Utilização de estruturas societárias offshore no planejamento patrimonial de pessoas físicas: Impactos tributários para residentes fiscais no Brasil

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Julia Macedo Souza Lopes[1]

Resumo: O planejamento patrimonial e sucessório tem se tornado cada vez mais comum entre os brasileiros, principalmente em virtude das constantes mudanças dos cenários político e econômico ocorridas nos últimos anos. Com isso, enquanto alguns apresentam dúvidas sobre consequências fiscais da utilização de estruturas societárias no exterior em seus planejamentos patrimoniais e sucessórios, outros que detém patrimônio relevante para adotarem tais estratégias, desconhecem a existência, funcionamento e impactos dessas estruturas. Este artigo tem o objetivo de apresentar as estruturas societárias offshore utilizadas com maior frequência na reorganização patrimonial de pessoas físicas residentes no Brasil, com o intuito otimizar a tributação de seus investimentos, proteger seus ativos de eventuais riscos e facilitar a sucessão. Aborda, também, as principais características de cada uma dessas estruturas e seus respectivos impactos fiscais, principalmente quanto à tributação da renda.

Palavras-chave: Tributação; Renda; Imposto; Pessoas Físicas; Planejamento Patrimonial; Offshore; Trusts; Fundos de Investimento; Distribuição.

 

Abstract: Estate and succession planning has become increasingly common among Brazilians, mainly due to the constant changes in the political and economic scenarios that have occurred in recent years. As a result, while some have doubts about the tax consequences of using corporate structures abroad in their estate and succession planning, others who have relevant assets to adopt such strategies are unaware of the existence, functioning and impacts of these structures. This article aims to present the offshore corporate structures most frequently used in the asset reorganization of individuals residing in Brazil, with the aim of optimizing the taxation of their investments, protecting their assets from possible risks and facilitating succession. It also addresses the main characteristics of each of these structures and their respective fiscal impacts, mainly regarding income taxation.

Keywords: Taxation; Income; Tax; Individuals; Wealth Planning; Offshore; Trusts; Investment Funds; Distribution.

 

Sumário: Introdução. 1. Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. 1.1. Imposto Sobre a Renda de Pessoas Físicas. 1.2. Conceitos de Residência e Domicílio Fiscal no Brasil. 1.3. Renda Auferida no Exterior. 2. Sociedades Offshore – Conceito e Estrutura. 2.1. Paraísos Fiscais. 2.2. Tributação da Distribuição de Renda em Sociedades Offshore. 3. Trust – Conceito e Origem. 3.1. Estrutura. 3.2. Tributação. 3.2.1. Impactos Tributários na Entrega dos Bens ao Trustee. 3.2.2. Tributação da Distribuição aos Beneficiários. 4. Fundos de Investimento. Considerações Finais. Referências.

 

Introdução

Diante do atual cenário econômico e político brasileiro, tornou-se comum a busca por investimentos em mercados mais seguros e consolidados, principalmente no exterior. A pandemia da COVID-19, a propositura de projetos de lei para a taxação de grandes fortunas, possível aumento das alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, e a votação da Reforma Tributária são algumas das razões que motivaram os brasileiros a diversificar seus investimentos.

Com isso, notou-se um grande aumento na procura por estratégias de reorganização patrimonial que utilizam estruturas societárias offshore, com o objetivo de alcançar maior segurança e blindagem quanto aos possíveis impactos decorrentes da volatilidade do mercado nacional (Le Senechal, 2022).

As sociedades offshore, geralmente localizadas em paraísos fiscais, são as mais utilizadas como forma de planejamento patrimonial, em virtude de seu baixo custo e simplicidade da estrutura.

Já os Trusts, são estruturas mais complexas, que demandam maior investimento para sua elaboração e manutenção, bem como são comumente destinados a pessoas que detém patrimônios elevados e visam a perpetuação de seu legado para as gerações futuras.

Interessante mencionar também que, embora menos utilizados, os fundos de investimento no exterior são juridicamente diferentes dos brasileiros, visto que são tratados como sociedade (anônima, limitada) e aqui assumem forma de condomínio.

Diante dessas diferenças, torna-se de suma importância o estudo das estruturas apresentadas, de maneira a proporcionar uma exposição concisa e de fácil entendimento e apresentar os impactos tributários sobre a reorganização e distribuições de renda realizadas a residentes fiscais no Brasil.

Assim, o foco principal deste trabalho será a apresentação das estruturas e dos possíveis impactos tributários relacionados à sua implementação, visando identificar o fato gerador em cada caso específico e, consequentemente, o tributo aplicável à movimentação.

 

  1. IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA

A Constituição Federal (“CF”), em seu artigo 153, inciso III, determina que é de competência da União a instituição do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (Brasil, 1988). O artigo 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”) trata do mesmo tema e define o fato gerador do imposto como a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza (Brasil, 1966).

No inciso I do artigo 43 do CTN tem-se que renda é o “produto do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos”.  O mesmo artigo, em seu inciso II, define “proventos de qualquer natureza” como os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior (Brasil, 1966).

O artigo 43 do CTN define, ainda, a base de cálculo do imposto. Segundo este dispositivo, o imposto será calculado sob “o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (Brasil, 1966).

Com isso, pode-se concluir que a renda é o montante auferido por pessoa física ou jurídica, fruto do capital, do trabalho, ou de ambos, que resulte em acréscimo patrimonial. Este acréscimo configura o fato gerador do imposto e seu valor será utilizado para o cálculo do imposto devido.

Diante da ocorrência do fato gerador, a pessoa física ou jurídica que adquiriu disponibilidade passa a ocupar a posição de sujeito passivo na relação tributária e, desta forma, se torna contribuinte do imposto nos termos do artigo 45 do CTN.

