O sistema acusatório no processo penal brasileiro e a adoção do modelo inquisitorial system na gestão da prova pelo juiz

João Carlos Garcia Pietro Júnior. Delegado de Polícia. Especialista em direito público pela PUC-MG. Laureado na graduação. Docente convidado na pós-graduação na Escola Superior de Direito/Ribeirão Preto. [email protected]

 

Resumo: O objetivo fundamental do presente trabalho será demonstrar que os sistemas processuais acusatórios-inquisitórios não se confundem com os modelos adversarial system (sistema de partes) e o inquisitorial system, os quais têm haver com os poderes instrutórios do juiz na fase processual. Um dos equívocos da doutrina nacional brasileira tem sido confundir o sistema processual acusatório com a corresponde busca da prova pelo juiz durante a estrutura processual. Por meio do procedimento bibliográfico, abordagem qualitativa e método dedutivo, o estudo se justifica com a finalidade de demonstrar que o processo penal brasileiro é do sistema acusatório com poderes instrutórios do juiz mais aproximado do inquisitoral system, permitindo-se ao magistrado a atividade instrutória no âmbito do processual, desde que de modo complementar e suplementar à atividade das partes, visando não violar a imparcialidade e não criar a figura de um juiz que atue como substituto da função ministerial ou defensiva.

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Palavras-chave: Sistema acusatório. Adversarial system. Inquisitorial system.

 

Abstract: The main objective of the present work will be to demonstrate that the accusatory-inquisitorial procedural systems are not confused with the adversarial system and the inquisitorial system models, which have to do with the judge’s instructive powers in the procedural phase. One of the misconceptions of Brazilian national doctrine has been to confuse the accusatory procedural system with the corresponding search for evidence by the judge during the procedural framework. Through the bibliographic procedure, qualitative approach and deductive method, the study is justified with the purpose of demonstrating that the Brazilian criminal process is of the accusatory system with instructive powers of the closest judge of the inquisitorial system, allowing the magistrate the instructive activity in the procedural, provided that it is complementary and supplementary to the activity of the parties, in order not to violate impartiality and not to create the figure of a judge acting as a substitute for the ministerial or defensive function.

Keywords: Accusatory systen. Adversarial system.Inquisitorial system.

 

Sumário: Introdução. 1. Sistemas processuais. 1.1.Sistema inquisitivo. 1.2. Sistema acusatório. 1.3 Sistema misto ou francês. 3. Modelos adversarial system e inquisitorial system na gestão da prova pelo juiz. 3.1   Modelo brasileiro: adoção do sistema acusatório com poderes instrutórios mais aproximado do inquisitoral system. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O presente artigo faz uma reflexão sobre os sistemas processuais penais e a adoção pelo direito brasileiro do sistema acusatório com o modelo mais aproximado do inquisitorial system na busca da prova pelo juiz no campo processual penal. Um dos equívocos da doutrina nacional brasileira tem sido confundir o sistema processual acusatório com a corresponde busca da prova pelo juiz durante a estrutura processual.

Nesse sentido, o objetivo será demonstrar que os sistemas processuais acusatórios-inquisitórios não se confundem com os modelos adversarial system (sistema de partes) e o inquisitorial system, os quais estes têm haver com os poderes instrutórios do juiz na fase processual.

O trabalho buscou analisar, primeiramente, os sistemas processuais penais inquisitivo, acusatório e misto, apresentando as principais características de cada um deles. Em um segundo momento, apresentou as diferenças dos modelos adversarial system e inquisitorial system na gestão da prova pelo juiz durante a fase processual, refletindo sobre o atual modelo brasileiro adotado.

Justifica-se o estudo para afirmar que processo penal brasileiro é do sistema acusatório com poderes instrutórios do juiz mais aproximado do inquisitoral system, o que permite ao magistrado a atividade instrutória no âmbito processual, mas de modo complementar e suplementar à atividade das partes, visando não violar a imparcialidade e não criar a figura de um juiz que atue como substituto da função ministerial ou defensiva.

 

1 Sistemas processuais

O processo penal, a depender dos princípios que o orientam, pode ser inquisitivo, acusatório e misto, denominado por Tourinho Filho (2003) como tipos de processo penal.

 

1.1 Sistema inquisitivo 

            Surgiu no Direito canônico a partir do século XIII e posteriormente se propagou pela Europa, sendo empregado pelos tribunais civis até o século XVIII.

