Larissa Querem Tavares Mendonça[1]
Resumo: O presente artigo teve como objetivo geral apresentar o direito e o dever de orientação sexual do Estado e da família para crianças e adolescentes, mediante investigação bibliográfica e análise da legislação nacional. Para tanto, foi analisado o direito da criança à educação sexual, como forma de redução dos índices de gravidez precoce e das taxas de doenças sexualmente transmissíveis. Ademais, salientou-se o dever do estado com relação à educação sexual de criança e adolescente e o poder familiar e a orientação sexual no Brasil e os limites das políticas públicas em matéria de educação sexual, por exemplo, a imparcialidade dos educadores e uma educação de âmbito sexual compatível com a faixa etária dos alunos. Por fim, conclui-se que é necessária uma educação sexual compulsória de forma unitária como disciplina própria ou, de forma, transversal nas demais.
Palavras-chave: Criança e adolescente. Educação sexual. Orientação sexual.
Abstract: The general objective of this article is to present the right and duty of sexual orientation of the State and the family to children and adolescents, through bibliographic investigation and analysis of national legislation. To this end, the child’s right to sex education was analyzed as a way of reducing the rates of early pregnancy and the rates of sexually transmitted diseases. In addition, the state’s duty in relation to the sexual education of children and adolescents and family power and sexual orientation in Brazil and the limits of public policies in the field of sex education were emphasized, for example, the impartiality of educators and an education sexual scope compatible with the age group of students. Finally, it is concluded that compulsory sex education is necessary in a unitary form as its own discipline or, in a transversal way, in the others.
Keywords: Child and teenager. Sex education. Sexual orientation
Sumário: Introdução. 1. O direito da criança e do adolescente à orientação sexual. 2. O dever do Estado com relação à educação sexual de criança e adolescente. 3. Poder familiar e a educação sexual no Brasil. 4. Limites das políticas públicas em matéria de educação sexual Conclusão. Referências.
Introdução
A educação sexual está relacionada à promoção dos direitos humanos, direito que a criança e o e adolescente possuem à saúde, à educação, à informação. Com isso, a sexualidade inicia-se com o nascimento, fazendo parte do desenvolvimento do ser humano.
Contudo, o que se verifica é um tabu para falar desses assuntos, considerando essas crianças como seres puros ou inocentes demais para se comentar sobre a sexualidade, entretanto o corpo desse jovens ao decorrer de sua evolução apresenta mudanças físicas e emocionais, que causam dúvidas e curiosidades que precisam ser esclarecidas pelas escolas e pela família, de forma, ampla e pluralista.
Diante disso, há argumentos contra a transmissão de conhecimentos sexuais para crianças, pois consideram que é um assunto que deve ser tratado pela família e que ministrar tais conhecimentos é uma forma de estimular a prática sexual precoce entre jovens, mas na realidade falar sobre educação sexual nos currículos escolares é um meio eficaz de prevenir doenças sexualmente transmissíveis, de influenciar o exercício tardio do sexo ou ao menos ele ser protegido com métodos contraceptivos, evitando-se gravidez indesejada. Além disso, o estudo sexual influencia o respeito pelos portadores de HIV/Aids.
Entretanto, a postura presidencialista do governo atual é de que falar sobre a sexualidade seja um assunto tratado apenas um dever da família dentro do seu poder familiar, havendo, desse modo, uma omissão estatal demasiada, pois o Ministério da Educação do Brasil não utiliza como parâmetro curricular pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação o tema da sexualidade, nem como matéria individual ou como tema transversal, demonstrando um descaso na concretização dos direitos das crianças e dos adolescentes, pois o Estado também possui o dever de educar, afirmando-se o direito desses jovens à educação.
Com isso, a responsabilidade pela efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, como à saúde, à vida, à educação, inclusive, a sexual é tripartite pertente a família, ao Estado e a sociedade, dessa forma, deverá existi uma conjugação de esforços, para que esses direitos sejam assegurados em sua plenitude.
Desse modo, cabe ao ente estatal incluir nos currículos escolares a educação sexual como disciplina própria ou transversal nas demais, além de preparar os educadores para assumirem uma postura imparcial, sem emitir juízos de valor ou seus preconceitos, ademais se deve contratar especialistas na área da saúde sexual para ministrar palestrar periódicas, afim de esclarecer as dúvidas e ansiedades dos alunos.
