Medida cautelar de desterro face a proteção da vítima em violência doméstica

Francisco Mailson de Oliveira Silva – pós-graduado em processo e direito penal. Advogado. ([email protected])

Resumo: No centro gravitacional da proteção da vítima em situação de violência doméstica a legislação especial traz um corpo de dispositivos e medidas de proteção de urgência, o que deve ser louvado; porém, há se que prestigiar uma medida cautelar que seria de fundamental proteção e segurança para a vítima na peculiar situação de violência doméstica, o que o magistrado pode decretar a medida cautela de desterro com monitoramento eletrônico, como forma de impactar no distanciamento e total isolamento do agressor, haja vista soe ocorrer de o agressor violar a distância estabelecida pelo magistrado, geralmente quinhentos metros. Discorre-se que na medida cautelar de desterro o juiz blinda a vítima em sua integridade física, psíquica e social.

Palavra-chave: medida cautelar. Desterro. Proteção a vítima.

 

Abstract: In the gravitational center for the protection of victims of domestic violence, special legislation brings a body of emergency protection devices and measures, which should be praised; However, a precautionary measure that would be of fundamental protection and safety for the victim in the peculiar situation of domestic violence must be given, which the magistrate can decree the precautionary measure of banishment with electronic monitoring, as a way to impact on the distance and total isolation. from the perpetrator, given that the perpetrator violates the distance established by the magistrate, usually five hundred meters. It is argued that in the precautionary measure of banishment the judge shields the victim in their physical, psychic and social integrity.

Keyword: precautionary measure. Exile. Victim protection.

 

Sumário: Intróito. 1. da discrepância entre pena e medida cautelar. 2. da análise da legislação brasileira e alienígena. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

Intróito

Trata-se de artigo em que se aborda a possibilidade de aplicação, pelo magistrado, dentro do poder geral de cautela, de medida protetiva de desterro face ao agressor de violência doméstica, como medida de otimizar e tornar mais eficaz a tutela da integridade física, moral e psicológica da vítima em situação de violência doméstica.

Em cotejo à legislação nacional com a legislação alemã e italiana sobre o tema da medida de proteção, com análise especial da possibilidade de aplicação de medida cautelar de desterro com uso de monitoramento eletrônico como forma de superar a obrigação de se abster de se aproximar da vítima por um determinado perímetro, o que facilita a infringência da ordem judicial, lesando a proteção eficaz da vítima em situação de hipervulnerabilidade.

Como é notório e do conhecimento geral que a medida de distanciamento entre vítima e agressor por determinados metros é de todo inoperante e ineficaz, tornando a medida precária, exigindo uma pronta medida de mais peso e envergadura com escopo de tolher a aproximação total entre vítima de violência doméstica e agressor.

O foco primordial é tornar a medida cautelar de desterro salutar na otimização da proteção da vítima em situação de vulnerabilidade, sendo mais salutar do que as demais medidas insculpidas na legislação especial, que, a seu modo, traz proteção, porém de forma parca e titubeante. Maior relevo se daria ao desterrar o agressor da cidade em que a vítima esteja residindo como forma de maior segurança da vítima.

 

  1. Da discrepância entre pena e medida cautelar

Na acepção da palavra, pena origina-se de poena, tendo sido enunciado por ULPIANO, no Digesto, 50, 16, 131, 1 que poena generale sit nomen omnium delictorum coercitio[1]. Assim, a pena é o consequente natural para aquele que infringir a norma penal e venha a ser sentenciado culpado pelo estado-juiz. É uma forma coercitiva do agir estatal com escopo de manter a ordem social, e, com a pena, na sua acepção preventiva geral, exerce para os outros pares na sociedade a sensação de freio, de reflexão antes de cometer ou enveredar pelo iter crimins.

