As políticas tributárias adotadas no Brasil à luz da função social do tributo

Resumo: O presente artigo científico tem como tema a função social do tributo com enfoque nas políticas tributárias adotadas pelo Brasil. O objetivo do estudo é analisar quais foram as políticas tributárias adotadas pelo Brasil nas últimas décadas, analisando-as à luz da função social do tributo. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica que teve importantes contribuições de autores como MOTA (2010), Pasold (2003) e Balthazar (2004) entre outros. Procurou-se também enfatizar que os erros da política tributária adotada pelo Brasil desvirtuam a função social que o tributo possui. Concluiu-se que os erros das políticas tributárias adotadas pelo Brasil não observaram a função social do tributa e causaram a aplicação das receitas fiscais em setores que não resultaram os efeitos desejados, bem como causaram a concentração de renda. 

Palavras-chave: Tributo. Função social. Políticas tributárias.

Abstract: The present scientific article has as its theme the social function of the tax with a focus on the tax policies adopted by Brazil. The objective of the study is to analyze the tax policies adopted by Brazil in the last decades, analyzing them in light of the social function of the tax. For this, a bibliographic research was carried out that had important contributions of authors like MOTA (2010), PASOLD (2003) and BALTHAZAR (2004) among others. It was also tried to emphasize that the errors of the tax policy adopted by Brazil detract from the social function that the tribute has. It was concluded that the errors of the tax policies adopted by Brazil did not observe the social function of the tax and caused the application of tax revenues in sectors that did not produce the desired effects, as well as caused the concentration of income.

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Keywords: Tribute. Social role. Tax policies.

Sumário: Introdução. 1 A Função Social do Tributo no Estado Hodierno. 2 As políticas tributárias adotadas no Brasil à Luz da função social do tributo. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente estudo tem como tema análise se as políticas tributárias adotadas no Brasil estão de acordo com a função social do tributo, assunto que será delimitado para uma abordagem acerca de como as distorções provocadas pela tributação exagerada sobre o consumo e as camadas menos favorecidas.  

A presença constante da concentração de riquezas e desigualdade social sinalizam a necessidade de um novo olhar do legislador sobre a questão da função social do tributo, bem como a imprescindibilidade da busca pela justiça fiscal, a fim de que as mazelas do povo brasileiro sejam minimizadas.

No presente estudo, teve-se em mente a busca pela elucidação de um tema pouco tratado pela doutrina em geral. Outrossim, objetivou-se encontrar respostas aos variados questionamentos em torno da problemática dos erros nas políticas tributárias adotadas no Brasil, bem como entender por quais motivos estas diretrizes ainda são adotadas e estas estão de acordo com a realidade político-jurídica da sociedade brasileira.

Por fim, a análise das políticas tributárias adotadas no Brasil se dará em face da função social do tributo, inferindo se aquelas estão de acordo com o que preconiza um olhar do legislador com um viés mais justo e igualitário.

1 A Função Social do Tributo no Estado Hodierno

Segundo ensinamentos de Pasold (2003), o alcance do bem comum não se dá pela soma dos interesses individuais ou dos desejos isolados, mas pela correta aplicação do bem estar coletivo, sendo que a principal função do Estado contemporâneo deve ter o viés social.

Na busca pelo alcance deste objetivo, o legislador infraconstitucional balizou a utilização dos tributos para variadas finalidades. Com efeito, Mota (2010) ressalta tais características, quais sejam, fiscais, extrafiscais e para fiscais.

Para Carvalho (2008), a fiscalidade dos tributos tem como elemento principal abastecer os cofres públicos, já na extrafiscalidade os objetivos são voltados à observância de certas questões sociais, políticas ou econômicas, e, por fim, na parafiscalidade, visa-se disponibilizar os recursos auferidos para que a pessoa jurídica de direito público ou a entidade estatal possam aplicá-los nos desempenho de suas atividades.