Além do mais, deve haver pela sociedade, pela família e pelo Estado um controle midiático para que não haja uma erotização infantil, abordando-se conteúdos televisivos compatíveis com a faixa etária de quem o assiste.
Enfim, a orientação sexual é um direito e uma garantia para esses jovens de serem informados sobre uma particularidade humana que surge com o nascimento e se encerra apenas com a morte. Entretanto, deve ser direcionada nas escolas, de forma, gradativa, conforme uma sequência lógica semelhante ao desenvolvimento da criança.
1 O Direito Da Criança e Do Adolescente à Orientação Sexual
Compreende-se crianças aquelas que possuem a faixa etária até os 12 anos de idade incompletos e a adolescência entre os 12 anos aos 18 anos de idade incompletos. Historicamente, esses infantes eram tratados como símbolos de pureza, como seres que não podiam questionar sobre a sexualidade, caso contrário receberiam tratamento, de modo, repressor pela família e pela sociedade.
Anteriormente ao século XIX, o discurso pastoral das igrejas era de que as mulheres e as crianças deveriam ter a castidade como seu grande objetivo, já que o sexo representava a transmissão de doenças, principalmente oriundas das traições de seus maridos, além disso o entendimento apregoado era de que as mulheres que gostavam do ato sexual deveriam ser taxadas como prostitutas. Com isso, a noção de que o sexo consiste em um fenômeno que pertence a nossa existência está sendo gradativamente construído na consciência da sociedade.
Um grande avanço foi introduzido pelo Plano de Ação do Cairo de 1994, resultado da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, além da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, que deram origem a documentos de cunho de direitos humanos, em que trata da liberalidade dos indivíduos de viver sua sexualidade, por meio dessas conferências o sexo começou a ser estampado como algo positivo, reconhecendo-o como direito de toda pessoa humana. Assim sendo, a sexualidade passou a ser entendida como algo que se manifesta desde o nascimento de cada indivíduo e a acompanha até seu desenvolvimento.
Dessa forma, a criança e o adolescente tem direito à orientação sexual, até mesmo pra se prevenir de influências negativas da mídia, que tem participado da formação sexual desses infantes, já que veicula programações demasiadamente erotizadas, que gera curiosidades nesse grupo juvenil, que terminam por construir informações errôneas e fantasiosas sobre a sexualidade. Diante disso, é necessário a efetivação do direito à orientação sexual para crianças e adolescentes, tendo em consideração ser um direito humano universal, patrimônio inalienável de todos os indivíduos, indispensáveis para a concretização da dignidade da pessoa humana, não devendo ser motivo de nenhuma discriminação.
Com isso, o direito à educação é um direito social previsto na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de julho de 1990), que assegura a instrução formal, a qualificação profissional, o exercício da cidadania, o desenvolvimento das crianças, além disso deve oportunizar o aprendizado correto e preventivo sobre a sexualidade, pois os infantes possuem o direito a liberdade, além da de vir, a de um aprendizado completo e eficaz. Nesse diapasão, cita-se:
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, que compreende: direito de ir e vir, de opinião e expressão; de crença e culto religioso, de brincar, de praticar esportes e divertir-se; de participar da vida comunitária sem discriminação. É dever de todos velar pela dignidade de ambos, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano ou violento (FERNANDES & PALUDETO, 2010, p.249)
Por isso, a sexualidade é um direito humano fundamental, uma liberdade que a criança e o adolescente possuem de orientação sexual, já que a sexualidade é algo que acompanha desde o nascimento, tendo em vista que decorre de sua própria natureza. De modo, que a criança só pode se realizar como ser humano se tiver assegurado o respeito a livre orientação sexual.
Nesse sentido, a orientação sexual como direito desses indivíduos em peculiar condição de desenvolvimento contribui para o exercício da sexualidade com responsabilidade, bem como garante o direito básico à saúde, à informação e ao conhecimento, tornando cidadãos responsáveis e conscientes sobre os atos sexuais. Outrossim, é relevante o ensino sexual para formar pessoas que respeitam as diversidades de valores, de crenças e comportamento relativos à sexualidade, além de ter conhecimento do seu corpo, valorizar sua saúde, evitar contrair ou transmitir doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS, além de procurar a devida orientação para o uso de métodos contraceptivos. Por fim, proteger-se de relacionamentos sexuais exploradores.
