A sociedade deve adaptar-se ao novo século e milênio, que se aproximam velozmente, envolvida, que está, por novos mercados e blocos comerciais, profundas mutações político-sociais, quebras de tabus até então intocáveis, violência incontida, devassidão moral, queda e criação de novos impérios econômicos e Estados, numa globalização jamais concebida, e por descobertas tecnológicas e científicas, que exigem do legislador e do operador do direito mais que meros expedientes legislativos, senão intensa arte de ourivesaria, na elaboração de leis e busca de novas fórmulas, porque o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a nova realidade que desponta, para não se apartar de vez do homem e fenecer solitário.
ATUALIDADES SOBRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL*
1. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ? A EXECUÇÃO DA DÍVIDA ATIVA ? OS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL
Nas Ordenações, todos os créditos fiscais eram abrangidos, prestigiando a ação executiva, na sua cobrança. Os romanos já aplicavam o processo sumaríssimo à cobrança de todas as dívidas, mesmo as oriundas dos contratos.
Juízos privativos existiam na legislação lusitana, tal qual relatam as Ordenações.1
A Carta de Lei, de 22.12.1761, atribuía ao Conselho da Fazenda a jurisdição exclusiva para processar e decidir as execuções das rendas e de todos os direitos e bens da Coroa, de qualquer natureza.
O Alvará de 16.12.1774 ordenava proceder executivamente contra os devedores na conformidade dos Regimentos da Fazenda e da Lei do Reino, devendo o juiz mandar passar mandados executivos em razão das dívidas que liquidamente constassem dos Livros da Alfândega; depois de feita a penhora, cabia-lhe remeter os autos ao Superintendente-Geral para proceder de forma sumária, verbalmente, e de plano, mas tão-somente usando aqueles meios que fossem necessários para o descobrimento da verdade e defesa das partes, dando apelação e agravo para o Juízo dos Feitos da Fazenda.
A penhora fazia-se administrativamente pela própria administração ativa (a que fiscaliza, autua e impõe as penalidades) e somente depois, na fase recursal, a competência passava para o Juízo.
Modelo semelhante, séculos depois, foi concebido pela Comissão designada pelo Ministro Mário Henrique Simonsen2, composta pelos notáveis juristas Gilberto de Ulhôa Canto, Geraldo Ataliba e Gustavo Miguez de Mello.
A Lei nº 242, de 29.11.1842, instituiu o Juízo dos Feitos da Fazenda Nacional em primeira instância e restabeleceu o privilégio do foro para as causas da Fazenda Nacional, abolido que fora pela Lei de 4 de outubro de 1831. Instruções e regulamentos foram expedidos para facilitar a execução dessa lei, e, da Diretoria-Geral do Contencioso, provieram as Instruções de 31 de janeiro e 10 de abril de 1851, para uso dos Procuradores dos Feitos da Fazenda, ancestrais dos Procuradores da Fazenda Nacional.3 Estes, advogados e representantes da Fazenda Nacional, nos juízos de primeira instância, deviam proceder no desempenho de seu cargo com toda a civilidade, decência, boa-fé e discrição próprias de um perfeito advogado.4
No Brasil imperial, com Dom Pedro I, surge o Conselho de Estado, suprimido pelo Ato Adicional de 1834 e restabelecido por Dom Pedro II. Em 1831, a Regência criou o Tribunal do Tesouro Nacional, que tinha, entre suas atribuições, a suprema direção e fiscalização da receita e despesa da Nação, inspecionando a arrecadação, distribuição e contabilidade de todas as rendas públicas e decidindo todas as questões administrativas, “que a taes respeitos possão ocorrer” [sic]. Ao Procurador Fiscal competia, então, promover o contencioso fiscal.
O Brasil republicano, entretanto, espelhado no modelo dos Estados Unidos da América, estabeleceu a Justiça Federal, que absorveu o Contencioso Administrativo.
Não existe, pois, no País, um contencioso administrativo propriamente dito, porquanto os conselhos de contribuintes e os conselhos da Previdência, na órbita federal, e os tribunais e conselhos administrativos, nas esferas dos Estados e dos Municípios, não podem assim ser chamados, devido ao óbice constitucional.5
O Decreto nº 9.885, de 29.02.1888, expedido em face da autorização concedida pela Lei nº 3.348, de 20.10.1887 (art. 8º, § 5º), tornou sem efeito toda a legislação anterior acerca do processo executivo e visava acelerar a cobrança da dívida ativa, que abrangia a dívida tributária e não-tributária.
A legislação revogada fundava-se basicamente na Lei de 22.12.1761, no Decreto nº 736, de 20.11.1850, na Lei nº 628, de 17.09.1851, e na Instrução de 31.11.1851. A execução fiscal obedeceria, desde então, ao citado decreto e às disposições dos Decretos nºs 737, de 1850, e 9.549, de 1886, no que fossem aplicáveis.
O Decreto-Lei nº 960, de 17.12.1938, substituiu esse diploma e perdurou, com algumas modificações, até o advento do Código de Processo Civil de 1973 (Código Buzaid). Com esse diploma legal, o executivo fiscal passou a denominar-se execução fiscal ou ação de execução, alterando fundamentalmente o sistema da execução forçada fiscal, visto que o processo comum e o fiscal foram unificados.
Houve várias tentativas de reformulação legislativa, no sentido de dotar o País de uma legislação processual fiscal ágil e moderna.6
Os Procuradores da Fazenda Nacional constituem advogados altamente especializados, de inequívoca tradição na defesa dos interesses do Erário e da Nação.
O Procurador dos Feitos da Coroa, da Fazenda e Fisco, antecessor do atual Procurador da Fazenda Nacional, já na época do Brasil-Colônia, pelo Regimento de 07.03.1609, exercia as funções de defensor da Coroa, da Fazenda, do Fisco e também as de Promotor de Justiça.
Durante o Vice-reinado de Dom José I, cabia ao Procurador da Fazenda promover a execução dos créditos da Fazenda Real.7 No Império, com a Regência Trina Permanente, o Decreto de 18.08.1831 disciplinou a cobrança da ação executiva contra os devedores da Fazenda Nacional, atribuindo aos Procuradores da Fazenda Nacional essa incumbência, tanto na Corte como nas Províncias. No Tribunal do Thesouro Público, o Procurador Fiscal, nomeado pelo Imperador, com o título de Conselheiro, era competente para “vigiar sobre a execução das Leis da Fazenda” e promover o contencioso da Fazenda Pública, e ouvido sempre nas questões de direito. Nas Províncias, o Procurador Fiscal, nomeado pelo referido Tribunal, dentre pessoas de notória inteligência em matéria de legislação fiscal e probidade, promovia o contencioso fiscal perante esse Tribunal e os Procuradores da Fazenda Nacional tinham a faculdade de conceder o parcelamento aos devedores do Fisco.8
Restaurado, por Dom Pedro II, o privilégio de foro para as causas da Fazenda Nacional, a representação, perante o Juízo dos Feitos da Fazenda em Primeira Instância, na Corte, fazia-se pelo Procurador Especial ? o Procurador da Fazenda no Juízo de Primeira Instância. Nas Províncias, “os Procuradores da Fazenda Nacional”, ensina Cid Heráclito de Queiroz, “eram os mesmos que fossem Procuradores Fiscais”.9
Ainda, no Império, em 1850, o Decreto nº 736 criava a Diretoria-Geral do Contencioso, chefiada pelo Conselheiro Procurador Fiscal do Tesouro Nacional, à qual incumbia organizar os quadros da dívida ativa, promover e dirigir sua cobrança.
Em 1898, pelo Decreto nº 2.807, de 31 de janeiro, as repartições fazendárias eram reorganizadas, somando-se nova competência à Diretoria-Geral; em 23.12.1909, o Decreto nº 7.751 transformava aquela Diretoria em Procuradoria-Geral da Fazenda Pública, incrustada no Ministério da Fazenda, chefiada pelo Procurador-Geral da Fazenda Pública, doutor ou bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, com novas e significativas atribuições.
Lembre-se que, pelo Decreto nº 9.957, de 21.12.1912, os Procuradores da República deviam enviar trimestralmente à PGFP um mapa das ações propostas contra a União. O Decreto-Lei nº 426, de 12.05.1938, que reorganizou o Tribunal de Contas da União, atribuiu aos Procuradores Fiscais o encargo de Ministério Público, perante as Delegacias do Tribunal nos Estados.
Em 1955, é promulgada a primeira lei orgânica, que altera o nome da Procuradoria-Geral da Fazenda Pública para sua atual denominação, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,10 subordinada ao Ministro da Fazenda. Entre suas atribuições, por demais relevantes, destaca-se a de mandar apurar e inscrever a dívida ativa da União.
