A luta pelo direito (humano) dos refugiados: contextualização, legislação e órgãos de proteção nacional e internacional dos refugiados

Resumo: O presente artigo surge como proposta de atividade de pesquisa na disciplina de Direitos Humanos, com abordagem do tema “a luta pelo direito (humano) dos refugiados: contextualização, legislação e órgãos de proteção nacional e internacional dos refugiados”. Procedeu-se à pesquisa bibliográfica com leitura de obras, relatórios, artigos e editoriais de periódicos da internet para compor o arcabouço teórico necessário à tessitura desse trabalho. A pesquisa considera a abordagem de princípios importantes como a dignidade da pessoa humana e o princípio da não-devolução.  Improvável que um artigo possa exaurir o conteúdo do tema em estudo, e/ou satisfazer o pesquisador (ou, ainda o leitor) que faz do direito de refúgio, objeto de suas lucubrações. Pelo contrário, ao final da pesquisa e redação do texto, outras indagações e inquietações surgiram na equipe de pesquisa, que compõem reações típicas daqueles que se enveredam em atuar como atores da ciência, e não como meros figurantes.[1]

Palavras-chave: Direitos Humanos; Direito dos Refugiados; Direito Internacional dos Refugiados; Dignidade da pessoa humana.

Abstract: The present article appears as a proposal for an extension activity in the discipline of Human Rights, focusing on the theme "the fight for refugees' human rights: contextualization, national and international refugee protection legislation and bodies, and concrete cases". The bibliographical research was carried out with a reading of works, reports, articles and periodicals of the internet to compose the theoretical framework necessary to the texture of this work. The research considers the approach of important principles such as the dignity of the human person and the principle of non-devolution. It is unlikely that an article can exhaust the content of the subject under study, and / or satisfy the researcher (or even the reader) who makes the right of refuge an object of his lucubrations. On the contrary, at the end of the research and writing of the text, other questions and concerns arose in the research team, which compose reactions typical of those who undertake to act as actors of science, and not as mere extras.

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Keywords: Human rights; Refugee Law; International Refugee Law; Dignity of human person.

Sumário: Introdução. 1. Contextualização do tema refugiados. 1.1. Considerações iniciais. 1.2. Marco histórico para o direito dos refugiados. 2. Proteção aos refugiados: âmbito internacional e nacional. 2.1. Proteção internacional dos refugiados: órgãos e legislação. 2.2. Proteção nacional dos refugiados: órgãos e legislação. Conclusão.

INTRODUÇÃO

A luta pelo direito humano do refugiado é um artigo científico que se presta a discutir de forma concisa, porém sem ser reducionista, do direito dos refugiados. O título do artigo em certa medida contempla o pensamento da obra clássica “A luta pelo Direito”, do autor alemão Rudolf Von Jhering.

Essa relação é proposital, pois optou-se por explanar o conteúdo do artigo, considerando em alguma medida a maneira peculiar dos refugiados de resistir, e provocar dos Estados-nacionais ações políticas, humanitárias e jurídicas para proteção daqueles que se encontram no status de refugiados.

O trabalho destaca os aspectos jurídicos do tema, e as questões de fundo do problema dos refugiados, mormente relacionadas aos aspectos políticos dos Estados, serão analisadas, porém sem o aprofundamento epistemológico que um cientista político daria para o mesmo assunto – este é um artigo de Direito. Essa delimitação temática é necessária, do contrário a discussão do tema entraria em tergiversações e prolixidade.

A preferência pelo caráter jurídico, não implica dizer que o tema político tem menor importância; o que ocorre é que para bem tratar dos aspectos políticos que envolvem o direito dos refugiados seria necessário redigir um artigo próprio.

A pesquisa para a redação desse artigo deu-se por bibliografia relacionada à doutrina sobre o tema; com utilização de artigos e editoriais eletrônicos sobre o instituto do refúgio, sem deixar de citar em tópico próprio a legislação internacional e nacional sobre o direito dos refugiados.

Houve a preocupação em não converter o artigo em uma apostila, com citações e conteúdos esparramados sem qualquer apreciação ou crítica. Pelo contrário, a pesquisa constituiu de elementos substanciais, discutindo a legislação, dialogando com os autores citados, e contextualizando temas importante para a disciplina de Direitos Humanos, v. g., a permeabilidade das normas internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.

Com efeito, para alcançar os objetivos traçados no parágrafo anterior, será necessário abordar a doutrina e a legislação sobre o refúgio; somadas à apresentação de alguns dados estatísticos sobre o refúgio no Brasil; e de questões relevantes ao contexto em apreço.

Nessa baila, o artigo “A luta pelo direito humano dos refugiados” teoriza sobre os princípios que regem o tema do refúgio; sem olvidar do supraprincípio da dignidade da pessoa humana que é axioma do ordenamento jurídico pátrio, constituindo princípio medular para compreensão do constitucionalismo contemporâneo.

É de bom alvitre na introdução de um artigo, conceituar vocábulos, citar obras utilizadas durante a pesquisa, e discutir o pensamento dominante sobre o tema em estudo; porém, essa pesquisa, fugindo de lugares-comuns, procederá com essas discussões conceituais quando do desenvolvimento do tema, agregando tais conceitos já na redação de cada tópico, o que parecerá mais didático.

Topograficamente, esse artigo desenvolve-se em dois eixos principais, a saber, (a) contextualização do tema refugiados (em que será tratado os aspectos histórico, doutrinário e conceitual envolvendo o tema); e, (b) legislação e órgãos de proteção nacional e internacional dos refugiados.