A natureza penal da sanção impinge no status liberatis e político do sentenciado, enquanto a medida cautelar tem cunho instrumental, de caráter temporário, subsistente tão somente a situação fática que ensejou a aplicação da medida. É cautelar ao direito material a que se pretende proteger da ação ou omissão do agressor, in casu, do agressor em violência doméstica e familiar.

Na lição de Basileu Garcia (in Instituições de Direito Penal, vol. I, Tomo II, 3ª edição, São Paulo: Max Limonad, 1959, p. 406), obtemos reflexão sobre a pena:

 

“A prevenção especial efetiva-se, pois, de variados modos. Norteia-a, de forma relevante, a esperança da correção dos criminosos. Tendo-a em vista, todos os esforços são empregados no sentido de tornar-se proveitosa a pena privativa da liberdade. Essa esperança muitas vêzes se malogra. Mas, quando não seja possível corrigir determinado delinquente, a pena poderá, pelo menos, intimidá-lo, e servirá para livrar a comunidade, às vêzes por dilatado tempo, da sua presença perniciosa”.

 

No escólio de Cesar Roberto Bitencourt (in Tratado de direito penal, volume I, parte geral, 22ª edição, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 160) temos a reflexão sobre a prevenção geral positiva limitadora:

“Em contrapartida à prevenção geral fundamentadora, sustenta-se uma prevenção geral positiva limitadora. A defesa dessa orientação baseia-se, fundamentalmente, em que a prevenção geral deve expressar-se com sentido limitador do poder punitivo do Estado, isto é, uma afirmação razoável do direito em um Estado constitucional e democrático de Direito.

Extremamente importante para esta orientação teórica é a consideração do Direito Penal como um meio a mais de controle social que, ao contrário dos demais, caracteriza-se pela sua formalização. Precisamente, pela formalização de base democrática do controle social, no sentido de que o exercício do poder punitivo por parte do Estado vê-se limitado pelos princípios e garantias reconhecidos democraticamente pela sociedade sobre a qual opera. Isso significa que, apesar de ser denominada uma teoria preventiva, de base relativista, com vistas ao futuro, não abandona o princípio da culpabilidade como fundamento da imposição de pena pelo fato passado, assumindo, portanto, e sem contradições teóricas, a ideia da retribuição da culpabilidade como pressuposto lógico da finalidade preventiva de delitos”.

 

No Brasil já houve a previsão da pena de desterro, no art. 52 do Código Penal do Império:

 

“Art. 52. A pena de desterro, quando outra declaração não houver, obrigará os réos a sahir dos termos dos lugares do delicto, da sua principal residencia, e da principal residencia do offendido, e a não entrar em algum delles, durante o tempo marcado na sentença”.

 

A pena de banimento era mais deletéria e de caráter perpétuo, sendo que o apenado por banimento perdia a cidadania brasileira e impedia de retornar ao território pátrio.

Hodiernamente, no art. 5°, XLVII da Constituição Federal de 1988, assim preconiza:

“XLVII – não haverá penas:

  1. a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
  2. b) de caráter perpétuo;
  3. c) de trabalhos forçados;
  4. d) de banimento;
  5. e) cruéis”.

Portanto, no âmbito do direito constitucional, há vedações de penas a que o legislador e o estado-juiz se limitam em aplicar para reprimir e prevenir o delito.

Enquanto a medida cautelar de afastamento da cidade, tipicamente de desterro, não é pena, porém, instrumento inserto no poder geral de cautela do juiz, de determinar que o agressor seja obrigado a deixar a cidade a que a vítima resida, inclusive com monitoramento eletrônico para se evitar a infringência de ordem judicial que vem a tutelar com mais eficácia a proteção da mulher. Fixar distância de 500 metros entre vítima e agressor não é de todo eficiente, sendo que o desterro, a obrigatoriedade de deixar a cidade por prazo estipulado pelo magistrado, é salutar como otimização da tutela preventiva da vítima em violência doméstica. Como na prática tem-se demonstrado que a distância em metros do agressor não inibe a ação delituosa de reiterar na violência contra a vítima, ou, na maioria das vezes, impede que o Estado previna a aproximação entre vítima e agressor sem o consentimento daquela.