 

1.1 IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOAS FÍSICAS

Está sujeito ao recolhimento do imposto de renda das pessoas físicas (“IRPF”) os residentes ou domiciliados no Brasil, que aufiram rendimentos superiores a vinte e quatro salários-mínimos fiscais, nos termos do artigo 1º da Lei 4.506/64 (Brasil, 1964). Além disso, O Decreto nº 9.580 de 2018 (“RIR/18”) define em seucaputque são contribuintes do imposto as pessoas físicas “que perceberem renda ou proventos de qualquer natureza, inclusive rendimentos e ganhos de capital, (…), sem distinção de nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão” (Brasil, 2018).

Desta forma, torna-se imprescindível o entendimento acerca dos requisitos que determinam a residência e domicílio fiscal no Brasil para que se estabeleça os rendimentos tributáveis das pessoas físicas.

 

1.2 CONCEITOS DE RESIDÊNCIA E DOMICÍLIO FISCAL NO BRASIL

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A começar pelo conceito de domicílio fiscal, o artigo nº 127 do CTN determina que na falta de eleição de domicílio tributário pelo contribuinte ou responsável, considera-se para as pessoas físicas a sua residência habitual, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade (Brasil, 1966).

Já o conceito de residência fiscal é mais amplo e, de acordo com o artigo 2º da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 208/2002 (“IN 208/02”), que trata dos rendimentos auferidos de fontes pagadoras situadas no exterior, por residentes fiscais no Brasil, é considerado residente para este fim o indivíduo:

 

I – que resida no Brasil em caráter permanente; II – que se ausente para prestar serviços como assalariada a autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior; III – que ingresse no Brasil: a) com visto permanente, na data da chegada; b) com visto temporário: 1. para trabalhar com vínculo empregatício ou atuar como médico bolsista no âmbito do Programa Mais Médicos de que trata a Medida Provisória nº 621, de 8 de julho de 2013, na data da chegada; 2. na data em que complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses; 3. na data da obtenção de visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses; IV – brasileira que adquiriu a condição de não-residente no Brasil e retorne ao País com ânimo definitivo, na data da chegada; V – que se ausente do Brasil em caráter temporário ou se retire em caráter permanente do território nacional sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País, de que trata o art. 11-A, durante os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência.

Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso III, “b”, item 2, do caput, caso, dentro de um período de doze meses, a pessoa física não complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, novo período de até doze meses será contado da data do ingresso seguinte àquele em que se iniciou a contagem anterior (IN 208/2002, art.2º) (Receita Federal do Brasil, 2002).

 

Nota-se que existem inúmeras possibilidades de caracterização da residência fiscal no Brasil de acordo com os dispositivos legais expostos anteriormente. Desta forma, nas palavras do ilustre professor Luiz Eduardo Schoueri (2012, p. 347):

 

(…) o sistema brasileiro adota critérios diferentes para a qualificação do residente; a) para os nacionais, o critério é subjetivo: cabe investigar e demonstrar o animus, sendo condições objetivas meros indícios, mas não elementos suficientes para a caracterização da residência; e b) para os estrangeiros, o critério é objetivo: embora possa estar presente o animus, o legislador dispensa sua prova, vinculando a residência a elementos observáveis.

 

Assim, para o objetivo deste trabalho, concentra-se no fato de que a hipótese de incidência do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade decorrente de acréscimo patrimonial, avindo do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, e que as pessoas físicas que se enquadrem nas hipóteses elencadas no artigo 2º da IN 208/02 e aufiram renda superior a vinte e quatro salários-mínimos no ano-calendário, serão consideradas contribuintes para fins do IRPF.

 

1.3 RENDA AUFERIDA NO EXTERIOR

Caso uma pessoa física se enquadre nas hipóteses de residência fiscal no Brasil, os rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior e os ganhos de capital apurados na alienação de bens e direitos no exterior estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda, nos termos do art. 1º da IN 208/02.

Entretanto, em alguns casos, uma pessoa física pode ser considerada residente fiscal em múltiplas jurisdições, justamente por conta de seus investimentos e bens nelas situados e, consequentemente, um mesmo rendimento estará sujeito à tributação pelo imposto de renda em mais de um país.

Diante dessa questão, para evitar a bitributação sobre a renda e o capital, o Brasil possui firmou Tratados Internacionais com trinta e quatro países, para definir as questões relativas ao conceito de renda, impostos incidentes sobre ela nos dois países contratantes e suas respectivas alíquotas, os conceitos de residência fiscal e os métodos para evitar a dupla tributação.

Porém, quando um rendimento for auferido no exterior, por pessoa física residente no Brasil, em um país com o qual não há tratado internacional de bitributação, o imposto incidente sobre a renda deverá ser recolhido (i) na jurisdição em que for percebido, de acordo com as leis locais; e (ii) na sistemática de recolhimento mensal (carnê-leão) no Brasil, nos termos do caput do artigo 16 da IN 208/02:

 

Art. 16. Os demais rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior por residente no Brasil, transferidos ou não para o País, estão sujeitos à tributação sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no mês do recebimento, e na Declaração de Ajuste Anual (Receita Federal do Brasil, 2002).

 

O parágrafo único do artigo supracitado admite, todavia, a compensação dos valores pagos a título de imposto de renda sobre rendimentos auferidos no caso de o Brasil possuir tratado de bitributação com o país em que os valores forem percebidos:

 

1º O imposto de renda pago em país com o qual o Brasil tenha firmado acordo, tratado ou convenção internacional prevendo a compensação, ou naquele em que haja reciprocidade de tratamento, pode ser considerado como redução do imposto devido no Brasil, desde que não seja compensado ou restituído no exterior (IN 208/2002, art. 16, § 1º) (Receita Federal do Brasil, 2002).

 

Pode-se entender, portanto, que quando houver tratado para evitar a bitributação, um mesmo rendimento auferido por pessoa física não será tributado em múltiplas jurisdições ou, quando for, os valores pagos a título de imposto sobre a renda no exterior poderão ser deduzidos aqui.

Ainda em relação ao imposto de renda das pessoas físicas e os rendimentos auferidos no exterior, cabe a análise acerca dos benefícios tributários decorrentes da utilização de estruturas societárias offshore para os residentes fiscais no Brasil, sob o viés da natureza dos investimentos.