            O sistema processual inquisitivo (ou inquisitório) é marcado pela inexistência de contraditório e ampla defesa, em que as funções de acusar, defender e julgar encontram-se concentradas nas mãos de uma única pessoa (ou órgão), denominada juiz inquisidor. Este assume postura acusatória, ao dar início ao processo criminal com a notitia criminis, produzir a prova e prolatar a sentença.

Dotado de ampla liberdade probatória no sistema inquisitivo, o magistrado conduz o procedimento de forma escrita e sigilosa, podendo determinar de ofício a colheita de provas, tanto no curso das investigações, quanto no curso do processo penal, independentemente de requerido pela acusação ou defesa.

O acusado é tratado como mero objeto do processo e não como sujeito de direitos, havendo nítida mitigação dos direitos e garantias individuais, legitimada pela louvada busca da verdade real ou material, admitindo-se, inclusive, a tortura para que uma confissão fosse obtida.

É por isso que Aury Lopes Jr. (2007, p.68) bem assevera que esse sistema “foi desacreditado – principalmente por incidir em um erro psicológico: crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar”.

Não há dúvidas que a postura de um juiz inquisidor, com concentração de poderes instrutórios, compromete a garantia da imparcialidade e o postulado do devido processo legal, uma vez que o magistrado se compromete prévia e psicologicamente com a demanda que futuramente terá que julgar.

O Código de Processo Penal Brasileiro, quando de sua entrada em vigor em 1941, teve grande inspiração fascista no Código Rocco da Itália, em que colocava o juiz em uma posição hierarquicamente superior às partes da relação jurídica processual, como no caso de ter conferido poderes para iniciar ação penal através do procedimento denominado judicialiforme, sem observar o princípio da inércia da jurisdição (TÁVORA; ALENCAR, 2017) ou quando o juiz é chamado a exercer a fiscalização anômala do princípio do obrigatoriedade da ação penal  ainda na fase investigativa (art. 28 do Código de Processo Penal), embora o parquet  tenha sido elegido constitucionalmente para propor a ação penal pública quando houver elementos suficientes de autoria e materialidade delitiva ou promover o arquivamento diante da ausência desses elementos informativos.

Embora atualmente o Código de Processo Penal tenha sofrido diversas alterações a ponto de procurar superar de vez o sistema inquisitório, ainda há resquícios da figura do juiz inquisidor como no dispositivo previsto no art. 156, inciso I, introduzido pela Lei n° 11.690/08, que conferiu ao magistrado a possibilidade de ordenar, de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. No mesmo sentido, a redação do artigo 311 do Código de Processo Penal, alterada pela Lei n° 12.403/11, que em uma leitura apressada, seria possível a decretação de prisão preventiva de ofício pelo juiz na fase investigativa, fato que não é aceito pela esmagadora doutrina para não comprometer a imparcialidade do julgador.

 

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1.2 Sistema acusatório  

Com origem no direito grego (LOPES, 2007, p.58), no modelo acusatório há uma nítida separação das funções de acusar, defender e julgar, conferidas a partes distintas com igualdade de condições na relação processual.

Segundo Ferrajoli (2008, p.518), são características principais do sistema acusatório: a separação rígida entre o juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa, a publicidade e a oralidade do julgamento. Já no sistema inquisitivo, existe a frequente iniciativa do juiz em campo probatório, a disparidade de poderes entre acusação e defesa e o caráter escrito e secreto da instrução.

No sistema acusatório, os princípios do contraditório, da presunção de inocência, da ampla defesa e da publicidade conduzem todo o processo.  O princípio da verdade real é substituído pela busca da verdade, pois sabe-se “não existir nenhuma verdade judicial que não seja uma verdade processual” (PACELLI, 2017, 20). O órgão julgador é dotado de imparcialidade e atua de forma equidistante das partes, apreciando as provas pelo sistema do livre convencimento motivado.

Na fase preliminar investigativa o juiz deve ser chamado a intervir apenas para garantir se os direitos fundamentais do investigado estão sendo preservados, se abstendo de produzir prova de ofício. Já na fase processual, admite-se que o magistrado tenha poderes instrutórios, mas essa iniciativa deve ser em caráter de exceção, como atividade subsidiária e complementar à atuação das partes.

A Constituição Federal de 1988 deixou sua nítida preferência pelo sistema acusatório, ao conferir a função privativa do Ministério Público em promover a ação penal pública (art. 129, inciso I, CF/88). Deste modo, em razão do princípio da inércia da jurisdição, a propositura da ação penal pública somente tem início quando a pessoa encarregada deduzir a pretensão punitiva em juízo, devendo o juiz dar impulso oficial na condução do processo.