A finalidade buscada pelo legislador delega ao tributo a função de cumprimento de um dever que cabe diretamente ao Estado cumprir, qual seja, a função social. Por isso, dispõe Mota (2010) que, atualmente, o tributo é usado como instrumento de alcance da função social do Estado, e, concomitantemente, também cumpre sua função no meio social. Sobre o tema, preleciona Balthazar (2004), a saber:

“O Estado deve ultrapassar sua finalidade de simples arrecadador fiscal e atuar, através de intervenções, tanto nos problemas econômicos, quanto sociais, garantindo a liberdade social e propiciando melhores condições de sobrevivência às massas. Estas funções cabem à extrafiscalidade”.

A distribuição do patrimônio e rendas pode ser alcançada, em parte, pela exação de tributos pelo Estado. Para Balthazar (2004), a justiça social é a justa repartição do total da carga tributária entre os cidadãos, cuja qual tornou-se imperativo ético para o Estado Democrático de Direito. Com efeito, a política fiscal figura como política de justiça e não mera política de interesses.

Há na doutrina pátria, entretanto, quem acredite ser a alegação da função social do tributo como forma de fundamentação para imposição fiscal “falacioso e absolutamente falacioso”. Em que pese a posição desta corrente, vislumbram outros pensadores do direito ser a busca pela justiça o alicerce sobre o qual o sistema deve ser sustentado.

Para Mota (2010), a prevalência e manutenção do Estado Social atualmente demanda a utilização dos tributos como instrumentos para alcance dessa função estatal. Em remate, ressalta Mota (2010), in verbis:

“Como defendido por alguns juristas, o tributo pode e deve ser um meio a mais na “busca de realização da justiça social. Essa justiça social, além de ser um compromisso do Preâmbulo da Constituição, ‘constitui fundamento (artigo 1º), objetivo fundamental (artigo 3º) e princípio (artigo 7º) balizador das atividades estatais privadas’.”

A CRFB/88 trouxe em seu texto alguns valores a serem observados tanto pelo legislador infraconstitucional quanto toda sociedade. Segundo Mota (2010), o espírito desses desígnios visaram reduzir as desigualdades e a alta concentração de riquezas vivenciada pela sociedade brasileira desde sua criação. Ademais, tais preceitos não podem ser afastados sob qualquer alegação que tenham como objetivo reduzir sua eficácia.

Salienta Balthazar (2004) que a Constituição aduz proposições para a instauração de um desenho social, no qual o que não existir deve ser buscado, e, por isso, não se pode ler seu texto pela metade, mas de forma conjunta. Outrossim, a CRFB/88 preconiza um Estado com função social, que prima pelos aspectos sociais em relação aos econômicos.

Pode-se perceber, então, a nítida relação entre a função social do tributo e sua finalidade extrafiscal. Entretanto, assevera Mota (2010), ambas se diferem, já que a finalidade extrafiscal é um dos principais instrumentos à consecução da função social, embora essa função possa ser cumprida por quaisquer outra finalidade lastreadora da instituição do tributo, quais sejam, fiscal, extrafiscal ou para fiscal.

A finalidade adotada pelo legislador infraconstitucional para a instituição do tributo acaba por não retirar o seu necessário papel coletivo. Tal conclusão é alcançada através do raciocínio de que o Estado deve utilizar de todos os meios para alcançar o bem comum a toda sociedade brasileira, portanto, sendo o tributo um dos instrumentos de que dispõe o governo, a relação necessária entre ambos (função social do Estado e tributo) fica evidente.

É o caso, portanto, de se analisarem as finalidades intrínsecas à instituição de determinado tributo com sua função social de maneira conjunta, ou seja, interdependentes e intrínsecas. Dessa forma, fica evidente a relação harmônica entre as finalidades econômico-jurídicas do tributo e a sua função social.

A Assembleia Nacional Constituinte elencou como sendo inafastável a observância dos desígnios necessários para atender às necessidades de seu povo. Na busca pela consecução do bem estar de sua população como um todo, o Estado brasileiro dispõe do tributo como um de seus vários instrumentos para alcançá-lo.

Portanto, figura como patente desrespeito aos valores elencados no texto constitucional a desconsideração da função social do tributo.

2 As políticas tributárias adotadas no Brasil

Para Mota (2010), a igualdade social não será alcançada por nenhum governo, ainda que seja pautada pela busca da justiça social, independentemente do Estado analisado, caso exista uma quantidade exacerbada de concentração de riquezas em grupos minoritários. Ademais, conforme salientado anteriormente, a confluência de grandes quantidades de riquezas, principalmente no Brasil, é decorrência de um longo processo histórico que teve como consequência principal a existência de enormes desigualdades sociais.