O Decreto-Lei nº 147, de 03.02.1967, redefiniu a competência, reestruturou e modernizou o órgão, restaurando-lhe a majestade e dignidade, que se enriqueceram, com a Constituição de 1988, com o apoio inconteste do então Deputado Bernardo Cabral, relator-geral da Constituinte, hoje eminente Senador da República.
A Lei Maior consagrou a Advocacia-Geral da União como instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, não obstante institucionalizou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, atribuindo-lhe competência privativa para representar a União, na cobrança da dívida ativa tributária, e, mais, fixou, de imediato, sua competência, para, desde logo, diretamente ou por delegação ao Ministério Público Estadual, representar judicialmente a União, nas causas de natureza fiscal, até a promulgação da lei complementar que se daria em seguida.11
2. DIREITO COMPARADO
A doutrina estrangeira proclama, em uníssono, que a competência para rever os atos administrativo-fiscais deve caber a juízes ou tribunais especializados, que gozem de total independência das autoridades encarregadas da administração fiscal, como órgãos integrantes do Poder Judiciário ou do Poder Executivo.12 Tanto assim que, entre os países que não se opõem a esse sistema, distinguem-se o Equador, a Costa Rica, a Argentina, o México, o Chile, a Espanha, a Alemanha, a França e o Japão.13
3. SISTEMA ATUAL
A Lei nº 6.830, de 22.09.1980, foi fruto de anteprojeto elaborado na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com representantes do Instituto da Administração Financeira da Previdência e Assistência Social, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Procuradoria-Geral da República, ouvindo-se amplos setores da sociedade, nesta fase, com o que se nutriu de valiosos subsídios e contribuições para a elaboração final do texto, que viria a converter-se, in integris, na Lei nº 6.830 citada.
Esse diploma legal visou:
1) simplificar o processo;
2) dar maior rapidez;
3) fixar definitivamente o controle administrativo da legalidade, que se concretiza através da determinação da inscrição, como dívida ativa da Fazenda Pública (União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias), dos créditos tributários ou não, em registro próprio ? apuração da dívida ativa é exatamente o procedimento administrativo de controle da legalidade, pelo qual a autoridade competente (o procurador, isto é, o advogado do órgão público) examina o processo ou o expediente relativo ao crédito da Fazenda Pública e, verificada a inexistência de falhas ou irregularidades formais que possam infirmar a execução judicial, manda proceder à inscrição;
4) dotar o Estado de instrumental ágil, moderno e enxuto que, porém, depende de muitas outras providências, para a simplificação institucional, v.g., desemperramento do Poder Judiciário, com a criação de órgãos judiciais especiais, queima de etapas, complementando a LEF, a penhora administrativa.
4. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O Código de Processo Civil, que se aplica subsidiariamente, por força do art. 1º da LEF, desde o nascedouro, vem sofrendo inúmeras alterações, a primeira das quais com as inovações trazidas pela LEF. Seguiram-se outras leis, que contemplaram profundas mudanças.
A Comissão, presidida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, com seu significativo trabalho, dotou o Código vigente de instrumentos modernizadores, acompanhando o desenvolvimento cultural e científico do final do século, como já o havia feito a lei de 1980.14
Não obstante, de nada adiantam as garantias insculpidas no Texto Maior e algumas correções legislativas, sem uma justiça rápida e eficaz.
A reforma desse estatuto processual não se refletiu, profundamente, na LEF, porque esta já havia, antes, aberto as picadas, que viriam a ser seguidas pela Comissão.
5. A LEI Nº 6.830/80 ? ORIENTAÇÃO
A LEF consagrou definitivamente a tendência doutrinária de diferenciar a execução judicial da execução administrativa ou, na expressão de Silva Pacheco, não há que confundir a cobrança judicial com a cobrança administrativa.15
A Comissão que elaborou o anteprojeto adotou a alternativa que lhe pareceu melhor, construindo um texto autônomo, com normas especiais sobre a cobrança da dívida ativa, que no mais teria o suporte do Código de Processo Civil.16
A cobrança ? atividade destinada a receber o crédito ? da Fazenda Pública pode ser feita em caráter amigável (extrajudicial) ou judicialmente.
A cobrança amigável faz-se no âmbito da Administração e a outra, em Juízo, através da execução judicial do crédito tributário ou não, inscrito como dívida ativa.
6. DÍVIDA ATIVA17
A execução fiscal, para cobrança da dívida ativa, alicerça-se no título executivo criado pela Fazenda Pública.
A dívida ativa, segundo o art. 2º da Lei nº 6.830, é aquela conceituada pela Lei nº 4.320, de 17.03.1964 (art. 39), com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 1.735, de 20.12.1979.
O art. 11 e parágrafos da Lei nº 4.320/64, que diz respeito à discriminação e codificação das receitas, segundo as categorias econômicas, foram alterados pelo Decreto-Lei nº 1.939, de 20.05.1982.
O § 2º do art. 39 citado conceitua a dívida ativa tributária como sendo o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e dívida ativa não tributária, os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
Também constitui dívida ativa da Fazenda Pública qualquer valor (entenda-se qualquer crédito) que, por determinação da lei, deva ser cobrado por uma das entidades enumeradas no art. 1º.
Uma contribuição qualquer, para os efeitos da lei, passará a constituir dívida ativa, se ela assim dispuser, como, por exemplo, o Fundo de Garantia.
Dívida ativa é, pois, o crédito da Fazenda Pública regularmente inscrito no órgão e por autoridade competente, após esgotado o prazo final para pagamento fixado pela lei ou por decisão final, em processo administrativo regular. Esta dívida, regularmente, inscrita goza da presunção relativa de certeza e liquidez, que pode ser elidida por prova irretorquível a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.
7. INSCRIÇÃO DA DÍVIDA ATIVA
Para o § 3º do art. 2º da LEF, a inscrição é o ato de controle administrativo da legalidade, para apurar a liquidez e certeza do crédito, tributário ou não, da Fazenda Pública, operado por autoridade competente, que é o órgão jurídico.
Sacha Calmon, no 6º Congresso Nacional de Administração Fazendária, realizado em Foz do Iguaçu, Paraná, de 19 a 23 de outubro de 1981, avaliza a tese que defendemos, sobre a importância desse ato que se não confunde com o lançamento e confere ao administrado a garantia plena. O referido autor reiterou seu assentimento de que esse ato deve ser realizado por advogado público, no órgão jurídico da Fazenda.18
Esse ato, vinculado, não se confunde com o lançamento e tem natureza distinta. Diz respeito à certeza e liquidez do débito já constituído, devendo-se apurar se este é líquido legalmente (cobra-se o que a lei permite) e se é exato legalmente (se a obrigação foi constituída legalmente).
A doutrina dominante, com rara divergência, tem-se manifestado favoravelmente à inscrição, após a apuração da liquidez e certeza.
Na Itália, Allorio ensina que esse ato é um quid ulterior e necessário, quando sua ausência privaria o Fisco do privilégio do rápido andamento na realização da dívida ativa, mas Benedito Cocivera considera-o um ato complementar desnecessário. Fonrouge critica a lei argentina que não exige certos requisitos mínimos na constituição do título executivo ? o boleto. No Chile, é o advogado provincial que faz o saneamento, correspondendo, no Brasil, à apuração da liquidez e certeza do crédito.
A doutrina brasileira conta a seu favor com nomes da envergadura de Alberto Xavier, Bernardo Ribeiro de Moraes, Luciano Benévolo de Andrade, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cleber Giardino, Ronaldo Cunha Campos, Cid Heráclito de Queiroz.
Não é outro o pensar da jurisprudência.
Entretanto, entendendo que se trata de um ato supérfluo, citem-se Carlos da Rocha Guimarães e Carlos Costa e Silva. O projeto de Rubens Gomes de Sousa também desconsiderava esse ato.
8. COMPETÊNCIA PARA DETERMINAR A INSCRIÇÃO
O órgão competente para determinar a inscrição como dívida ativa da Fazenda Pública é o órgão jurídico, através de seus procuradores, advogados especializados, que se deverão ater apenas à apreciação da parte formal, da legalidade e legitimidade do ato, e não, como querem muitos, da análise substantiva, erigindo este órgão em verdadeiro juízo de cassação.
Os créditos da União são apurados e inscritos na Procuradoria da Fazenda Nacional.19 Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias deverão fazê-lo por órgão jurídico próprio, através de seus procuradores, ou seja, de advogados especializados do Poder Público.
A Lei Maior do Estado de São Paulo constitucionalizou essa atividade, pois concedeu à Procuradoria-Geral do Estado a função institucional de promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual.20
No DNER, a competência para inscrever sua dívida ativa (créditos de qualquer natureza inerentes às suas atividades) é da Procuradoria-Geral.21
As decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa têm eficácia de título executivo, de conformidade com o § 3º do art. 71 da Constituição da República. Assim, não há que se inscrever como dívida ativa, para a constituição do título executivo, porquanto este deriva da própria Carta Política.
