Liberdade religiosa e o proselitismo

Resumo: Esse artigo tem como escopo demonstrar que, infelizmente, o estado brasileiro que se auto intitula estado laico, tem preponderância pelas religiões cristãs: católica e evangélica, em detrimento das outras. A constituição federal proíbe o estado religioso. Dessa forma, esse artigo demonstrará que o estado brasileiro caminha a passos largos para um estado confessional e intolerante.

Palavras-chave: religião – estado laico – proselitismo – liberdade – expressão

Abstract: This article wants to demonstrate that, unfortunately, the Brazilian State self titled a secular state, has the preponderance for a christianity, like catholic and evangelical in detriment  to others. The federal constitution prohibits the religious state, however, some attitudes of state it seems like this kind of state, a confessional. So, this article will demonstrate that the Brazilian state strides for a confessional and intolerant state.

Password: religion – secular state – proselytizing – freedom – expression

Sumário: Introdução I. A questão da liberdade religiosa na Constituição Federal de 1988 II. Do Preâmbulo. III. Liberdade religiosa. IV. Assistência Religiosa V. Escusa de Consciência VI.do inciso I do artigo 19. VII. A questão dos crucifixos e imagens em repartições publicas. VIII. Do ensino religioso.IX. Do proselitismo religioso no Brasil. Conclusão. Referencias

Introdução

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela)

A religião é o ópio da sociedade. È com essa frase de Karl Marx que inicia-se o presente trabalho. Com a finalidade de demonstrar que o estado brasileiro, estado que se diz laico, tem pré disposição para tolerar e incorporar determinadas religiões em detrimento de outras.

Isto é, algumas religiões se aproveitam  de cargos ou funções estatais para embaraçar-lhes o funcionamento com o estado, por intermédio do que se conhece por proselitismo religioso.

Segundo Paulo Nader:

“Por muito tempo, desde as épocas mais recuadas da história, a Religião exerceu um domínio absoluto sobre as coisas humanas. A falta do conhecimento científico era suprida pela fé. As crenças religiosas formulavam as explicações necessárias. Segundo o pensamento da época, Deus não só acompanhava os acontecimentos terrestres, mas neles interferia. Por sua vontade e determinação, ocorriam fenômenos que afetavam os interesses humanos. Diante das tragédias, viam-se os castigos divinos; com a fartura, via-se o prêmio”.[1]

Já para Durkheim,

“uma religião é um sistema solidário de crenças e de praticas religiosas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e praticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem. O segundo elemento que participa assim de nossa definição não é menos essencial que o primeiro, pois, ao mostrar que a ideia de religião é inseparável da ideia de igreja, ele faz pressentir que a religião deve ser uma coisa eminentemente coletiva.”[2]

Durkheim ainda observa:

O sagrado e o profano foram sempre e por toda a parte concebidos pelo espírito humano como gêneros separados, como dois mundos entre os quais nada há em comum. (…) Uma vez que a noção de sagrado é no pensamento dos homens, sempre e por toda a parte separada da noção do profano. (…) Mas o aspecto característico do fenômeno religioso é o fato de que ele pressupõe uma divisão bipartida do universo conhecido e conhecível em dois gêneros que compreendem tudo o que existe, mas que se excluem radicalmente. As coisas sagradas são aquelas que os interditos protegem e isolam; as coisas profanas, aquelas às quais esses interditos se aplicam e que devem permanecer à distancia das primeiras. (DURKHEIM, 1989, p. 70).[3]

Nota-se pela expressão de Durkheim, a religião deve ser entendida de forma coletiva. Diversamente, Manoel Gonçalves Ferreira Filho aduz que ,  “a crença pode manifestar-se pela conduta individual, notada pelos que com o indivíduo convivem, sem que a pessoa pretenda com isso proselitismo”[4].

Com a religião pode-se chegar a qualquer lugar e conseguir o que quiser, apenas com a simples alegação de que um “ser supremo” construiu o que se entende de mundo e comanda a vida de todo ser existente no universo e, se você adorar e reverenciar a este “ser supremo” acima de si mesmo, você será agraciado.