Embora o Código de Processo Penal tenha em seu texto originário caráter inquisitivo, diversos reparos foram realizados por alterações legislativas e interpretação da jurisprudência que levou a construção de um modelo predominantemente acusatório.

As Leis n° 11.719/08 e 11.690/08 reformularam diversos dispositivos processuais penais construindo um modelo prioritariamente acusatório já traçado pela Constituição Cidadã de 1988. As alterações sedimentaram o princípio da oralidade durante a audiência e elegeram as partes como protagonistas na fase de inquirição das testemunhas, reservando-se ao magistrado a complementação dos pontos não esclarecidos, como se vislumbram pelos artigos 212 e 403, ambos do Código de Processo Penal.

Embora acertada as alterações, houve certo descompasso com a alteração do art. 156, inciso I, do Código de Processo Penal, na qual passou a conferir ampla liberdade de iniciativa probatória ao juiz, “frequentemente legitimada pelo decantado princípio da verdade real.” (PACELLI, 2017, p. 20). No entanto, a doutrina declina que este dispositivo deve ser declarado inconstitucional por resgatar a figura do juiz inquisidor.

 

1.3 Sistema misto ou francês

            O sistema misto remonta a Revolução Francesa e mais precisamente no ano de 1808, com o surgimento do famoso Code d’instruction criminelle francês. Trata-se de um modelo em que ocorreu a fusão entre os dois modelos anteriores.

Denominou-se misto, pois se desdobra em duas fases distintas. A primeira, de natureza inquisitorial, sob a presidência de um juiz que inicia a investigação sem contraditório, com instrução escrita, secreta e sem acusação. A segunda, de caráter acusatório, a cargo do Ministério Público, este apresenta a acusação formal, o acusado se defende e o juiz julga a demanda, prevalecendo a oralidade, publicidade e presunção de não culpabilidade.

Como bem salienta Eugênio Pacelli (2017, p. 19):

“Nesse sistema processual, a jurisdição também se iniciaria na fase de investigação, e sob a presidência de um magistrado – os Juizados de Instrução –, tal como ocorre no sistema inquisitório. No entanto, a acusação criminal ficava a cargo de outro órgão (o Ministério Público) que não o juiz, característica já essencial do sistema acusatório. Exatamente por isso, denominou-se referido sistema de sistema misto, com traços essenciais dos modelos inquisitórios e acusatórios”.

            Quando o Código de Processo Penal entrou em vigor, em razão da inspiração no modelo fascista italiano, entendia-se que o sistema previsto era misto, principalmente por haver uma fase preliminar inquisitorial traçada pelo inquérito policial de natureza escrita e sigilosa. Após, iniciado o processo com a acusação formal pelo Ministério Público, ocorreria a fase acusatória.

No entanto, com advento da Constituição Federal de 1988, não há dúvidas de que restou claro a separação das funções de acusar, defender e julgar, assegurando-se a salvaguarda dos princípios do contraditório e ampla defesa, publicidade, oralidade e presunção de não culpabilidade. Assim, o Código de Processo Penal deve ser interpretado e relido à luz dos direitos, garantias e princípios emanados pela nova ordem constitucional.

 

  1. Modelos adversarial system e inquisitorial system na gestão da prova pelo juiz

            Insta salientar que os sistemas acusatórios-inquisitórios vistos não se confundem com os modelos adversarial system (sistema de partes) e o inquisitorial system, os quais têm haver com os poderes instrutórios do juiz durante o processo. Este tem sido um dos equívocos da doutrina nacional brasileira ao confundir o sistema processual acusatório com a corresponde busca da prova pelo juiz durante a estrutura processual.

Caracteriza-se adversarial system o modelo em que o juiz é eminentemente passivo no campo da iniciativa probatória, sendo que há primazia das partes na determinação do processo e na produção das provas, próprio dos países anglo-saxônicos, a exemplo do direito norte-americano. Já no inquisitorial system, a atividade probatória recai de preferência sobre o juiz, no sentido de que proposta a demanda pela parte, o processo se desenvolve por impulso oficial, o qual se difundiu pela Europa continental e países influenciados, a exemplo de França e Suíça (GRINOVER, 2005, p. 16).

Assim, “um sistema acusatório pode adotar o adversarial system ou o inquisitorial system” (GRINOVER, 2005, p. 16) na correspondente busca da prova pelo juiz durante a fase processual.

A discussão é travada por autores que, de um lado sustentam pela necessidade de se vedar ao juiz qualquer poder de iniciativa probatória, mesmo durante o processo, e outros que afirmam a necessidade do magistrado produzir provas.

