Proteção do trabalhador imigrante irregular à luz dos sistemas jurídicos nacional e internacional

Resumo: Diante do atual contexto em que milhares de imigrantes dispersam-se no mundo à procura de garantia de seus direitos mínimos em face de problemas como as guerras, a instabilidade política e a forte crise econômica que devasta milhares de indivíduos e famílias por todos os países, mostrou-se oportuno pesquisar a problemática do trabalhador imigrante irregular submetido a condições degradantes e muitas vezes humilhantes, no sentido de averiguar até que ponto os sistemas jurídicos nacional e internacional protegem e resguardam os direitos destes. Ao passo que analisasse como o objetivo geral a proteção jurídica dada ao trabalhador imigrante irregular, sob as diretrizes dos direitos humanos fundamentais no âmbito nacional e internacional. O problema central da pesquisa constitui-se na inespecificidade de normas jurídicas acerca da proteção desta classe trabalhadora, perante sua condição de irregularidade, num momento em que se atenua a crescente ocorrência de discriminações e xenofobia. Analisou-se que é devida a proteção jurídica a esses trabalhadores, mesmo em condições de irregularidade e que tanto o sistema jurídico nacional, quanto o internacional, baseiam-se em princípios de Direitos Humanos que resguardam a dignidade da pessoa humana. Por fim, utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica e o método dedutivo.

Palavras-chave: Imigrante. Direito do Trabalho. Direitos Humanos.

Abstract: Given the current context in which thousands of migrants disperse in the world looking for guarantee of their minimum rights in the face of problems such as wars, political instability and severe economic crisis ravaging thousands of individuals and families for all countries, It proved timely research the problem of irregular migrant worker subjected to degrading conditions and often humiliating, to ascertain the extent to which national and international legal systems protect and enshrine their rights. While analyze how the overall objective of legal protection given to irregular migrant worker, under the guidelines of fundamental human rights at the national and international levels. The central research problem is constituted at the time to be an ongoing process, in the absence of specific rules on the legal protection of this working class, before his fault condition, at a time that attenuates the increasing occurrence of discrimination and xenophobia. It analyzed which is due legal protection to these workers, even in fault conditions. Both the national legal system, as international, are based on principles of human rights that protect the dignity of the human person. Finally, we used the bibliographic research technique and the deductive method.

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Key-words: Immigrant. Labour Law. Human rights.

Sumário: Introdução. 1. Breves considerações históricas e sociológicas acerca do movimento migratório. 1.1. Breves aspectos históricos. 1.2. Breves considerações sociológicas. 2. A imigração perante o Direito Internacional. 3. O imigrante irregular sob a ótica do Direito Brasileiro. Conclusão.

Introdução

A história da imigração assemelha-se à história da humanidade. O ser humano é um ser social que está em constante mutação, buscando melhorias, oportunidades, conforto, desenvolvimento e realizações. Com o fluxo crescente da migração, a problemática voltou a ser debatida em face da verificação de condições degradantes em que migrantes irregulares encontram-se submetidos.

Desde o início da história observa-se o movimento migratório de grupos humanos em busca de objetivos e realizações que se definem conforme a época. Os primeiros povos pré-históricos, denominados de nômades, refletem algumas características dos povos imigrantes, posto que, inexistia interesse por moradia fixa, se deslocavam de um lugar para outro onde houvesse condições para a caça, pesca e agricultura, e assim se estabelecer temporariamente, muito embora essa fixação, na grande maioria das vezes, tivesse curta duração (BATISTA, 2009).

A imigração não se constitui como fenômeno novo, sempre existiu ao longo da história das civilizações, embora os fatores que influenciem sua concretização mudem de acordo com os anseios da época e da cultura. Outro fato importante é que eventos como desastres ambientais, guerra, fome, busca por trabalho, perseguições políticas, religiosas e raciais desencadeiam o movimento migratório, e a principal motivação seria a busca por melhores condições de vida e oportunidades, em que o principal concretizador desses anseios é o trabalho assalariado. Analisado em escala mundial, a globalização inovou no cenário econômico, trazendo inúmeras mudanças como a migração de empresas, grupos econômicos e trabalhadores, a classe patronal em busca de redução de impostos fiscais e mão de obra barata, e os trabalhadores ansiosos por empregos para suprir suas necessidades básicas e de suas famílias.

Atualmente cresce o número de migrações internacionais, principalmente de imigrantes indocumentados, que em face dessa situação sujeitam-se as várias limitações de sua dignidade humana, em especial na relação de trabalho. Para além da problemática da sujeição dos trabalhadores imigrantes submetidos a condições análogas a de escravos, em que seus direitos fundamentais são usurpados, encontram-se ainda, o racismo e a xenofobia, atrelado a movimentos de discriminação e intolerância com aqueles que permanecem no país “alheio” independentemente da sua situação. Os imigrantes indocumentados sujeitam-se, na quase totalidade dos casos, a qualquer tipo de relação de trabalho, em face da sua condição vulnerável. Alguns empregadores aproveitam essa situação para abusar e subornar por mão de obra barata.

Diante da problemática, tornou-se necessário desenvolver mecanismos de proteção aos imigrantes. A partir dos anos 70, o movimento protecionista despendido pelos órgãos sobre essa classe tornou-se mais vigoroso, organismos internacionais se dedicam sobre essa realidade e elaboram legislações protecionistas (SALES, 1994).

Ressalta-se, ainda, a dualidade existente entre o movimento migratório atrelado ao direito do indivíduo de ir e vir versus o direito de pertencer a um Estado, sob um determinado controle estatal, implicando na maioria das vezes a perda do vínculo com sua comunidade de origem.

Nessa última década, em especial o ano de 2015, o fluxo migratório se intensificou, assumindo posição de destaque entre os problemas mundiais. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2015, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) o tráfico de migrantes “ilegais” teve um crescimento extraordinário, e ainda, aqueles que conseguem realizar a travessia e chegam ao país desejado são alvos de discriminação.