Em face dos arts. 75, 25, 29 e 32 da Constituição, que manda aplicar, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os princípios estabelecidos nesta Carta, efetivamente, as decisões de Tribunais ou Conselhos de Contas estaduais e municipais também carecem de inscrição, para constituição do título executivo.22
No entretanto, o douto Jorge Ulisses Jacoby Fernandes lembra que alguns Tribunais têm optado pela inscrição do acórdão condenatório em dívida ativa, para promover o processo de execução da dívida ativa.
É verdade que a LEF erige em dívida ativa aquela definida pela Lei nº 4.320 e suas alterações, destacando-se os alcances dos responsáveis definitivamente julgados, e o CPC (art. 585, VI) comanda que a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública correspondente ao crédito inscrito como dívida ativa terá força executiva. Frise-se, porém, que a força executiva dos títulos em questão advém do Texto Maior e, portanto, sua inscrição é desnecessária, não procedendo a ensinança de Carlos Henrique Abrão, Manoel Álvares, Maury Bottesini, Odmir Fernandes e Ricardo Chimenti, que acentuam dever a dívida decorrente de decisões dos Tribunais de Contas ser inscrita, na forma da LEF.23
9. SUJEITO ATIVO DA EXECUÇÃO FISCAL
O sujeito ativo da execução fiscal está descrito, de forma exaustiva, no art. 1º da LEF, regendo esta a execução judicial para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e respectivas autarquias, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.
A execução fiscal ou a ação de execução fiscal é uma ação especial de cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, que tem o seu próprio direito.
A expressão genérica Fazenda Pública compreende as diversas entidades estatais, apresentadas num dos seus aspectos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), podendo tal denominação ser qualificada quanto a sua natureza e abrange as autarquias, segundo a melhor doutrina e dominante jurisprudência.24
A autarquia ? pessoa jurídica de direito público ? submete-se a regime jurídico especial ? o público ?, sob o feixe de dois princípios fundamentais: o da supremacia do interesse público e o da indisponibilidade dos interesses públicos. Por ser a longa manus do Estado, goza dos mesmos privilégios da Administração-matriz e submete-se ao mesmo controle.
Não importa a espécie de autarquia,25 nem a qualidade da receita, pois a lei não faz distinção e, onde a lei não distingue, não cabe ao exegeta fazê-lo. Esta é também a opinião de Silva Pacheco, ao ditar que: “Toda autarquia, seja ela qual for, pode, munindo-se da certidão de sua dívida ativa devidamente inscrita, que lhe serve de título executivo, cobrá-la, judicialmente, mediante execução fiscal”.26
O DNER, autarquia administrativa, vinculada ao Ministério dos Transportes, reorganizada pelo Decreto-Lei nº 512, de 21.03.1969, tem receita própria, que se compõe também das multas que, por lei, regulamento ou contrato, incumba lhe impor e cobrar.27
Também o INSS, autarquia federal, inscreve e cobra sua própria dívida ativa.
O Ibama,28 autarquia de regime especial, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, tem receita própria, que se compõe também das multas que, por lei, regulamento ou contrato, incumba-lhe impor e cobrar.
A Lei nº 8.005, de 22.03.1990, que se originou da MP nº 136, de 1990, no art. 1o., estipula a competência do Ibama, para cobrar administrativamente, inscrever como dívida ativa e executar, judicialmente, as taxas e contribuições que lhe são devidas e as penalidades pecuniárias que impuser, no exercício de sua atividade.
A inscrição deve ser feita pelo órgão jurídico competente ? a Procuradoria ?, por meio do Procurador, que mandará inscrever ou não o crédito como dívida ativa.29
Com todo o respeito, a jurisprudência que nega à autarquia ? banco de crédito ? poder cobrar seu crédito, inclusive o derivado de contrato de mútuo, através da execução fiscal, contraria frontalmente a lei.30
Pode ocorrer que, por lei, uma autarquia perceba recursos que lhe são próprios e os que constituem receita de entidade que a criou.
A receita própria, não arrecadada amigavelmente, deverá ser inscrita e cobrada, pelo órgão jurídico competente da autarquia; e a receita, que, por lei, tenha destinação diversa, isto é, deva ser canalizada para a entidade estatal à qual está vinculada ou determinada por lei, será inscrita e cobrada por esta última, eis que a autarquia hospeda receita que lhe é própria e a que lhe é estranha.
Destarte, as multas e os recursos que não se encaixam como receita da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas por lei constituem-se em receita da autarquia, por esta deverá ser inscrita e cobrada.31
Não pode cobrar sua dívida, via execução fiscal, nenhum outro ente que não os expressamente descritos no já citado art. 1º, nem mesmo a agência financeira, se esta for empresa pública ou de economia mista, segundo a melhor doutrina e jurisprudência torrencial e pacífica.32
Os Territórios Federais foram banidos da lei de execução fiscal, visto que não possuem fazenda própria, integrando seus créditos e débitos na Fazenda Nacional, o que não ocorria, sob o regime jurídico da legislação revogada ou derrogada. A Constituição anterior distinguia o Território com o privilégio de constituir com a União, os Estados e o Distrito Federal a República Federativa do Brasil.
Atualmente, o Território não mais faz parte da Federação e, portanto, não é pessoa política. É parte da União, sem autonomia política.33
10. EXECUÇÃO CONTRA PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO
A execução fiscal contra pessoas jurídicas de direito público far-se-á, de acordo com o art. 730 do CPC, visto que impenhoráveis os bens dessas pessoas, segundo o mandamento constitucional34 e pacífica doutrina e jurisprudência.
Anteriormente ao CPC, a doutrina orientava-se no sentido de não admitir a execução contra esses entes, mas, após a introdução do Estatuto Processual, Milton Flaks advogava, com razão, na companhia de correta orientação pretoriana, sua inteira procedência, calcada essa execução nos arts. 730 e 731, com a citação da Fazenda para opor embargos e, se não o fizesse, expedir-se-ia o respectivo precatório.35
A situação não se modificou com a Carta de 88. Esta também a lição de Silva Pacheco.36
Contra as demais pessoas da Administração Pública (empresa pública, sociedade de economia mista, fundação não autarquizada), dúvida não há quanto à sua submissão, in totum, à execução fiscal, ainda segundo as lições de Flaks, que cita o art. 242 da Lei de Sociedades Anônimas.