Geraldo Prado sustenta que, em razão do princípio acusatório, não se deve, em regra, conceder ao juiz poderes de produção de prova judicial:

“Entre os poderes do juiz, por isso, segundo o princípio acusatório, não se deve encontrar aquele pertinente à investigação judicial, permitindo-se, quando muito, pela coordenação dos princípios constitucionais da justiça material e presunção da inocência, que moderadamente intervenha, durante a instrução, para, na implementação de poderes de assistência ao acusado, pesquisar, de maneira supletiva, provas da inocência” (PRADO, 1999, p.129-130).

Por outro lado, há quem sustente não haver incongruência entre o sistema acusatório do processo penal com os poderes de iniciativa probatória do juiz na fase processual.

Nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover preceitua:

            “A visão do estado social não admite a posição passiva e conformista do juiz, pautada por princípios essencialmente individualistas. O processo não é um jogo, em que pode vencer o mais poderoso ou o mais astucioso, mas um instrumento de justiça, pelo qual se pretende encontrar o verdadeiro titular do direito.(…) Nesse quadro, não é possível imaginar um juiz inerte, passivo, refém das partes. Não pode ele ser visto como mero espectador de um duelo judicial de interesse exclusivo dos contendores. Se o objetivo da atividade jurisdicional é a manutenção da integridade do ordenamento jurídico, para o atingimento da paz social, o juiz deve desenvolver todos os esforços para alcançá-lo. Somente assim a jurisdição atingirá seu escopo social” (GRINNOVER, 2005, p. 16).

José Carlos Barbosa Moreira também pronuncia-se no mesmo entendimento e pontua que, mesmo em países que adotam o modelo adversarial system (sistema de partes), como o direito americano, existem várias exceções à regra de prevalência das partes na determinação das provas, cedendo espaço a uma intervenção maior do juiz no desenvolvimento oficial do processo, havendo uma atenuação cada vez mais perceptível (MOREIRA, vol. 344, p. 98).

 

3.1 Modelo brasileiro: adoção do sistema acusatório com poderes instrutórios mais aproximado do inquisitoral system

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Após a Constituição Federal de 1988 e as reformas processuais penais ocorridas, em especial pelas Leis n° 11.719/08 e 11.690/08, adotamos o entendimento de que o processo penal brasileiro é do sistema acusatório com poderes instrutórios mais aproximado do inquisitoral system, já que ao juiz foi conferido a produção de prova de ofício durante a fase processual para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Essa foi a postura probatória, inclusive, adotada pela reforma do Código de Processo Penal no artigo 156, inciso II, ao prever que a prova da alegação incumbe as partes, mas é facultado ao juiz, de ofício, no curso da instrução, determinar a realização de diligências visando dirimir dúvida sobre ponto relevante.

De fato, colocar o juiz em uma postura eminentemente passiva probatória durante a instrução criminal seria incompatível com nossa realidade atual e a essência do processo penal, já que conviveríamos com a possibilidade de condenação ou absolvição de alguém pela insuficiência defensiva ou acusatória (PACELLI, 2017, p.21).

Arremata, ainda, o jurista Luis Greco:

“Um juiz, no entanto, que, como os jurados, vivencia a colheita de provas como ouvinte espectador mudo, permanece fora desse círculo de comunicação (entre partes, esclarece-se), de modo que sua compreensão passa a ser, cada vez mais, um incalculável fator do acaso” (GRECO, 2013, p. 229).

É claro que, conforme já ressaltado, essa postura probatória na fase processual deve ser complementar e suplementar à atividade das partes, visando não violar a imparcialidade e não permitir mais que o juiz atue como substituto da função ministerial ou defensiva. Como bem afirma Eugênio Pacelli (2017, p.20) “não se quer nenhum juiz inerte, mas apenas o fim do juiz investigador e acusador, de tempos, aliás, já superados”.

Na fase preliminar investigativa, o juiz atua somente quando provocado, abstendo-se de promover atos de ofício, devendo ser chamado a intervir para fiscalizar se os direitos e garantias do investigado estão sendo preservados, a exemplo de quando o Delegado de Polícia representa ou o Ministério Público requer a expedição de busca e apreensão domiciliar ou de uma prisão temporária.

Essa também é a postura do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da ADIN n°. 1.570-2, decidiu pela inconstitucionalidade do art. 3° da Lei n°. 9.034/95 (no que se referia aos dados “fiscais” e “eleitorais”), que trazia a figura do juiz inquisidor, juiz que poderia adotar direta e pessoalmente as diligências previstas no art. 2°, inciso III, do mesmo diploma legal (“o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais”).