Dessa forma, a partir da premissa de que “um ser supremo” castiga, pune e está de olho em tudo que você faz, o ser humano se auto pune, se auto controla e acima de tudo faz um controle interno para não fazer determinadas coisas e “ofender” o “ser supremo”

Com base nesse tipo de controle social, pois não se pode esquivar da afirmação de que essa situação narrada acima é um controle social, alguns aproveitam do fato para mesclar as crenças pessoais com o estado, com  uma forte opinião publica a respeito de qualquer assunto com base na crença pessoal.

Essa influencia é visivelmente notada nas bancadas que compõem o congresso nacional, as chamadas bancadas teocráticas. Segundo informações da revista veja, a bancada evangélica utiliza de fies como plataforma política. São muitos os indícios de que alguns deputados evangélicos utilizam os seguidores como massa de manobra.

Outro fato importante e recente, diz respeito ao fato de que o deputado evangélico Marco Feliciano, conhecido pelos comentários homofóbicos, racistas e antissemitas, faz parte da comissão de direitos humanos. Incongruência?

A bancada evangélica tem feito o monitoramento de mais ou menos 368 de projetos da Camara e do Senado, a maioria desses projetos diz respeito a direitos individuais. Não agem de acordo com o programa dos seus partidos, legalmente constituídos e pelos quais foram eleitos, mas sim pelas orientações religiosas a que professam.

O Supremo Tribunal Federal aprovou de forma unanime a união homoafetiva estável e o Superior Tribunal de Justiça aprovou o primeiro casamento homoafetivo, abrindo precedente para a pratica seja adotada em todo o pais. O Conselho Nacional de Justiça com intuito de colocar em pratica aquilo que foi decido pelo STF e STJ, em maio de 2013 editou a resolução 175 que proíbe as autoridades competentes de se recusarem a habilitar, celebrar casamento civil ou de converter união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Se o cartório não cumprir ou se recusar, o casal interessado poderá levar o caso ao juízo corregedor da comarca para que ele determine o cumprimento da medida, alem de ser aberto processo administrativo contra o oficial que se negou a celebrar ou reverter a união estável em casamento.

Interessante notar que em total desacordo com os ditames sociais modernos e indo de encontro com a evolução social, a frente parlamentar evangélica (constituída no âmbito do congresso nacional, integrada por deputados federais e senadores da republica) entrou com um pedido de inclusão na legislação brasileira de um dispositivo que impeça que igrejas sejam obrigadas a celebrar cerimônias de casamento entre homossexuais. Entretanto, em momento algum a aprovação da união estável e do casamento homoafetivos interfere nas praticas religiosas, não se deve confundir o código civil com a religião.

A impressão que se tem é que a bancada evangélica acha que o estado está conectado com a religião, e sendo assim, como foram eleitos pelo voto do povo, o povo (a maioria) acredita que existe Deus e que o estado deve atuar de acordo com aquilo que a bíblia sagrada prega.

Muitos deputados e senadores não separam a função publica com a crença pessoal, essa é uma pratica que ocorre constantemente. Os membros do poder executivo, legislativo e judiciário devem exercer a suas funções de acordo com os princípios fundamentais do estado e não da religião.

Já a existência de uma bancada católica não é confirmada oficialmente pelos deputados nem pela conferencia nacional dos bispos do Brasil mas tem membros atuantes não oficialmente no congresso que se unem em alguns assuntos para derrubar alguns projetos de lei que segundo eles não estão de acordo com a Fe, com a moral e os bons costumes, mas estão de acordo com o tipo de sociedade em que vivemos.

Por todo o exposto, procurou-se com este estudo, retratar a atual situação do estado Brasileiro em relação a invasão da religião com  o estado e demonstrar que não se pode olvidar das minorias que também compõem o estado e não estão representadas no Congresso Nacional e nem em qualquer outro local, pelo contrario. Os ateus, os adeptos de religiões africanas estão sendo cada vez mais hostilizados devido a projeção das falas de alguns congressistas em incitar o ódio a religiões que tem princípios diversos dos deles. Bem como, instigam o ódio ao ateu, que é tratado como um “satanás” e criminoso pela mídia brasileira, sempre com o impulso de parlamentares que mesclam as crenças pessoais com o estado.

