso.

9. Neste sentido, bem preconizou a sentença a quo: "em face dos elementos carreados aos autos, verifica-se que a causa do incêndio foram as fagulhas provocadas pelo show pirotécnico dentro do estabelecimento, evidentemente promovido e autorizado pelos seus administradores que não observaram, devidamente, o aviso do fabricante, estampado na caixa dos fogos para soltá-los em local amplo e aberto, ou seja, ao ar livre 'sendo desaconselhável seu uso perto de produtos inflamáveis'. f. 151. Diante disto, não restaram dúvidas que o ato culposo foi praticado por terceiros que, de forma inescrupulosa decidiram promover o show pirotécnico, sem qualquer zelo com as 1.500 pessoas que superlotaram aquela casa noturna, não obstante terem conhecimento  possuía capacidade para 270 pessoas." (fl. 329)

10. O contexto delineado nos autos revela que o evento danoso não decorreu de atividade eminentemente estatal, ao revés, de ato de particulares estranhos à lide.

11. O chamamento ao processo dos proprietários da casa de shows e do empresário da banda, revela-se prejudicada, por pressupor existência de uma relação jurídica de direito material, na qual o chamante e o chamado figure como devedor solidário do mesmo credor, o que in casu pressupõe a procedência da demanda.

12. Recurso Especial provido.” (REsp 888.420/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 27/05/2009)

Este primeiro caso trata de ação indenizatória ajuizada em face do Município de Belo Horizonte em razão de incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows, ocasionando, supostamente, danos morais, materiais e estéticos ao autor.

A matéria de fundo diz respeito à responsabilização do Estado por ato omissivo.

Nos termos do voto prolatado pelo Min. Relator Luiz Fux houve um descompasso na decisão do Tribunal de origem que, apesar de adotar a tese consubstanciada na caracterização da responsabilidade civil subjetiva do Estado, aferiu o nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano ocorrido, desconsiderando a circunstância de que o evento ocorreu por ato exclusivo de terceiro.

Assim, afastou-se o óbice da Súmula n. 7, sob os seguintes fundamentos:

“Outrora, a situação descrita desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto porque, não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de nova convicção acerca dos fatos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem de tese consubstanciada na caracterização da responsabilidade civil objetiva [sic] do Estado”.

Ao final, o recurso especial do Município foi provido, cabendo destacar os seguintes fundamentos:

“In casu, o dano ocorrido, qual seja o incêndio em casa de shows, não revela nexo de causalidade entre a suposta omissão do Estado. Porquanto, a causa dos danos foi o show pirtotécnico, realizado pela banda de música em ambiente e local inadequados para a realização, o que não enseja responsabilidade ao Município cujas exigências prévias ao evento não foram insuficientes ou inadequadas, ou na omissão de alguma providência que se traduza como causa eficiente e necessária do resultado danoso.”

Saliente-se, por fim, que a análise do substrato fático em sede de recurso especial se fez a partir do que relatado no acórdão e sentença proferidos.

b) REsp n. 1369571/PE:

“RECURSO ESPECIAL.  PROCESSUAL  CIVIL (CPC/73). AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS  MORAIS.   MATÉRIA JORNALÍSTICA. REVALORAÇÃO DE  PROVAS.

POSSIBILIDADE.  NÃO INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 7/STJ. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL  NO  ACÓRDÃO  RECORRIDO.  AUSENTE.  NÃO INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 126/STJ. DIREITO À INFORMAÇÃO E À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO  PENSAMENTO.  CARÁTER  ABSOLUTO.  INEXISTÊNCIA. DEVER DE CUIDADO.

NECESSIDADE  DE  OBSERVÂNCIA.  DIREITO AO ESQUECIMENTO. TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS JORNALÍSTICAS. INEXIGÊNCIA DA PROVA INEQUÍVOCA DA MÁ-FÉ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.

1. Ação de indenização por danos morais decorrentes de veiculação de matéria  jornalística  que supostamente imputou prática de ilícito a terceiro.

2.  A revaloração  da  prova  constitui  em atribuir o devido valor jurídico   a   fato   incontroverso,   sobejamente  reconhecido  nas instâncias ordinárias, prática admitida em sede de recurso especial, razão pela qual não incide o óbice previsto no Enunciado n.º 7/STJ.

3.  Não há qualquer fundamento constitucional autônomo que merecesse a  interposição  de recurso extraordinário, por isso inaplicável, ao caso, o Enunciado n.º 126/STJ.

4. Os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem  caráter  absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias  constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana.

