Incidência da imunidade tributária das Entidades Sindicais dos Trabalhadores sobre imóveis não utilizados

Sumário. 1. Introdução 2. A imunidade tributária das entidades sindicais dos trabalhadores 3. Imóveis vagos e imunidade tributária  4. Conclusão.


1 introdução


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O presente artigo pretende analisar se a imunidade constitucional de impostos, garantida às instituições previstas no artigo 150, VI, “b” e “c”, inibe a incidência de tributos sobre imóveis que estejam vagos, ou seja, sobre os quais não tenha sido realizada qualquer benfeitoria.


2. A imunidade tributária das Entidades Sindicais dos Trabalhadores


Ciente da importância de determinados valores para o desenvolvimento e a manutenção de uma sociedade “livre, justa e solidária” (consoante objetivo enunciado no art. 3º, I do texto constitucional), tratou o Legislador Constituinte de proibir a cobrança de tributos sobre determinadas situações, conforme previsto no artigo 150, VI, “a”, “b” e “c” da Constituição Federal:


Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)


VI – instituir impostos sobre: (…)


a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;


b) templos de qualquer culto;


c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (…)


§ 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”


Assim, são imunes de tributação por impostos a) o Poder Público, b) os Templos de qualquer culto, c) os Partidos Políticos e respectivas fundações, d) as instituições de assistência social, e) as instituições de educação sem fins lucrativos e f) as entidades sindicais dos trabalhadores.


Todas as situações abarcadas pelas normas de imunidade têm como objetivo a salvaguarda de um valor tido por fundamental ao Estado Democrático de Direito, que consiste justamente naquele modelo de Estado orientado à preservação e à concretização dos direitos fundamentais. Assim, são preservados, respectivamente, a) o pacto federativo, b) a liberdade religiosa, c) o pluralismo político-partidário, d) a solidariedade e e) a cultura.


Já no que tange às entidades sindicais dos trabalhadores sua “…imunidade sindical encontra fundamento de validade na liberdade de organização, associação, pensamento e expressão previstas no artigo 5º da Constituição Federal, sendo fundamental para o Estado de Direito”.[1]


De se lembrar ainda que, conforme ensinamento doutrinário, “os sindicatos, pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, desempenham atividades complementares à atividade estatal, diretamente na promoção e no desenvolvimento do direito social ao trabalho previsto no artigo 6º da Constituição Federal”, de forma que “são estes os valores constitucionais que o constituinte pretende resguardar ao estatuir a imunidade tributária a impostos em favor em favor das entidades sindicais dos trabalhadores através do artigo 150, VI, ‘c’” [2].


Justamente pelo fato de que as imunidades constitucionais foram criadas como instrumento de manutenção e implementação de direitos fundamentais é que a interpretação a ser conferida a tais hipóteses constitucionais de não-incidência deve ter sempre em mente o objetivo buscado pelo Constituinte.


Neste sentido é o ensinamento de Clélio Chiesa[3]: “…é importante que, na análise das imunidades, seja utilizado, primordialmente, o método teleológico de interpretação, com vistas a obter condições para optar, dentre as interpretações possíveis, pela que melhor atenda ao desiderato pretendido pelo legislador na proteção ou promoção de determinado valor.”


Resta agora verificar se a imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores atinge imóveis sobre os quais não tenha sido construída qualquer benfeitoria, como se verá no tópico seguinte.


3 Imóveis vagos e imunidade tributária


Conforme previsto no artigo 14 do Código Tributário Nacional[4], são requisitos para a fruição da imunidade a não distribuição de parcelas do patrimônio ou da renda da entidade, a aplicação de seus recursos integralmente em território nacional e na manutenção de seus objetivos institucionais, assim como a manutenção de escrituração contábil.


De se destacar que, uma vez cumpridos os requisitos do artigo 14 do CTN, o fato de o imóvel não estar sendo utilizado não o desvia das finalidades essenciais da entidade imune, o que somente ocorreria se o imóvel fosse efetivamente usado em funções distintas daquelas preconizadas pela instituição.