I.A questão da liberdade religiosa na Constituição Federal de 1988

A constituição federal de 88, tendo em vista as atrocidades cometidas a época da ditadura militar, visou garantir em seu corpo um rol expressivo de direitos e garantias individuais ou coletivos, justamente para evitar que as barbaridades ocorridas em um passado não tão distante não ocorram novamente.

Dessa forma, o tratamento dispensado à liberdade religiosa pela constituição federal de 1988 inicia-se logo no Preâmbulo, em seguida com o artigo 5, inciso VI da Constituição Federal e tem continuidade nos incisos VII e VIII do mesmo artigo e no artigo 19, inciso I do mesmo diploma.

II.Do Preâmbulo

Já no preâmbulo encontra-se os seguintes dizeres: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da Republica Federativa do Brasil.”

Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, o preâmbulo se situa no domínio político, possui caráter político-ideologico sem qualquer valor normativo e forca vinculante, não pode ser parâmetro para o controle de constitucionalidade.

Assim dispôs o voto da ministra Carmem Lucia:

 “Devem ser postos em relevo os valores que norteiam a Constituição e que devem servir de orientação para a correta interpretação e aplicação das normas constitucionais e apreciação da subsunção, ou não, da Lei 8.899/1994 a elas. Vale, assim, uma palavra, ainda que brevíssima, ao Preâmbulo da Constituição, no qual se contém a explicitação dos valores que dominam a obra constitucional de 1988 (…). Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que podem conduzir ao bem-estar, à igualdade e à justiça, mas a sociedade haverá de se organizar segundo aqueles valores, a fim de que se firme como uma comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos (…). E, referindo-se, expressamente, ao Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, discorria José Afonso da Silva que ‘O Estado Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de determinados valores supremos. ‘Assegurar’, tem, no contexto, função de garantia dogmático-constitucional; não, porém, de garantia dos valores abstratamente considerados, mas do seu ‘exercício’. Este signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o objetivo de ‘assegurar’, tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos valores em direção (função diretiva) de destinatários das normas constitucionais que dão a esses valores conteúdo específico’ (…). Na esteira destes valores supremos explicitados no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é que se afirma, nas normas constitucionais vigentes, o princípio jurídico da solidariedade.”[5]

Alem disso, “o preâmbulo da constituição não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição Estadual, não tendo força normativa.” [6]

A decisão do Supremo, ao meu ver, deixa a desejar e esquece novamente das minorias. Aqueles que não acreditam em Deus se sentem ultrajados com o que está disposto no preâmbulo.

Mais uma vez se nota que como o estado brasileiro tem raízes cristas, ele aproveitou para inserir “sob a proteção de Deus” no preâmbulo. Isso, apenas corrobora a ideia de que o estado brasileiro ainda é “menino” e tem muito a crescer e evoluir, pois quando estiver ciente de que dentro do seu território há inúmeros tipos de crenças e que, em conjunto, cada uma delas representa “O Estado Brasileiro”, verá que esse “relapso” é inadmissível e que isso gerará enormes prejuízos para uma esfera social que já há tempos é marginalizada pelos fervorosos religiosos.

III.Liberdade religiosa

O inciso VI do artigo 5 traz que  “ é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.”

Nota-se que a Constituição Federal buscou proteger a esfera intima (liberdade religiosa) e a esfera externa (liberdade dos exercícios e dos locais dos cultos religiosos).