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA REFUGIADOS

Esse tópico se propõem a estudar os aspectos conceituais da pesquisa, e será doravante desenvolvido em itens para melhor entendimento dos assuntos tratados.

1.1. Considerações iniciais

Ab initio, entenda-se que o refugiado não é um imigrante comum, mas para sua caraterização exige-se um elemento subjetivo que é a migração por incorrer em risco de sua própria vida, conforme ensina Olívia Cerdoura Garjaka Baptista:

“Os refugiados são pessoas que se diferenciam dos deslocados internacionais classificados como “migrantes tradicionais”. Em geral os migrantes tradicionais têm o seu deslocamento motivado por questões econômicas, isto é, estes migrantes partem em busca de melhores condições de vida. Já os refugiados fogem em virtude de fundado temor de perseguição em busca da preservação da sua vida” (grifo nosso) (BAPTISTA, 2011, p. 173).

Os direitos dos refugiados estão consubstanciados no princípio alicerçador da ordem jurídica dos Estados constitucionalistas atuais, que é a dignidade da pessoa humana, cujo feixe de relações jurídicas incide sobre os Direitos Humanos, com vista a busca da cidadania.

À guisa desse entendimento, assevera Hannah Arendt que:

“Os direitos humanos pressupõem a cidadania não apenas como um fato e um meio, mas sim como um princípio, pois a privação da cidadania afeta substantivamente a condição humana, uma vez que o ser humano privado de suas qualidades – o seu estatuto político – vê-se privado de sua substância, vale dizer: tornado pura substância, perde a sua qualidade substancial, que é de ser tratado pelos outros como um semelhante”, ou seja, o “Estado deve ser instrumento dos homens e não o contrário” (ARENDT, 2001, p. 188-220, apud JUBILUT, 2007, p. 52).

Para fins didáticos convém diferenciar os termos refúgio e asilo levando em consideração a temática jurídica. No ordenamento jurídico brasileiro pode-se perceber distinção entre os dois institutos, porém ressalte-se que em ordenamentos alienígenas alguns países não fazem distinção entre os vocábulos, sendo asilo e refúgio institutos sinônimos.

Nesse diapasão, leciona Jubilut:

“Em primeiro lugar, como já mencionado, vários Estados não apresentam diferenciação clara entre os dois institutos, o que se verifica pela utilização tanto da expressão asilo como da expressão refúgio nas várias versões de texto da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), e em segundo lugar parece que houve a opção pela adoção de uma forma mais genérica, adotando-se o termo mais antigo e criando-se um direito de asilo de modo mais amplo, abrangendo também o refúgio” (JUBILUT, 2007, p. 40).

Todavia, para fins desse artigo toca fazer a diferenciação, por conta de pequenas nuances que podem particularizar os institutos na lei brasileira (lato sensu); não obstante, o direito de refúgio por ser mais abrangente, tende em algumas circunstâncias a cooptar o instituto do asilo, quando da aplicação prática.

Quanto ao instituto do asilo, explica Souza, que o termo “provém da denominação a– não e sylão – arrebatar, extrair, ou seja, a não expulsão, tendo caráter meramente religioso e sua concessão naquela época era dada nos templos antigos”, pois, entendia-se que “os templos eram sagrados e respeitados por todos, assim, eram feitos estes locais, lugares de proteção contra violência e perseguições” (SOUZA, 2008, p. 10).

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O direito de asilo é portanto cerne que motiva, ainda que em pequena escala, os Estados a protegerem a dignidade da pessoa humana num contexto de solidariedade entre si. Em precisa lição de Jubilut: “além do asilo político, o direito de asilo possibilitou também a criação de outra modalidade prática de solidariedade internacional: o refúgio” (2007, p. 42).

As semelhanças entre asilo e refúgio versam comumente sobre cinco aspectos, que com apoio na lição de Souza (SOUZA, 2008, p. 11), são:

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Muito poderia se falar entre as diferenças entre asilo e refúgio, porém, por primar pela concisão, este artigo apresenta, uma síntese sobre esta discussão, retirado de resumo utilizado por Sergio Henrique Leal de Souza:

a) Asilo: “Data da antiguidade. É atualmente praticado, sobretudo, na América Latina. É tema de tratados regionais desde o século XIX. Apresenta hipóteses discricionárias de concessão. Está limitado a questões políticas. Baseia-se na perseguição em si. Não decorre políticas de inserção social. A decisão que o concede tem caráter constitutivo” (SOUZA, 2008, p. 11).

b) Refúgio: “É positivado tão-somente no século XX. Tem abrangência universal. Possui como base tratados universais, sendo somente a partir da década de 1960, que ele passa a ser tema de tratados regionais. Contém hipóteses claras de reconhecimento do status de refugiado – 5 (cinco) motivos (opinião política, raça, religião, nacionalidade e pertencimento a grupo social). O elemento essencial de sua caracterização é o bem fundado temor de perseguição, ou seja, a perseguição não precisa ter sido materializada. Devem decorrer políticas de integração local dos refugiados. Reconhecimento do status de refugiado é declaratório” (SOUZA, 2008, p. 11).

Convém mencionar que a disciplina constitucional do direito dos refugiados não será discutida nessas considerações iniciais; preferiu-se apontar as normas constitucionais sobre o refúgio no item 2.1, que trata da proteção nacional dos refugiados: órgãos nacionais e legislação, mais ao cabo deste artigo.