Lembre-se que a jurisprudência do STF está “…decisivamente inclinada à interpretação teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a maximizar o potencial de efetividade, como garantia ou estímulo à concretização dos valores constitucionais que inspiram limitações ao poder de tributar”.[5]


Inaplicável, pois, qualquer argumentação no sentido de uma interpretação meramente literal das normas de imunidade, seja porque a interpretação literal de qualquer enunciado deve ser considerada como mero “ponto de partida” do hermeneuta[6], seja porque as normas constitucionais demandam uma interpretação mais complexa.


Com efeito, em casos nos quais se discutia a incidência de IPTU sobre os imóveis vagos de entidades imunes, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a incidência da imunidade, afastando o dever de pagamento do tributo, como se infere da ementa a seguir:


“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. RECURSO QUE NÃO DEMONSTRA O DESACERTO DA DECISÃO AGRAVADA. 3. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. Imunidade tributária. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, ‘c’ e § 4o, da Constituição. Entidade de assistência social. IPTU. Lote vago. Precedente. 4. Agravo regimental a que se nega provimento[7].”


Destaca-se, no mesmo sentido, o Acórdão proferido no julgamento do RE 251.772/SP, em que se discutia justamente a incidência ou não de IPTU sobre imóveis de propriedade de entidade imune, mas que ainda não estavam sendo efetivamente utilizados em razão da inexistência de recursos hábeis a tanto:


“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE. ENTIDADE ASSISTENCIAL. IPTU. O caráter benemérito da recorrida jamais foi questionado pelo recorrente, devendo-se presumir que todo seu patrimônio, bem como o produto de seus serviços está destinado ao cumprimento de seu mister estatutário. As instâncias ordinárias assentaram que os imóveis em questão encontram-se vagos, em razão de a recorrida ainda não ter arrecadado recursos suficientes para construir prédios destinados ao cumprimento de sua função institucional, descartando a hipótese de desvirtuamento de seus fins. Premissa que não pode ser desconstituída, nesta sede extraordinária, ante a necessidade do reexame de fatos e provas (Súmula STF nº 279). Recurso extraordinário não conhecido[8].”


De se ressaltar que o entendimento aplicável a uma das entidades imunes é extensível às demais, conforme a sólida jurisprudência do STF, de que é exemplo o RE 235.737[9], no qual a Corte Suprema aplicou a fundamentação de precedente sobre entidades de assistência social ao caso de entidade de educação sem fins lucrativos.


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A razão de ser do entendimento do STF é deveras clara: se existir tributação sobre imóveis vagos, a entidade imune terá dificuldades enormes em amealhar recursos para construir benfeitorias sobre o imóvel. Tal situação contrariaria a teleologia do sistema constitucional de imunidades, voltado para o favorecimento das instituições imunes em razão de sua profunda relevância para a concretização de direitos fundamentais.


Logo, a interpretação que permite a incidência de impostos sobre imóveis vagos de entidade imune contraria os desígnios constitucionais, ao dificultar o exercício da função essencial de cada uma das instituições consagradas pelo Constituinte de 1988.


Ademais, além de se conformar com a teleologia constitucional, há outro motivo para acolher a imunidade sobre imóveis vagos das entidades imunes do artigo 150, VI, “b” e “c” da Constituição.


É que, conforme já consagrado na Súmula 724 do STF, “ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, ‘c’, da constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”


Assim, se uma das entidades imunes alugasse imóvel de sua propriedade (mesmo vago) a terceiros, estaria o bem imune da incidência de IPTU. Logo, com muito mais razão há de ser reconhecida a imunidade em não existindo a locação, visto que uma vez não alugado e disponível o imóvel tende a servir melhor às finalidades da entidade do que quando alugado a terceiros.