Não obstante, essa situação não é tão simples como parece, pois se os bens públicos são impenhoráveis, como proceder com relação aos bens de uma empresa pública? A única resposta lógica é que, se a empresa pública tem por objeto atividades negociais, não há razão para se lhe não penhorarem os bens, em harmonia mesmo com os arts. 173 e 174 do Texto Magno.37
11. INOVAÇÕES DA LEF38
Inúmeras inovações foram introduzidas pela Lei nº 6.830, a princípio rejeitadas; contudo, com o tempo, foram plenamente absorvidas pela doutrina e jurisprudência, tornando-se paradigma para ulteriores reformas legislativas, tais como:
1. preparação e numeração da certidão ativa, por processo manual, mecânico e eletrônico, adiantando em décadas ao significativo progresso nesse campo;
2. comunhão da petição inicial com a certidão da dívida ativa, que dela fará parte integrante, como se transcrita fora;
3. permissão legal para constituição da petição inicial e da certidão da dívida ativa, num só documento, mesmo que por processamento eletrônico;
4. produção de provas pela Fazenda independentemente de requerimento na petição inicial;
5. o valor da causa será o constante da dívida que constar da certidão, acrescido dos encargos legais;
6. economia processual, reduzindo as exigências da petição inicial e impedindo a repetitiva e desnecessária conclusão dos autos ao juiz. O despacho inicial determinará, de uma só vez, a citação, pelas sucessivas modalidades, com ênfase para a citação pelo correio; o registro da penhora em registro próprio; a penhora, se não houver pagamento no prazo legal de cinco dias. Não se olvide a ilegal alteração, produzida pela Lei nº 8.212, de 1991. O art. 53 desse diploma legal proibiu, absurdamente, o oferecimento de bens pelo devedor, no prazo de cinco dias, após a citação, facultando, na cobrança da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações, que estas indiquem, na petição inicial, bens à penhora, que se realizará, concomitantemente com a citação, num retrocesso inconcebível. Se isto ocorrer, os bens, tantos quantos necessários, tornar-se-ão indisponíveis, de imediato, tendo o devedor apenas o prazo de dois dias para pagar o débito, contado da citação, independentemente da juntada do mandado aos autos;
7. a citação, por edital, para o réu ausente do País;
8. garantia da execução, mediante fiança bancária, depósito bancário ou indicação de bens de terceiros à penhora;
9. pagamento de parcela incontroversa da dívida, e discutir o restante, desde que garantido o juízo;
10. penhora e avaliação por oficial de justiça avaliador, no mesmo momento;
11. o prazo para embargos e impugnação passou para 30 dias, sem qualquer distinção, para o devedor e para o credor;
12. na esteira do art. 337 do Código de Processo, a audiência pode ser dispensada para o julgamento antecipado do feito;
13. o terceiro que ofereceu garantia para remição ou pagamento será intimado;
14. não faz mais a distinção entre praça e leilão;
15. o representante da Fazenda será intimado pessoalmente, em harmonia com o que se vinha fazendo, costumeiramente. Também, as autarquias devem sê-lo, vez que estão agasalhadas na expressão Fazenda Pública. Esta conclusão deflui da comunhão dos arts. 1º e 27, posto que a lei deve ser interpretada, no contexto, de forma que não conduza ao absurdo;
16. uma novidade alvissareira, no que diz respeito ao cancelamento da inscrição da dívida ativa, a qualquer título, até a decisão de primeira instância, produzirá a extinção da execução, sem quaisquer ônus, para as partes. Todavia, a jurisprudência, em uníssono, tem proclamado que é devida a verba honorária do executado, bem como o reembolso das custas processuais efetivamente gastas, após a apresentação dos embargos;
17. até a decisão de primeira instância, a certidão de dívida ativa poderá ser emendada ou substituída, com a devolução total do prazo para embargos;
18. as multas, qualquer que seja sua natureza, poderá ser cobrada da massa falida e da concordatária39, todavia, a doutrina e a jurisprudência têm repelido essa exegese;
19. o crédito fiscal goza de privilégio com alicerce no direito vigente e na melhor doutrina, conciliando-se com a lei falimentar vigente, sendo vedada qualquer alienação de bem, nos processos de concordata, falência, liquidação, arrolamento, inventário ou concurso de credores, sem a prova de quitação da dívida ativa ou a concordância da Fazenda Pública, nos exatos termos do art. 31 da LEF.40 Entretanto, a jurisprudência tem abrandado a rigidez desse dispositivo,41 como, aliás, vem fazendo com os arts. 11 (remoção do bem penhorado ? § 3º) e 38 (depósito para discussão judicial da dívida ativa);42
20. a ação anulatória de débito fiscal, conquanto o art. 38 da LEF exija depósito prévio, para sua propositura, pode ser proposta, independentemente dessa exigência, segundo pacífica e torrencial jurisprudência, capitaneada pelo “leading case”, relatado pelo eminente Ministro Luiz Rafael Mayer.43 Entretanto, prossegue o aresto, a satisfação do ônus do depósito prévio da ação anulatória, por ter efeito de suspender a exigibilidade do crédito fiscal (art. 151, II, do CTN), desautoriza a instauração da execução fiscal.
12. A MEDIDA CAUTELAR FISCAL44
A Lei nº 8.397, de 06.01.1992, instituiu a medida cautelar fiscal, a ser instaurada antes ou no curso da execução judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, tendo a lei incluído expressamente as autarquias, porque estas, sem dúvida, integram-se na Fazenda Pública.
Esse diploma legal avisa peremptoriamente que essa medida é dependente da ação principal (execução fiscal) e pode ser requerida contra o sujeito passivo do crédito tributário ou não tributário, regularmente constituído, após regular processo administrativo.
Várias são as hipóteses que autorizam o credor ? Estado ? a tomar essa providência, desde que:
1. não tendo domicílio certo, tenta ausentar-se ou alienar seus bens ou não paga a obrigação no prazo legal;
2. tenha domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, com o objetivo de elidir o cumprimento da obrigação;
3. em insolvência, aliena ou tenta alienar bens; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; coloca seus bens em nome de terceiros ou comete qualquer outro ato que frustre a referida execução;
4. deixa de pagar ou recolher crédito fiscal vencido, após notificado pela Fazenda Pública, a não ser que esteja garantido, em processo administrativo ou judicial;
5. finalmente, tendo bens de raiz, tenta aliená-los, dá-los em hipoteca ou em anticrese, sem deixar bens livres e desembaraçados, de valor igual ou superior à dívida fazendária.
Esse instituto, visando substituir o arresto e antecipar-se à penhora, dados os pressupostos necessários, para sua concessão, difíceis de comprovar, não cremos terá atingido seu fim.
Vale dizer, deverá a Fazenda (Nacional, Estadual, do Distrito Federal, Municipal e suas autarquias) demonstrar, através de prova documental, que se há concretizadas algumas das hipóteses mencionadas antes, além, é óbvio, de juntar a prova literal do crédito para com a Fazenda.
O ponto alto da cautelar é tornar, de imediato, indisponíveis os bens até o limite da satisfação da obrigação, repetindo, entre outras, as Leis nºs 6.024, de 13.03.1974, 8.212, de 24.07.1991, e cerceando a liberdade do súdito, sem embargo de haver instrumentos, até mais poderosos, não utilizados, devidamente. Recebeu críticas mordazes e acertadas de Hugo de Brito Machado e Carlos Henrique Abrão.
Esse autor, porém, sem razão plausível, credita a pretensos vícios da Lei nº 6.830 os atrasos que prejudicariam a cobrança da dívida ativa.45 Seria procedente sua assertiva, se o legislador não houvesse decepado do diploma alguns recursos e providências, realmente, desastrosos. Entretanto, por mais que se deseje enxugar a lei, faz-se necessário dotar as partes de alguns instrumentos processuais, sob pena de se atentar contra a própria Constituição e o mais sagrado direito de defesa. Não acreditamos seja este o intento do autor. Não desconhecerá o ilustre magistrado que essa lei, pela modernidade e avanço, constituiu fonte para ulteriores reformas processuais. E, se morosidade subsiste, esta deve ser tributada à ausência de reformas complementares.46
13. BEM DE FAMÍLIA
A Lei nº 8.009, de 29.03.199047 (advinda da Medida Provisória nº 143/90), que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, tem merecido da doutrina e da jurisprudência incipiente vastas ponderações.
Instituiu como impenhorável o bem residencial do casal ou da entidade familiar, que não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, previdenciária, fiscal ou qualquer outra, contraída por cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários, desde que nele residam.
A lei, porém, excepciona algumas hipóteses insculpidas no art. 3º.48
A doutrina e a jurisprudência, em uníssono, mandaram aplicar a lei, imediatamente, sem qualquer tergiversação (STJ), entretanto o Primeiro Tribunal de Alçada Civel de São Paulo rejeitou a retroação da lei.49
Entidade familiar, novidade trazida por esse diploma legal, vê-se distinguida em tal lei, compreendendo não só a união de pessoas não casadas (art. 226 da CF), mas também a reunião de pais, filhos.50
Essa lei aplica-se também à Fazenda Pública (RE nº 6.708 RR ? STJ, em 20.02.1991).51
O Tribunal Regional do Trabalho da 24a Região, em acórdão relatado pelo juiz Márcio Amaro, decidiu, por unanimidade, que “somente a pessoa física se beneficia da impenhorabilidade de que trata o art. 649, VI, do CPC, tratando-se de bens necessários ao exercício da profissão. A empresa, como pessoa jurídica, tem todos os seus bens sujeitos à penhora, inclusive máquinas, equipamentos e utensílios necessários ao seu funcionamento”.52
Silva Pacheco, em preciosa obra, apresenta seleta e torrencial jurisprudência de nossos Pretórios Maiores, sinalizando que se trata de meritório instituto que deve ser estimulado em nosso país, tão carente de casa própria.
14. EMBARGOS DO DEVEDOR E GARANTIA DO JUÍZO
A Lei nº 6.830, de 22.09.1980 ? LEF ?, regula a cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do DF, dos Municípios e respectivas autarquias, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.
O art. 16 oferta ao executado o prazo de 30 dias para oferecer embargos, perante o próprio juízo da execução, os quais, na nova sistemática, constituem uma ação, na qual o devedor ? executado ? é o autor; ou, na expressão de Liebman: ação incidente do executado. A sentença, ensina Alexandre de Paula, proferir-se-á naqueles e não na ação de execução. Eis por que a autuação em separado se faz necessária, ocasião em que o executado deverá alegar toda a matéria útil à defesa, requerer provas e juntar documentos e o rol de testemunhas, segundo o princípio da eventualidade, concentrando-se então toda a defesa do devedor. Neste sentido, o Min. Sálvio de Figueiredo.53
Não admite a LEF os embargos, antes de garantido o juízo.
Essa é também a prédica do CPC ? art. 737, com o beneplácito da jurisprudência.54 Assim entende Silva Pacheco.55 O direito anterior exigia fosse o juízo seguro pela penhora, depósito da coisa ou seu equivalente. Não obstante, Theotonio Negrão coleciona acórdãos que admitem a apresentação de embargos, antes de seguro o Juízo, nos casos em que o título executivo não se reveste das formalidades legais, denotando abuso de direito ou se o executado é pobre e não dispõe de bens para dar à penhora. Copiosa é a doutrina citada, abrangendo todas as facetas.56 Em harmonia com o sacro princípio constitucional do contraditório, o insigne jurista Athos Carneiro mostrou-se sensível a esse posicionamento.