A importância de discutir o tema refúgio tem assento no panorama político-social que na atualidade vivem algumas regiões no globo terrestre, o que tem gerado intensos movimentos migratórios, mesmo em países do continente americano, que vivem “pacificamente”, sem qualquer guerra declarada, a grave e generalizada violação de direitos humanos é fator suficiente para a caracterização da situação de refugiados (JUBILUT, 2007, p. 137).

A apreciação do tema toma preponderância ainda, quando se analisa a gestão do país mais poderoso no mundo, os Estados Unidos, que representado pelo atual presidente Donald Trump, tem se manifestado e agido no intuito de mitigar qualquer forma de ajuda humanitária aos imigrantes (que em muitos casos são refugiados).

Em editorial que é recomenda a leitura, o Jornal El País publicou

“Donald Trump prepara seu novo ataque à imigração. […] o presidente dos Estados Unidos ordenou a elaboração de um vasto plano de ação contra os imigrantes em situação irregular. […] Trump joga mais uma pá sobre o legado do Obama e poderá cumprir uma de suas mais desejadas e sombrias promessas: a expulsão maciça de imigrantes. […] ‘Teremos fronteiras fortes outra vez. Os criminosos, as pessoas más, vão para a prisão. Mas a maioria vai embora daqui. Vamos mandá-los para o lugar de onde vieram!’”, prometeu Trump a suas bases. […]” (grifo nosso) (AHRENS, 2017, in Editorial Eletrônico de El País).

Os Estados Unidos têm recebido imigrantes de países da América Latina e outros continentes, e a questão da segurança interna tem tido maior eco para o governo do que os ideários da dignidade da pessoa humana. Também o Brasil tem absorvido imigrantes em seu território, e grande parte deles são refugiados (veja-se gráfico 1, no item 2.1, deste artigo).

O direito de refúgio apresenta-se como uma construção histórica de direitos humanos, portanto não é atemporal, nem ofertado gratuitamente; pelo contrário, é baseado em debates, embates e resistências – o Direito é uma ciência humana, consequentemente, é gerado dos fatos sociais e valores que a sociedade impregna em sua estrutura social.

Os refugiados resistem ou lutam pelos seus direitos (humanos) em suas sôfregas caminhadas às margens de Estados, que não desejam acolhê-los; dentro de embarcações precárias que cruzam os mares, sob os mais diversos riscos; mas a presença dessas populações “nômades” são uma resistência e uma preocupação para as nações.

A existência e presença do status de refugiado é uma forma de luta desses indivíduos, é fato social que enseja discussão do Direito em seus acordes mais altissonantes, pois implica a regulamentação jurídico-institucional do Direito delicado (sensível) entre as pessoas jurídicas mais elevadas na estrutura jurídica, que são os Estados soberanos (pessoas jurídicas de direito externo); e que na ordem jurídica regem-se pelo princípio da igualdade entre os Estados (CARVALHO, 2015).

Apesar de todo esse contexto em que o assunto dos refugiados se insere, há uma resistência, existe uma luta desses indivíduos pelo bem mais elementar do homem, enquanto pessoa de direito, que é a vida.

O Direito se constrói pela luta; em obra clássica, o autor Von Jhering assevera que “se viveis na paz e na abundância, deveis ponderar que outros têm lutado e trabalhado por vós. Se se quiser falar da paz sem a luta, do gozo sem o trabalho, torna-se mister pensar nos tempos do Paraíso, porque nada se conhece na história que não seja o resultado de penosos e contínuos esforços” (JHERING, 2013, p. 15).

O direito dos refugiados possui princípios que o norteiam, sendo pertinente citá-los e conceituá-los nessas noções introdutórias. Vejam-se:

a) Princípio do non-refoulement (ou não-devolução): refere-se ao entendimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos de que a pessoa que goza do status de refugiado (cujo detalhamento se dará no item 2 deste trabalho), não pode ser devolvido ao país de que se refugiou, enquanto persistirem os motivos que ensejaram o refúgio, salvo algumas exceções. (JUBILUT, 2007, p. 76).

b) Princípio do in dúbio pro refugiado: ocorrendo dúvida quanto à situação fática de perseguição do indivíduo ou grupo que se sinta perseguido, o Estado deve optar por acolher o refugiado.

c) Princípio da unidade familiar: é corolário da dignidade da pessoa humana, e disciplina que o núcleo familiar deve ser preservado quando da concessão do refúgio.

A normatização de regras e princípios relacionada aos direitos humanos deve muito ao direito dos refugiados, pois este encerra normas de direito humanitário e de cooperação internacional; concorrendo para essa normatização, a eclosão das Primeira e Segunda Guerras Mundiais, que no item seguinte será explicada.

1.2. Marco histórico para o direito dos refugiados

O arcabouço epistemológico e jurídico relacionado ao direito dos refugiados desabrolha após as duas grandes guerras mundiais do século XX. Com efeito, antes desses traumáticos eventos, o Direito não ocupava-se dos refugiados, pois as normas de Direito que versavam sobre perseguição estatal estavam vinculadas ao conceito de asilo, como já foi visto.

Nessa esteira de pensamento, aponta Liliana Lyra Jubilut que a guerra é o acontecimento principal para o surgimento dos contingentes de refugiado. Diz a autora que:

“Todas as guerras aqui mencionadas apresentaram reflexos diretos sobre a temática dos refugiados: a Primeira Guerra Mundial propiciou a criação do instituto, a Segunda Guerra Mundial, em função do contingente de refugiados produzidos, impeliu à criação do ACNUR e a consolidação do refúgio internacionalmente, e os conflitos internos – que produziram por volta de quatro milhões de refugiados – mostraram que a necessidade do refúgio era ainda iminente” (JUBILUT, 2007, p. 144-145).