Referido dispositivo conferia ao magistrado poderes para diligenciar pessoalmente na obtenção de elementos informativos pertinentes à persecução penal de ilícitos decorrentes da atuação de organizações criminosas, com dispensa do auxílio da Polícia Judiciária e do Ministério Público, constituindo afronta ao sistema acusatório.

Posteriormente, a Lei n°. 12.850/13 não só revogou expressa e integralmente a Lei n°. 9.034/95, como também não trouxe em seu corpo qualquer dispositivo semelhante a esse respeito.

O Supremo Tribunal Federal também já decidiu pela impossibilidade de o juiz poder requisitar de ofício novas diligências probatórias, quando o Ministério Público se manifestar pelo arquivamento do inquérito, afirmando que a violação ao sistema acusatório seria patente (STF – HC nº 82.507/SE, Rel. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 19.12.2002, p. 92).

Portanto, se o Supremo Tribunal Federal concluiu pela inconstitucionalidade do juiz inquisidor previsto no art. 3º da revogada Lei nº 9.034/95, bem como pela impossibilidade de requisição de ofício pelo juiz de diligências investigativas, conclusão semelhante deverá se dar em relação à nova redação do art. 156, inciso I, do Código de Processo Penal, por resgatar traços já superados do juiz inquisidor.

Já no curso do processo criminal, admite-se que o magistrado tenha poderes instrutórios, mas essa iniciativa deve ser como atividade subsidiária e complementar à atuação das partes, até porque quando juiz requisita a produção de uma prova na fase judicial muitas vezes não sabe qual das partes irá se beneficiar dela.

Em um processo publicista, não é possível imaginar um juiz iminente passivo e refém das partes. Ao contrário, o magistrado deve estimular o contraditório para suprir a deficiência dos litigantes, superar as desigualdades e favorecer a paridade de armas (GRINOVER, 2005, p. 24).

Interessante é a colocação de Alexandre Freitas Câmara (2008, p.17), ao esclarecer que o Estado brasileiro é de postura mais ativa (estado intervencionista com característica de bem estar social) e não reativo (estados minimalistas com características mais liberais), como os países americanos, pois a Constituição Federal, em seu artigo 3°, inciso I, preceitua, como objetivo fundamental, a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, concluindo não ser possível a construção de uma sociedade justa se o processo não produz decisões verdadeiras.

Pontua ainda o autor, ao tratar da análise dos dois modelos no direito comparado (adversarial system e inquisitorial system), que “não se pode fazer uma relação automática entre democracia (ou autoritarismo) e adoção de um ou outro desses modelos”, pois a ninguém é dado negar o caráter democrático do sistema norte-americano e do sistema suíço e francês, os quais adotam modelos opostos.

 

Conclusão

À guisa de conclusão, verifica-se que o processo penal brasileiro é do sistema acusatório com poderes instrutórios do juiz, mais aproximado do inquisitoral system, já que a legislação processual penal permite ao magistrado, de ofício, a atividade instrutória no âmbito processual para dirimir dúvida sobre ponto relevante. É claro que esta gestão da prova pelo juiz deve ser de forma subsidiária e complementar à atividade das partes, visando não violar a imparcialidade e não criar a figura de um juiz que atue como substituto da função ministerial ou defensiva. O caráter ativo do estado democrático brasileiro, ao querer buscar uma sociedade justa, livre e solidária não permite que o processo penal publicista seja visto apenas como um jogo em que o mais poderoso vence. O poder instrutório do juiz na fase judicial representa um instrumento valioso para se buscar a atingir a igualdade real das partes, bastando ao magistrado estimular o contraditório e ampla defesa na prova de ofício por ele requerida.

 

Referências

BRASIL. Supremo Tribunal Federal.  HC nº 82.507/SE, Rel. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 19.12.2002, p. 92.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n°. 1.570-2. Rel. Maurício Correa. DJ 22.10.2004.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Poderes instrutórios do juiz e processo civil democrático. Revista OABRJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p.11-31, 2008.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

GRECO, Luís. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. São Paulo: Marcial Pons do Brasil, 2013.

GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, 1(18), p. 15-26, jan./jul.2005.

LOPES Jr, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional: volume I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

LIMA, Renato Brasileiro. Código de processo penal comentado. 2. ed. rev. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2017

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre alguns aspectos do processo – civil e penal – nos países anglo-saxônicos. Ver. Forense, vol. 344, p. 98.

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. p. 114.

PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosamar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed. rev. Salvador: Ed. JusPodivm. 2017.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.1. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

 

 

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