Em casos excepcionais, admite-se, pois, a dispensa do pressuposto básico da garantia do juízo, com fonte na Carta Magna.
O executado pode efetuar o pagamento no juízo da execução e não obrigatoriamente na repartição fiscal57 e alegar o pagamento nos próprios autos da execução fiscal, antes de efetivada a penhora, quando então o juiz deverá abrir vista dos autos ao exeqüente, atento ao magistério ditado pela jurisprudência, sinalizada pelo acórdão relatado pelo Min. Pádua Ribeiro.58
A doutrina e a jurisprudência contemplam fartamente a tese já vitoriosa de que a nulidade da execução pode ser arguida a qualquer momento e não requer seja o juízo seguro, nem sejam apresentados embargos à execução. Basta simples petição, devendo ser decretada ex officio,59 ou resolvida incidentalmente.60 É a exceção de pré-executividade.61 Ainda, oposição pré-processual ou processual, nas lições de Pontes de Miranda.62 Na preleção de Milton Flaks, na prática forense, essa liberalidade tem sido comum.63
O STJ, pela palavra do Rel. Min. Eduardo Ribeiro, da 3a T., sentenciou que a nulidade do título, em que se alicerça a execução, pode ser oposta por simples petição, por ser suscetível de exame, de ofício, pelo magistrado,64 homenageando as Súmulas nºs 346 e 473 do Pretório Excelso. Iterativa e torrencial é a orientação pretoriana.65
Realmente, se as decisões sumuladas ordenam que a Administração pode (sem receio, acrescentamos que ela deve, não apenas pode) anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, respeitados sempre os direitos adquiridos, com razão bastante podemos anunciar que o Judiciário deve fazê-lo, de imediato, ao se confrontar com ato ou título maculado com a saga da nulidade ou de vício insanável.
Roberto Rosas registra que o julgado não pode evidentemente ser invocado para amparar a revogação do ato por conveniência ou oportunidade, já que somente a Administração é seu árbitro; todavia, devem fazê-lo, tanto a Administração quanto o Judiciário, na hipótese de ilegalidade ou ilegitimidade do ato.66
Jansen de Almeida, defendendo com veemência essa já cristalizada postura, indaga, com muita pertinência: “Se o credor criar um falso título executivo ou lhe faltar algum requisito essencial, deverá o devedor dispor de seu patrimônio, com o fim de garantir o juízo para opor embargos do devedor?”. E responde com segurança que não!67
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery indicam, entre outros, o magistério de Pedro Barcelos, que admite os embargos, independentemente de estar garantido o juízo, conquanto Alcides de Mendonça Lima se oponha a tal prática.68
A LEF ampara, ex abundantia, essa exegese, ao ditar que, até a decisão de primeira instância, a certidão de dívida ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo, com o apoio inequívoco do art. 26, que autoriza a extinção da execução fiscal, até a decisão de primeira instância, se, a qualquer título, for cancelada a inscrição da dívida ativa, sem nenhum ônus para as partes. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência, por unanimidade, têm instruído que a desistência da execução fiscal, após os embargos, não afasta a responsabilidade da exeqüente pelo ônus da sucumbência.
15. PENHORA ADMINISTRATIVA
As leis são amostras de comportamento que traduzem a consciência social de uma era e de um povo.
A cobrança dos créditos tributários tem despertado tanto os estudiosos quanto a própria comunidade e induzido a debates dos mais oportunos e profícuos, porquanto se, de um lado, a Justiça deve ser ágil e dinâmica, de outro, os direitos fundamentais do homem não podem ser postergados, sob pena de se esmigalharem milhares de anos de fecunda civilização.
Essa a questão transcendental que se propõe, o dilema maior: garantia e presteza: segurança para o administrado e agilidade para o Estado-Fisco.
O Brasil, historicamente, sempre conheceu a tradicional divisão de poderes do Estado, visto que da harmonia destes exsurgia a garantia dos direitos do cidadão e o meio mais seguro de tornar efetivas as garantias constitucionais, sem embargo de, durante o Império, haver surgido, com D. Pedro I, o Conselho de Estado, suprimido pelo Ato Adicional de 1824, e restaurado por D. Pedro II, em 1841.
Não obstante, a República, modelada no figurino norte-americano, instituiu a Justiça Federal, que absorveu o contencioso administrativo. Esta discriminação de poderes, longe de ser estática e esotérica, é mesclada pela interação e vigilância recíprocas, em consonância com os ensinamentos de Montesquieu, porquanto este fosso absoluto não mais se afeiçoa ao Estado moderno, dada a evolução para o Estado social ou, como ensina Lowenstein, as teorias mais modernas projetam novas separações de funções e atividades, de sorte que a absoluta separação não mais existe.
O homem, visando aperfeiçoar os instrumentos ao seu dispor, procura romper certos tabus e assim atingir melhor seu desideratum.
A América Latina, conquanto tenha concebido um Modelo de Código Tributário, apresenta extrema diversidade em matéria processual fiscal, abeberando-se em fontes diversas do continente europeu e dos Estados Unidos da América (Tax Court), destacando-se a alemã, a italiana e a francesa, adotando alguns países o contencioso administrativo com poder jurisdicional, com independência da administração ativa.
Como afirmei, alhures, no Brasil, não há que se falar em contencioso administrativo, com poder jurisdicional.
Se a consciência jurídica nacional vem repelindo, com veemência, esta solução ? contencioso administrativo com poder jurisdicional ?, não é menos verdade que ela exige imediata tomada de posição que amenize os efeitos de uma justiça tardia. A criação dos juizados de pequenas causas tem demonstrado que é preciso a vontade política para se resolverem questões aparentemente insolúveis.
A morosidade da justiça é um problema universal, dado o modo nefasto como é tratado nas variadas Constituições, quebrando-se-lhes a autonomia financeira, como argutamente rememorava Giuliani Fonrouge, prejudicial, por isso mesmo, tanto para o Estado, quanto para os súditos, que sofrem conseqüências desastrosas.
Uma das medidas históricas é a previsão constitucional de uma justiça especializada, fincada no Poder Judiciário, à semelhança da Justiça Laboral, sedimentando, assim, a tradição pátria e afastando, de vez, o impasse.
Contudo, não basta a institucionalização de uma justiça especializada, torna-se necessário mais que isso.
Aqui se sedia o ponto nevrálgico. No âmbito processual, há que se fazer, também, um remendo na lei vigente, sem romper o sistema, mas complementando-o, com a experiência alienígena, adaptada à realidade brasileira, sem quebrar os laços constitucionais e a tradição histórica, com a realização da penhora administrativa, diferentemente, entretanto, da operada no direito comparado e pretendida por alguns reformadores.
Assim que o nobre e operoso Senador Lúcio Alcântara honrou-nos, imensamente, adotando tese que vimos esposando, há mais de duas décadas, apresentando projeto de lei que institui a penhora administrativa executada por órgão jurídico da Fazenda Pública da União, dos Estados, dos Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias, que, entretanto, poderá optar por executar a dívida ativa nos moldes da Lei de Execução Fiscal vigente.
Essa proposta tem em vista aperfeiçoar a cobrança da dívida ativa, sem destronar os direitos e garantias fundamentais agasalhados pela Lei Maior e pela consciência jurídica universal, conquanto fugindo do modelo tradicional, que autoriza se faça pela própria administração fiscal ativa. Isso porque a penhora é um ato administrativo e não jurisdicional, segundo a melhor doutrina, não necessitando realizar-se sob as vistas do juiz, como enfaticamente tem proclamado o eminente Ministro Carlos Mário da Silva Veloso.69
Seria, entretanto, um contra-senso que o próprio órgão fiscal (administração ativa), que tem a função, das mais relevantes, de autuar, fiscalizar e efetuar o lançamento, também efetivasse a penhora.
Na execução da dívida ativa, a maior parte das execuções exaure-se antes de embargada a execução, isto é, o pagamento dos débitos dá-se antes da penhora e da apresentação dos embargos. Esses, por sua vez, de acordo com o direito positivo e a melhor doutrina, constituem ação que, no magistério de Liebman, consubstancia uma ação incidente do executado ? do devedor ?, já que o procedimento executório não comporta defesa, visto que não há matéria litigiosa a se discutir e decidir.
O devedor passa a ser o autor e o credor-exeqüente, o réu, com o objetivo de anular ou reduzir a execução ou, ainda, suprimir a eficácia do título.
Dessa forma, a Fazenda Pública (União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias) poderá optar por promover a execução, antes do ingresso em Juízo, através da Procuradoria Fiscal, até a penhora, calcada na certidão de dívida ativa, que goza da presunção de legitimidade e auto-executoriedade. Lembre-se que a inscrição, na opinião da doutrina dominante, deverá ser feita por procurador ou advogado do referido órgão jurídico.