Muitos trabalhadores imigrantes sujeitam-se a condições subumanas, em especial aqueles que ingressam no mercado de trabalho de maneira informal, visando um salário para sua subsistência e de sua família. A situação agrava-se quando o estrangeiro não conta com autorização legal para permanecer no país. Nesse contexto muitos empregadores aproveitam-se dessa mão de obra.

Nessa problemática da sujeição dos trabalhadores imigrantes em condição de irregularidade, submetidos a condições degradantes e humilhantes, é que serão analisadas a proteção jurídica dada a estes, sob a luz dos princípios constitucionais, das legislações nacionais e dos diplomas internacionais como acordos, convenções e tratados, em face de ser um problema de âmbito global.

Serão analisados os pontos históricos e sociológicos de relevância para o tema, propondo uma ligeira conceituação do termo imigrante. Por conseguinte analisa-se os aspectos do Direito Internacional sob a proteção jurídica que despendem aos imigrantes irregulares, por meio de alguns tratados e documentos de notada influência nos direitos humanos.

No último seguimento do trabalho busca-se demonstrar a importância dos princípios do valor social do trabalho a relação entre os direitos humanos, os direitos de cidadania, atrelados a direitos fundamentais como saúde, segurança, educação, trabalho, moradia etc e, por fim, o que existem em termos de legislações infraconstitucionais brasileiras e os novos projetos de lei em tramitação.

Sobremaneira foi possível concluir acerca da forte influência dos princípios contidos na Carta Maior de 1988, que se perpetuam, fazendo com que os direitos dessa classe imigrante trabalhadora, sejam analisados sob uma ótica mais humanizadora, garantindo-se o mínimo existencial.

1 Breves considerações históricas e sociológicas acerca do movimento migratório

O termo imigração se refere ao movimento de entrada de um indivíduo ou um grupo em um determinado país, a fim de se estabelecer. Esse fenômeno associa-se a um processo influenciado por fatores econômicos, políticos, sociais e/ou culturais, cujas decisões podem ser tomadas de forma individual ou coletiva. Segundo Sayad (1998, p. 54-55): “Um imigrante é essencialmente uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito. Em virtude desse princípio, um trabalhador imigrante (sendo que trabalhador e imigrante são, nesse caso, quase um pleonasmo), mesmo se nasce para a vida (e para a imigração) na imigração, mesmo se é chamado a trabalhar (como imigrante) durante toda a sua vida no país, mesmo se está destinado a morrer (na imigração), como imigrante, continua sendo um trabalhador definido e tratado como provisório, ou seja, revogável a qualquer momento. A estadia autorizada ao imigrante está inteiramente sujeita ao trabalho, única razão de ser que lhe é reconhecida […]. Foi o trabalho que fez “nascer” o imigrante, que o fez existir; é ele, quando termina, que faz “morrer” o imigrante, que decreta sua negação ou que o empurra para o não-ser”.

Nesse sentido, percebe-se a correlação existente entre trabalho e imigrante, estando sua condição imigratória intimamente atrelada à condição de trabalhar e ser remunerado por seus serviços, posto que só é possível permanecer no território “alheio” se houver condições financeiras suficientes para sua subsistência. Também nesse sentido aduziu brilhantemente Carvalho e Junqueira (2013, p. 160-161): “A pós-modernidade é marcada pela circulação dos homens, sempre na busca de algo maior, melhor ou talvez não seja bem assim. (…) àquele que vaga na ‘asa de um sonho’, lubrificado pelo trabalho e para o trabalho. Porque é dele que nasce o imigrante e também, paradoxalmente, é por meio dele, quando desprotegido, que desfalece sua alma e seu corpo”.

O conceito de imigrante possui estreita relação com os termos: trabalho, estrangeiro e provisória. Embora estrangeiro e imigrante pareçam ser sinônimos, não o são. Existem defensores que argumentam suas diferenças, conforme aduz Sayad (1998, p. 243):  “Um estrangeiro, segundo a definição do termo, é estrangeiro, claro, até as fronteiras, mas também depois que passou as fronteiras; continua sendo estrangeiro enquanto puder permanecer no país. Um imigrante é estrangeiro, claro, até as fronteiras, mas apenas até as fronteiras. Depois que passou a fronteira deixa de ser um estrangeiro comum para tornar-se um imigrante. Se ‘estrangeiro’ é a definição jurídica de um estatuto, ‘imigrante’ é antes de tudo uma condição social […]”. 

A condição de imigrante é uma condição social, enquanto a definição de estrangeiro é um termo jurídico[1]. O objetivo maior é analisar as legislações nacionais e internacionais sobre a proteção ao trabalhador imigrante e clandestino.

1.1 Breves aspectos históricos

No decorrer de toda a história da humanidade, os movimentos migratórios sempre estiveram presentes. O principal objetivo era a busca por melhores condições de vida atreladas a oportunidades de trabalho.

O movimento migratório pode ser dividido de duas formas: migração voluntária ou migração involuntária, também conhecida por migrações forçadas. O primeiro tipo de migração, a voluntária, se trata do deslocamento de grande quantidade de pessoas em busca de melhores condições, de forma espontânea. Já a migração involuntária é aquela que ocorre principalmente por causa de fatores externos, alheios à própria vontade do indivíduo, tais como eventos de força maior, perseguição, escravidão, colonizações forçadas, ou seja, todo tipo de acontecimento que dificulta ou impossibilita o convívio no país de origem ou obriga a mudança de habitat em face de acontecimentos diversos (CAVARZERE, 2001).

Os aspectos históricos da questão imigratória serão analisados com base nos grandes eventos mundiais que marcaram o movimento. Inicialmente, é no final do século XV, que a descoberta da América promove um início de expansão de fronteiras e exploração de novos territórios, com a colonização forçada de colonos, onde muitos colonizadores recebiam incentivos da metrópole, para se fixarem nas novas terras. As descobertas de novos continentes influenciaram a imigração, muito embora os países colonizadores incentivassem esse fluxo migratório. Os maiores movimentos migratórios mundiais registrados, ocorreram no período compreendido entre 1815 a 1915, segundo Hirst e Thompson (2002, p. 46-47): “Cerca de 60 milhões de pessoas foi da Europa para as Américas, Oceania e sul e leste da África. Uns 10 milhões migraram voluntariamente da Rússia para a Ásia Central e para a Sibéria. Um milhão foi da Europa Meridional para o norte da África. Mais ou menos 12 milhões de chineses e 6 milhões de japoneses deixaram sua terra natal e emigraram para o leste e para o sul da Ásia. Um milhão e meio foi da Índia para o Sudeste Asiático e para o sul e o oeste da África […]”   .