Se o montante estiver alocado em uma conta de depósito, sem que haja aplicação ou movimentação, apenas o saldo em 31/12 do respectivo ano-calendário deverá ser inserido na ficha de Bens e Direitos da Declaração de Ajuste Anual do IRPF e o acréscimo patrimonial decorrente de variação cambial não será tributado, por não configurar rendimento, nos termos do parágrafo 4º do artigo 29 da Lei nº 9.250/95 (Brasil, 1995).

Já na hipótese de aplicação de valores em portifólios de investimentos, ou da alienação de bens e direitos mantidos no exterior, os rendimentos decorrentes dessa aplicação serão tributados como ganho de capital, em conformidade com o artigo 24 da Medida Provisória 2.158-35/2001 (Brasil, 2001).

O autor José Henrique Longo no livro “Planejamento Sucessório: Aspectos Familiares, Societários e Tributários”, de sua coautoria, pontua que:

 

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O rendimento financeiro auferido em moeda estrangeira é considerado como ganho de capital, nos termos do art. 24 da MP 2.158-35. Independentemente do tipo de aplicação (se de risco ou não), a regra é sempre a mesma: no momento de resgate, deve ser apurada a diferença em reais entre o valor da liquidação ou resgate da aplicação financeira e o custo de aquisição (Kignel; Phebo; Longo, 2014).

 

No mesmo livro, com base na Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 118/00, José Henrique Longo diz que o ganho de capital deve ser calculado sobre cada uma das operações, separadamente, e que não há hipótese de compensação dos valores auferidos no exterior com eventuais perdas decorrentes de outras operações realizadas pelo mesmo contribuinte (Kignel; Phebo; Longo, 2014). Ou seja, a cada resgate ou alienação, deve ser calculado e recolhido o IRPF e os valores pagos durante o ano-calendário não são objeto de dedução do IRPF apurado na entrega da Declaração de Ajuste Anual no exercício correspondente:

 

Para não deixar dúvidas quanto à segregação aplicada a cada operação de resgate, a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 118/00 dispões que: (a) o imposto é apurado em cada operação, (b) e que deve ser recolhido até o último dia do mês seguinte. O rendimento financeiro no exterior não pode ser compensado com eventual perda verificada em outras operações da mesma pessoa, nem pode ser levado para apuração da base de cálculo com deduções permitidas pela legislação (educação, saúde, etc.). Portanto, há ofensa do princípio especial da universalidade exatamente porque não se permite a conjugação desse ganho individual com as demais operações e fatos relacionados à mesma pessoa física (Kignel; Phebo; Longo, 2014).

 

Importante pontuar também que, para fins fiscais, considera-se o ganho de capital a diferença positiva entre o valor de alienação e o respectivo custo de aquisição[2]. Desta forma, quando um contribuinte realiza lucro na operação de resgate ou de alienação de um bem ou direito, este valor configura hipótese de incidência do IRPF.

Por fim, para concluir os aspectos relativos à tributação dos rendimentos oriundos do exterior, por estes serem tratados como ganho de capital, aplica-se disposto no artigo 21 da Lei nº 8.981/95 quanto à apuração do IRPF. A diferença positiva será submetida à tabela progressiva e serão utilizadas as alíquotas de (i) 15% para rendimentos de até cinco milhões de reais; (ii) 17,5% entre cinco e dez milhões de reais; (iii) 20% entre dez e trinta milhões de reais e (iv) 22,5% para valores acima de trinta milhões de reais (Brasil, 1995).

Assim, com a complexidade da tributação na esfera da pessoa física, fica clara a necessidade de otimização dos investimentos expostos anteriormente por meio de estruturas societárias no exterior. Busca-se, com isso, o diferimento da tributação, pois os rendimentos das aplicações realizadas por pessoas jurídicas no exterior somente serão tributados na esfera da pessoa física de seus sócios quando houver efetiva transferência dos ativos a eles.

Nos capítulos seguintes, destinados à abordagem das estruturas utilizadas no ramo do planejamento patrimonial, será apresentado um estudo detalhado acerca dos impactos tributários pertinentes a cada uma delas.

 

2. SOCIEDADES OFFSHORE

É chamada de sociedade offshore aquela que está constituída e desempenha suas atividades fora do país de domicílio do acionista. Este tipo de sociedade é muito utilizado por pessoas físicas em seus planejamentos patrimoniais, não só por residentes fiscais no Brasil, como no mundo inteiro.

Essas sociedades, também conhecidas como Private Investment Companies (“PIC”), são constituídas visando deter e movimentar, no âmbito da pessoa jurídica, os investimentos que seriam feitos pelos seus sócios como pessoa física. Assim, ao invés de os sócios deterem investimentos no exterior diretamente em seu nome, ele passa a ter apenas participação acionária em uma empresa no exterior e esta realiza a movimentação dos ativos (Kignel; Phebo; Longo, 2014).

As PICs geralmente são formadas por (i) sócio(s); (ii) diretor(es) e (iii) Registered Agent. O último é responsável por abrigar o endereço da estrutura e cuidar da parte burocrática de qualquer alteração superveniente que se faça no quadro societário da companhia.

Além disso, os rendimentos auferidos por essas empresas, enquanto não são transferidos aos sócios, estão sujeitos às regras de tributação do país em que estão constituídas. Por este motivo, utiliza-se muito essa estrutura em planejamentos patrimoniais, visto que em paraísos fiscais a tributação é quase inexistente.

Nesse sentido, é de suma relevância informar que, desde que as quotas ou ações das empresas situadas no exterior, detidas por residente fiscal no Brasil, estejam declaradas na ficha de bens e direitos da DIRPF, não é considerada ilegal a manutenção deste bem, ainda que ele esteja localizado em paraíso fiscal.

Assim, entre as vantagens trazidas pelo uso de sociedades no exterior, pode-se classificar como principais: (i) a isenção tributária sobre os investimentos auferidos pela empresa na jurisdição em que foi constituída, pois estão geralmente localizadas em paraísos fiscais; (ii) diferimento tributário na tributação de seus rendimentos, no âmbito da pessoa física acionista; e (iii) garantia de maior privacidade quanto aos dados dos sócios e de seus respectivos investimentos.