A lei vigente ? Lei nº 6.830, de 1980 ? já disciplina o processo após a apresentação dos embargos, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil. Nada impede, porém, que ela o faça, escolhendo a via disciplinada por essa lei.
Daí, conclui-se que nem a Lei de Execução Fiscal estará afetada, nem se subtrai ao Fisco a prerrogativa de eleger a via que melhor lhe convier.
Ao devedor também não fica suprimida a via judicial, expressamente, consagrada na Lei Magna, ou seja, não efetuando o pagamento da dívida, no prazo legal, após a inscrição do crédito como dívida ativa e, se desejar apresentar os embargos, fá-lo-á, de conformidade com o art. 16 da lei mencionada ou valer-se das demais medidas e ações judiciais, inclusive o mandado de segurança.
Os embargos serão interpostos perante o juiz competente para a execução judicial da dívida ativa, que requisitará, de oficio, o processo administrativo em que se tiver efetivado a determinação da inscrição e a penhora.
O prazo para a Procuradoria ou o órgão jurídico encaminhar os autos é de 48 horas e, não o fazendo, estarão sujeitos às penalidades legais.
O texto legal prevê ainda que, efetuado o pagamento, antes ou durante a penhora, esta será desfeita, imediatamente, cabendo-lhe tomar as providências cabíveis, no prazo improrrogável de 48 horas, sob pena de responsabilidade de quem se omitir.
Com isso, o direito brasileiro estará inovando, porque a Fazenda Pública poderá executar o seu próprio ato realizando a penhora administrativa, por autoridade competente ? o procurador ou o advogado do Poder Público?, após a determinação da inscrição da dívida ativa, efetuando previamente o controle da legalidade prevista na legislação própria.
Esse ato parece-nos mais legítimo e consentâneo com os cânones constitucionais do que a decretação de indisponibilidade de bens produzida de imediato pela medida cautelar proposta pelo Fisco, antes ou durante a execução fiscal.
Basta o exame superficial da Lei nº 8.397, de 06.01.1992, para se duvidar de sua constitucionalidade, em face dos esdrúxulos pressupostos que autorizam sua propositura.
Também o art. 53 da Lei nº 8.212, de 24.07.1991, produziu sérios estragos no sistema legal vigente,70 ao tratar da execução da dívida ativa da União e de suas autarquias e fundações públicas, em sede imprópria, permitindo ao credor-exeqüente indicar bens à penhora, que se fará, concomitantemente, com a citação do devedor, ficando, desde logo, indisponíveis os bens do devedor, o que constitui retrocesso imperdoável, digno de ser revogado, como aliás o faz o projeto do Senador.
Essas figuras espúrias são mais danosas e ferem frontalmente o Texto Magno, não se harmonizando com o direito moderno, ao contrário da penhora administrativa, se realizada, por órgão jurídico competente.
O texto do Projeto de Lei do Senador Lúcio Alcântara, objeto do PLS, é o que se segue.
“PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 174, DE 1996
Institui a penhora administrativa, por órgão jurídico da Fazenda Pública, e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica instituída a penhora administrativa, executada pelas Procuradorias Fiscais ou da Fazenda Nacional da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias.
Art. 2º Após a inscrição da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias, pela respectiva Procuradoria ou pelo órgão jurídico competente, estes poderão optar por executar a Dívida nos moldes da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, ou segundo o disposto nesta lei.
Art. 3º Inscrito o crédito tributário ou não-tributário, a respectiva Procuradoria ou órgão jurídico competente notificará o devedor, para pagá-lo no prazo de cinco dias, amigavelmente, sob pena de proceder à penhora de seus bens, tantos quantos bastem para a garantia da dívida, na forma dos arts. 7º, IV, 8º, 9º, 10 e 11 da Lei nº 6.830, de 1980, no que couber.
Parágrafo único. A penhora será realizada por servidor habilitado, na forma do regulamento.
Art. 4º Em caso de pagamento do crédito para com a Fazenda Pública, a penhora será desfeita, imediatamente, devendo essa tomar providências cabíveis, no prazo impostergável de quarenta e oito horas, sob pena de responsabilidade de quem der causa à omissão.
Art. 5º Realizada a penhora, o devedor poderá oferecer embargos, na forma da Lei nº 6.830, de 1980, perante o juiz competente para a execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, o qual requisitará, de ofício, o processo administrativo em que se tiverem efetivado a ordem de inscrição e a respectiva penhora administrativa.
Parágrafo único. A Procuradoria ou o órgão jurídico competente deverá encaminhar ao juiz o referido processo, no prazo de quarenta e oito horas, sob as sanções da lei.
Art. 6º Aplicam-se, no que couber, as disposições do Código de Processo Civil e da Lei nº 6.830, de 1980.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º Revogam-se o art. 53 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e as disposições em contrário.
Justificação
O presente projeto de lei visa ao aperfeiçoamento da cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, tanto da União, quanto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem assim dos respectivos entes autárquicos, sem ferir os direitos fundamentais do cidadão, embora se criem instrumentos eficazes para coibir a evasão fiscal.
Não há dúvida de que o Estado necessita de instrumentos capazes de barrar a desenfreada sonegação e a mais absurda das injustiças praticadas contra o bom contribuinte, que paga em dia seus tributos; sem, entretanto, se esmigalhar o mais sagrado dos direitos fundamentais, consagrado através dos tempos, pelas civilizações modernas: a garantia e a preservação do juiz natural, estatuído em nossa Lei Maior (art. 5º, XXXV) como fundamento da democracia.
Para obviar esses males, a doutrina vem pensando em soluções as mais diversas, destacando-se a introdução do contencioso administrativo, com poder jurisdicional, tal qual existe em diversos países conforme ensinamentos dos Mestres Carlos M. Giuliani Fonrouge e Susana Camila Navarrine (in ‘Procedimiento Tributário’, ed. Depalma, Buenos Aires, 1995) e do Professor Leon Frejda Szklarowsky, Subprocurador-Geral da Fazenda Nacional aposentado (CF, ‘Execução Fiscal’, ed. Ministério da Fazenda, Escola de Administração Fazendária, Brasília, 1984).
O Professor Leon Frejda Szklarowsky, estudando aspectos do Contencioso Fiscal e Administrativo no Brasil, enfrenta a questão fisco-contribuinte segundo o axioma garantia e agilidade: segurança para o administrado e presteza para o Estado-Fisco, na cobrança de sua dívida ativa, advogando a instituição da penhora administrativa (cf. ‘Reforma Tributária’, in Arquivos do Ministério da Justiça, ano 39, nº 168, março de 1986, pp. 84 a 93), segundo modelo não tradicional, que propõe, e mais consentâneo com a consciência jurídica brasileira.
E, mais recentemente, em seu trabalho ‘A Justiça Fiscal e a Reforma da Constituição’ (in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, Revista dos Tribunais, vol. 10, ano 03, janeiro-março de 1995, pp. 207 a 210) fortalece a tese da penhora administrativa, sem, contudo, fissurar o princípio do juiz natural, nos seguintes termos:
‘Penhora Administrativa
No âmbito processual tributário, há que se fazer também um remendo na lei, sem qualquer fissura no sistema, aproveitando a experiência alienígena e adaptando-a à realidade brasileira, sem romper os liames constitucionais e a tradição histórica do País, permitindo-se a realização da penhora administrativa.
A penhora administrativa não configura atividade jurisdicional e, portanto, não necessita realizar-se sob as vistas do juiz como ressalva enfaticamente o Min. Carlos Velloso.
Na execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, a maior parte das execuções fiscais não é embargada, ou seja, o pagamento dos débitos fiscais faz-se antes da penhora e da apresentação dos embargos, segundo estatísticas das Procuradorias Fiscais.
Os embargos, por sua vez, segundo o direito vigente e a melhor doutrina, constituem ação, que, no magistério de Liebman, consubstancia uma ação incidente do executado, vez que o procedimento executório, propriamente dito, não comporta defesa, já que fundado na idéia fundamental de não haver matéria litigiosa a discutir e decidir.
O executado passa a ser o autor, e o exeqüente, o réu, a fim de anular ou reduzir a execução ou suprimir ao título sua eficácia executiva, estando os embargos sujeitos aos requisitos da petição inicial.
O devedor exerce verdadeiro direito de ação.
Destarte, pode a lei assentir que, antes do ingresso em juízo, a Fazenda Pública, através do órgão jurídico competente ? Procuradoria Fiscal, ou da Fazenda ?, promova a execução forçada até a penhora, alicerçada na certidão de dívida ativa, que goza da presunção de legitimidade e auto-executoriedade.