5.  No desempenho da função jornalística, as empresas de comunicação não  podem descurar de seu compromisso com a veracidade dos fatos ou assumir uma postura displicente ao divulgar fatos que possam macular a integridade moral de terceiros.

6.  O Enunciado n.º 531, da VI Jornada de Direito Civil do Superior Tribunal  de  Justiça  assevera:  "A  tutela  da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento".

7.   A jurisprudência do  Superior  Tribunal  de  Justiça  tem-se manifestado  pela  responsabilidade das empresas jornalísticas pelas matérias   ofensivas   por  elas  divulgadas,  sem  exigir  a  prova inequívoca da má-fé da publicação.

8.  O valor arbitrado a título de reparação por danos morais, merece ser  reduzido,  em  atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade       e       à       jurisprudência      do      STJ.

9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.” (REsp 1369571/PE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 28/10/2016)

Este segundo julgado, bastante interessante, trata, também, de pedido de indenização por danos morais em razão de matéria jornalística veiculada por empresa de comunicação do Estado de Pernambuco.

No caso, foi veiculada entrevista realizada com terceiro acerca de atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes/PE, ocorrido em 25/7/1966, durante o regime ditatorial-militar.

Foi interposto recurso especial pela parte autora em face de acórdão que reformou totalmente sentença de procedência / parcial procedência do pedido, que havia condenado o réu ao pagamento de indenização no valor R$ 700.000,00.

Sem que se disperse do objetivo proposto para esta pesquisa, impende observar que a questão de fundo, per se, é bastante interesse ao abordar temas como o direito à liberdade de imprensa e de informação, à livre manifestação do pensamento, assim como, questões sobre o conturbado período ditatorial brasileiro, entrelaçado pelo debate sobre o ‘direito ao esquecimento’ (v. voto divergente).

No que importa ao presente estudo, destaque-se que a ‘revaloração do suporte fático-probatório’ se deu com base na transcrição contida no acórdão recorrido de parcela relevante da entrevista publicada, in verbis:

"Diário de PE – O que sabe W. W. sobre o atentado a bomba, no Aeroporto dos Guararapes, que causou a morte do Poeta E. R., do Almirante D. F., além de provocar ferimentos graves em várias pessoas? O ato terrorista teria sido mesmo uma manifestação de repúdio de setores do próprio Exército à candidatura do Marechal Costa e Silva?

W. – Tal versão foi propalada por segmentos da esquerda, mas não procede. O responsável pelo atentado foi mesmo o ativista Z. (autor), irmão do ator C. Z. O processo apontou claramente sua participação no ato terrorista. Ele tinha família em Carpina e esses parentes – está no inquérito – sabiam de tudo sobre suas atividades subversivas e temiam que essas ações acabassem por complicá-lo, como de fato aconteceu. Depois, as investigações chegaram a uma fabriqueta de explosivos no bairro de Afogados, pertencente a Z. (autor). De outra parte, um amigo meu que estava no Aeroporto pouco antes da ação criminosa, viu o Z. (autor) sair apressado da estação de passageiros. Segundos após, o artefato explodiu (fls. 29 dos autos)" (fls. 450-451, e-STJ, grifou-se).

Ao final, o recurso especial foi provido para reconhecer a responsabilidade da empresa jornalística, conforme voto divergente apresentado.

Impende destacar que nos casos de condenação por danos morais, é assente na jurisprudência do STJ que a análise do patamar indenizatório arbitrado exige, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatório dos autos, que encontra o óbice do enunciado n. 7/STJ.

Todavia, tem-se admitido a revisão do valor indenizatório, em sede de recurso especial, nos casos em que o valor se apresentar ínfimo ou excessivo, conforme os: AgInt no REsp 1356913/SP (Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 09/06/2016); AgInt no AREsp 842.702/RS (Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 07/06/2016).

Por fim, o valor da condenação foi fixado no valor de R$ 50.000,00, seguindo, de acordo com o relator designado para o voto, ‘hipóteses semelhantes a dos autos’, fazendo menção aos: REsp 1541079/DF (Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 13/05/2016) e AgRg no AREsp 681.413/PR (Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 17/03/2016)

c) AgRg no REsp 1614995/MG:

“AGRAVO  REGIMENTAL  NO RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. APREENSÃO E PERÍCIA  DA  ARMA DE FOGO USO EVIDENCIADO POR OUTROS MEIOS DE PROVAS (PALAVRA    DA  VÍTIMA    OU   O   DEPOIMENTO   DE   TESTEMUNHAS). PRESCINDIBILIDADE. REVALORAÇÃO DOS ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DA SUM 7/STJ.