O descobrimento da América e da Austrália influenciou um grandioso movimento migratório, que se reflete até os dias atuais. Após o descobrimento de novas terras e seu período de colonização, o segundo maior expoente de imigração ocorreu após as Grandes Guerras Mundiais, em razão dos períodos de instabilidade, insegurança, precarização das condições de vida e desrespeito aos direitos humanos.

A Primeira e Segunda Grandes Guerras Mundiais foram marcadas por problemas econômicos e pela inserção de políticas restritivas de migração, houve uma enorme redução na quantidade de imigrantes, bem como na aceitação dos mesmos nos países a que se destinavam, estes desconsolados buscavam por um mínimo de qualidade de vida e segurança. É nesse contexto que ocorre a chegada dos apátridas[2] nos mais diversos países, o que se tornou um problema político do século XIX, desprovidos de identidade nacional, não eram tidos como imigrantes ou emigrantes, e se encontravam às margens de uma sociedade cruel, discriminadora e insensível aos anseios de sua época. A partir de 1945 os movimentos migratórios reiniciaram com grande força (HIRST; THOMPSON, 2002).

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A imigração faz parte do movimento de colonização do Brasil, inicialmente com os portugueses, os escravos africanos (imigração forçada), espanhóis, italianos. Com a abertura dos portos do Brasil, houve a entrada de imigrantes de diversos países como os alemães, austríacos, franceses, suíços e outros.

1.2 Breves considerações sociológicas

Diversos acontecimentos, em especial a globalização, tiveram o condão de facilitar a aproximação e o conhecimento entre as nações como a questão da língua, culinária, cultura e costumes.

Os imigrantes carregam a priori uma série de características próprias, e ao adentrarem em território “alheio” encontram inúmeras dificuldades, dentre elas a não aceitação pelos nativos, desencadeando estereótipos, uma ideia preconcebida e na grande maioria das vezes preconceituosa, ocasionando a exclusão social desses imigrantes: vistos com “maus olhos”, dificultando ainda mais sua vida diária na nova sociedade receptora, que não o recepcionou.

Nessa fase de adaptação ao novo, o trabalhador imigrante encontra diversas dificuldades, principalmente aqueles que ingressam no país de maneira irregular, vivenciando a exclusão social devido a fatores como os culturais, e na grande maioria das vezes não são aceitos pelos nativos, como também têm dificuldade de se integrarem ao mercado de trabalho, tanto por questões de discriminação, como pela condição irregular de permanência no país. Diversos outros fatores também contribuem para a não aceitação dos trabalhadores imigrantes, e em consequência desencadeiam no movimento discriminatório, originário do sentimento exacerbado de nacionalidade da população nativa, nesse sentido milhares de imigrantes sofreram atos preconceituosos.

Dominava a intolerância e discriminação para com os imigrantes em solo brasileiro, relatos históricos que simbolizam a não aceitação de inúmeros migrantes em face de suas características peculiares. Nas obras de Francisco José de Oliveira Vianna (2005), um dos ideólogos do antiniponismo, é possível perceber o quão indesejáveis eram os imigrantes. Frases suas ficaram marcadas nesse contexto, como: “os 200 milhões de hindus não valem o pequeno punhado de ingleses que os dominam” e “o japonês é como enxofre: insolúvel”. Ou ainda, como aduziu o então Ministro da Justiça no Brasil em 1941 (Duarte, 1999, p.171): “Nem cinco, nem dez, nem vinte, nem cinquenta anos serão suficientes para uma verdadeira assimilação dos japoneses, que praticamente devem considerar-se inassimiláveis. Eles pertencem a uma raça e a uma religião absolutamente diversas, falam uma língua irredutível aos idiomas ocidentais; possuem uma cultura de baixo nível, que não incorporou, da cultura ocidental, senão os conhecimentos indispensáveis à realização de seus instintos militaristas e materialistas; seu padrão de vida desprezível representa uma concorrência brutal com o trabalhador do país; seu egoísmo, sua má fé, seu caráter refratário […]”.

O movimento imigratório entre os continentes era realizado através de navios, a travessia era longa, em condições precárias, atrelado a um misto de sentimentos tais como expectativas, incertezas, esperanças etc. Ao chegar no novo habitat, o imigrante era observado sob os mais diversos olhares dos receptores, entre o fascínio e o medo do diferente, as comunidades os tratavam com desprezo, o que dificultava ainda mais a vida e a concretização dos sonhos dos recém-chegados (FAUSTO, 2006).

Diante dessa segregação entre imigrantes e nacionais, surgiram comunidades de aproximação entre os migrantes, como clubes, sindicatos, templos etc. Havia a preocupação entre eles acerca do desuso da sua língua oficial, em face disso, os imigrantes usavam sua língua mãe no seio de sua casa, entre os membros da composição familiar. Dessa forma era possível a manutenção de sua língua, para que seus filhos e netos, não perdessem por completo o elo que os ligavam a cidade natal.

Esses “estigmas” carregados por milhares de dezenas de imigrantes pelo mundo afora é marcado por opressão, rejeição, discriminação e isolamento, e sua relação com o ambiente laboral não foi diferente. Nas sociedades industrializadas o imigrante era visto como mão de obra barata, descartável e de curta duração. A época das grandes lavouras de café no Brasil, os imigrantes eram tratados apenas como uma necessidade intrínseca a colheita cafeeira, devido a sua força de trabalho, e não como pessoas humanas dotadas de dignidade (FAUSTO, 2006).