Para alguns doutrinadores, a liberdade de consciência e a liberdade de crença são sinônimas, entretanto tal assertiva não pode prosperar, pois como Dirley da Cunha Junior demonstra a seguinte diferenciação: “a liberdade de consciência pode orientar-se tanto no sentido de não admitir crença alguma, como o que propõe o ateu, quanto também pode resultar na adesão a determinados valores morais e espirituais que não se confundem com nenhuma religião, tal como se verifica em alguns movimentos pacifistas que, apesar de defenderem a paz, não implicam qualquer fé religiosa”.[7]

Já a liberdade de crença, segundo o mesmo autor, “envolve o direito de escolha da religião  e de mudar de religião”.[8]

Como salienta Jorge Miranda[9]

“A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinar crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis. E consiste, por outro lado (e sem que haja qualquer contradição), em o Estado não impor ou não garantir com as leis o cumprimento desses deveres. (…)

Se o Estado, apesar de conceder aos cidadãos, o direito de terem uma religião, os puser em condições que os impeçam de a praticar, aí não haverá liberdade religiosa. E também não haverá liberdade religiosa se o Estado se transformar em polícia das consciência, emprestando o seu braço – o braço secular – às confissões religiosas para assegurar o cumprimento pelos fiéis dos deveres como membros dessas confissões.”

Se fazem necessárias algumas palavras sobre a intolerância. Ela começa quando se rotula alguém sobre como ele é ou não é. Se age segundo um pré conceito atribuindo valores positivos ou negativos em relação as características raciais, físicas, emocionais, política, religiosa ou de gênero. È um juízo pré concebido e preconceituoso, esse juízo fora criado sem conhecimento prévio do assunto e se estende no tempo da ignorância sem compreender aquilo que é diferente.

A intolerância religiosa cega as pessoas,  ela é um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a diferenças e religiões. Em alguns casos esse tipo de intolerância se torna perseguição.

A falta de crença não deve ser motivo para discriminação ou ódio. Dentro de um estado laico, todos tem direito a manifestação de sua ideologia e liberdade de expressa-la. 

IV.Assistência Religiosa

Consagra o inciso VII do artigo 5 da Constituição Federal que “ é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.”

Ao que se nota nesse inciso, há uma certa preocupação em se garantir a assistência religiosa nas Forças Armadas, nas penitenciarias, Fundação Casa, etc.

è uma forte corroboração de que o estado não está desvinculado da ideia de um ser supremo que criou “tudo aquilo que existe” e ao mesmo tempo, fica evidente, que o estado brasileiro “supostamente” aceita, em estabelecimentos civis e militares, a influencia de ONGs (católicas, evangélicas, budistas, espíritas, etc) em face daqueles que ali se encontram.

O estado permite que aqueles que acreditam e que estão, em alguns casos, afastados da sociedade possam praticar suas crenças.

V. Escusa de Consciência

Ainda, o artigo 5, inciso VIII, traz que:  “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”

Segundo Celso Ribeiro Bastos, o inciso VIII do artigo 5 da Constituição Federal “cuida da chamada escusa de consciência. È o direito reconhecido ao objetor de não prestar serviço militar nem de engajar-se no caso de convocação para a guerra, sob fundamento de que a atividade marcial fere as suas convicções religiosas ou filosóficas. È verdade que o texto fala em eximir-se de obrigação legal a todos imposta e não especificamente em serviço militar. È fácil verificar-se, contudo que a hipótese ampla e genérica do texto dificilmente se concretizará em outras situações senão naquelas relacionadas com os deveres marciais do cidadão. A experiência de outros países também confirma esse fato.[10]

VI. Do inciso I do artigo 19

O inciso I do artigo 19 da Constituição Cidadã traz que “ é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I. estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse publico”;

Pela disposição desse artigo se subentende que o Brasil é um estado laico. Não deve, em absoluto, privilegiar qualquer religião.

Esse inciso, de forma genérica, traz que em caso de interesse publico e lei tratando sobre a matéria, os entes estatais poderão colaborar com os cultos religiosos ou igrejas, sem atrapalhar o seu funcionamento.

Alguns autores tratam que justamente por essa razão seria mais adequado chamar o estado brasileiro de um estado Plurireligioso que aceita todas as crenças e religiões,  ao invés de um estado laico.