I – O  entendimento  pacificado  da  Terceira Seção deste Tribunal Superior é no sentido da prescindibilidade da apreensão e perícia da arma  de  fogo para a incidência da majorante, desde que evidenciada sua  utilização  por  outros meios de provas, tais como a palavra da vítima ou o depoimento de testemunhas, como ocorreu na hipótese.

II – Conforme precedentes desta Corte, "Não há violação à Súmula 7 desta  Corte quando a decisão limita-se a revalorar juridicamente as situações  fáticas  constantes  da sentença e do acórdão recorridos" (AgRg  no  REsp n. 1.444.666/MT, Sexta Turma Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/8/2014).

Agravo regimental desprovido”. (AgRg no REsp 1614995/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 14/10/2016)

No julgamento do AgRg no REsp 1614995/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, é patente posicionamento de que a ‘revaloração da situação fático-probatória’ se dá nos estreitos contornos impingidos pelas decisões proferidas pelo juízo a quo; neste sentido, destaque-se da ementa o seguinte: não há violação à Súmula 7 desta Corte quando a decisão limita-se a revalorar juridicamente as situações fáticas constantes da sentença e do acórdão recorridos.

Assim, revalorar importa ao STJ na estrita reanálise da situação fático-probatória transposta em linguagem textual nas peças do processo.

d) REsp 1195364/SP:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ERRO MATERIAL. SÚMULA N. 7/STJ. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO. VALORAÇÃO DA PROVA. DIFERENÇAS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Na técnica da valoração da prova também denominada por alguns de "revaloração da prova" podem ocorrer duas situações em sede de recurso especial: (1ª) este Tribunal Superior, mantendo as premissas fáticas e probatórias delineadas pelo acórdão recorrido e sem reexaminar a justiça ou injustiça da decisão impugnada, qualifica juridicamente os fatos soberanamente comprovados na instância ordinária; e (2ª) esta Corte examina suposta afronta a dispositivos legais relativos ao direito probatório (o que provar, como provar, quando provar etc.). Precedentes.

2. Na situação em análise, a tese defendida no especial demanda o afastamento da premissa estabelecida pela Corte Federal a partir do cotejo das peças relativas às fases de conhecimento e execução do julgado, quanto à ocorrência de flagrante erro material.

3. Não se tem dúvidas, por conseguinte, tratar a pretensão recursal de reexame de provas, motivo pela qual deve prevalecer a aplicação da Súmula n. 7/STJ.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no REsp 1195364/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 18/06/2013)

Neste outro julgado, verifica-se a manutenção da decisão que inadmitiu o recurso extremo, impugnada por agravo regimental. Contudo, vale destacar, o esclarecimento prestado pelo Ministro Relator no seguinte sentido:

“É de se destacar que, diferentemente do reexame de prova, na técnica da valoração da prova — também denominada por alguns de "revaloração da prova" — podem ocorrer duas situações em sede de recurso especial: (1ª) este Tribunal Superior, mantendo as premissas fáticas e probatórias delineadas pelo acórdão recorrido e sem reexaminar a justiça ou injustiça da decisão impugnada, qualifica juridicamente os fatos soberanamente comprovados na instância ordinária; e (2ª) esta Corte examina suposta afronta a dispositivos legais relativos ao direito probatório (o que provar, como provar, quando provar etc.).”

Neste julgado, não obstante assumir-se posicionamento consentâneo com aquele demonstrado no AgRg no REsp 1614995/MG, são bastante esclarecedores os fundamentos acima transcritos, repisando-se na questão de que o STJ ainda que proceda à ‘revaloração’ mantém as premissas fáticas e probatórias delineadas pelo acórdão recorrido.

e) AgRg no REsp 1474405/SP:

“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO. AGRAVAMENTO DE DOENÇA QUE RESULTA EM INCAPACIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

1. Na hipótese dos autos, apesar de o Tribunal a quo ter reconhecido que a autora, portadora de hipertensão arterial, era filiada ao Regime da Previdência desde 2005, quando já apresentava a doença, e que sua incapacidade surgiu somente dois anos depois, vale dizer, em 2007, aplicou incorretamente o citado artigo 42, § 2º. Com efeito, se a recorrente, portadora de hipertensão arterial, era filiada desde 2005, e a incapacidade decorrente de tal hipertensão surgiu apenas em 2007, evidente que tal incapacidade sobreveio por motivo de progressão e agravamento da doença, não fazendo sentido falar em doença preexistente à filiação.