Pode-se identificar, nesse contexto, que existem na maioria dos habitantes dos países uma rejeição mútua entre nativos e imigrantes, ou seja, os recém-chegados estranham o novo ambiente, grande parte deles tem suas expectativas frustradas em face do mundo idealizado no seu imaginário e a realidade ao adentrar no novo país, e os nativos pelos mais diversos fatores como, por exemplo, a xenofobia.

Segundo Abdelmalek Sayad (1998, p.29-34), é possível sentir essa distinção entre o mundo idealizado pelo imigrante e o vivenciado. O autor da obra relata o discurso de um emigrante da Cabília, aldeia de base essencialmente camponesa, que vai em busca de realizar seus sonhos na França: “[…] Só restava uma solução. Todos aqueles que têm dinheiro, todos aqueles que fizeram alguma coisa, que compraram ou construíram, foi porque tinham o dinheiro da França. É assim que a França penetra até os nossos ossos. Uma vez que você enfiou essa ideia na cabeça, acabou, não sai mais da mente. […] Como és amarga, ó terra, quando pensamos em te deixar! E como és desejada, ó França, antes que te conheçamos. […] Nossa aldeia é uma aldeia ‘comida’ pela França; ninguém escapa.[…] Que França eu descobri! Não era nada do que eu esperava encontrar […] Eu que pensava que a França não era o exílio [‘elghorba[3]’]. É realmente preciso chegar aqui na França para conhecer a verdade. Aqui, a gente ouve dizer as coisas que ninguém conta lá; a gente ouve dizer tudo: ‘Não é uma vida de seres humanos; é uma vida que não se pode amar; a vida dos cães na nossa terra é melhor do que isso…’”

Ao final da análise é possível perceber quão dura é a distinção entre o mundo ideal, imaginado pelo imigrante, que busca desenfreadamente alcançar seus desejos básicos, primordialmente possuir uma vida digna e um bom trabalho. E a dura realidade ao chegar no local desejado, “território alheio”, e descobrir, vivenciando, o quanto é dolorosa e sofrida, como bem ilustra as palavras de Carvalho e Junqueira (2013, p.160): “Ao invés de sonhos, entretanto, encontram a penumbra das fábricas. A exploração, ao invés da liberdade. A morte, ao invés da vida”.

A predominância do mais forte sob o mais fraco, também é característica no processo de aculturação nos diversos continentes que recebem imigrantes. A cultura dominante sobrepõe-se sob as demais, como forma de padronização. Geralmente a cultura local se sobrepõe a cultura dos imigrantes, em face das diferenças e da maior quantidade de pessoas em cada grupo cultural. O movimento da aculturação consiste em um processo no qual indivíduos, grupos ou mesmo povos interagem com outras culturas, ainda que de forma imposta, vindo a ocorrer a modificação da cultura minoritária pré-existente, em face do contato contínuo com o novo grupo cultural. 

2 A imigração perante o Direito Internacional

O Direito Internacional vem disciplinar as questões pertinentes aos direitos que ultrapassam os limites territoriais da soberania dos Estados. Segundo Mazzuoli (2010, p.20): “Na atualidade, o direito internacional vai muito mais além, não se circunscrevendo exclusivamente às relações entre os Estados. Tem ele, hoje, uma estrutura muito mais complexa e um alcance muito mais amplo, visto que se ocupa da conduta dos Estados e das organizações internacionais e de suas relações entre si, assim como de algumas de suas relações com as pessoas naturais ou jurídicas. É dizer, figura o direito internacional como um conjunto de regras e princípios que disciplinam tanto as relações jurídicas dos Estados entre si, bem como destes e outras entidades internacionais, como também em relação aos indivíduos”.

No território nacional é permitido a qualquer cidadão a livre circulação e o desempenho de qualquer atividade profissional, deste que esteja habilitado e a atividade seja lícita. No que tange a livre circulação entre os países é necessário autorização do país receptor para entrada e permanência em seu território, tratando dessas questões o Direito Internacional Público.

No período Pós Primeira Guerra houve a instituição de políticas nacionalistas para restringir os direitos à livre circulação de pessoas, em face das consequências como o período inflacionário, o que produz, por conseguinte, o desemprego. Eis que é nesse contexto que se atenua o confronto entre a liberdade do indivíduo de ir e vir, assegurado em legislações nacionais e tratados, versus, a soberania estatal, possuindo o Estado soberano poderes para regular o livre exercício da mobilidade em seu território (CAVARZERE, 2001).

Uma das formas de ingresso nos países é por meio dos vistos. Outros possuem tratados que possibilitam a entrada sem a necessidade destes. O imigrante indocumentado, seja aquele que ingressa clandestinamente ou de forma legal, se posteriormente sua situação se torna irregular, sujeitam-se a deportação[4].

Nesse contexto da crescente crise da imigração em escala mundial, o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2015, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), publica dados periodicamente acerca dos motivos da imigração, redes de tráficos, tabelas estatísticas, que revelam informações importantes de cada localidade, conforme o trecho que segue: “O tráfico de migrantes ilegais teve um crescimento extraordinário. Redes de traficantes extorquem dinheiro a migrantes desesperados que tentam atravessar mares e terras ilegalmente com destino a outros países. Em 2014, cerca de 3 500 pessoas, talvez muito mais, perderam as suas vidas no Mar Mediterrâneo, quando as embarcações de tráfico com rumo à Europa, principalmente a partir da Líbia, viraram ou afundaram […] Na Hungria, 64 por cento dos migrantes que participaram num inquérito afirmaram ter sido alvo de discriminação quando procuravam emprego […] Embora todos os trabalhadores possam vir a encontrar-se em situações abusivas, existem determinados grupos que são particularmente vulneráveis, nomeadamente os trabalhadores migrantes ilegais, os trabalhadores domésticos, os trabalhadores do sexo e os das indústrias perigosas […] Em numerosos casos, os trabalhadores migrantes legais — sobretudo os que são pouco qualificados e mal pagos — são também sujeitos a violações de direitos, condições precárias e indignas e até abusos. Alguns trabalham longas horas por baixos salários e com pouco tempo de folga. Podem ficar presos no seu local de trabalho se o empregador lhes apreender o passaporte ou outros documentos”.