O mundo pós Segunda Guerra Mundial viu erguer uma grossa massa humana de refugiados que deixaram seu espaço geográfico, seus países de origem, para preservação das suas vidas.

Dentre os grupos de refugiados desse período, destacam-se: russos, armênios, assírios, assírio-caldeus, turcos e montenegrinos, estes abrangidos pela competência do Alto Comissariado para Refugiados Russos, criado em 1921, pela Liga das Nações (ANDRADE, 1996, p. 32; apud SOUZA, 2008, p. 3).

A questão dos refugiados judeus nesse período também é de importância para entender a preocupação das nações do pós-guerra, em discutir o destino dessas populações que migraram de seu país por conta dos horrores da guerra. Aliás, o caso dos judeus era mais emblemático, pois tratavam-se de refugiados e apátridas.

Convém nesse momento, conceituar a figura do apátrida, e desde já, comentar que esse artigo não se propõe a discutir essa temática. Apesar disso, indiretamente, tudo o que se falou do refugiado, guarda subsunção com os apátridas que estão na condição de refugiados.

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A Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR, in Site Oficial) esclarece que “a apatridia refere-se à condição de um indivíduo que não é considerado como um nacional por nenhum Estado”, e que “a apatridia ocorre por uma variedade de razões incluindo discriminação contra minorias na legislação nacional, falha em incluir todos os residentes do país no corpo de cidadãos quando o Estado se torna independente (sucessão de Estados)”, além de “conflitos de leis entre Estados”.

Retomando o tema principal, é importante destacar que inicialmente a proteção aos refugiados se deu de forma específica, isto é, com a criação de comissariados específicos. Atualmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) dispõe de um órgão único que concentra as políticas internacionais sobre os direitos dos refugiados, que é “o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

Com efeito, o ACNUR, “conhecido como a Agência da ONU para Refugiados, tem o mandato de dirigir e coordenar a ação internacional para proteger e ajudar as pessoas deslocadas em todo o mundo e encontrar soluções duradouras para elas” (ACNUR, Site Oficial).

Além disso, percebe-se que a evolução histórica de proteção ao direito dos refugiados se materializa com o surgimento de direitos e obrigações. Tais normas sobrenadam dos documentos editados nas convenções internacionais, regionais, e locais que versam de direitos dos refugiados (normas especiais) e dos direitos humanos latos.

Nesse diapasão, ao tratar das principais normas de direito internacional e nacional referentes ao refúgio (item 2 deste trabalho), mais evidenciado ainda ficará a evolução histórica do instituto jurídico do refúgio.

2. PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS

2.1. Proteção internacional dos refugiados: órgãos internacionais e legislação

No âmbito da ONU são órgãos que têm atribuições para cuidar dos direitos dos refugiados:

a) Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)

b) Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos

c) Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Como já se viu, a ACNUR é a agência especializada com o objetivo de proteger os refugiados, motivo pelo qual, este artigo dedicar-se-á, precipuamente com ela. Consta dessa agência, o documento que rege os direitos humanos internacionais dos refugiados, que é o Estatuto dos Refugiados ou Convenção de Genebra de 1951.

Por sua vez, os principais documentos internacionais que regulam o direito dos refugiados, em âmbito geral (pois há legislações regionais sobre o tema) são:

a) Estatuto dos Refugiados (Convenção de Genebra de 1951), e

b) Protocolo de 1967

Preliminarmente, convém explicar que o Protocolo de 1967 constitui um documento de caráter ampliativo do conceito do status de refugiado, visto que a Convenção de Genebra de 1951 trazia suas atenções para os refugiados do período pós Segunda Guerra Mundial; e de fato, as primeiras linhas do documento já sinalizam nessa direção (ACNUR, 2017).

Por seu turno, o Estatuto dos Refugiados de 1951, ou Convenção de Genebra de 1951, trouxe cinco condicionantes tradicionais à obtenção do status de refugiado para um indivíduo ou grupo de pessoas, que são: a raça, a nacionalidade, a opinião política, a religião e o pertencimento a um grupo social (JUBILUT, 2007, p. 113).

a) Raça: é temerário afirmar que haja raças na espécie humana, como aponta a publicação científica atual – sugere-se a leitura de Editorial Jornalístico de Spinelli (in UOL NOTÍCIAS, publicação de 2013).

A Convenção de Genebra data de 1951, e há época não se discutia a existência ou não de raças na espécie humana. Todavia, atualmente, esse critério deve ser entendido como fenótipo (i. e., “conjunto de características observáveis num organismo” in Dicionário Priberam) que compõe as características físicas que permitem diferenciar um grupo social de outro: negros, brancos, asiáticos, etc.), aliados esses aspectos físicos aos culturais, o que forma a idiossincrasia de um determinado grupo.

De maneira genérica, observa-se que alguns autores da área das ciências humanas utilizam o termo “raça” sem qualquer olhar crítico quanto ao que implica sua significação.