 

2.1 PARAÍSOS FISCAIS

Por ser muito comum a constituição de empresas em paraísos fiscais, como estratégia de investimento, cabe o estudo acerca dos requisitos para que um país seja tratado como paraíso fiscal e os respectivos impactos tributários relacionados.

Entende-se por paraíso fiscal qualquer nação que apresente tributação reduzida ou inexistente sobre a renda, bem como proporcione aos investidores que nele desejam alocar recursos, um elevado grau de proteção no que tange ao compartilhamento de informações relativas às suas estruturas. Tal contexto propicia que a troca de informações entre o referido paraíso fiscal e o país de origem do sócio seja quase nulo.

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou dados que apontam a existência de mais de quarenta territórios internacionais que são considerados como paraíso fiscal.

Já a Receita Federal do Brasil dispõe na Instrução Normativa da nº 1037 de 2010 (Receita Federal do Brasil, 2010) que são considerados como paraísos fiscais as jurisdições que (i) não praticam a tributação da renda a nenhum nível; (ii) tributam a renda em valores menores a 20% do que foi auferido durante o ano-calendário pelos contribuintes; e (iii) países cuja legislação interna não permite acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade[3]. Tal normativo indica também quais jurisdições possuem regimes fiscais privilegiados.

 

2.2 TRIBUTAÇÃO

Como mencionado anteriormente, segundo as regras tributárias brasileiras[4], os rendimentos auferidos por pessoa jurídica não estão sujeitos à tributação do imposto de renda da pessoa física enquanto não forem efetivamente transferidos aos seus sócios, na distribuição de lucros e dividendos, ou por alienação das quotas societárias.

Neste sentido, o autor José Henrique Longo pontua brilhantemente os rendimentos auferidos no exterior envolvendo investimento em pessoas jurídicas serão tributados pelo IRPF:

 

No caso de distribuição de lucros, esse rendimento inclui-se na apuração mensal da base de cálculo do IRPF com aplicação da tabela progressiva, após as deduções autorizadas. Com esse tratamento, o rendimento de distribuição de lucros advindos do exterior não está eivado das inconstitucionalidades presentes na apuração de ganho de capital e que forma acima mencionada. Tal valor é parte integrante da correta apuração da renda, com o mesmo tratamento das demais fontes de rendimento. Portanto, o rendimento de distribuição de lucros do exterior provenientes de PIC, correspondente ao ganho financeiro das aplicações promovidas pela empresa no exterior, sofre a incidência do IRPF nos limites fixados pela Constituição Federal. A segunda hipótese citada é o ganho de capital na alienação do investimento na PIC, isto é, a pessoa física residente no Brasil vende as suas ações da PIC para terceiro e apura ganha capital. O tratamento fiscal dado pela legislação ordinária é o mesmo para ganho de capital de aplicação financeira no exterior: a apuração é independente dos demais elementos que compõem o efetivo acréscimo patrimonial da pessoa (Kignel; Phebo; Longo, 2014).

 

Assim, pode-se concluir que essa estrutura, por ser de baixo custo e promover o diferimento tributário às pessoas físicas residentes no Brasil, constitui uma enorme vantagem para os investidores do mercado internacional.

 

3. TRUST– CONCEITO E ORIGEM

O Trust encontra sua origem na Inglaterra, durante a idade média, e é um instrumento baseado nas regras do direito anglo-saxão[5], originalmente destinado ao fim da organização patrimonial para a sucessão.

Durante o período da história em que ocorreram as cruzadas, os indivíduos que saiam às expedições deixavam suas propriedades sob os cuidados e titularidade de terceiros, para que, diante de eventual falecimento, seus herdeiros tivessem a garantia de recebimento daquilo que lhes pertenciam, sem que houvesse qualquer risco de interferência dos senhores feudais (Neto, 2016).

Desta forma, extrai-se que este instrumento, desde a sua origem, era baseado em relação de confiança, como o próprio nome diz.

Nesse sentido, Eduardo Salomão Neto (2016, p. 19) pontua que ao invés de nos apegarmos à definição da estrutura, é mais relevante que entendamos o funcionamento deste instituto, pois ele permite “a uma determinada pessoa ter gozo de um determinado bem sem figurar nominalmente como sua proprietária ou titular”.

Sobre o tema, o ilustre autor Melhim Namem Chalhub (2001, p. 19) define:

 

Com efeito, opera-se a constituição de um trust mediante entrega de certos bens a uma pessoa, para que deles faça uso conforme determinado encargo que lhe tenha sido cometido, repousando esse conceito na confiança depositada naquele que recebe os bens.

Aquele que entrega os bens e, por consequência, institui o trust, é denominado settlor (instituidor); o settlor transmite, efetivamente, a propriedade sobre os bens. Aquele que recebe os bens, e assume a obrigação de administrá-los, denomina-se trustee (aquele em quem se confia). Aquele em favor de quem o trust é instituído denomina- se cestui qu trust (aquele que confia).

 

Em outros termos, pode-se definir o Trust como uma estrutura que permite ao indivíduo titular dos bens (chamado de Settlor), dispor sobre a distribuição de seus ativos em vida e após o seu falecimento, mediante a transferência de seus bens a um terceiro que realizará a manutenção e administração dos mesmos (Trustee) de acordo com as vontades do Settlor previstas em contrato, em benefício daqueles que o Settlor indicará como beneficiários, que podem ser seus herdeiros, terceiros ou, ainda, ele mesmo (Fagundes, 2012).

Assim, pode-se concluir que, para a formação do Trust, é necessária a manifestação de vontade da pessoa física titular dos bens e direito acerca da transferência da titularidade de seus ativos a um terceiro, que será pautado por um contrato extrajudicial e este administrará os bens transferidos em favor daqueles que forem elencados como beneficiários da estrutura.