Percebe-se o quão alarmante se configura a desproteção a que estão submersos os trabalhadores imigrantes. Ainda segundo dados do PNUD (2015): “Entre 1990 e 2013, o número de migrantes internacionais em todo o mundo registou um aumento de mais de 92 milhões, atingindo os 247 milhões, tendo a maior parte desse incremento ocorrido entre 2000 e 2010. Prevê se que, em 2015, o número de migrantes internacionais ultrapasse os 250 milhões. Dos 143 milhões que trabalham em países desenvolvidos, 40 por cento nasceram num país desenvolvido. Cerca de metade dos migrantes internacionais são mulheres. A proporção é ligeiramente superior (cerca de 52 por cento) e crescente nos países desenvolvidos, e menor (cerca de 43 por cento) e em diminuição nos países em desenvolvimento”.

No plano internacional, os Direitos Humanos vem crescendo e se consolidando em face do seu caráter ético e essencial, diante de tantas atrocidades que foram vivenciadas nas várias épocas da história mundial. Como marco referencial do início do movimento de proteção ao imigrante, tem-se a criação da Organização das Nações Unidas – ONU e da Organização Internacional do Trabalho – OIT, esta criada através do Tratado de Versalhes em 1919. Mormente, as grandes contribuições vieram a partir da institucionalização desses dois grandes órgãos, devido a força que exercem perante os Estados, firmando tratados na defesa dos direitos humanos dos imigrantes. Contudo alguns Estados estabelecem tratados temporários bilaterais ou multilaterais acerca de questões pertinentes à regulamentação dos imigrantes em seus países.

O Direito Internacional Público é responsável por tratar dessas questões, constituindo-se como sub-ramo o Direito Internacional do Trabalho, este responsável por regulamentar as normas de proteção ao trabalhador imigrante, dentre outros aspectos. A OIT se dedica ao estudo do presente tema e regulamentou em diversos tratados a proteção jurídica dada ao trabalhador imigrante.

A problemática da migração em busca de trabalho é tão forte que a OIT redigiu a Convenção nº 19, em 1925, acerca da igualdade de tratamento entre trabalhadores estrangeiros e nacionais em casos de acidentes de trabalho. Por conseguinte, em 1939, foi instituída a Convenção nº 97, revista em 1949, que possui um viés político e já tratava o migrante como pessoa que emigra de um país para outro à procura de emprego, este não desenvolvido por sua conta e risco, estabelecendo que sejam exercidas atividades de auxílio, informações e coibição as propagandas enganosas sobre movimentos de emigração e imigração. Contudo, previa punições para os imigrantes “clandestinos”, assegurando direitos apenas aos imigrantes legais. A Convenção 97 foi recepcionada pelo Brasil em 1965 e promulgada pelo Decreto nº 58.819 de 14 de julho de 1966.

Em 1975, foi aprovada a Convenção nº 143 que trata sobre as imigrações efetuadas em condições abusivas e sobre a promoção da igualdade de oportunidades e de tratamentos dos trabalhadores migrantes, no sentido de tratar de forma isonômica os imigrantes em situação regular ou irregular, pertinente as relações empregatícias firmadas anteriormente, conforme explícita o art. 9º da mencionada Convenção, a seguir transcrito: “Art. 9º. 1. Sem prejuízo das medidas destinadas a controlar os movimentos migratórios com fins de emprego garantindo que os trabalhadores migrantes entram no território nacional e aí são empregados em conformidade com a legislação aplicável, o trabalhador migrante, nos casos em que a legislação não tenha sido respeitada e nos quais a sua situação não possa ser regularizada, deverá beneficiar pessoalmente, assim como a sua família, de tratamento igual no que diz respeito aos direitos decorrentes de empregos anteriores em relação à remuneração, à segurança social e a outras vantagens”.

Para fazer valer os seus direitos, o trabalhador imigrante que se encontre submerso no parágrafo antecedente, poderá socorrer-se através de órgãos competentes, estes últimos devem ser garantidos pelo Estado (Art. 9º, 2, Convenção 143). Ocorre que no âmbito nacional o Brasil não é signatário da Convenção 143, muito embora a aludida convenção detenha sublime importância por tratar de temas tão atuais e necessários à conservação da dignidade da pessoa humana. No entanto, compreende-se que a situação irregular do trabalhador imigrante não se consubstancia como óbice a proteção justrabalhista, pois para além da situação em que se encontra o imigrante existem as garantias dos seus direitos.

A Resolução da Assembleia-Geral nº 45/158 de 18 de dezembro de 1990, Convenção Internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, somente entrou em vigor no dia 1º de julho de 2003, garantindo o reconhecimento dos direitos da relação de trabalho independentemente do imigrante encontrar-se em situação regular ou irregular, um impulsionamento para que os Estados signatários elaborem e apliquem políticas migratórias e a prioridade em resolver conflitos de forma consensual. Ressalta-se que, apenas países periféricos a ratificaram, o governo brasileiro não ratificou a mencionada Convenção de Direitos Humanos. Percebe-se, ainda, que a quase totalidade dos países que recebem grande fluxo migratório, não possuem interesse em ratificar esta convenção e assegurar os direitos dessa classe.

A problemática da não regulamentação dos direitos humanos dos trabalhadores imigrantes irregulares é objeto de discussão da ONU, principalmente sob dois aspectos: o tráfico ilícito e clandestino de imigrantes e, por conseguinte, a prática discriminatória nos mais diversos países.

Em meados de 1976 a Subcomissão para Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias aprovou a necessidade de elaboração de uma convenção que tratasse do dumping social, entendido como as atitudes de exploração em face, principalmente, dos trabalhadores imigrantes indocumentados, gerando no contexto social instabilidade e desigualdade, pois uma maioria considerável dos empregadores opta pelos imigrantes indocumentados dando ênfase a concorrência desleal, posto que, imigrantes indocumentados se submetem a todos os tipos de relações de trabalhistas e a garantia de seus direitos, diante da necessidade de sobrevivência em face do caráter alimentar da remuneração e do medo de denuncias de seus superiores hierárquicos.