Dentro do binômio necessidade-prevenção, o juiz analisa os fatos trazidos a seu jugo para decretar a medida cautelar mais idônea para salvaguardar a integridade e direitos da vítima, podendo, o que, inclusive, determinar o desterro do agressor da cidade diversa da do delito, sendo mais salutar, a depender das circunstâncias e forma de violência empregadas. Se o magistrado pode, dentro da dogmática do art. 312 do CPP, decretar a prisão preventiva do agressor, não pairando outra razão que lhe tolha o poder geral de cautela de decretar o desterro do agressor, com monitoramento eletrônico, inclusive, para evitar reiteração criminosa.

Na visão da doutrina sobre a tutela cautelar, temos a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (in curso de processo civil, vol. 4, 3ª edição, São Paulo: revista dos tribunais, 2011, p. 40):

 

“A tutela cautelar sempre está referida a uma provável tutela já requerida ou que poderá vir a ser solicitada através da ação principal. Por isto mesmo, como já visto, a tutela cautelar é dita não satisfativa, não sendo capaz de prestá-la ou de satisfazer ou realizar o direito”

 

Da análise detida da lei n. 11.340/2006 se pode extrair um potencial apoio para que o juiz determine o desterro do agressor, gravitando no art. 22, §1°, que preconiza que o juiz poderá aplicar outras medidas previstas na legislação em vigor. Ora, contudo, a mesma lei em foco possibilita a aplicabilidade do Código de Processo Civil e Processo Penal aos casos, sendo que naquele há o poder geral de cautela instrumental, inclusive de forma atípica, dando plenos poderes ao juiz, diante do binômio necessidade-prevenção, tutelar a vítima da forma mais eficaz. Destarte, a decretação do desterro seria uma das medidas cautelares de proteção da vítima de teor otimizado e de blindagem plena, haja vista que afastaria da cidade da vítima a presença do agressor.

No Codex processual civil brasileiro temos que a tutela de urgência que tem esse escopo de garantir a proteção do direito material ou processual ameaçado de lesão ou risco de dano. No tema de violência doméstica e familiar, o agressor externa que já cometeu um ato ilícito e criminoso ao agredir a vítima, sendo que já nasce para o magistrado a possibilidade de blindar a integridade física, moral e psicológica da pessoa sujeita a proteção.

Vide o art. 300 do CPC brasileiro sobre a tutela de urgência:

“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

Prioriza-se a interpretação que seja fecunda em tutelar e proteger a vítima em situação de vulnerabilidade do que a que venha a vedar o poder geral de cautela do magistrado ao possibilitar a medida típica de desterro.

Assim, qualquer medida cautelar de proteção integral da vítima em situação de violência doméstica e familiar deve ser acolhido pelo magistrado, e, na tese do presente artigo, a medida cautelar de desterro como forma de distanciar da cidade da vítima a presença do agressor, com uso de monitoramento eletrônico para caso pretenda ingressar no território defeso da vítima. Com essa medida o Estado terá mais tempo e espaço para agir de forma preventiva diante da vítima na peculiar situação de violência doméstica.

 

  1. Da análise da legislação brasileira e alienígena

A lei n. 11.340/2006[2] que institui mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar no Brasil, especificando e conceituando as diferentes formas de violências domésticas e familiar, dispondo sobre a rede de acolhimento e políticas públicas, as competências da autoridade policial e judiciária. No corpo da referida lei, eis que em seu art. 13 preconiza que se aplicarão as normas do código de processo penal e código de processo civil e legislação especial da criança e do adolescente.

No art. 301 do CPC traz o poder geral de cautela como forma de instrumentalizar o magistrado a fixar medidas capazes e idôneas, não especificadas no código, que tenha por escopo resguardar, acautelar, tutelar o direito material em juízo.