 

3.1 ESTRUTURA

A começar pela figura que inicia a relação de confiança, chama-se Settlor o indivíduo que detém em seu nome os ativos que serão entregues ao terceiro que realizará a administração dos bens em seu favor. Desta forma, é necessária a comprovação de que os bens objeto do contrato estão sob sua titularidade e plenamente disponíveis, para se se efetive a reestruturação.

Como mencionado no item anterior, é necessária a manifestação de vontade expressa do Settlor para que a estrutura seja formada. Nesta manifestação, devem constar as regras para a administração dos bens que serão transferidos, bem como aqueles que serão beneficiados pelos rendimentos que essa estrutura auferir, bem como, em caso de dissolução da estrutura, como será feita a distribuição dos bens que a ela foram conferidos.

Ou seja, ainda que se trate de uma estrutura estabelecida sob os pilares da confiança, o Settlor poderá dispor livremente no momento da constituição a forma como os ativos transferidos serão administrados e distribuídos, apontando direitos e obrigações, tanto ao terceiro que receberá os bens, como aos beneficiários da estrutura. Após este ato, o Settlor deixa de ser titular dos bens e estes passam a ser detidos diretamente pelo Trustee (Santos, 2009, p. 54).

Cabe ainda, ao Settlor, a prerrogativa de se eleger como entidade fiscalizadora do Trust, de modo a verificar periodicamente a administração realizada pelo Trustee, nomearse como beneficiário, excluir ou eleger novos beneficiários, ou ainda determinar a dissolução do Trust, desde que essas disposições se façam presentes no instrumento de constituição da estrutura.

Acerca do disposto acima, cabe mencionar que no caso de o Settlor figurar, também, como beneficiário da estrutura, a jurisprudência da Common Law admite o acesso de credores ao patrimônio do Trust, uma vez que ainda que a titularidade tenha sido transferida, este indivíduo poderá ter acesso aos bens no futuro, de forma que a estrutura perde seu objetivo (Santos, 2009, p. 54).

Passa-se à análise da figura do Trustee. Este passará a ser titular dos ativos que serão objeto da estrutura e exercerá as funções relativas à administração e manutenção dos bens, em conformidade com o exposto no instrumento de constituição, que exprime a vontade do Settlor.

Nas palavras do ilustre autor Melhim Namem Chalhub (2001, p. 43), o Trustee recebe o legal title dos bens e está obrigado a realizar a administração destes, de acordo com a manifestação de vontade do Settlor.

Quanto ao desempenho dessa atividade, o Trustee pode ser (i) o próprio Settlor, o que não confere à estrutura a totalidade de seus benefícios; (ii) outro indivíduo em sua pessoa física, que seja de confiança do Settlor; (iii) uma pessoa jurídica especializada na prestação de serviços de administração de Trusts (Trustee Profissional); ou, ainda (iv) uma Private Trust Company (PTC), que consiste basicamente em uma sociedade offshore, que não preste serviços de Trustee de forma profissional e que, geralmente, é de titularidade do próprio Settlor.

Entre as obrigações basilares do Trustee, Raquel Amaral dos Santos (2009, p. 56-57)  destaca: (i) exercício da melhor administração em favor dos beneficiários; (ii) realização de investimentos seguros, mas que sejam benéficos ao patrimônio a ele confiado; (iii) segregação entre o patrimônio transferido e aqueles que são de titularidade do Trustee, para que os bens anteriormente pertencentes ao Settlor não sejam atingidos por eventuais dívidas do Trustee; (iv) prestação de contas ao Settlor; (v) distribuição de bens e eventuais rendimentos, nos termos do instrumento de constituição do Trust; (vi) diversificação de investimentos; (vii) imparcialidade no exercício da administração; e (viii) não transferir a terceiros a administração dos bens que a ele foram concedidos.

Por se tratar de questões obrigacionais, caso os bens transferidos sofram algum tipo de avaria ou sofram prejuízo financeiro, decorrente da má administração do Trustee, medidas legais poderão ser adotadas pelo Settlor frente a esta figura.

Entretanto, quanto aos investimentos, cabe ressaltar que é admissível o apontamento de um indivíduo como Investment Manager, caso seja da vontade do Settlor que os ativos financeiros sejam administrados por uma gestão especializada.

Além disso, por se tratar de um instrumento de origem na Common Law, é comum e plenamente legal o tratamento desigual de beneficiários, de acordo com a manifestação de vontade do Settlor. Ou seja, ainda que o instituidor possua herdeiros necessários, por exemplo, é cabível no exterior que este não participe das distribuições do Trust em caso de falecimento do patriarca.

Cabe, ainda, apontar que não é permitido ao Trustee destituir-se de suas funções ou realizar a revogação do Trust. Apenas o Settlor poderá praticar estes atos ou, mediante previsão expressa em contrato, um terceiro que tenha sido apontado como Protector.

Por fim, diante da morte do Settlor, o Trust se manterá ativo e as distribuições previstas por ele no ato constitutivo passarão a ser feitas rigorosamente segundo sua vontade, a não ser que tenha sido estipulada na formação da estrutura a sua dissolução da e consequente entrega dos bens aos beneficiários neste evento.

Quanto aos beneficiários, estes serão os indivíduos que receberão eventuais rendimentos provenientes da estrutura e possuirão o chamado Equitable Title, ou seja, terão a titularidade dos bens, mas sem efetivamente possuí-los (Chalhub, 2001, p. 45).

Em regra, todos os Trusts precisam ter beneficiários específicos, com exceção daqueles que possuem destinação à caridade, em que é possível a determinação pelo Settlor da distribuição do montante a alguma instituição de caridade relevante ao tempo em que esta for ocorrer, de escolha do Trustee.

Além disso, cabe aos beneficiários a possibilidade de requerer ao Trustee prestação de contas e cumprimento de suas obrigações basilares. Ou seja, caso o beneficiário tenha conhecimento do Trust e da sua condição, ele poderá exercer a função de fiscalização sobre a atividade do Trustee (Chalhub, 2001, p. 46).