Os principais documentos internacionais de notada influência para proteção do trabalhador imigrante são os produzidos pela Organização das Nações Unidas – ONU: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares; pela Organização Internacional do Trabalho – OIT: as convenções 19, 97, 118 e 143; e na América, a Convenção Americana de Direitos Humanos.

No âmbito dos países europeus, que são os principais locais de destino dos imigrantes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu a Opinião Consultiva nº 18 no ano de 2003, que trata sobre os direitos dos imigrantes legais e ilegais. A OC 18/03 surgiu em face de um ato petitório do governo Mexicano à Corte Interamericana de Direitos Humanos, diante da situação em que quase seis milhões de mexicanos encontravam-se além do território nacional e dessa quantidade mais de um terço deles estavam em situação ilegal, solicitou Parecer técnico da referida Corte para que os direitos laborais dessa classe de trabalhadores imigrantes irregulares fossem assegurados e uma série de direitos humanos pertinentes ao tema. Alegava a forte discriminação para com os trabalhadores mexicanos que viviam em situações irregulares nos países europeus, bem como que seus direitos trabalhistas estavam a mercê de uma sociedade que os rejeitavam, que sequer consideravam sua dignidade como pessoa humana, em face de dados alarmantes de imigrantes discriminados, usurpados de seus direitos mínimos como salários e, ainda, infortunados por acidentes laborais.

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O governo mexicano ressaltou a importância do posicionamento da CIDH à respectiva temática em face não apenas dos imigrantes mexicanos indocumentados, mas de inúmeros outros das mais diversas nacionalidades. A Corte Interamericana respondeu que é dever dos Estados garantirem e respeitarem os direitos de todos que estejam em seu território e que devem evitar práticas discriminatórias que violem os direitos fundamentais destes, sob pena de serem responsabilizados internacionalmente. Destaca ainda que os princípios da igualdade e da não discriminação devem ser tidos como princípios gerais, erga omnes. E em face da condição vulnerável de muitos imigrantes, independentemente da situação de regularidade, devem ter acesso às garantias de direitos fundamentais e a proteção jurídica real, com o devido processo legal, contraditório e ampla defesa. O país receptor não pode se eximir de garantir ao trabalhador imigrante legal ou ilegal os seus direitos trabalhistas fundamentais, tanto os previstos nas legislações internas quanto em tratados internacionais, de forma que o empregador deve respeitar os direitos internacionais laborais de proteção aos direitos humanos.

3 O Imigrante Irregular sob a ótica do Direito Brasileiro

Na perspectiva do direito brasileiro, inicia-se a abordagem sob o plano infraconstitucional, mais especificadamente no Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980). Nesses termos, considera-se imigrante irregular aquele que descumprimento os requisitos de entrada, permanência e exercício de atividades não autorizadas no território nacional.

O Estatuto foi elaborado em um período de grande represália e limitações democráticas, em meio à Ditadura Militar, um contexto autoritário, utilitarista, de segurança nacional, com o objetivo de repelir o imigrante irregular do território nacional, pode-se sentir no teor do texto normativo a conotação de exclusão dos direitos humanos e suas garantias. 

O Estatuto classifica os imigrantes em condições de irregularidade, sob três denominações: clandestinos, irregulares e impedidos. Quanto à entrada, considera-se imigrante clandestino aquele que ingressa no território nacional sem estar autorizado. Quanto à permanência considera-se imigrante irregular aquele que não possui visto algum ou, ainda, aquele que permanece no país com o prazo do visto vencido. Por fim, quanto ao exercício de atividade, denomina-se impedido o imigrante que realiza atividade diversa da qual consta em seu visto. Seguida por três medidas, para a possível “solução” da problemática do imigrante em condições irregulares, são elas: deportação, expulsão e extradição. A deportação é definida pelo Título VII, arts. 57 e 58 do Estatuto do Estrangeiro como “a saída compulsória do estrangeiro”, no caso de “entrada e estada irregular”, não se consubstanciando a deportação apenas a esses casos. A expulsão e a extradição são ligadas a prática de delito criminal, na primeira o crime é realizado em território nacional, e na segunda o delito é praticado para além do solo brasileiro. Observa-se que a legislação ora em questão é absolutamente repressora.

A existência de coerção na norma jurídica faz-se necessária diante do contexto em que o próprio ser humano criou para sobreviver, em especial a força da soberania estatal em regular a questão imigratória dentro do próprio território. É natural das sociedades a normatização das condições para entrada e permanência dentro do seu solo, contudo a dignidade do imigrante deve ultrapassar os limites geográficos da sua nacionalidade e assim seguir de “mãos dadas” com ele.

No contexto da desigualdade em que vivem os imigrantes irregulares aduziu Carvalho e Junqueira (2013, p.164): “[…] O problema se dá pelas margens, pela clandestinidade, dos que se aventuram na encruzilhada de romper com as barreiras da soberania nacional, adentrando-se em terras brasileiras “sem lenço e sem documento”. A estes, em regra, a ordem jurídica não socorre. São clandestinos. Forasteiros da ordem nacional. Usurpadores da “normalidade”. Sem rumo e atemorizados pela sua condição ilegal, transformam-se em “presas” fáceis do sistema: são aprisionados pela ganância e poder de uns e aproveitados em atividades sem qualquer respaldo protetor. Tornam-se escravos dos seus sonhos. Trabalhadores sem proteção. Mão de obra – barata – que alimenta o poderio dos senhores empresários. À margem da sociedade, vivem uma vida sem direitos”.

Embora o Direito do Trabalho tenha cunho eminentemente protecionista com relação à parte hipossuficiente da relação empregatícia, como seria possível proteger e assegurar direitos trabalhistas a imigrantes indocumentados que entram ou permanecem no Brasil de maneira irregular? Ante a ausência de legislação específica acerca da proteção justrabalhista ao trabalhador imigrante em situação de irregularidade com o ordenamento jurídico pátrio, emergem os direitos humanos ao trabalhador e o Direito Internacional do Trabalho. Não é conveniente punir o trabalhador imigrante por causa de sua situação irregular pela via do não protecionismo ao trabalho desempenhado pelo mesmo, tendo em vista que gera o enriquecimento ilícito do empregador, diante dos serviços prestados pelo imigrante e em contrapartida mal remunerados.