No código de processo penal, em seu art. 282 e incisos, temos a normologia fundante de que o juiz deve se ater ao princípio da necessidade da medida a ser aplicada, seja prisão preventiva ou cautelar diversa da prisão, e a adequação dessas medidas em cotejo ao escopo almejado, ou seja, ao se analisar o binômio necessidade-prevenção, o magistrado deve fundamentar sua decisão entre decretar a prisão preventiva do agressor ou decretar a medida cautelar de desterro, sendo esta a opção a que geralmente ensejará efeitos deletérios na liberdade do infrator e sendo o meio mais salutar de adoção de medida protetiva.

A integridade física, moral, psicológica da vítima em situação de violência doméstica e familiar é típico plexo de direitos a que o magistrado pode estabelecer medidas atípicas e sub-rogatórias a fim de evitar lesão aos direitos da vítima.

Na rede de política pública é importante trazer a lume que o Decreto 9.223/2017 que institui a rede Brasil Mulher brasileira, bem como a política de atendimento da Casa da Mulher brasileira, que dentre as suas competências funcionais, destaca-se o abrigamento por apenas 24 horas, quando se tratar de vítima com risco iminente de morte, é política de atendimento à vítima.

Essas e outras medidas são paliativas, que devem ser adotadas pela autoridade policial e demais integrantes da rede de atendimento. Porém, quando se analisa a possibilidade de restringir a liberdade do agressor somente o estado-juiz poderá adotar as medidas cautelares pertinentes para inibir a ação irracional do agressor.

Na convenção de Istambul perfilha a ideologia de que as vítimas necessitam de proteção adequada contra atos de violência, apoio e assistência para superar as múltiplas consequências da violência e reconstruir as suas vidas. É essencial garantir mecanismos apropriados que permitam a todos os serviços estatais competentes, como o poder judicial, o Ministério Público, as forças de segurança, as autarquias, bem como as organizações não governamentais de direitos das mulheres e outras organizações, cooperarem eficazmente na proteção e no apoio das vítimas e das testemunhas de todas as formas de violência contra as mulheres, nomeadamente através do encaminhamento para serviços de apoio geral e serviços de apoio especializado (Art. 18º).

Vide que a legislação especial do Brasil de erradicação e coibição de violência doméstica e familiar permite a aplicação de medidas cautelares idôneas a tutelar a situação de vulnerabilidade da vítima. Não se estar a discorrer sobre pena, mas de medida cautelar, de natureza temporária, enquanto a situação de risco não cessar.

No direito alemão temos a Gesetz zum zivilrechtlichen Schutz vor Gewalttaten und Nachstellungen[3] que preconiza medidas de afastamento do agressor e proteção da vítima em situação de violência, municiando o Tribunal com o conhecido poder geral de cautela com escopo de tutelar a vítima. Ainda, no direito alemão, existe o zugang zu Frauenhäusern[4] como forma de proteger as mulheres de todas as formas de violência e prevenir, processar e eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica.

Vide que na legislação alemã há um maior espectro de proteção da vítima de violência doméstica e familiar, possibilitando ao Tribunal assegurar a vítima que não venha a ser novamente agredida e, quiçá, assassinada pelo agressor.

No direito italiano, eis que a vittime della violenza domestica[5] em recente data o Codice Rosso foi modificado para dar maior proteção a vítima de violência doméstica, sendo Un provvedimento per la repressione e una pronta risposta alla violenza di genere modificando la disciplina sostanziale e processuale[6], aumentando a pena no caso de descumprimento por parte do agressor da medida estabelecida pelo magistrado, chegando a uma pena de 03 (três) anos pela desobediência. Inflar a pena é um meio de subverter a vontade e recalcitrância do infrator, tendo poder de parada eficaz, a seu modo; dentre outras modificações, tem-se o Art. 612 ter c.p. – c.d. Revenge Porn Diffusione illecita di immagini o video sessualmente espliciti[7], com pena de até seis (6) anos e multa e Art. 583 quinquies c.p. Deformazione dell’aspetto della persona mediante lesioni permanenti al viso[8], com pena de 08 a 14 anos.