2. A idade avançada da autora somente corrobora que a doença incapacitante não é preexistente à filiação da recorrente, mas sim que a incapacidade por essa doença sobreveio em virtude do agravamento da hipertensão. Portanto, o acórdão recorrido não deu a adequada qualificação jurídica dos fatos, merecendo reforma. Não se trata, na espécie, de rever o contexto fático-probatório, vedado ante o teor da Súmula 7, mas sim de subsumir corretamente os fatos à norma.

3. Bem delineadas as questões de fato no acórdão recorrido, sua revaloração não importa em ofensa à Súmula 7/STJ.

4. Agravo Regimental não provido.” (AgRg no REsp 1474405/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 17/11/2015)

Este agravo regimental foi interposto pelo INSS em face de decisão monocrática proferida pelo relator. Para melhor ilustrar, a transcrição do relatório:

“A recorrente afirma que houve ofensa aos arts. 42, caput e § 2°, e 59 da Lei 8.213/1991. Sustenta, em suma, que a incapacidade da autora não seria preexistente à filiação, mas decorreria do agravamento de suas doenças. Defende, outrossim, que a citada incapacidade surgira enquanto a autora detinha a qualidade de segurada, de modo que por todos esses motivos ela faria jus ao benefício da aposentadoria por invalidez. (…)

Em primeiro grau o pedido foi julgado procedente, contudo a sentença foi reformada em apelação e o benefício previdenciário foi negado, ensejando a interposição do presente Recurso Especial.

Ao prover o apelo da autarquia previdenciária, a Corte local consignou:

O laudo médico atesta que a autora está total e definitivamente incapacitada, por sofrer de hipertensão arterial (f. 55/58). Segundo o experto, a autora estaria incapacitada desde 2007.

Contudo, a autora não faz jus sequer ao benefício, pelas razões que passo a expor.

Observando-se o CNIS, constata-se que a autora jamais havia contribuído para a previdência social, somente iniciando o pagamento de poucas contribuições a partir de 09/2005 até 03/2007.

Ora, a autora é nascida em 1937 e passou a toda a idade laborativa trabalhando como costureira sem contribuir para a previdência social.

A toda evidência, em razão da própria idade da autora e das doenças degenerativas apontadas no laudo, apura-se a presença de doenças preexistentes à própria filiação .

 In caso, não há dúvidas de que se aplica à presente demanda o disposto no artigo 42, § 2º, primeira parte, da Lei nº 8.213/91 (fls. 123-124, grifos no original).

No caso dos autos, consoante se extrai da leitura do acórdão recorrido, verifica-se que foram demonstrados a incapacidade por exame pericial ("O laudo médico atesta que a autora está total e definitivamente incapacitada por sofrer de hipertensão arterial" e "a autora estaria incapacitada desde 2007"); a carência ("pagamento de poucas contribuições a partir de 09/2005 até 03/2007"); bem como a condição de segurada da recorrente, eis que a incapacidade surgiu em 2007, sendo que a última contribuição data de 03/2007.

Contudo, o Tribunal a quo negou o benefício à recorrente por entender que sua doença incapacitante seria preexistente à filiação, o que imporia a aplicação do art. 42, § 2º, da Lei 8.213/91, objeto desse recurso (…)”

A questão de fundo diz respeito à concessão de benefício previdenciário por incapacidade. A questão central é no tocante ao reconhecimento da doença incapacitante ser preexistente ao (re)ingresso da recorrente ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que, em outros termos, equivale ao não reconhecimento da qualidade de segurado da parte recorrente / autora para fins de concessão do benefício previdenciário pretendido.

Nestes termos, leia-se o seguinte:

“Ora, se a recorrente, portadora de hipertensão arterial, era filiada desde 2005 e a incapacidade decorrente de tal hipertensão surgiu apenas em 2007, evidente que tal incapacidade sobreveio por motivo de progressão e agravamento da doença, não fazendo sentido falar em doença preexistente à filiação.

Se a lei não autorizasse a aposentadoria por invalidez por progressão de doença que o segurado apresenta ao filiar-se, não haveria porque aceitar receber contribuições de qualquer segurado que apresentasse qualquer moléstia.

A idade avançada da autora somente corrobora que a doença incapacitante não é preexistente à filiação da recorrente, mas sim que a incapacidade por essa doença sobreveio em virtude do agravamento da hipertensão.

Portanto, o acórdão recorrido não deu a adequada qualificação jurídica dos fatos, merecendo reforma. Não se trata, na espécie, de rever o contexto fático-probatório, vedado ante o teor da Súmula 7, mas sim de subsumir corretamente os fatos à norma.”