O problema da condição irregular do imigrante é “sanado” com base nos dispositivos do Estatuto do Estrangeiro, que embora ultrapassado, continua a vigorar no sistema brasileiro. Entretanto, figura-se não lícito usurpar direitos trabalhistas dos imigrantes irregulares em face de sua situação no país.

Tramita no Congresso Nacional projetos de lei na tentativa de inovar o ordenamento, a fim de regulamentar alguns aspectos da situação migratória, como exemplo podemos citar a PL 5655/2009 cujo teor dispõe sobre o ingresso, permanência e saída de estrangeiros no território nacional entre outras providências e se encontra apensada a PL 2516/2015 que visa instituir a Lei de Migração. Apesar de esta última assegurar direitos fundamentais aos trabalhadores imigrantes e ser mais ampla e garantista que o Estatuto do Estrangeiro, apresenta em seu art. 109, inciso VII a sanção de multa para aquele que empregar imigrante em situação irregular ou aquele que esteja impedido de exercer atividade remunerada.

A Organização Internacional do Trabalho parabenizou o Projeto de Lei nº 2516/2016 por meio de um documento escrito, sobre a significativa importância de rever políticas migratórias, conforme aduzido nas linhas seguintes: “O projeto de lei em questão apresenta avanços em relação ao Estatuto do Estrangeiro que hoje segue em vigor no Brasil. Percebe-se uma mudança no paradigma da segurança nacional para o da proteção e garantia dos direitos humanos das pessoas migrantes por meio dos princípios e das garantias que regem a política migratória como indicado no texto: a promoção de regularização documental; a acolhida humanitária; o desenvolvimento do Brasil (econômico, turístico, social, cultural, esportivo, científico e tecnológico); a cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios; a proteção ao brasileiro no exterior; e o diálogo social”.

É salutar mencionar que a Lei nº 11.961 de 02 de julho de 2009 que dispões sobre a residência provisória para o estrangeiro em situação irregular no território nacional, possuindo o direito de residência aquele imigrante irregular que ingressou até a data de 1º de fevereiro de 2009 (art. 1º da mencionada Lei).

A proteção dada ao trabalhador imigrante irregular está baseada no princípio da dignidade da pessoa humana, sendo esta de difícil conceituação. Sarlet, trazendo o pensamento de Kant, aduz no sentido de que a (pessoa) deve ser considerada como fim, e não como meio, devendo ser repudiada toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano. Ainda nesse contexto segundo Sarlet (2011, p.73): “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida”.

Este princípio tido como pedra angular dos direitos previstos na Constituição brasileira de 1988, assegurou como direito fundamental em seu artigo 5°, caput, a igualdade de tratamento entre estrangeiros e nacionais, garantidos os direitos à vida, liberdade, segurança e propriedade.

A doutrina e jurisprudência compreendem que o artigo 5° deve ser interpretado extensivamente, baseado no objetivo fundamental da promoção do bem de todos sem qualquer discriminação. Nesse sentido, Dinamarco apud Lopes (2009, p. 460) aduz “razão pela qual não há espaço para qualquer interpretação restritiva do alcance dos direitos fundamentais em solo brasileiro”. Assim, é perfeitamente possível e necessária a proteção justrabalhista do imigrante irregular que realiza atividades laborais para qualquer empregador no Brasil, diante dos princípios constitucionais brasileiros em especial a dignidade da pessoa humana.

O Direito do Trabalho com sua conotação protecionista e inclusiva, onde o desempenho de um trabalho visa proporcionar uma vida com condições mínimas de dignidade a todo ser humano, também protege o trabalhador imigrante irregular diante do seu caráter hipossuficiente. Nesse interim, aduziu Carvalho e Junqueira (2013, p.174): “Seja como for, por simbolismo, por metáfora, por etimologia, por hipérbole, por eufemismo, ou por analogia, juridicamente não há outra saída: os direitos previstos na ordem justrabalhista contemplam todo e qualquer tipo de trabalhador que esteja sob o seu raio de incidência, independentemente de ser ele estrangeiro ou forasteiro; documentado ou indocumentado”.

Ainda nesse contexto aduziu Cairo Jr (2016, p.245) “o trabalhador estrangeiro em situação irregular no Brasil tem plena capacidade de contrair obrigações e ser titular de direitos decorrentes da execução e extinção do contrato de trabalho”.

Embora as legislações não prevejam explicitamente a proteção ao trabalhador imigrante irregular é estritamente necessário amparo e garantias concretas de que seus direitos mínimos serão assegurados, até porque os princípios basilares da Magna Carta resguardam os direitos fundamentais e prepondera a dignidade da pessoa humana sob qualquer ótica protecionista no ordenamento jurídico pátrio, bem como não são aceitos a discriminação ou minimização de direitos dos imigrantes sejam estes legais ou indocumentados.

Conclusão

O imigrante busca desenfreadamente a conquista de seus anseios primordiais, como uma vida digna, desfrutando-a com trabalho, saúde, lazer, moradia, etc. Cheio de sonhos e ansioso pela concretização destes, parte para terras estranhas à sua, acreditando existir melhores oportunidades no novo local que almeja chegar. Bem verdade é que carregam um olhar de esperança sob a tão sonhada mudança de vida, entretanto a realidade é mais dura e árdua do que o esperado, e sobremaneira carregada de discriminação e sofrimento.

Não obstante, deparamo-nos diariamente com o crescente número de imigrantes por todos os países, principalmente aqueles advindos de lugares periféricos para países desenvolvidos. Contudo, o fator crucial é com relação àqueles que ingressam e permanecem de maneira irregular, obtendo negativas acerca de seus direitos fundamentais sob a alegação de que não mantêm vínculo legal com o país “receptor”. De tal maneira que os direitos mínimos dessa classe imigratória, que realiza atividades trabalhistas em benefício de outrem, são usurpados, permanecendo nos “escombros”, com medo das medidas que os órgãos fiscalizadores podem tomar como exemplo, no Brasil, a deportação.