VII. Crucifixos

Muito se discutiu a respeito da questão dos crucifixos, cruz e símbolos religiosos nas repartições publicas. No estado laico, não se deve exteriorizar qualquer tipo de fé para que não se descaracterize a laicidade disposta constitucionalmente. Não se pode interferir na liberdade de crença do cidadão. Com a  retirada de símbolos religiosos dos estabelecimentos estatais preserva-se a ideia da liberdade de religião do individuo.

A origem crista do Brasil importou, necessariamente, no sentido de colocar um crucifixo em cada repartição publica como escolas, prefeituras, etc. Essa atitude, incomodou aqueles que não professam qualquer religião ou diversa da origem crista.

Maria Cláudia Bucchianeri escreveu o seguinte:

“A fixação ou manutenção, pelo Estado ou por seus Poderes, de símbolos distintivos de específicas crenças religiosas representa uma inaceitável identificação do ente estatal com determinada convicção de fé, em clara violação à exigência de neutralidade axiológica, em nítida exclusão e diminuição das demais religiões que não foram contempladas com o gesto de apoio estatal e também com patente transgressão à obrigatoriedade imposta aos poderes públicos de adotarem uma conduta de não-ingerência dogmática, esta última a assentar a total incompetência estatal em matéria de fé e a impossibilidade, portanto, do exercício de qualquer juízo de valor a respeito de pensamentos religiosos”.[11]

O conselho Nacional de Justiça, decidiu que o uso de símbolos religiosos em orgaos da justiça não fere o principio de laicidade do estado. Porem, deixou a critério dos juízes a decisão sobre da permanência de crucifixos nas paredes das salas de audiência. No STF, Celso de Mello e Marco Aurélio[12] se manifestaram contra a manutenção do crucifixo no plenário.

Segundo Marco Antonio, “Os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais”, Ele afirmou que as concepções morais religiosas — unânimes, majoritárias ou minoritárias — não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se limitar às esferas privadas.

Relator desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Claudio Baldino Maciel em seu voto histórico propaga a seguinte ideia:

“(…) Logo, quis o Brasil que o Estado seja laico, vale dizer, um Estado inteiramente separado da Igreja e que, além de não adotar, se mostre indiferente e neutro com relação a qualquer religião professada por parte de seu povo, embora deva não intromissão e respeito a todas.

A laicidade opera em duas direções, complementares e importantes: por um lado, o Estado não se pode imiscuir em temas religiosos, ou seja, não pode embaraçar, na dicção constitucional, o funcionamento de igrejas e cultos religiosos ou mesmo manifestação de fé ou crença dos cidadãos, o que significa salvaguarda eficaz para a prática das diversas confissões religiosas; por outro lado, no entanto, a laicidade protege o Estado, como entidade neutra nesta área, da influência religiosa, não podendo qualquer doutrina ou crença religiosa, mesmo majoritária, imiscuir-se no âmbito do Estado, da política e da res pública.

Em outras palavras, o Estado laico protege a liberdade religiosa de qualquer cidadão ou entidade, em igualdade de condições, e não permite a influência religiosa na coisa pública.(…)”

(…) Foi certamente com base em compreensão similar que o então Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2009, determinou a retirada do crucifixo da sala do Órgão Especial e desativou a capela confessional existente nas dependências do tribunal, promovendo a criação de um local ecumênico no prédio. O Presidente em questão tem origem judaica e, talvez por tal circunstância, tenha melhor compreendido a discriminação que possa significar, para quem professa outras crenças, o símbolo máximo de uma única determinada religião em um prédio público.

Ora, a laicidade deve ser vista, portanto, não como um princípio que se oponha à liberdade religiosa. Ao contrário, a laicidade é a garantia, pelo Estado, da liberdade religiosa de todos os cidadãos, sem preferência por uma ou outra corrente de fé. Trata-se da garantia da liberdade religiosa de todos, inclusive dos não crentes, o que responde ao caro e democrático princípio constitucional da isonomia, que deve inspirar e dirigir todos os atos estatais de acordo com um imperativo constitucional que não se pode desconhecer ou descumprir.(…)

No entanto, à luz da Constituição, na sala de sessões de um tribunal, na sala de audiências de um foro, nos corredores de um prédio do Judiciário mostra-se ainda mais indevida a presença de um crucifixo (ou uma estrela de Davi do judaísmo, ou a Lua Crescente e Estrela do Islamismo) do que uma grande bandeira de um clube de futebol.

