Execução fiscal. Embargos não suspendem a execução

Os tribunais vinham aplicando ao processo de execução fiscal regido pela Lei nº 6.830/80 a regra do art. 739-A do Código de Processo Civil, ora em nome da teoria do diálogo das fontes, uma suposta novidade importada da Alemanha, ora sustentando a lacuna na lei específica que não teria conferido o efeito suspensivo aos embargos do executado.

Recentemente, sob o fundamento da omissão na lei especial o Superior Tribunal de Justiça pela sua 1ª Seção decidiu em caráter de recurso repetitivo que a apresentação de embargos não suspende automaticamente a execução. A Corte entendeu que o executado deve provar ao juiz o perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação caso haja expropriação dos bens dados em garantia, tudo como determina a lei processual geral.

Transcrevamos a ementa do V. Acórdão proferido no julgamento do Resp 1272827 / PE; Min. Rel. Mauro Campbell Marques; DJe 31/05/2013:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. APLICABILIDADE DO ART. 739-A, §1º, DO CPC ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. NECESSIDADE DE GARANTIA DA EXECUÇÃO E ANÁLISE DO JUIZ A RESPEITO DA RELEVÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO (FUMUS BONI JURIS) E DA OCORRÊNCIA DE GRAVE DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO (PERICULUM IN MORA) PARA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS EM EXECUÇÃO FISCAL.

1. A previsão no ordenamento jurídico pátrio da regra geral de atribuição de efeito suspensivo aos embargos do devedor somente ocorreu com o advento da Lei n. 8.953, de 13, de dezembro de 1994, que promoveu a reforma do Processo de Execução do Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – CPC/73), nele incluindo o §1º do art. 739, e o inciso I do art. 791.

2. Antes dessa reforma, e inclusive na vigência do Decreto-lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938, que disciplinava a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública em todo o território nacional, e do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei n. 1.608/39), nenhuma lei previa expressamente a atribuição, em regra, de efeitos suspensivos aos embargos do devedor, somente admitindo-os excepcionalmente. Em razão disso, o efeito suspensivo derivava de construção doutrinária que, posteriormente, quando suficientemente amadurecida, culminou no projeto que foi convertido na citada Lei n. 8.953/94, conforme o evidencia sua Exposição de Motivos – Mensagem n. 237, de 7 de maio de 1993, DOU de 12.04.1994, Seção II, p. 1696.

3. Sendo assim, resta evidente o equívoco da premissa de que a LEF e a Lei n. 8.212/91 adotaram a postura suspensiva dos embargos do devedor antes mesmo de essa postura ter sido adotada expressamente pelo próprio CPC/73, com o advento da Lei n. 8.953/94, fazendo tábula rasa da história legislativa.

4. Desta feita, à luz de uma interpretação histórica e dos princípios que nortearam as várias reformas nos feitos executivos da Fazenda Pública e no próprio Código de Processo Civil de 1973, mormente a eficácia material do feito executivo a primazia do crédito público sobre o privado e a especialidade das execuções fiscais, é ilógico concluir que a Lei n. 6.830 de 22 de setembro de 1980 – Lei de Execuções Fiscais – LEF e o art. 53, §4º da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, foram em algum momento ou são

incompatíveis com a ausência de efeito suspensivo aos embargos do devedor. Isto porque quanto ao regime dos embargos do devedor invocavam – com derrogações específicas sempre no sentido de dar maiores garantias ao crédito público – a aplicação subsidiária do disposto no CPC/73 que tinha redação dúbia a respeito, admitindo diversas interpretações doutrinárias.

5. Desse modo, tanto a Lei n. 6.830/80 – LEF quanto o art. 53, §4º da Lei n. 8.212/91 não fizeram a opção por um ou outro regime, isto é, são compatíveis com a atribuição de efeito suspensivo ou não aos embargos do devedor. Por essa razão, não se incompatibilizam com o art. 739-A do CPC/73 (introduzido pela Lei 11.382/2006) que condiciona a atribuição de efeitos suspensivos aos embargos do devedor ao cumprimento de três requisitos: apresentação de garantia; verificação pelo juiz da relevância da fundamentação (fumus boni juris) e perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).

6. Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 – artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal.

7. Muito embora por fundamentos variados – ora fazendo uso da interpretação sistemática da LEF e do CPC/73, ora trilhando o inovador caminho da teoria do "Diálogo das Fontes", ora utilizando-se de interpretação histórica dos dispositivos (o que se faz agora) – essa conclusão tem sido a alcançada pela jurisprudência predominante, conforme ressoam os seguintes precedentes de ambas as Turmas deste Superior Tribunal de Justiça. Pela Primeira Turma: AgRg no Ag 1381229 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 15.12.2011; AgRg no REsp 1.225.406 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 15.02.2011; AgRg no REsp 1.150.534 / MG, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 16.11.2010; AgRg no Ag 1.337.891 / SC, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16.11.2010; AgRg no REsp 1.103.465 / RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 07.05.2009. Pela Segunda Turma: AgRg nos EDcl no Ag n. 1.389.866/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 21.9.2011; REsp, n. 1.195.977/RS, Segunda Turma, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/08/2010; AgRg no Ag n. 1.180.395/AL, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 26.2.2010; REsp, n, 1.127.353/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 20.11.2009; REsp, 1.024.128/PR, Segunda Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2008.

8. Superada a linha jurisprudencial em sentido contrário inaugurada pelo REsp. n. 1.178.883 – MG, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 20.10.2011 e seguida pelo AgRg no REsp 1.283.416 / AL, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 02.02.2012; e pelo REsp 1.291.923 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 01.12.2011.

9. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.”

Com a devida vênia, não há, na realidade, a apontada omissão na Lei nº 6.830/80. A interpretação sistemática de seus artigos 8º, 16, § 1º, 19, 24, I e 32, § 2º conduz, com toda certeza, ao efeito suspensivo dos embargos apresentados pelo executado.

Dir-se-á que a interpretação sistemática é um critério trabalhoso, incompatível com a velocidade que se deve imprimir aos julgamentos por conta do espantoso volume de demandas judiciais que crescem dia a dia, principalmente no caso como este em que vários dispositivos legais, distantes uns dos outros, devem ser examinados simultaneamente. Contudo, a interpretação sistemática continua sendo um dos critérios mais prestigiados pela doutrina, sendo que a interpretação literal só é reservada para os casos específicos como o do art. 111 do CTN.

Dessa forma, para superar eventual conflito de normas pela aplicação pura e simples do vetusto princípio da especialidade, a Comissão de Direito Tributário da Federação do Comércio do Estado de São Paulo que se encontra sob nossa coordenação apresentou, por intermédio da Drª Marilene Talarico Martins Rodrigues, um projeto de lei substitutivo ao projeto de lei nº 4096/2012 do Deputado Edinho de Araujo para acrescentar o § 4º, ao art. 16 da Lei nº 6.830/80 com a seguinte redação:

“§ 4º – Os embargos terão efeitos suspensivos.”

O projeto legislativo original versa exatamente em sentido contrário, isto é, retira o efeito suspensivo que está implícito na lei em vigor.

Com essa previsão expressa afasta-se definitivamente a alegada omissão na Lei de Execução Fiscal que, repita-se, não há. A aplicação da estranha teoria do diálogo das fontes no âmbito da execução fiscal, por sua vez, será banida pelo emprego do critério temporal de solução de conflito de normas.

Assim agindo o legislador estará contribuindo para conferir efetividade aos inúmeros princípios constitucionais genéricos e específicos que limitam o poder estatal de instituir e de cobrar tributos. Estou convencido de que o princípio do contraditório e ampla defesa abriga o princípio do duplo grau de jurisdição como conditio sine qua non para a expropriação dos bens do executado. Não se confunde a execução fiscal em que o crédito tributário sob cobrança tem origem na imposição legal, com a execução civil em que o crédito sob cobrança deriva da livre convenção das partes.

O legislador diligente deve acompanhar a aplicação do texto legal pelos tribunais e preencher as eventuais lacunas, ou aprimorar a redação de textos legais dúbios que a hermenêutica dos dias atuais não mais consegue dirimir a contento, a fim de prevenir demandas judiciais desnecessárias que vêm emperrando a atuação do Poder Judiciário.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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