Vencida essa discussão, o que é relevante para esse artigo é que o leitor perceba que, na forma do Estatuto de 1951, a perseguição por motivo de “raça” pode configurar o status de refugiado para o acossado.

b) Nacionalidade: compreende “o vínculo político e jurídico que une o indivíduo ao Estado” (JUBILUT, 2007, p. 119). A autora ainda destaca que

“A nacionalidade é, ainda hoje, motivo de discriminação em Estados multiétnicos (razão pela qual muitos diplomas legais se preocupam em preservá-la, como, por exemplo, a já citada Lei 7.716/1989, que abrange como crime o preconceito fundado na origem nacional) e provoca a fuga de indivíduos desses, os quais, sem o instituto do refúgio, estariam desprovidos de qualquer proteção” (JUBILUT, 2007, p. 126).

c) Opinião política: esse aspecto pode parecer irrelevante no contexto de regimes democráticos, porém, em regimes totalitários em que o Estado persegue até a morte qualquer forma de opinião, ou manifestação de pensamento que vai de encontro ao regime político, justifica-se que seja esse motivo ensejador do refúgio (Ibidem, p. 128).

d) Religião: o ódio religioso não poderia ser exceção dentre os motivos que dão ocasião ao refúgio, principalmente ao considerar que muitos estados autoritários, são também estados religiosos, isto é, não são estados laicos. O fato desses Estados terem instituído uma religião oficial, revela por si só, a intenção de mitigar, ou até mesmo acrisolar qualquer manifestação religiosa em seus territórios, senão a oficial.

É pertinente a lição de Liliana Lyra Jubilut, quando afirma:

“[…] estabeleceram-se tanto a liberdade de religião como a impossibilidade de discriminação religiosa na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto de Direitos Civis e Políticos e no Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além de ter assegurado o reconhecimento do status de refugiado com base na perseguição religiosa, concessão de extrema importância, uma vez que o maior contingente de refugiados no mundo é, atualmente, o de afegãos com base na perseguição religiosa ocorrida durante o regime talibã” (JUBILUT, 2007, p. 131).

e) Filiação em certo grupo social: é o derradeiro motivo tradicional para o refúgio, e entende-se essa filiação ou pertencimento em certo grupo social, como a “identificação do indivíduo como parte de um subgrupo da sociedade” (Ibidem, p. 132), e estar sofrendo qualquer sorte de perseguição estatal (amoldadas ao que dispõe o Estatuto, repise-se).

Os motivos não são cumulativos, tampouco suficientes para que seja reconhecido o status de refugiado pela ACNUR ou por algum Estado em seu ordenamento jurídico interno.

Efetivamente, o reconhecimento do status de refugiado esteia-se na redação da Convenção de Genebra de 1951, que traz o quesito: “bem fundado temor de perseguição”. Por ser um preceito aberto, propiciando margem para ampla interpretação, aponta a doutrina que para condicionar uma pessoa ao status de refugiado deve-se considerar pelo menos dois critérios cumulativos

Os critérios objetivos estão representados pela expressão “bem fundado” e vêm a ser caracterizados pela comparação entre a situação objetiva do país de origem do refugiado com a situação relatada por esse como base de sua solicitação de refúgio. Já o critério subjetivo está presente na expressão “temor de perseguição”, o qual deve ocorrer em função de um dos cinco motivos já mencionados (JUBILUT, 2007, p. 115).

O apontamento de critérios tem o fito de “proteger o instituto do refúgio, pois, como ele depende intrinsecamente da vontade política dos Estados, o seu uso indiscriminado levaria à perda de credibilidade e, consequentemente, de eficácia, e, por outro lado, assegurar proteção àqueles que realmente necessitam” (Ibidem, p. 115).

À proteção dos refugiados agregam-se três outros motivos: (a) a grave e generalizada violação de direitos humanos, (b) situação de violência externa, e (c) problemas em uma região do Estado.

Essas hipóteses foram introduzidas por documentos e convenções regionais posteriores àquela de Genebra (1951), a exemplo da Convenção Relativa aos Aspectos Específicos dos Refugiados Africanos (1969) – que culminou com a introdução dos motivos mencionados nas letras “a” e “b” do parágrafo anterior.

Por motivo de objetividade, e por estar mais relacionado à realidade da América Latina, esse artigo se deterá em discutir o motivo: grave e generalizada violação de direitos humanos. A aplicação dessa hipótese na América Latina assume contornos importantes, pois

“A grave e generalizada violação de direitos humanos é extremamente relevante nos contextos africano e latino-americano, uma vez que os Estados que os compõem apresentam sistemáticas violações à dignidade da pessoa humana em formas diversas das dos cinco motivos consagrados internacionalmente. Exemplo disso é Serra Leoa, Estado africano que apresenta o 174.º índice de desenvolvimento humano do mundo, sendo o último ranqueado” (JUBILUT, 2007, p. 135).

A aplicação desse motivo no âmbito dos Estados americanos depende de regulamentação no âmbito do ordenamento jurídico de cada país, uma vez que é norma de Direito Internacional da região africana. Isto posto,

“Apesar de representar uma evolução significativa, a aplicação da grave e generalizada violação de direitos humanos como motivo para o reconhecimento do status de refugiado é limitada tanto geográfica, em função de ter sido adotada por instrumentos regionais, quanto politicamente, pois os critérios para definir a caracterização de uma situação como de grave e generalizada violação de direitos humanos não são objetivos, deixando a questão da proteção dos refugiados mais uma vez sujeita à vontade política e discricionariedade de cada Estado” (JUBILUT, 2007, p. 137).

O refúgio é instituto jurídico de proteção, muito importante para os Estados latino-americanos por conta das instabilidades políticas, com privação de direitos fundamentais em decorrência dos regimes militares do século passado (Ibidem, p. 38), e atualmente a situação político-social de países como Colômbia, Venezuela e Haiti (…).

As normas de proteção aos refugiados editadas no âmbito internacional, dependem de regulamentação local, i. e., normatização no seio dos Estados que a elas aderem. Ocorre, em muitos casos que ao regulamentar esses direitos, os Estados preocupam-se primariamente com os aspectos políticos, deixando de lado o espírito da norma, a sua função teleológica, que é o caráter humanitário do refúgio.