Isto porque, ao passo em que a presença da bandeira de um clube de futebol na sala de sessões de um tribunal não fere o princípio da laicidade do Estado (ao contrário da presença da presença do crucifixo, que fere tal princípio), a presença de qualquer deles – bandeira de clube ou crucifixo – em espaços públicos do Judiciário fere o elementar princípio constitucional da impessoalidade no exercício da administração pública. Ou seja, a presença de símbolos religiosos em tais locais viola, além do princípio da laicidade do Estado e da liberdade religiosa, também o princípio da impessoalidade que rege a administração pública.[13]

È evidente que o crucifixo pregado nas repartições publicas fere o estado laico. O mais sensato seria se, em um caso concreto, o magistrado segundo sua religião acrescentar ou não em seu gabinete. A utilização do crucifixo deve corresponder com a crença de quem utiliza a sala.

VIII. Do ensino religioso no Brasil

Segundo o parágrafo primeiro do artigo 210 da Constituição Cidadã, “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. – parágrafo 1 – o ensino religioso, de matricula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas publicas de ensino fundamental.”

Há uma aparente contradição entre esse parágrafo do artigo 210 e o inciso I do artigo 19 ambos da Constituição de 1988. Com o intuito de resolver a questão encontra em tramitação a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4439 que prega para que este ensino religioso seja não confessional, isto é, desvinculado de qualquer igreja ou crença religiosa.

O que levou à proposta dessa ADI, foi o acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica do Brasil, onde prevê em seu artigo 11, parágrafo 1 que “o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matricula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas publicas (…)

È visível a propensão em se adotar o ensino religioso confessional, enfático ao catolicismo, em detrimento das outras religiões.

E onde fica o estado laico? Se o ensino religioso nas escolas for não confessional, estará de acordo com os ditames estabelecidos na constituição, e se ensinará não apenas sobre as religiões majoritárias, como o catolicismo e o protestantismo, como também as religiões minoritárias brasileiras, o candomblé, espiritismo, agnóstico, judaísmo, entre outros.

Aqueles que ministrarão as aulas devem despojar-se de qualquer tipo de proselitismo e juízos de valor, com a consequência de somente expor a origem, historia e os dogmas das religiões estudadas.

Em compensação se o ensino religioso ensinado nas escolas for confessional, a probabilidade de apenas se ensinar a religião do próprio professor é enorme. Essa imposição fere veementemente o estado laico, pois aquele que não professa a mesma religião de quem ensina, não se sentiria abrangido.

Extra Extra Extra – Onu critica imposição de ensino religioso no Brasil

Segundo reportagem do jornal Estado de São Paulo[14], centenas de escolas públicas em pelo menos 11 Estados do Brasil não seguem os preceitos do caráter laico do Estado e impõem o ensino religioso, alerta a Organização das Nações Unidas. O relatório elaborado pela relatora da Onu, Farida Shaheed traz que o governo brasileiro deve frear ataques realizados por “seguidores de religiões pentecostais” contra praticantes de religiões afro brasileiras no Brasil. A relatora ainda traz que “recursos de um estado laico não devem ser usados para comprar livros religiosos para escolas.”

Para Farida, "deixar o conteúdo de cursos religiosos ser determinado pelo sistema de crença pessoal de professores ou administradores de escolas, usar o ensino religioso como proselitismo, ensino religioso compulsório e excluir religiões de origem africana do curriculum foram relatados como principais preocupações que impedem a implementação efetiva do que é previsto na Constituição".