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A Assembleia Nacional Constituinte analisando, entre outros temas, as mazelas da população, bem como a histórica elevada taxa de concentração de rendas do país primou, segundo Pasold (2003), pela busca pela solução destes problemas através da implementação de um sistema tributário que possibilitasse o alcance da perseguida justiça social.

Apesar disso, consoante Mota (2010), na busca pelo cumprimento da já mencionada função social, o Estado brasileiro aumentou impensadamente a carga tributária em afronta ao princípio da justiça social. Ademais, segundo os referidos "Estudos para a Reforma Tributária" realizado pelo SEPLAN-PR/INPES (apud Mota, 2010), o sistema de tributação adotado pelo Brasil possui determinadas feições, a saber:

“[…] os impostos patrimoniais brasileiros deixaram de ter participação significativa no total das receitas tributárias e na composição da carga impositiva nacional há décadas, e por isso afirmavam que uma vez adotado o conjunto de medidas propostas, dentre as quais estava a criação do imposto sobre o patrimônio líquido das pessoas físicas, certamente haveria uma reversão do 'quadro atual de incidência da tributação progressiva no Brasil. Está, atualmente na imposição sobre os rendimentos do trabalho assalariado e autônomo'.”

Na verdade, à época, de acordo com Torres (2000), optou o Estado Brasileiro pela adoção da "teoria do bolo", cuja a qual é firmemente rejeitada pelos economistas atuais em sua unanimidade, e que levou […] “à exacerbação do direito de propriedade e concentração de rendas” […].

Segundo Pires (1996 apud Mota, 2010), a “teoria do bolo” consiste na utilização de um sistema de incentivos fiscais em setores específicos, com o intuito de fomentar o desenvolvimento econômico do país, possibilitar o aumento do produto interno bruto e a incorporação de riqueza aos rendimentos, para se alcançar uma distribuição mais igualitária da carga tributária. Sobre o assunto, assevera o referido autor […] “os capitalistas e proprietários dos meios de produção acabaram sendo os mais beneficiados e, por outro lado, nem sempre, porém, as grandes fortunas se dirigem para atividades que geram o desenvolvimento” […].

De outro modo, a atual política tributária do Brasil é analisada por Ferreira (2007) […] “temos penalizado, de maneira intolerável, os bons contribuintes, enquanto aumentamos os 'prêmios' aos sonegadores através dos aumentos desordenados da carga tributária” […].

Tem-se no Brasil que as partes mais desenvolvidas economicamente são “penalizadas” por uma carga maior de tributos, cuja receita é futuramente alocado em benefício de pessoas mais ricas das regiões mais pobres. Ademais, tal situação já havia sido alvo de análise por Pires (1996 apud Mota, 2010), in verbis:

“[…] a grande maioria de assalariados vem pagando imposto de renda para que uma minoria, com rendimentos mais elevados, prossiga beneficiando-se dos incentivos postos a sua disposição, de modo que na hora da distribuição da fatia do 'bolo', não se sabe quando, expor-se-á a 'contradição' existente entre a busca do crescimento da economia e a 'tributação justa'.”

A concessão de benefícios fiscais à iniciativa privada de maneira gratuita, ou seja, sem contraprestação, foi alvo de crítica de Ferreira (2007), pois, segundo o autor, este fenômeno pode ser chamado de “privatização dos tributos”, já que […] “toda a coletividade contribui financeiramente com recursos individuais que serão destinados à atividade econômica privada, como se esta por si só não fosse capaz de gerar riquezas” […].

Consoante Mota (2010), a opção político-tributária adotada no Brasil, além de apresentar as distorções já mencionadas, acaba por tornar contraditório a busca do cumprimento da função social do Estado, bem como a realização da justiça social, pois há um atravancamento da realização do bem comum. Em remate, assevera o referido autor, a saber:

“[…] por decorrência de interesses políticos que predominam há décadas no Brasil, privilegiou-se uma classe de indivíduos e setores específicos de atividades econômicas em detrimento de outros, em face da existência de distorções da opção político-tributária dessa opção no contexto internacional”.