Além disso, com relação às distribuições aos beneficiários, essas podem ocorrer periodicamente, tanto em vida como após o falecimento do Settlor, ou mediante a dissolução do Trust, onde todos os ativos serão entregues aos beneficiários pelo Trustee, nas regras determinadas pelo Settlor. Mais uma vez, todas as regras relacionadas à distribuição de ativos serão estipuladas pelo Settlor no momento da constituição, de forma que este possa estabelecer eventos, condições e valores das respectivas distribuições.

Para finalizar os elementos constitutivos do Trust, será feita uma rápida passagem acerca do objeto que a ele será conferido.

É absolutamente necessário que os bens transferidos ao Trust sejam (i) de plena titularidade do Settlor, de forma que este possa livremente dispor sobre os ativos; e (ii) que estes tenham valor econômico ou financeiro e possam ser desvinculados à figura do Settlor (Chalhub, 2001, p. 41). Ou seja, não é possível a transferência de objetos personalíssimos ao Trust.

Além disso, como mencionado anteriormente, eventuais dívidas contraídas pelo Trustee não deverão, em hipótese alguma, afetar os bens a ele conferidos em Trust, pois há segregação patrimonial entre os ativos.

 

3.2 TRIBUTAÇÃO

Como apontado nos capítulos anteriores, os Trusts podem ser constituídos para os mais diversos propósitos, de forma que os impactos tributários podem ser divergentes em cada um deles.

Desta forma, para que se possa realizar uma análise aprofundada acerca da tributação dessa estrutura e levando em consideração que o objeto deste trabalho é o estudo dos impactos tributários relacionados ao planejamento patrimonial, a análise será dividida em dois momentos: (i) na transferência dos bens ao Trustee, diante da constituição do Trust; e (ii) distribuição dos bens, diante da dissolução do Trust em virtude do falecimento do Settlor.

Considerando que não há atualmente previsão acerca deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina nacional discute a incidência de três impostos sobre as operações relacionadas ao Trust, sendo eles o IRPF, de competência Federal, Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) de competência Estadual e Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (ITBI), da alçada municipal.

No capítulo seguinte, portanto, analisa-se a incidência de cada um destes tributos, no momento da transferência dos bens ao Trustee pelo Settlor, considerando que este é residente fiscal no Brasil e que os bens transferidos estão aqui alocados.

 

3.2.1 Impactos Tributários na Entrega dos Bens ao Trustee

A começar pelo Imposto de Renda, este somente incide diante da ocorrência de acréscimo patrimonial percebido pelo contribuinte durante o ano-calendário, nos termos do artigo 43 do CTN, conforme exposto no capítulo 1.1 deste trabalho:

 

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior (Brasil, 1966).

 

Assim, não há que se falar em incidência do IRPF, uma vez que no momento da constituição do Trust, o Settlor residente fiscal no Brasil deixa de ser titular da propriedade transferida, de forma que experimenta um decréscimo patrimonial. No mais, também não está sujeito ao imposto sobre a renda o Trustee, pois ele recebe apenas a titularidade dos bens e não a sua propriedade de fato.

Já para os beneficiários, na hipótese de o Settlor instituir distribuições periódicas a serem realizadas pelo Trust, enquanto estiver vivo, configura-se acréscimo patrimonial a estes indivíduos e os rendimentos por eles percebidos, oriundos do Trust, serão tributados pelo IRPF (Fagundes, 2012) pela tabela progressiva do ganho de capital.

Mas, caso não sejam realizadas distribuições periódicas, de forma que os beneficiários apenas receberão os ativos no evento do falecimento do Settlor, trata-se de uma transmissão sucessória e não está sujeita à incidência do IRPF, conforme artigo 6º, inciso XVI, da Lei nº 7.713/88 (Brasil, 1988).

Quanto ao ITBI, a Constituição Federal dispõe no artigo 156, inciso II que:

 

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (Brasil, 1988);

 

Tomando como exemplo a legislação do município de São Paulo acerca do ITBI:

 

Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição – ITBI-IV tem como fato gerador:

I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso: a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física;

b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões; II – a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis. Parágrafo único. O Imposto de que trata este regulamento refere-se a atos e contratos relativos a imóveis situados no território do Município de São Paulo (Sâo Paulo, 2014).

 

Diante do exposto acima, ainda que haja a celebração de uma transmissão inter vivos, nos termos da legislação Federal e Municipal, a transferência dos bens do Settlor ao Trustee não configura hipótese de incidência do ITBI, pois (i) não se trata de transmissão onerosa; e (ii) o Trustee não adquire a plena propriedade dos bens recebidos, apenas a titularidade e deveres relativos à sua administração.

Por fim, sabe-se que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação incide nas transmissões não onerosas de bens e direitos, realizadas a título de doação ou percebidas em virtude da sucessão.

Este é um tributo de competência estadual, nos termos do artigo 155, inciso I da Constituição Federal (Brasil, 1988). Desta forma, toma-se por base, a legislação do Estado de São Paulo acerca deste tributo, expressa pela Lei nº 10.705/2000 (São Paulo, 2000).

O artigo 2º do referido normativo dispõe que:

 

Artigo 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

I – por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;

II – por doação.

1º – Nas transmissões referidas neste artigo, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários.

2º – Compreende-se no inciso I deste artigo a transmissão de bem ou direito por qualquer título sucessório, inclusive o fideicomisso.

3º – A legítima dos herdeiros, ainda que gravada, e a doação com encargo sujeitam-se ao imposto como se não o fossem.

4º – No caso de aparecimento do ausente, fica assegurada a restituição do imposto recolhido pela sucessão provisória.

5º – Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão (São Paulo, 2000).

 

Ao analisar o texto legal, é possível compreender que toda transmissão de bens ou direitos, realizada a título não oneroso, é objeto de incidência do ITCMD, seja por doação ou por sucessão.