Contrariamente ao que ocorre no Direito Alemão e Espanhol, que conferem à administração fiscal a prerrogativa de promover a execução forçada do crédito tributário, após o lançamento, propomos que aquele encargo caiba ao Procurador ? Advogado do Estado ou da Fazenda Pública, após a inscrição do crédito fiscal como dívida ativa, verificados os pressupostos de sua legitimidade e legalidade, sem quaisquer riscos, para o contribuinte, e somente até a penhora.
Esta por ser ato puramente administrativo e não judicial será executada por funcionário credenciado da Procuradoria, sob supervisão do Procurador no Juízo competente para propor execução fiscal e interpor os embargos à execução.
Em caso de embargos à execução requisitará o juiz o processo administrativo respectivo no qual se efetivou a ordem de inscrição como dívida ativa e de penhora.
A Lei de Execução Fiscal ? Lei nº 6.830, de 22-09-80 ? já disciplina o processo após os embargos devendo uma lei própria regular a atividade do procurador e o processo desde a inscrição da dívida ativa até a penhora administrativa, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.
Não obstante, a Fazenda poderá optar por cobrar sua dívida através da via de execução consubstanciada na Lei nº 6.830, cit., prescindindo da penhora administrativa.
Como se conclui nem a Lei de Execução Fiscal estará afetada nem se furta da Fazenda Pública a faculdade de efetivar a cobrança pela via elegida.
Observe-se que ao devedor não fica suprimida a via judicial, expressamente consagrada no inc. XXXV do art. 5º da Lei Maior, como corolário do princípio constitucional expresso no art. 2º, harmonia e independência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Com efeito não efetuando o devedor o pagamento após inscrição do crédito como dívida ativa e respectiva penhora administrativa poderá se o desejar embargar a execução fiscal de conformidade com o art. 16 da Lei 6.830, ou ainda valer-se das demais ações judiciais, inclusive de mandado de segurança.
Assim, o Direito Brasileiro estará inovando porque permitirá à Fazenda Pública executar seu próprio ato administrativo, efetuando a penhora administrativa, pôr autoridade jurídica competente o Procurador Advogado do Poder Público após determinação da inscrição do crédito fiscal como dívida ativa, efetivando previamente o controle da legalidade prevista na legislação, que abrigou essa atividade exercitada secularmente pelo Procurador da Fazenda, em caráter privativo.
Isso ocorrerá naturalmente sem desmoronar o princípio do juiz natural.’
De fato, afigura-se revolucionária e de bom senso a proposta de penhora administrativa, pôr órgão jurídico da Fazenda Pública, desgarrada da administração ativa alicerçada em garantias legais e constitucionais. Daí, o presente de lei que regula a matéria nos arts. 1º a 7º.
Essa penhora administrativa não se opõe aos cânones constitucionais, porque, na verdade, não suprime nem impede o ingresso do devedor perante o Poder Judiciário, valendo-se da garantia fundamental que lhe oferece o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, com assento no princípio básico da separação dos Poderes, inserto no art. 2º da Carta Nacional.
A penhora, por não ser ato judicial, mas, administrativo, independe de se realizar perante o juízo, mesmo porque não está defeso ao devedor valer-se das demais ações judiciais ou do mandado de segurança, como o faz, ordinariamente.
O projeto de lei, por fim, pretende revogar o art. 53 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (dispõe sobre a organização da seguridade social e institui o plano de custeio).
Esse dispositivo inovou, sem qualquer propósito, na cobrança tributária da União, estabelecendo que, na execução da dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, o exeqüente, isto é, o credor poderá indicar bens à penhora, que se efetivará concomitantemente à citação do devedor, ficando desde logo indisponíveis, o que caracteriza verdadeiro retrocesso, na opinião da melhor doutrina, e inverte, totalmente, o sistema do Código de Processo Civil e da citada Lei de Execução Fiscal (nº 6.830/80), reforçada, aliás, pela Lei nº 8.397, de 06 de janeiro de 1992 (institui medida cautelar fiscal, cuja decretação acarreta a indisponibilidade dos bens do sujeito passivo do crédito tributário ou não-tributário, até o limite da satisfação da obrigação, cf. art.4º).
Impõe-se, pois, a revogação do mencionado art. 53 da Lei nº 8.212, de 1991, por contrariar a lei nacional de execução fiscal, desfigurando, total e inutilmente, o art. 8º da referida Lei nº 6.830, de 1980 ? que, adotando sensível evolução doutrinária e jurisprudencial, ampliou, para cinco dias, o prazo dado ao devedor para pagar a dívida ou garantir a execução ?, invertendo, desnecessariamente, a prerrogativa de o executado indicar bens à penhora.
Espera-se, portanto, dos ilustres Pares a acolhida e, se possível, o aperfeiçoamento para o presente projeto de lei.
Sala das Sessões, 07 de agosto de 1996. Senador Lúcio Alcântara.”[sic]
16. CONCLUSÃO
O contencioso administrativo, com poder jurisdicional, apartado da administração ativa, tal qual conhecido no Direito Comparado, não encontra apoio nos meios jurídicos nacionais, atentando contra a consciência social.
A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, à Constituição de 1967, ex vi da Emenda nº 7, de 1977, modificou o § 4º do art. 153 da Carta Política, permitindo, pelo art. 203, que os entes federados criassem o contencioso administrativo, sem lhes outorgar o poder jurisdicional e com a faculdade de a parte vencida na instância administrativa requerer diretamente ao Tribunal competente a revisão da decisão nela proferida (art. 204). Este dispositivo nunca saiu do papel.
A tentativa de introduzi-lo, no Brasil, sem proibir que tivesse poder jurisdicional, através da proposta de Emenda Constitucional, do Presidente Figueiredo, em 1982, foi repelida por toda a sociedade.
Destarte, ao invés de optar-se por um órgão contencioso, com poder jurisdicional, fincado no Poder Executivo, melhor será pensar-se na ampliação da capacidade do Poder Judiciário, nos moldes dos Juizados Especiais, que têm dado significativo resultado. Para as execuções de valor até determinado limite, não se há de tergiversar em permitir-se sua apreciação por estes órgãos, a par da introdução da penhora administrativa, nos moldes propostos, para debelar de vez os males que afligem a Justiça, com as conseqüências que todos conhecem.
17. REFORMA TRIBUTÁRIA71
Entretanto, não basta a reforma da legislação processual. Não bastam remendos legislativos. É preciso dar um basta na demagogia desenfreada. É preciso mais. Faz-se necessária uma verdadeira reforma do Sistema Tributário, concomitantemente com as medidas sugeridas anteriormente.
De fato, o Sistema Tributário Brasileiro é bastante recente e surgiu, na verdade, com a Emenda Constitucional nº 18, de 01.12.1965, que, no art. 1º, delimitou, com cirúrgica precisão, essa área, desenhando sua composição: impostos, taxas e contribuições de melhoria, cimentando-se um sistema uno e nacional. Foi o primeiro movimento sério, com o objetivo de sanar a caótica estrutura tributária e os defeitos da Constituição de 1946 e ordenar as diversas competências, produzindo significativas inovações, com conceitos doutrinários novos, agasalhando uma classificação de imposto, calçada em nomenclatura econômica, e conciliando as diversas aspirações e tendências das variadas esferas de poder do Estado brasileiro, em obediência às lições de Rubens Gomes de Sousa. Nesse diploma maior, abeberou-se o legislador do Código Tributário Nacional. Constituiu, na palavra sábia de Bernardo Ribeiro de Moraes, verdadeira e histórica reforma tributária, substantiva, não meramente formal.
O atual Sistema, incrustado nos arts. 145 a 156 da Constituição de 1988, fugiu do excelente projeto elaborado por notáveis juristas, na Subcomissão de Tributos, remanescendo totalmente desfigurado na Comissão de Sistematização, durante a Constituinte, e plasma-se em uma substancial complexidade e iterativa alteração dos textos, que provoca custos altíssimos e ruinosos, quer para o Fisco, quer para o contribuinte, com propensão para a sonegação e a fatal inadimplência, como forma de sobrevivência.
A reforma do Estado e a tributária fazem-se, pois, necessárias, para recompor o sistema e conformá-lo com o pensamento moderno de um Estado enxuto, mas não guloso e voraz. O Texto vigente se, de um lado, revolucionou o Sistema Tributário, ao conceder aos Estados federados uma soma de impostos, que a União acabou por perder, todavia, recebeu esta, generosamente, entre outros, o imposto sobre grandes fortunas, que sequer regulamentou, e, desgraçadamente, vem criando outros tributos, dentre os quais se distingue o CPMF, que, de provisório, está-se tornando definitivo, o verdadeiro salvador das grandes tragédias, mas que, na verdade, é mais um entre tantos tributos e encargos que engrossam a carga tributária do sofrido povo brasileiro, demonstrando, inequivocamente, a falência do Estado e a falta de imaginação e sensibilidade dos estadistas ou, paradoxalmente, sua extremada afinidade com o comodismo condenável de resolverem-se os grandes problemas nacionais com a indiscriminada criação desses saborosos instrumentos de sacrifício da sociedade. Ou, como alerta, com muita sagacidade, o jurista Ives Gandra Martins, “muito tributo para nada”.