À guisa dessa discussão no seio da legislação dos Estados, este artigo inicia a discussão do Direito dos Refugiados no ordenamento jurídico brasileiro.

2.1. Proteção nacional dos refugiados: órgãos nacionais e legislação

A Convenção de Genebra de 1951 ingressou no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei n. 9.474/1997 (Estatuto do Refugiado). Esta lei instituiu o órgão principal que regulamenta o refúgio no Brasil, além do que, normatizou o conceito de refúgio, apontando os requisitos para obtenção do status de refugiado no âmbito interno.

Nesse contexto, para compreensão da proteção nacional dos refugiados, é necessário o estudo do Estatuto de forma precípua, o que este artigo fará, citando quando necessário os dispositivos legais, sem prescindir dos apontamentos da melhor doutrina sobre o tema.

O órgão que regulamenta o direito dos refugiados no Brasil é o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE).

Por sua vez, o ordenamento jurídico brasileiro disciplina o direito dos refugiados na Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988), e no Estatuto do Refugiado (Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997).

As normas constitucionais referentes ao refúgio estão alicerçadas desde o primeiro artigo da Carta Magna de 1988 ao trazer o princípio da dignidade da pessoa humana, “que vai pautar toda a proteção dos direitos humanos no Brasil” (JUBILUT, 2007, p. 180).

A Constituição Federal expressamente aponta em seu artigo 4º, os princípios que regem as relações internacionais do Estado nacional. Considerando o tema do refúgio destacam-se dois princípios dentre esses, a saber: o da concessão de asilo político e da prevalência dos direitos humanos (incisos II e X, art. 4º, CRFB/1988).

Obtempera Liliana Lyra Jubilut:

“Com base nesses princípios, pode-se afirmar que os alicerces da concessão do refúgio, vertente dos direitos humanos e espécie do direito de asilo, são expressamente assegurados pela Constituição Federal de 1988, sendo ainda elevados à categoria de princípios de nossa ordem jurídica. Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 estabelece, ainda que indiretamente, os fundamentos legais para a aplicação do instituto do refúgio pelo ordenamento jurídico brasileiro” (2007, p. 181).

Como já mencionado, além do regramento constitucional, o Brasil possui legislação específica que cuida da regulação do refúgio, que é a Lei n. 9.474/1997.

Para os fins deste tópico e para evitar prolixidade, quando se mencionar Estatuto do Refugiado ou, apenas Estatuto, sempre se referirá à lei brasileira. Por seu turno, para designar o Estatuto do Refugiado em âmbito internacional (Convenção de Genebra de 1951) doravante, este artigo utilizará o termo Convenção de Genebra ou, apenas Convenção.

O Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), instituído e delineado pelo Estatuto, é órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, e tem a seguinte composição: um representante dos Ministérios da Justiça, que o presidirá; das Relações Exteriores; do Trabalho; da Saúde; da Educação e do Desporto. Um representante do Departamento de Polícia Federal; e de uma Organização não-governamental, que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados no País (art. 14, Estatuto do Refugiado).

O Estatuto garante ainda, em seu art. 14, § 1º, que “o ACNUR será sempre membro convidado para as reuniões do CONARE, com direito a voz, sem voto”. Segundo a regra do § 2º (art. 14) do referido Estatuto, “os membros do CONARE serão designados pelo Presidente da República, mediante indicações dos órgãos e da entidade que o compõem” (BRASIL, 2014).

As atribuições do CONARE abrangem todo o território nacional, sendo competente para: (a) “analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado”, (b) “decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado”, (c) “determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado”,  (d) “orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados”, e (e) “aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução” do Estatuto, ex vi do artigo 12, do referido diploma.

A Lei n. 9.474/1997, em seu art. 1º, apresenta os requisitos para o reconhecimento do status de refugiado no âmbito do Estado brasileiro. São eles:

i. O “devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país” (art. 1º, inciso I, Estatuto do Refugiado);

ii. “O estrangeiro que “não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior” (art. 1º, inciso II, Estatuto do Refugiado);

iii. “Devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país” (art. 1º, inciso III, Estatuto do Refugiado).

É louvável a opção do legislador brasileiro pela redação ampla dos motivos, incluindo além das hipóteses tradicionais perfilhadas na Convenção de Genebra, também a hipótese de grave e generalizada violação de direitos humanos (inserido no contexto dos direitos dos refugiados, na Convenção Relativa aos Aspectos Específicos dos Refugiados Africanos (1969).

O procedimento para a concessão do status de refugiado no Brasil, considera que “o estrangeiro deverá apresentar-se à autoridade competente e externar vontade de solicitar o reconhecimento da condição de refugiado” (art. 17, Estatuto do Refugiado). Depois, “a autoridade competente notificará o solicitante para prestar declarações, ato que marcará a data de abertura dos procedimentos” (art. 18, Estatuto do Refugiado).

A ACNUR será informada pela autoridade competente brasileira, “sobre a existência do processo de solicitação de refúgio e facultará a esse organismo a possibilidade de oferecer sugestões que facilitem seu andamento” (art. 18, parágrafo único, Estatuto do Refugiado).

Em atenção à compleição humanitária do Estatuto, após o recebimento da “solicitação de refúgio, o Departamento de Polícia Federal emitirá protocolo em favor do solicitante e de seu grupo familiar que se encontre no território nacional, o qual autorizará a estada até a decisão final do processo” (art. 21, Estatuto do Refugiado). Aduz, oportunamente, o §1º (art. 21), do Estatuto que “o protocolo permitirá ao Ministério do Trabalho expedir carteira de trabalho provisória, para o exercício de atividade remunerada no País”.