Como já salientado, o Brasil, assim como a maioria dos países capitalistas neoliberais contemporâneos, está inserido na atual conjuntura de omissão na tributação dos investimentos meramente especulativos. Ademais, ressalta Mota (2010) que os fundos de capital especulativo estão ligados às grandes corporações e empresas transnacionais, cujos capitais são revertidos em favor dos seus países-sede, os quais são hegemônicos na ordem político-econômica internacional.

O atual sistema financeiro, através do uso principalmente da tecnologia da informação, está totalmente globalizado tem feito com que cada vez mais as economias mundiais estejam interligadas e interdependentes. Entretanto, a globalização financeira apresenta alguns riscos, como salienta Balthazar (2003), in verbis:

“[…] a globalização financeira agrava a insegurança econômica e as desigualdades sociais. Ela limita e rebaixa as escolhas dos povos, das instituições democráticas e dos Estados soberanos em favor do interesse geral. Ela os substitui por lógicas estritamente especulativas, que exprimem apenas os interesses das empresas transnacionais e dos mercados financeiros”.

Isto posto, conclui-se que, atualmente, fica patente o descompasso entre o uso da função social do tributo e as distorções existentes na opção político-tributária do Estado brasileiro. Em parte, as aspirações da sociedade, positivadas no texto da CRFB/88, no que tange ao alcance da igualdade e da justiça social só poderão ser alcançadas pelo correto uso da tributação com viés eminentemente social.

Conclusão

A concentração de grandes quantidades de riquezas, principalmente no Brasil, é decorrência de um longo processo histórico que teve como consequência principal a existência de enormes desigualdades sociais.  Nesse sentido, as políticas tributárias adotadas no Brasil não foram desenvolvidas no sentido de atuar estas desigualdades, mas acabaram por surtir efeito diverso.

Como se viu, há vários erros nas políticas tributárias adotadas no Brasil e estes acabam por acentuar as desigualdades sociais sob a ótica da função social do tributo preconizado na CRFB/88. A tributação da classe assalariada e a chamada “privatização dos tributos” são apenas um dos exemplos das distorções nas diretrizes fiscais do país.

Nos termos da CRFB/88, o tributo possui função social e esta deve ser observada a todo momento pelo legislador, notadamente na elaboração de políticas tributárias. As políticas fiscais de um país têm o condão de realizar a redistribuição de renda e tornar mais igual a distribuição da carga tributária entre os contribuintes.

Portanto, conclui-se que as políticas tributárias adotadas pelo Brasil ainda não observaram a função social do tributo, prevista na CRFB/88. Tal fato, porém, não constitui óbice a um novo olhar do legislador para os erros destas diretrizes fiscais, sendo imprescindível a justa taxação através da função social do tributo.

 

Referências
BALTHAZAR, Ubaldo Cesar (Org.). Estudos de direito tributário. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 de janeiro de 2014.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2. ed.  São Paulo: Noeses, 2008.
FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. Política tributária e justiça social: relações entre tributação e os fenômenos associados à pobreza. Campina Grande: EDUEP, 2007. p. 35.
INPES. Estudos para a reforma tributária. Tomo 1: proposta de reforma do sistema tributário brasileiro. Textos para Discussão Interna, Rio de Janeiro, 1987. In: MOTA, Sérgio Ricardo Ferreira. Imposto sobre as grandes fortunas no Brasil: origens, especulações e arquétipo constitucional. São Paulo: MP Ed, 2010.
MOTA, Sérgio Ricardo Ferreira. Imposto sobre as grandes fortunas no Brasil: origens, especulações e arquétipo constitucional. São Paulo: MP Ed, 2010.
PASOLD, Cesar Luiz. Função social do Estado contemporâneo. 3.ed. Florianópolis: OAB, Diploma Legal, 2003.
PIRES, Adílson Rodrigues. Contradições no direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. In:, Sérgio Ricardo Ferreira. Imposto sobre as grandes fortunas no Brasil: origens, especulações e arquétipo constitucional. São Paulo: MP Ed, 2010.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

Informações Sobre o Autor

Matheus Martins Souto

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – MG e pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes


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