Entretanto, no caso da constituição do Trust e, consequente, transferência dos bens do Settlor ao Trust, estes ativos estão sendo transmitidos para serem administrados em favor de terceiros. Desta forma, assim como acontece com o ITBI, o Trustee não adquire plena propriedade dos ativos, portanto tal movimento não configura doação, nem se enquadra na hipótese de transmissão causa mortis. Por conseguinte, conclui-se que não há incidência do ITCMD no momento da constituição do Trust (Santos, 2009, p. 193-194).

Em suma, a análise dos diferentes tributos aplicáveis ao Trust revela que, em geral, a constituição de um Trust não gera incidência de IRPF, ITBI ou ITCMD. O Settlor experimenta um decréscimo patrimonial ao transferir a propriedade ao Trustee, que não adquire a plena propriedade dos bens, mas sim a titularidade e deveres relacionados à sua administração. Assim, a tributação de beneficiários ocorre apenas em casos específicos, como quando há distribuições periódicas realizadas pelo Trust durante a vida do Settlor, ou quando a transmissão de bens ocorre no momento do falecimento do Settlor.

 

3.2.2 Tributação da Distribuição aos Beneficiários

Em conformidade com o que fora exposto nos capítulos anteriores, no evento da distribuição dos ativos do Trust, o beneficiário adquire acréscimo patrimonial, fato este que, isoladamente, é hipótese de incidência do imposto de renda nos termos do artigo 43 do Código Tributário Nacional (Brasil, 1966).

Entretanto, o artigo 6º, inciso XVI, da Lei nº 7.713/88 determina a isenção do IRPF sobre os valores percebidos a título de doação ou herança: “Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (…) XVI – o valor dos bens adquiridos por doação ou herança” (Brasil, 1988).

Cabe mencionar, porém, que a Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta COSIT nº 41/2020, que determina a incidência do referido imposto sobre os bens adquiridos em virtude da distribuição de Trusts por beneficiários residentes fiscais no Brasil (Receita Federal do Brasil, 2020). Isso porque, no caso analisado pela RFB, foram realizadas múltiplas transferências aos beneficiários, o que caracterizou distribuição de rendimentos e não transmissão causa mortis ou doação.

Apesar de as soluções de consulta COSIT serem vinculantes[6], este entendimento ainda é controverso e passível de questionamento, a depender da estrutura, finalidade e regras de distribuição adotadas pelo Trust.

Da mesma forma que ocorre com a transferência das propriedades ao Trustee, não cabe falar-se em ITBI na transferência dos ativos do Trust aos beneficiários, vez que este ato não é oneroso em nenhuma esfera. Assim, ainda que haja a celebração de negócio jurídico inter vivos, este não é oneroso, portanto não pode ser hipótese de incidência do ITBI.

Para finalizar a análise dos impactos tributários inerentes ao Trust, trata-se do ITCMD na transferência dos ativos do Trust aos beneficiários.

Apesar de, claramente, essa movimentação se enquadrar nas hipóteses de transmissões abrangidas pelo ITCMD, quais sejam, transmissões causa mortis ou doações, de bens e direitos, a título gratuito, recente decisão do Supremo Tribunal Federal mudou o entendimento acerca da tributação dessas operações.

Isto pois, no julgamento do RE 851108 (Brasil, 2022), foi analisada pela corte suprema a possibilidade de cobrança do ITCMD com base com base no art. 24, § 3º, da CF e no art. 34, § 3º, do ADCT, que confere aos Estados competência plena legisladora diante da inexistência de lei complementar que verse sobre o tema.

O ITCMD, apesar de ser um imposto de competência Estadual, nos casos em que os bens transmitidos ou o doador ou de cujus estão localizados no exterior, o artigo 155, parágrafo 1º, inciso III da Constituição Federal (Brasil, 1988).

O STF, ao analisar o tema 825 de repercussão geral, decidiu que é inconstitucional a cobrança do ITCMD pelos Estados nas hipóteses elencadas no artigo supracitado, devendo lei complementar versar sobre o tema. Desta forma, a partir de maio de 2022, todas as transmissões que envolvem o exterior não poderão ser tributadas pelo ITCMD enquanto não houver edição de lei complementar.

Neste sentido, tem o Tribunal de Justiça de São Paulo decidido sobre o tema:

 

Apelação Cível – Mandado de segurança – ITCMD – Impetrante que recebeu através de “trust“, a título de doação, a totalidade das ações de empresa localizada no exterior – Alegação de invalidade da Lei Estadual nº 10.705/00 que instituiu o imposto – Cabimento – Hipótese em que a Constituição Federal condicionou a instituição da exação a lei complementar que ainda não foi editada – Inteligência do art. 155, § 1º, III, b, da Constituição Federal – Inconstitucionalidade do art. 4º, inciso II, alínea b, da Lei Estadual nº 10.705/00 declarada por este Tribunal na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000 – Sentença de procedência mantida. Recursos não providos (São Paulo, 2021).

 

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. DOAÇÃO DE AÇÕES DE EMPRESA ESTRANGEIRA. ITCMD. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Doação de ações de empresa estrangeira por “trust” estabelecido no exterior. Hipótese de tributação pelo ITCMD que depende da edição de lei complementar, nos termos do art. 155, § 1º, III, a, da Constituição Federal. Impossibilidade de cobrança do tributo pelo Estado de São Paulo, com base na Lei Estadual 10.7005/00. Inconstitucionalidade já declarada pelo C. Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça (Arguição de Inconstitucionalidade n. 0004604-24.2011.8.26.0000). Aplicabilidade do Tema de Repercussão Geral nº 825, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Sentença de procedência mantida. Recurso de apelação e remessa necessária não providos (São Paulo, 2022).

 

Assim, conclui-se que a transferência dos ativos decorrente da dissolução do Trust, em virtude do falecimento do Settlor, não deve ser tributada pelo ITCMD.

 

4. FUNDOS DE INVESTIMENTO

Por fim, passa-se rapidamente pelo conceito e tributação dos fundos de investimento, pois estes são menos utilizados nos planejamentos patrimoniais e, quando aplicados, geralmente detém destinação específica.

Pode-se chamar de fundos de investimento no exterior a combinação de recursos, que tem como finalidade a aplicação no mercado financeiro. Portanto, os bens transferidos aos fundos de investimento são, normalmente, valores pecuniários.