O CONARE poderá deferir ou não o pedido de refúgio de estrangeiro, em decisão fundamentada que deverá constar na notificação ao solicitante, permitido nesses casos “recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação” (art. 29, Estatuto do Refugiado).

Segundo o Estatuto, “durante a avaliação do recurso, será permitido ao solicitante de refúgio e aos seus familiares permanecer no território nacional”, garantindo-se o que dispõem os §§ 1º e 2º do artigo 21 da mesma lei (art. 30, Estatuto do Refugiado).

A decisão do Ministro de Estado de Justiça é irrecorrível (art. 31, Estatuto do Refugiado), porém pode ser levada ao Poder Judiciário, por conta do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Todavia, considerando que a concessão do refúgio é matéria de competência do Executivo, o Poder Judiciário fará análise da legalidade do procedimento que indeferiu o pedido de refúgio.

O Estatuto preceitua em seu art. 8º, Estatuto do Refugiado: “o ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes”. Com efeito, trata-se de norma de direito humanitário, em observação ao princípio da prevalência dos direitos humanos.

É conveniente, mencionar que a nova Lei de Migração (Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017), que se encontra em período de vacatio legis, não altera as normas do Estatuto do Refugiado. Com efeito, preceitua a Lei de Migração em seu art. 2º, verbis, “esta Lei não prejudica a aplicação de normas internas e internacionais específicas sobre refugiados, asilados, agentes e pessoal diplomático ou consular, funcionários de organização internacional e seus familiares”. 

A Lei n. 9.474/1997 (Estatuto do Refugiado) também abrange regramento específicos para expulsão ou extradição de refugiado no Brasil. O Estatuto é inequívoco respeito da extradição, ao regular que “o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio” (art. 33, Estatuto do Refugiado).

Nessa esteira de pensamento, a Lei n. 9.474/1997 regulamenta que “solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio” (art. 34, Estatuto do Refugiado). O CONARE deve comunicar ao órgão onde se processa a extradição, da solicitação de reconhecimento como refugiado (art. 35, Estatuto do Refugiado).

O procedimento de expulsão no caso de refugiado está regulado no art. 36, do Estatuto do Refugiado, que declara: “não será expulso do território nacional o refugiado que esteja regularmente registrado, salvo por motivos de segurança nacional ou de ordem pública”.

Note-se que o “salvo” do parágrafo anterior compreende exceções ao princípio da não-devolução que já foi conceituado neste trabalho.

A lei brasileira sobre refúgio, em apreço ao direito humanitário declara que “a expulsão de refugiado do território nacional não resultará em sua retirada para país onde sua vida, liberdade ou integridade física possam estar em risco, e apenas será efetivada quando da certeza de sua admissão em país onde não haja riscos de perseguição” (art. 37, Estatuto do Refugiado).

O status de refugiado do estrangeiro sujeita-se a hipóteses de cessação e de perda.

São hipóteses para a cessação do status de refugiado, na forma do artigo 38 do Estatuto do Refugiado, verbis:

“Art. 38. Cessará a condição de refugiado nas hipóteses em que o estrangeiro: I – voltar a valer-se da proteção do país de que é nacional; II – recuperar voluntariamente a nacionalidade outrora perdida; III – adquirir nova nacionalidade e gozar da proteção do país cuja nacionalidade adquiriu; IV – estabelecer-se novamente, de maneira voluntária, no país que abandonou ou fora do qual permaneceu por medo de ser perseguido; V – não puder mais continuar a recusar a proteção do país de que é nacional por terem deixado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi reconhecido como refugiado; VI – sendo apátrida, estiver em condições de voltar ao país no qual tinha sua residência habitual, uma vez que tenham deixado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi reconhecido como refugiado”.

Aduz o artigo 39 do mesmo diploma, que “implicará perda da condição de refugiado”: (a) a renúncia; (b) a prova da falsidade dos fundamentos invocados para o reconhecimento da condição de refugiado, (c) a existência de fatos que, se fossem conhecidos quando do reconhecimento, teriam ensejado uma decisão negativa; (d) o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem pública; e, (e) a saída do território nacional sem prévia autorização do Governo brasileiro.

A Lei n. 9.474/1997 traz critérios de hermenêutica em seu texto. Aduz esta que: os preceitos” da lei “deverão ser interpretados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967”; e arremata, “e com todo dispositivo pertinente de instrumento internacional de proteção de direitos humanos com o qual o Governo brasileiro estiver comprometido” (art. 48, Estatuto do Refugiado).

O CONARE divulga no site do Ministério da Justiça e Segurança Pública uma Cartilha para refugiados do Brasil, em quatro idiomas que traz informações pertinentes ao estudo.

A cartilha exibe e dilucida aos refugiados os direitos à não devolução, de não ser discriminado, de trabalho, de livre trânsito pelo território brasileiro, de não sofrer violência sexual ou de gênero, de saúde e educação, de praticar livremente sua religião, de flexibilização nas exigências para apresentação de documentos do país de origem, de ter documentação, residência permanente, e (l) reunião familiar (BRASIL, 2017, pp. 4-10).

O refugiado em território nacional tem direitos a alguns documentos, que segundo o CONARE sãos “o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), o Cadastro de Pessoa Física (CPF), a Carteira de Trabalho (CTPS) e um documento de viagem” (BRASIL, 2017, pp. 11).