4 Conclusão


Mediante a argumentação desenvolvida, é possível concluir que a imunidade tributária do artigo 150, VI, “b” e “c” da Constituição abrange imóveis das entidades sindicais dos trabalhadores (assim como das demais entidades imunes), mesmo que tais imóveis estejam vagos, ou seja, ainda que sobre eles não tenha sido erguida qualquer benfeitoria. Pretender acolher interpretação em sentido contrário consistiria em verdadeiro contra-senso à teleologia do sistema constitucional de imunidades, voltado à valorização dos direitos fundamentais.


 


Notas:

[1] MELLO, Luís Fernandes Xavier Soares de, GUTIERREZ, Eduardo. Da cobrança do IPTU e a imunidade tributária dos sindicatos. PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coord.). IPTU: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 396

[2] SOUZA, Leandro Marins de. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Dialética, 2007, p. 220. Vide ainda lição de Humberto Ávila, que entende pela preservação, no caso, do valor “desenvolvimento social”: ”Os fatos e situações excluídos do poder de tributar do Estado correspondem a fatos e situações cuja soma forma atividades a serem estimuladas pelo Estado.  (…) O dever do Estado em garantir o processo democrático, em erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento social implica excluir da tributação o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de assistência social sem fins lucrativos (art. 150, VI, “c”) (…) Isso equivale a dizer que a causa justificativa da imunidade é facilitar, por meio da exclusão de encargos tributários, a consecução de finalidades que devem ser atingidas pelo próprio Estado”. (ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 214).

[3] CHIESA, Clélio. Imunidades e Normas Gerais de Direito Tributário. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (coord.) Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 947.

[4] “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: (…) I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001). II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão”.

[5] STF, RE 237.718, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06/09/2001.

[6] Neste sentido, destaca-se que até os dias de hoje predomina certo entendimento equivocado acerca da possibilidade de normas serem “claras”. Sobre o assunto já nos manifestamos no seguinte sentido: “Em razão desta ‘tradição’, torna-se comum a repetição, não somente pelos estudantes como também pelos aplicadores do Direito em geral, do conhecido brocardo romano segundo o qual ‘in claris cessat interpretatio’, ou ‘a interpretação cessa na clareza’ a induzir a equivocada idéia da desnecessidade de interpretação quando o texto fosse ‘óbvio’. Todavia, mesmo Carlos Maximiliano , autor tradicional acerca da hermenêutica jurídica, já reconhecia que para saber se “a regra é clara” seria imprescindível empreender atividade interpretativa.” (COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Interpretação conforme a Constituição: decisões interpretativas do STF em sede de controle de constitucionalidade. Vol. 6 Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Método, 2007, p.15)

[7] STF, RE-AgR 357175 / MG, Rel.  Min. GILMAR MENDES. Julgamento:  23/10/2007, Publ. DJU 14/11/2007, p. 00061.

[8] STF, RE 251772 / SP. Rel.  Min. ELLEN GRACIE. Julg.  24/06/2003. Publ. DJ 29-08-2003 PP-00037.

[9] STF, RE 235.737-3, julgado em 13/11/2001, DJU 17/05/2002. Também os Tribunais Estaduais vêm aplicando o referido entendimento, como é exemplo o Acórdão do TJMG em que se declara que “Não afasta o benefício da imunidade concedido a entidade assistencial a mera alegação de que o imóvel sobre o qual recai o tributo encontra-se vago, tendo sido o mesmo doado pelo poder público, e inexistindo comprovação de que ocorreu desvio de sua finalidade essencial”. (TJMG, Processo 1.0024.04.422065-5/001, Rel. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO. Julgamento:  24/11/2005. Publicação:  15/03/2006)


Informações Sobre o Autor

Cláudio de Oliveira Santos Colnago

Advogado Associado à Bergi Advocacia Tributária em Vitória – ES. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT). Professor de Direito Tributário e Direito Constitucional. Especializando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Co-autor dos livros “Execução Fiscal” (Ed. Del Rey, 2003) e “Processo Administrativo Fiscal Federal” (Ed. Del Rey, 2006). Autor do livro “Interpretação conforme a Constituição” (Ed. Método, 2007).


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