Já na legislação italiana o Código Rosso foi alterado no que tange ao aumento de penas nos casos de violência de gênero; porém, o que se preza e almeja na medida protetiva é que o infrator/agressor não venha a descumprir a ordem judicial, mas que blinde a vítima de qualquer aproximação com o agressor, sendo salutar a medida cautelar de desterro em cotejo com a prisão preventiva, sendo esta mais grave, de maior cerceio da liberdade do desobediente civil.

A medida cautelar de desterro ora suscitado no presente artigo não existe nas legislações consultadas, como a alemã e a italiana; contudo, na legislação brasileira veda a pena de banimento. E em sendo a medida cautelar de desterro uma tutela processual-material face a vítima de violência doméstica e familiar, e não uma pena a ser aplicada, não existe vedação constitucional nem legal para que o magistrado possa prolatar decisão cautelar determinando que o agressor seja desterrado, obrigado a deixar a cidade a que a vítima resida, como forma de maior amplitude de proteção desta.

Na decisão o magistrado deve se pautar que a medida é provisória, até resolução do mérito da ação principal, seja por crime tentado de homicídio, seja por lesão corporal, estupro, roubo, enfim. Na legislação brasileira, no que tange a exposição intima de imagens da vítima pelo agressor não existe igual a da legislação italiana, que preconiza pena de até 06 anos e, no caso da lesão corporal com pena entre 08 a 14 anos, diferente da realidade brasileira que preconiza pena de até 03 anos.

Vide abaixo o dispositivo do Código Penal brasileiro sobre lesão corporal:

 

“Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Omissis

  • 9° – Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos”.

 

A dimensão da medida de desterro, frente a medida de distanciamento e de não se aproximação do agressor da vítima, geralmente, é de apenas metros, o que causa pânico, pavor na vítima saber que o agressor pode invadir, a qualquer momento, a esfera de proteção e voltar a agredi-la, é de maior valor e eficiência. Ora, em sendo a medida de desterro com uso de monitoramento eletrônico a obrigação de o agressor deixar literalmente a cidade em que a vitima resida, sem que o juiz se atenha que o agressor terá despesas outras para se instalar na nova cidade, como aluguel, novo emprego, enfim, o ponto central é que a vítima poderá respirar melhor e se sentir segura em saber que o agressor, agora, está em outra cidade e com uso de monitoramento eletrônico para anunciar ao Estado possível infringência da ordem judicial.

Em números e estatística, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ[9] informa que cresce número de processos de feminicídio e de violência doméstica em 2018, estampando a cifra de 4.461 casos; na realidade do Ceará, em 2018, teve 12.372 medidas protetivas, 46 casos de feminicídio, 41.523 de casos Pendentes de Violência Doméstica. Essa estatística assustadora sempre tem crescimento acentuado ano após ano, mesmo com investimentos em políticas públicas de desincentivo ao cometimento de violência doméstica. Diante desse horizonte de violência doméstica, eis que a medida cautelar de desterro vem para minimizar os índices de homicídios e demais atos de violência contra a mulher.

 

Conclusão

Infere-se que inflar o ordenamento jurídico penal com penas cada vez mais elevadas não torna o meio de se coibir diretamente a prática e atentado do agressor face a vítima, sendo o aumento da pena, como dito alhures, por exemplo, que a lesão corporal em vítima de violência doméstica, na Itália, pode chegar a 14 anos, já é um reflexo indireto, sem titubeios, de prevenção geral a que o agressor  buscaria refletir mais antes de iniciar agressão em face da vítima.

Observa-se que a Constituição Federal veda a pena de banimento; contudo, como obtemperados linhas atrás, a medida judicial de desterro é típica de tutela protetiva de urgência e menos gravosa do que a decretação da prisão preventiva. A medida de desterro com monitoramento eletrônico é salutar e idônea a afastar da cidade da vítima a presença inesperada do agressor, sendo mais adequada do que limitar em metros ou outro expoente, a aproximação do agressor da vítima.