Diferentemente do exterior, os fundos de investimento brasileiros são sistematizados em forma de condomínio, nos termos da Instrução da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) nº 555 de 2014 (Comissão de Valores Mobiliários, 2014). Estas estruturas devem ser administradas por pessoas jurídicas especializadas e estas devem obter a autorização da CVM para o exercício da sua função.

Já no exterior, os fundos de investimento assumem forma de sociedade e podem assumir diversos tipos societários como, por exemplo, sociedades de responsabilidade limitada, ou sociedades anônimas, a depender da jurisdição em que estão localizados.

Interessante pontuar que no exterior é muito comum que os fundos tenham subdivisões, tanto em classes de ações como em participação em outras sociedades e os investimentos realizados por eles são segregados e não se comunicam.

Por serem configurados na forma de sociedade no exterior, a tributação aplicada a eles no Brasil é similar à das sociedades offshore. Portanto, estão sujeitos à tributação apenas pelo imposto de renda serão tributados somente os valores relativos aos rendimentos que forem efetivamente devolvidos aos seus acionistas.

 

Considerações Finais

Este trabalho teve por objetivo a análise das estruturas societárias mais utilizadas no exterior, para fins de planejamento patrimonial de pessoas físicas no Brasil, de forma a apresentar seus conceitos, estruturas, principais questões relativas ao seu funcionamento e sua tributação aqui no Brasil.

A priori, foi realizado o estudo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre a renda das pessoas físicas, para delimitar a incidência deste tributo tão relevante ao escopo do trabalho. Com isso, conclui-se que a tributação da renda ocorre sobre a aquisição de disponibilidade, decorrente de acréscimo patrimonial auferido pelos contribuintes, oriundos do trabalho, do capital, ou da combinação de ambos.

Analisaram-se também os benefícios genéricos da manutenção de investimentos no exterior e sua respectiva tributação no Brasil, a fim de estabelecer uma linha de raciocínio apropriada para a realização de uma análise mais aprofundada acerca das vantagens proporcionadas por cada uma das estruturas. Com isso, pôde-se observar que a legislação brasileira traz inúmeras possibilidades de tratamento tributário, a depender da categoria de investimento mantido no exterior.

A começar pelas sociedades offshore, constatou-se que o único imposto incidente sobre os rendimentos por elas obtidos é o IRPF, que será cobrado na forma de ganho de capital, sob alíquotas progressivas, quando da entrega dos valores auferidos aos sócios, mediante distribuição de lucros ou alienação.

Já a respeito do Trust, por esta se tratar de uma estrutura mais complexa, notou-se que seu desenvolvimento se pauta em uma relação de confiança, em que as vontades do Settlor devem ser seguidas pelo administrador fiduciário, conforme o que for estipulado em seu instrumento constitutivo.

Quanto à tributação, verifica-se dois momentos cruciais para a análise, quais sejam (i) a transferência dos bens ao Trustee; e (ii) a distribuição dos bens aos beneficiários. No primeiro momento, não deve ocorrer tributação da renda, por não haver aquisição de disponibilidade, do ITBI por não se tratar de negócio jurídico oneroso, nem de ITCMD, por não ser uma transmissão causa mortis, nem doação. Já no segundo momento, há controvérsias quanto à incidência do IRPF por recente pronunciamento da Receita Federal do Brasil, a incidência do ITBI se mantém afastada e o ITCMD não poderá ser cobrado por ausência de Lei Complementar que verse sobre o tema, conforme decidido pelo STF no julgamento do tema de repercussão geral nº 825.

Por fim, quando aos fundos de investimento, estes se organizam no exterior de forma diferente aos existentes no Brasil, de forma que os rendimentos por eles produzidos são tributados de forma semelhante às sociedades offshore.

Conclui-se, portanto, que são inúmeras as possibilidades de planejamento patrimonial existentes hoje, ainda mais com a utilização de veículos no exterior, de forma que cabe a análise individual de cada caso para a determinação da maior vantagem tributária.

 

Referências

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Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 8.981, de 19 de janeiro de 1995. Altera a legislação tributária Federal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de janeiro de 1995, ano 1995.  Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8981.htm. Acesso em: 22 out. 2022.

 

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[1]Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil no XXXV em outubro de 2022. Possui vasta experiência em assessorar clientes nacionais e internacionais nas áreas de Planejamento Patrimonial e Sucessório, Tributária e Reorganização Societária Offshore. E-mail: [email protected]

[2]Art. 1º e preâmbulo da Instrução Normativa SRF nº 118/2000; Arts. 2º e 3º e preâmbulo da Instrução Normativa SRF nº 84/2001 (VALOR, 2022).

[3]Art. 1º Para efeitos do disposto nesta Instrução Normativa, consideram-se países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade, as seguintes jurisdições (…). (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2010).

[4]Art. 1º Os rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior, inclusive de órgãos do Governo brasileiro localizados fora do Brasil, e os ganhos de capital apurados na alienação de bens e direitos situados no exterior por pessoa física residente no Brasil, bem assim os rendimentos recebidos e os ganhos de capital apurados no País por pessoa física não-residente no Brasil estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda, conforme o disposto nesta Instrução Normativa, sem prejuízo dos acordos, tratados e convenções internacionais firmados pelo Brasil ou da existência de reciprocidade de tratamento.§ 1º Consideram-se recebidos os rendimentos e ganhos de capital no mês em que primeiro ocorrer o pagamento, crédito, emprego, entrega ou remessa ao beneficiário (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2002).

[5]Sistema jurídico inspirado nas raízes da cultura jurídica da Inglaterra, que é, em essência, um sistema jurisprudencial.

[6]Art. 31. Para fins do disposto no art. 30, serão observados os atos normativos, as soluções de consulta e de divergência sobre a matéria consultada proferidas pela COSIT, bem como as soluções de consulta interna da COSIT e os demais atos e decisões aos quais a legislação atribua efeito vinculante (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2021).

 

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