Sob o enfoque dos vários instrumentos internacionais a respeito dos direitos dos imigrantes analisados neste trabalho, com especial enfoque aos direitos fundamentais trabalhistas, menciona-se os elaborados pela OIT (Convenções internacionais números 19, 97, 118 e 143) e pela ONU o importante Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares.

No âmbito das Américas, ressalta-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, embora a proteção deste instrumento seja incompleta diante do tema proposto em face da exacerbada proteção que se dá ao trabalhador nacional.

O direito interno dos Estados regula o acesso para autorização de entrada no seu território, ante o princípio da soberania. Ocorre que para além da regulamentação interna, existe o Direito Internacional Público que é responsável por regulamentar as questões de âmbito externo, relativas à sociedade internacional. Os vastos instrumentos internacionais analisados no trabalho trouxeram significativos avanços sob a perspectiva dos direitos dos imigrantes, como a igualdade em relação ao direito trabalhista. Entretanto, ainda são necessários muitos avanços nesse quesito da proteção jurídica ao imigrante, independentemente de sua situação no país a que se destina. A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e seus Familiares configura-se como a mais importante em termos de proteção aos direitos destes, entretanto nenhum dos países com maior fluxo de imigrantes o recepcionou.

Os imigrantes, geralmente advindos de países de economia periférica, realizam a tão sonhada imigração, atrelada ao incessante desejo de despir-se da vida de miséria que carregam nos “ombros”, saindo de sua cidade natal, principalmente com destino aos países de economia central, diante do quadro de prosperidade que estes países possuem. Acontece que o mundo imaginado é bem diferente do real. Atualmente as guerras ocasionam o crescente número de imigrantes pelo mundo todo, refugiados lutam pelo direito à vida, fugindo do seu local de origem para qualquer país estrangeiro à procura de melhores condições de vida.

No âmbito do direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 inovou no ordenamento jurídico com a sua base de direitos fundamentais, em especial a dignidade humana. As legislações infraconstitucionais deixam a desejar, e o atual projeto de lei, do novo estatuto do imigrante, embora preveja alguns avanços, ainda não são suficientes na respectiva temática, despendendo-se como incapaz de solucionar tais problemas por completo.

No que corresponde aos direitos humanos é nítida a conclusão de que se deve proteger o trabalhador imigrante independentemente de sua situação de legalidade no país, ou seja, a proteção não se limita à condição de legalidade. A classe imigratória que se desloca e permanece de maneira indocumentada ou irregular é justamente aquela menos favorecida.

Pode-se concluir que é necessário mudar à ótica de como são observados e tratados qualquer trabalhador imigrante. Que para além da condição de (i)legalidade existe a pessoa humana e, por conseguinte, seus direitos mínimos devem ser assegurados seja sob a perspectiva nacional ou internacional. O direito do trabalho possui enorme importância nesta matéria, posto que, um dos principais motivos do movimento imigratório é a busca por melhores condições de vida, e esta por sua vez está intimamente entrelaçada ao fato de obter trabalho, é por meio do trabalho assalariado/remunerado que se torna viável à concretização de uma vida com dignidade.

A fragilidade na proteção jurídica do trabalhador imigrante irregular consiste nas atuais políticas de tratamento, que se materializam sob um viés exclusicionista e de um nacionalismo exacerbado, desencadeando a violação dos direitos mínimos existenciais dessa classe, colocando-os às margens da exclusão.

Nesse sentido é necessário a construção de um novo conceito de cidadania, no sentido da amplitude universal, que abranja efetivamente os direitos dos imigrantes, sob os argumentos da extensão de garantias analisados pela via da dignidade da pessoa humana a todo trabalhador, independente de sua nacionalidade.

As normas internacionais do trabalho devem ser constituídas sob a fundamentação dos direitos humanos, desprezando-se as perspectivas nacionalistas e protecionistas e, por conseguinte, assegurando o direito ao trabalho justo como garantia efetiva a todo trabalhador independentemente de sua origem.

A proteção à dignidade da pessoa humana deve ser observada sob a ótica do direito internacional dos direitos humanos, cujo escopo é eminentemente protecionista. E no campo do direito do trabalho nacional ou internacional, deve-se proteger a figura do trabalhador, independente de sua nacionalidade.

Para atingir a igualdade efetiva entre trabalhadores nacionais e estrangeiros faz-se necessário, ainda, muitos anos de amadurecimento e uma reestruturação política, social e econômica, pois é a partir da mudança ideológica do pensamento social que as transformações normativas ocorrem.

 

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Notas
[1] Entretanto este projeto não tem por objetivo distinguir os termos imigrante, migrante, emigrante, forasteiro e estrangeiro, conforme encontramos na obra de Abdelmalek Sayad e outros autores. Apesar de serem termos com denominações e características diferentes uns dos outros, no presente trabalho são tratados como sinônimos.

[2] Pessoas desprovidas de uma pátria-mãe. Para Hannah Arendt, os displaced persons, converteram-se no refugo da terra, pois ao perderem os seus lares, a sua cidadania e os seus direitos viram-se expulsos da trintade Estado-Povo-Território (LAFER, 1999, p. 139).

[3][3] Palavra argelina, que significa o sentimento de exílio vivenciado pelo emigrante, utilizada na obra de Abdelmalek Sayad, A imigração ou os paradoxos da alteridade, 1998.

[4] Saída compulsória do território, pela via de fato, presume-se em uma exclusão do estrangeiro que permanece em território “alheio” de maneira irregular, as autoridades locais possuem competência para a realização dos procedimentos cabíveis. No Brasil, a deportação é efetivada pelos agentes da polícia federal.


Informações Sobre o Autor

Amanda Bezerra de Carvalho

Advogada inscrita nos quadros da OAB/CE. Especialista em Direito Previdenciário e do Trabalho pela Universidade Regional do Cariri URCA. Bacharela em Direito


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