Com efeito, “todos estes documentos têm a mesma validade que os documentos dos cidadãos brasileiros e demais estrangeiros em situação regular e devem ser obrigatoriamente aceitos por todas as instituições públicas e privadas do país” (in Cartilha para refugiado no Brasil, 2017).

Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (BRASIL, 2014), relativos a relatórios compilados no ano de 2014, o Brasil há época batia recorde de concessão de refúgios. Veja-se o gráfico publicado por aquele Ministério:

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CONCLUSÃO

A elaboração de um artigo científico despende tempo e esforço, seja para buscar fontes de consultas confiáveis e atuais, seja para criticá-las em seguida; primando pela investigação, sem conformar-se com a primeira opinião lida.

O presente trabalho não é exceção a essa regra, e o leitor que logrou a leitura deste artigo de sua introdução até esta linha, deve ter percebido.

Efetivamente, o Direito Humano do Refugiado demonstrou ser um tema atual e de importância ímpar na atual situação sócio-política da maioria das nações, sem distinção das desenvolvidas ou subdesenvolvidas.

Com efeito, além da situação de guerra e conflitos em algumas regiões do planeta que geram fluxos migratórios de suas populações; também, países em extrema miséria, como Serra Leoa, na África; e outros em instabilidade política como a Venezuela, dos quais eclodem no todo milhares de refugiados a cada ano.

Diferentemente de outros contextos globais, não só os miseráveis e hipossuficientes padecem com o problema dos refugiados; pelo contrário os países desenvolvidos amargam o contexto dos refugiados.

Ocorre que os países ricos são os principais destinos das populações de refugiados, obrigando que organismos internacionais como a Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) fiscalize e controle os ciclos migratórios.

A comunidade internacional – e sua elite de países desenvolvidos – preocupa-se com o tema, pois os refugiados representam uma resistência ao bem-estar da sociedade local, em razão da obstinação, e luta silenciosa dos refugiados, e a incômoda presença desses indivíduos, nas raias políticas (invisíveis) dos Estados.

Há uma luta pelo direito humano do refugiado, cujas armas são os botes superlotados cruzando o Mar Mediterrâneo, as embarcações naufragadas, e os corpos mortos de crianças, jovens, adultos e velhos se putrefazendo nas praias dos países ricos.

É conveniente dizer que, em mui grande medida, os países europeus colonizadores, são os principais culpados de muitos dos conflitos político-geográficos em continentes inflamados e miseráveis como o africano – a história da colonização europeia na África confirma.

Além disso, soma-se à questão histórica africana, outro montante, quando se analisam os fatos que foram “pano de fundo” (imperialismo e revanchismos) para eclosão das duas grandes guerras mundiais do século passado, que provocaram um número incontável de refugiados no Velho Mundo.

O cenário atual aponta para a necessidade de ações humanitárias sérias no sentido de minimizar as causas do problema – embora se reconheça que a erradicação é improvável no contexto atual, visto que o impasse dos refugiados decorre da estrutura das pessoas mais poderosas da ordem política e jurídica, que são os Estados soberanos.

Não obstante, ainda que seja por remediação, devem-se aplicar os institutos jurídicos ao alcance dos Estados, a exemplo da Convenção de Genebra de 1951, no âmbito dos países aderentes, buscando o espírito dessa norma, que é a ação humanitária, e a prevalência dos direitos humanos, fortalecendo o instituto do refúgio, evitando assim o esvaziamento material do direito dos refugiados.

Além das conclusões já esboçadas, a pesquisa e consequentemente o artigo, provocou novas indagações, e temas fecundos para novas pesquisas, como exemplo a discussão do contexto dos refugiados em áreas específicas (v. g., locais de maior incidência de refugiados no Brasil), obtenção de dados estatísticos, entrevistas, estudos de caso, etc.;

A par daquele, é profícua pesquisa sobre a atuação de órgãos como o Ministério Público e Defensoria Pública em consideração aos direitos dos refugiados. Além da atuação do Poder Judiciário nos processos que envolvam o CONARE, quanto à análise da legalidade, e a aplicação da urgência no âmbito da jurisdição, pautada na duração razoável do processo.

Diante de tudo o que se expôs, repise-se que o status de refugiado, o direito a ele inerente, e as normas de direitos humanos internacionais que se coadunam ao tema são úteis e louváveis, como uma maneira de remediar, e buscar a cooperação internacional para o amparo humanitário dos refugiados.

 

Referências
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Notas
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Ronaldo Meireles Martins. Possui graduação em Direito; tem especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário. Atualmente é professor de Direito da Faculdade Gamaliel e de curso preparatório para concursos.


Informações Sobre os Autores

André da Silva Cardoso

Acadêmico de Direito na Faculdade Gamaliel, em Tucucuí-PA

Bianca Furlaneti

acadêmica de Direito na Faculdade Gamaliel, em Tucucuí-PA

Izabela Gomes Leal Modesto

acadêmica de Direito na Faculdade Gamaliel, em Tucucuí-PA

Kléber Ranieri

acadêmico de Direito na Faculdade Gamaliel, em Tucucuí-PA

Leandro Benício Monteiro

acadêmico de Direito na Faculdade Gamaliel, em Tucucuí-PA

Pedro Carvalho da Silva Junior

acadêmico de Direito na Faculdade Gamaliel, em Tucucuí-PA

Suellen Lima

acadêmica de Direito na Faculdade Gamaliel, em Tucucuí-PA

Wellingthon Cleber Costa

acadêmico de Direito na Faculdade Gamaliel, em Tucucuí-PA


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