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação diz que o ensino religioso deve ser oferecido em todas as escolas públicas de ensino fundamental, mas a matrícula é facultativa. A definição do conteúdo é feita pelos Estado e municípios, mas a legislação afirma que o conteúdo deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa e proíbe qualquer forma de proselitismo.

"Em tese, deveria haver um professor capaz de representar todas as religiões. Mas, como sabemos, é impossível", explica Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). "Além disso, a aula não é tratada efetivamente como facultativa. O arranjo é feito de tal forma que o aluno é obrigado a assistir."

Roseli explica que o modelo brasileiro é pouco usual nos países em que há total separação entre Estado e religião. "Até Portugal, que no regime de Salazar tornou obrigatório o ensino religioso, aboliu as aulas. Educação religiosa deve ser restrita aos colégios confessionais. Lá, o pai matricula consciente."

Por fim, como se entende, o estado brasileiro precisa tomar cuidado em professar determinada religião nas escolas publicas do Brasil, porque poderá incorrer em injustiças e quem sabe até aumentar a intolerância entre seus cidadãos.

IX. Do proselitismo  religioso no Brasil

O estado brasileiro, com base na constituição federal, deve dispensar tratamento igualitário a todas as crenças religiosas, incluindo a não crença e sem adotar nenhuma delas como sua religião oficial.

Então, qual seria o problema?

Simone Andréa Barcelos Coutinho, procuradora em Brasília do município de São Paulo traz que “Num Estado laico todo poder emana da vontade do ser humano, e não da ideia que se tenha sobre a vontade dos deuses ou dos sacerdotes”, escreveu. “Se o poder emana do ser humano, o direito do Estado também dele emana e em seu nome há de ser exercido.”

Por isso, acrescentou, o interesse público “jamais poderá ser aferido segundo sentimentos ou ideias religiosas, ainda que se trate de religião da grande maioria da população.”[15]

O proselitismo é a manobra, a tática, pra conquistar fiéis, com propaganda religiosa à custa de condenações das outras religiões e de artimanhas para atrair adeptos. O proselitismo consiste em rebaixar, ridicularizar, combater as outras religiões, colocando-se numa situação de superioridade e vantagem.

A Corte Europeia dos Direitos Humanos declarou que o proselitismo é um dos componentes da liberdade de religião garantido pelo artigo 9º da CEDH:

Enquanto a liberdade de religião implica também liberdade de manifestar a sua religião. Dar testemunho com as palavras e gestos é estritamente ligado à existência da liberdade de religião. Segundo o artigo 9, a liberdade de manifestar sua religião (…) inclui em princípio o direito de tentar convencer seu próprio vizinho, por exemplo, por meio do ensino, faltando esse direito ademais, a liberdade de mudar de religião ou crença, consagrada no artigo 9, é provável de permanecer letra morta.

O proselitismo é um dos males sociais, enquanto o brasileiro não conseguir respeitar ao próximo, aceitando a religião de casa semelhante, a tendência é gritante no sentido de determinadas religiões se sobressaírem em relação as outras e as minorias, que já são esquecidas pelo estado brasileiro, se tornarem cada vez mais massacradas e deixadas de lado.

Deve-se combater o proselitismo de todas as maneiras possíveis, deve-se mostrar que todas as religiões tem suas peculiaridades e são admitidas no estado brasileiro. A religião de um não é melhor que a de ninguém.

A maior preocupação em retratar tal assunto, advem da forca das bancadas no congresso nacional, tanto a evangélica quanto a católica. Essas duas bancadas travam qualquer projeto de lei que vá de encontro com a religião professada. Não se pode admitir que mais uma vez a minoria fique desamparada. O estado brasileiro deve combater essas propagandas eleitorais que ligam a crença da pessoa com o possível cargo almejado. Sabe-se que muitos votam conforme a religião do candidato, em total discrepância com o estado laico brasileiro.

Conclusão

A intenção dessa exposição foi demonstrar que o estado brasileiro ainda tem muito a evoluir e que infelizmente, na pratica, comete alguns deslizes sendo condizente com a intolerância.