As reformas devem acontecer, sem dúvida, preservando-se os direitos e as garantias fundamentais, conquistados a duras penas, em séculos de civilização, tendo os governantes a obrigação de zelar por eles e não destruí-los. Nada justifica seu esmigalhamento em nome da boa causa ou por razões de Estado, tão comum nos Estados totalitários, de nefasta memória. A verdadeira justiça tributária consiste em cobrar tributos de todos, não apenas de alguns, sempre com moderação e respeito às citadas diretrizes.
O ex-Ministro da Fazenda Ernane Galvêas adverte, com razão, que a carga tributária no Brasil é perversamente elevada, chegando a 50%, porque só a metade paga imposto, já que nem o Governo nem o setor informal pagam. E, acrescentamos, grassa a sonegação, devido à desordenada e elevada carga tributária e onerosa máquina administrativa.
No Brasil, contrariando a melhor doutrina, a Constituição atual, em apenas nove anos de infrutífera vida, já foi emendada 22 vezes, com outras tantas emendas em gestação, quatro das quais versando sobre matéria tributária ou financeira, com a instituição de tributos ou encargos, enquanto que a Constituição dos Estados Unidos, em 210 anos de vigência, mereceu apenas 26 emendas, o que demonstra a maturidade e a dignidade desse povo e a firmeza da Lei Máxima. Aqui, o eterno descompasso entre a realidade ideal e o oportunismo momentâneo. Por outro lado, as medidas provisórias, instrumento excepcional necessário, se, rigorosamente, urgente e relevante for a matéria, inclusive a tributária, transformaram-se na espada de Dámocles, com sua diuturna presença, gerando total insegurança aos súditos e às autoridades incumbidas de aplicar a lei.
O sistema atual alicerça-se em quatro princípios gerais, que definem as espécies tributárias, determinam a unicidade do sistema e delimitam a capacidade contributiva.
Um sistema que se preze deve fundar-se na simplicidade. Este é um princípio de fundamental significação, com a redução do ônus administrativo do governo e do custo administrativo do contribuinte.
Diminuir e não elevar a carga tributária.
Esse propósito, porém, não parece ser do agrado dos reformadores de qualquer época!
Não se há de olvidar, ainda, que qualquer reforma fiscal deverá obrigatoriamente ter em vista o Mercosul,72 realidade a que se não pode furtar o legislador do nascente século XXI, dada a interpenetração dos blocos regionais, com o que este deve estar atento às exigências desta nova construção político-institucional. Esse fenômeno não é virgem no Mercado Comum Europeu e em outros blocos econômicos, que se vêm adaptando facilmente ao novo contexto.
O Substitutivo do Deputado Mussa Demes à Proposta de Emenda Constitucional nº 175/95 altera o capítulo do Sistema Tributário Nacional, importando em excessiva concentração das competências impositivas em favor da União, agredindo mais ainda o já cambaleado pacto federativo.
Seguramente, não interpreta os anseios de um sistema mais sóbrio e enxuto, com menor número de tributos e diminuição da carga fiscal, redução da despesa e aperfeiçoamento da estrutura do Estado, objetivando uma efetiva justiça tributária. Incide no mesmo erro do insuportável sistema vigente e já superado, sendo incapaz de arrebentar as amarras desse pesadelo, que merece profunda reforma, com fonte na Emenda nº 18/65, adaptada ao universo de hoje, num quadro de modernidade e visão do futuro.
18. PROPOSTA COMPLEMENTAR – MPAS – INOVAÇÃO SALUTAR
Ainda há de se levar em consideração os significativos estudos preliminares do douto Grupo de Estudo, coordenado pelo Secretário Executivo do MPAS, Dr. José Cechin, complementando a proposta da penhora administrativa. Apresenta uma minuta de projeto de lei, propondo a instituição da penhora e execução fiscal administrativa.
Esse documento, ao contrário de minha sugestão inicial, somente admite a forma comum de execução, pela lei vigente, se as entidades designadas no art. 1o ? União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias e fundações ? não tiverem estrutura adequada para a implementação nos moldes propostos. O Projeto do Senador Lúcio Alcântara, que adotou o estudo que propus, permite a opção por um dos dois sistemas, em qualquer hipótese.
O citado esboço de projeto do INSS inova, sem dúvida, com muita propriedade, e representa um avanço, ao agasalhar idéia original do magistrado federal e professor de Direito, Dr. Souza Prudente, que autoriza não somente a penhora, como o fiz, mas também se realizem o leilão, a arrematação e a adjudicação, no âmbito administrativo, porque estes são atos tipicamente administrativos e não judiciais.
A seu turno, o ilustre e operoso Secretário Executivo do Ministério da Previdência e Assistência Social, Dr. José Cechin, honrou-me, perante o Presidente do Cebrad, Dr. Leo da Silva Alves, e ao Professor e magistrado federal, Dr. Souza Prudente, com o dignificante convite para participarmos de reuniões com Sua Excelência, para estudo e discussão da lei vigente e do projeto de lei, que dispõe sobre a penhora administrativa, visando ao seu aperfeiçoamento, o que mostra sua extrema preocupação e zelo pela coisa pública e pelo súdito, que merece do Poder Público o resguardo constitucional.
Também estiveram presentes, atendendo a essa amável convocação, o ilustre Procurador da Fazenda Nacional, Dr. Carlos Augusto Torres Nobre, os Drs. José Bonifácio Andrada (Consultor Jurídico do MPAS), Wagner Sampaio Palhares (Coordenador-Geral da Dívida Ativa), Luiz Alberto Lazinho, Manuel Lacerda Lima (Diretor de Arrecadação e Fiscalização), Antônio Maurício da Cruz, Luiz Tavares, Geraldo Arruda, juiz federal Hamilton de Sá Dantas, Rejaine da La Roque, Jorceli Pereira de Souza, Luiz Beskow, João Donadon, Procuradores e autoridades, ornando com sua inteligência esse feliz encontro.
O eminente mestre, Dr. Prudente, não se insubordina contra a execução administrativa, desde que seja plena, pois não concorda que as entidades arroladas no art. 1o não tenham meios de implementar essa novidade, conquanto façam algumas restrições ao esboço, que careceria de aperfeiçoamento. Também o juiz federal Dr. Hamilton de Sá Dantas demonstrou simpatia por essa verdadeira revolução processual.
Mantém o texto esboçado, corretamente, a faculdade de o executado embargar a execução, em juízo, no prazo de 30 dias, e estende os embargos à arrematação e à adjudicação, conciliando-se plenamente com a Constituição.
Com relação a esse documento, permito-me registrar que o nome não se coaduna com a realidade, de modo que a denominação mais adequada, parece-me, é execução fiscal, porque no âmbito administrativo só se praticam os atos administrativos e não se afasta o súdito do ingresso no Judiciário, no momento adequado.
Bibliografia básica
______. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980.
FLAKS, Milton. Comentários à Lei da Execução Fiscal, Rio de Janeiro: Forense, 1981.
FONSECA, Herculano Borges da. As instituições financeiras do Brasil, Rio de Janeiro: Crown Editores Internacionais, 1970 (?).
LOPES FILHO, Osiris de Azevedo. Regimes aduaneiros especiais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
28. Cf. Lei nº 7.735, de 22.02.1989, que adotou a MP nº 34, de 23.01.1989.
30. Cf. Theotonio Negrão, op. cit., p. 881. Em sentido contrário, acórdão do STF, relator Ministro Célio Borja, DJU de 28.04.1989, p. 6.299. Consulte-se nosso “A empresa pública…”, in RTJE, 72/19 e RT, 642/72.
Informações Sobre o Autor
Leon Frejda Szklarowsky
escritor, poeta, jornalista, advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, especialista em Direito do Estado e metodologia do ensino superior, conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, juiz arbitral da American Arbitration Association, Nova York, USA, juiz arbitral e presidente do Conselho de Ética e Gestão do Centro de Excelência de Mediação e Arbitragem do Brasil, vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex, acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (diretor-tesoureiro), da Academia de Letras e Música do Brasil, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, da Academia de Letras do Distrito Federal, da Associação Nacional dos Escritores, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal, Entre suas obras, destacam-se: LITERÁRIAS: Hebreus – História de um povo, Orquestra das cigarras, ensaios, contos, poesias e crônicas. Crônicas e poesias premiadas. JURÍDICAS: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade. Ensaios sobre Crimes de Racismo, Contratos Administrativos, arbitragem, religião. Condecorações e medalhas de várias instituições oficiais e privadas.