Assim, da análise dos elementos fático-probatórios descritos na decisão do juízo a quo o STJ reconheceu que o Tribunal de origem aplicou incorretamente o artigo 42, § 2º. da lei de benefícios previdenciários (n. 8.213/91), ‘revalorando os elementos de fato’ descrito nas decisões proferidas na origem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atividade jurisdicional desempenhada pelo Superior Tribunal de Justiça no exercício de sua competência para apreciar o recurso especial tem por escopo a manutenção da coerência e unidade do sistema jurídico federal – e constitucional; e, ainda que não menos importante, mas relegada a um segundo plano, a reparar eventual injustiça cometida no julgamento proferido pelas instâncias inferiores.

Neste sentido, exerce função última de controle da validade da ‘questão federal’ posta no seio de um procedimento interativo fundamentante que resulta em uma decisão capaz de terminar conflitos, pondo-lhes um fim – sob aquele aspecto da manutenção da coerência e unidade do sistema jurídico federal.

Sob esta perspectiva, a demonstração do fato, em sua acepção fática e contrafática, submetida ao órgão de cúpula já não mais é controvertido – não mais é questão de fato; isto é, as alegações das partes sobre fatos e a sua tradução / transformação em fatos jurídicos relevantes para o deslinde do caso posto restaram delineadas pelas instâncias inferiores que, neste sentir, são as que detém competência para tanto.

A decisão proferida pelo juízo a quo caracteriza-se como uma norma individual e concreta. Nela, a delimitação do fato encontra-se na proposição-antecedente, em razão disso, é de extrema relevância a completude da fundamentação da sentença e do acórdão, sobretudo no que tange à determinação e delimitação da questão fática.

Não por menos, as recentes inovações trazidas pelo NCPC, em especial, no tocante aos artigos, 489, II, 941, § 3o. e 1.025, impõem o dever do discurso fundamentante no exercício da atividade jurisdicional, impingindo robustez qualitativa à decisão judicial.

Pretendeu-se demonstrar por meio da pesquisa jurisprudencial realizada que a ‘revaloração da situação fático-probatória’ pelo Superior Tribunal de Justiça parte justamente do plano fático-textual gravado na sentença e no acórdão; ou seja, do ponto de vista sintático, aquele contido na proposição-antecedente da norma individual e concreta – que não parece excluir, de todo, eventual possibilidade de análise pelo STJ do contexto fático-textual trazido pelas partes, terceiros interessados, ou pelo Ministério Público, corroborando com o conteúdo da decisão de primeiro e segundo graus.

O recurso especial, portanto, possui a função de submeter ao Tribunal a reanálise da correta aplicação da norma federal, que sob a perspectiva semântica, refere-se à qualificação jurídica do fato; isto é, um controle sobre a correta aplicação e incidência da norma jurídica, momento em que fato e direito parecem indissociáveis – mas com cargas de preponderância.

Ademais, não é suficiente a correta tradução do fato em fato jurídico, somente. Há que se analisar a correta implicação entre o antecedente e o consequente da norma jurídica; isto é, o controle exercido pelo STJ se dá quanto ao processo implicacional.

Assim, conclui-se que, pela perspectiva técnico-processual, a atividade desempenhada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial, estaria adstrita somente às questões de direito.

Em síntese, por meio deste raciocínio, corroborado pela pesquisa jurisprudencial realizada, pretendeu-se destrinchar o disposto no artigo 1.034 e parágrafo único, do NCPC, em que: admitido o recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça julgará o processo, aplicando o direito, com a devida observância do efeito devolutivo, tanto em extensão como em profundidade.


Referências
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
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Notas
[1] v. MEDINA, José Miguel Garcia Prequestionamento e repercussão geral. 5a. ed. São Paulo: RT, p. 63.

[2] Cfr. MEDINA, José Miguel Garcia Prequestionamento e repercussão geral. 5a. ed. São Paulo: RT, p. 65.; no mesmo sentido: Teresa Alvim Wambier; Nelson Nery Jr., José Carlos Barbosa Moreira.

[3] Cfr. DANTAS, B.; WAMBIER, Teresa A. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro. 3a. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 340.


Informações Sobre o Autor

Gustavo N. Kasaoka

Mestrando do núcleo de pesquisa em Direito Processual Civil, da PUC de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela COGEAE-PUC/SP. Membro colaborador do Centro de Estudos Avançados de Processo – CEAPRO. Oficial do 13º. Gabinete da 5ª. Turma Recursal/SP – 3a. Região


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