A lei n. 11.340/2006 traz a possibilidade de unir os Códigos de Processo Civil e Penal quando da adoção de medidas e resolução de problemas judiciais, inferindo-se que o art. 301 do CPC c/c art. 282, I e II do CPP, são elementos chaves para fundamentar o magistrado na decisão de decretar a medida de urgência de desterro, com monitoramento eletrônico, como medida mais idônea de blindagem do plexo de direitos da vítima, como a sensação de paz interior, preservação psicológica, de que o agressor encontra-se em cidade diversa.

Não há inconstitucionalidade material ou ilegalidade a aplicação da medida de desterro com a norma do art. 5°, XLVII, d, da Constituição Federal de 1988, dado que não se trata de pena, mas de tutela protetiva de urgência o imediato desterro do agressor da cidade da vítima. O estado-juiz estaria dando maior concretude e otimização a defesa da mulher vítima de violência doméstica, como forma de reduzir os índices alarmantes e constantemente reportados na mídia de que o agressor reiteradamente agride a vítima ao ponto de ceifar a sua vida.

Não se busca apenas aplicar a pena ao agressor e criminoso, mas proteger a vítima vulnerável no cenário de violência a que vivencia e traumatiza no âmbito familiar e doméstico. Certamente com a aplicação da medida cautelar de desterro a vítima terá mais segurança, devolvendo-lhe o convívio social e laboral a que antes estava inserida, na faina de se minimizar os aterrorizantes índices de processos judiciais envolvendo violência doméstica a que se tem, ano após ano, só crescido exponencialmente.

 

Referências bibliográficas

ALEMANHA, https://www.gesetze-im-internet.de/gewschg/BJNR351310001.html

 

BITENCOURT, Cesar Roberto (in Tratado de direito penal, volume I, parte geral, 22ª edição, São Paulo: Saraiva, 2016

 

BRASIL, Código de Processo Penal, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm

 

_______, Código de Processo Civil, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

 

_______, Constituição Federal, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

 

______, http://plataformamulheres.org.pt/site/wpcontent/ficheiros/2017/12/Convencao-Istambul.pdf

 

_______, Conselho Nacional de Justiça, https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019 /03/ c7bb60579ffe93584acf30929c349c50.pdf

 

GARCIA, Basileu, Instituições de Direito Penal, vol. I, Tomo II, 3ª edição, São Paulo: Max Limonad, 1959

 

ITÁLIA, https://www.altalex.com/documents/news/2019/10/07/codice-rosso-tutela-penale-vittime-violenza-domestica-e-di-genere

 

MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART, Sérgio Cruz (in curso de processo civil, vol. 4, 3ª edição, São Paulo: revista dos tribunais, 2011

 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de Direito Processual Civil, volume único, 8ª edição, Slavador: JusPodivm, 2016

 

TABOSA, Agerson, Dirieto Romano, 2ª edição, Fortaleza: FA7, 2003.

 

 

[1] Livre tradução: pena é o nome genérico da coerção a todos os delitos.

[2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

[3] Disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/gewschg/BJNR351310001.html, acessado em 07/12/2019.

[4] Livre tradução: acesso a abrigos para mulheres.

[5] Livre tradução: vítimas de violência doméstica.

[6] Livre tradução: Uma medida de repressão e uma resposta imediata à violência de gênero modificando a lei substantiva e processual

[7] Art. 612 ter c.p. – c.d. Revenge Porn Distribuição ilícita de imagens ou vídeos sexualmente explícitos.

[8] Art. 583 quinquies cp Deformação da aparência da pessoa por lesões permanentes da face.

[9] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/03/c7bb60579ffe93584acf30929c349c50.pdf, acessado em 12/02/2020.

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