Ao invés de punir e inadmitir a intolerância religiosa, o estado se mostra desleixo e dá abertura para que alguns representantes do povo se elejam segundo suas convicções religiosas e gerem mais intolerância.

O disposto na carta de 1988 deveria ser rigorosamente seguido, afinal, a convocação da assembleia constituinte foi um ato do povo soberano representado por aqueles que escolhemos.

Para Konrad Hesse[16], a Constituição deve estar a serviço de uma ordem estatal justa, não lhe competindo somente a função de justificar as relações de poder dominantes. Frequentes reformas constitucionais para atender interesses de quem está no poder, desvalorizam a forca normativa da constituição e a desestabilizam.[17]

As políticas publicas estatais implementadas com o escopo de diminuir a intolerância religiosa, visivelmente não são bem elaboradas e se mostram avessa a realidade social brasileira.

A existência de antagonismo e conflitos no âmbito estatal é inerente a ele. A esfera publica deve ser o local em que conflitos são potencializados e postos em discussão, para que sejam amplamente discutidos por todos, religiosos ou não, políticos ou não, pois essa é a democracia.

Entretanto, alguns limites constitucionais devem ser impostos na discussão, como a proibição ao retrocesso, a dignidade da pessoa humana que é um dos princípios norteadores do ordenamento jurídico pátrio, a liberdade de expressão,  a igualdade entre as pessoas, entre outros que serão no caso concreto analisados.

Muitos já descobriram que a formação de opinião publica é um método poderoso. O formador de opinião deve tomar cuidado com aquilo que diz para não incorrer em preconceito, racismo ou violência perante aquilo que desconhece.

Dessa forma, a liberdade de expressão religiosa deve ser respeitada. Todos tem direito de se expressar e dizer aquilo que pensam e creem, porem, e um foco maior nessa conjunção adversativa, o detentor de carga publico deve ter um maior cuidado ao se expressar pois a liberdade de expressão religiosa não é absoluta, e sim relativa, diferente do principio da dignidade da pessoa humana que, ao meu ver, é absoluto e fundamenta a liberdade de expressão religiosa.

 

Referencias
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito Constitucional. 33. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, 1991.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm, 2008
DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa: O sistema totêmico na Austrália. Trad. Paulo Neves. São Paulo. Martins Fontes, 1996.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito Constitucional. Tomo IV, direitos fundamentais. 3 ed. rev. actual. Coimbra Editora. 2000
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2011.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo de Direito.30.ed.Rio de Janeiro:Forense,2008.
SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.
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Notas:
 
[1]  NADER, Paulo. Introdução ao Estudo de Direito.30.ed.Rio de Janeiro:Forense,2008. p.37

[2] DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa: O sistema totêmico na Austrália. Trad. Paulo Neves. São Paulo. Martins Fontes, 1996. P  32
 

[3] DURKHEIM, 1989, p. 70

[4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito Constitucional. 33. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 299.

[5] ADI 2.649, voto da Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-5-2008, Plenário, DJE de 17-10-2008

[6] ADI 2.076, Min. Relator. Carlos Velloso, julgamento em 15 de agosto de 2002.

[7] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm, 2008, pp. 650-651

[8] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 651

[9] MIRANDA, Jorge. Manual de direito Constitucional. Tomo IV, direitos fundamentais. 3 ed. rev. actual. Coimbra Editora. 2000, p. 409.

[10] BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional. 21 ed. São Paulo, Saraiva, 2000.

[11] Cf. PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A condenação da Itália pela Corte Europeia de Direitos Humanos, por ostentar crucifixos em escolas públicas. Uma lição ao Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2326, 13 nov. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13844>. Acesso em: 28 dez. 2013

[13] Revista Eletrônica PRPE, maio de 2007

[16] HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, 1991. Pag.


Informações Sobre o Autor

Thalita Borin Nóbrega

Mestraem direito constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino ITE pós graduada em direito penal e processo penal pela Faculdade Damásio de Ensino cursando pós graduação em criminologia e políticas publicas, Advogada


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