2 Dever Do Estado Com Relação à Educação Sexual Da Criança e do Adolescente
Com base na Lei de Diretrizes Bases da Educação (LDB), Lei 9.394 de 1996, em seu artigo 2° determina que:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996)
Logo, é dever da família, mas também do Estado, por intermédio das escolas promover a educação sexual, contudo existem argumentos favoráveis e contra a orientação sexual, como primeiro defendem que a escola deve tratar do assunto da sexualidade para formar nas crianças e nos adolescentes hábitos saudáveis, incentivando desde a infância o cuidado com a saúde sexual, além disso como conversas sobre educação sexual nem sempre acontecem em casa, assim é necessário a orientação sexual para que os infantes recebam instruções para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez.
Entretanto, os argumentos contra se referem que a sexualidade é assunto de família, que a escola não deve intervir, além disso exclamam que falar sobre sexo é influenciar a prática do ato sexual, e que os professores podem transmitir suas crenças ou preferências sexuais as crianças. Enfim, a orientação sexual a crianças e adolescentes é rechaçada, tendo em vista que seria uma apologia à erotização infantil.
Ressalta-se que deve haver a educação sexual, porque é de muita importância para o autoconhecimento do indivíduo um ensino baseado nos direitos humanos, comtemplando a sexualidade. Nesse sentido, ressalta-se:
Os direitos humanos devem fazer parte do processo educativo das pessoas. Para defender seus direitos, todas as pessoas precisam conhecê-los e saber como reivindicá-los na sua vida cotidiana. Além disso, a educação em direitos humanos promove o respeito à diversidade (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras), a solidariedade entre povos e nações e, como consequência, o fortalecimento da tolerância e da paz (RIZZI, 2011, p. 16).
Com isso, a educação sexual auxilia no esclarecimento de dúvidas sobre preservativos, doenças sexualmente transmissíveis (DST’s), além de curiosidades sobre os organismos masculino e feminino, aceitação das diversidades, gravidez e anticoncepcionais.
Por isso, é imprescindível quebrar o tabu que é falar sobre a sexualidade humana que persiste até os dias atuais pelos setores conservadores da sociedade, pois o ambiente escolar é local oportuno para debater sobre a orientação sexual, além das instituições de ensino possuir o dever de sanar questionamentos sobre o assunto, já que o Estado, por intermédio das escolas precisa assegurar o conhecimento e a informação, de forma, ampla para todos os educandos.
Desse modo, enfatiza-se que a omissão estatal contribui para que os jovens se tornem ignorantes, além de contribuir para os casos de gravidez precoce e o aumento de doenças sexualmente transmissíveis, geradas por relações sexuais desprotegidas, ou seja, falar sobre sexo no ambiente escolar é uma questão de saúde e prevenção. Sobre a obrigação de educar sexualmente crianças e adolescentes e evitar omissões, destaca-se:
Não podem pais ou professores fugir a função de educadores. Se educam em outros setores, se lecionam outros assuntos e matérias, não podem fugir do imperativo de transmitir conhecimentos de ordem sexual (CERQUEIRA, 2011, p. 261).
Por isso, é necessário aplicar nos currículos escolares um programa de educação sexual com a participação de especialistas na área da saúde, além do mais os jovens e os seus pais devem participar da criação do programa. Diante disso, as aulas devem conter informações sobre doenças sexualmente transmissíveis e sobre os malefícios de uma gravidez precoce, além de os jovens serem informados acerca dos serviços de saúde disponíveis na sociedade e como acessá-los. Por fim, o tema da educação sexual pode ser abordado como uma disciplina especifica, contudo também pode ser elencado, de forma, transversal dentro de outras matérias.
Outrossim, os conteúdos a serem trabalhados podem ser: as transformações do corpo do homem e da mulher, a gravidez e o parto, os mecanismos de concepção e a existência de métodos contraceptivos, o respeito ao próprio corpo e ao do próximo, a consideração pelos colegas que apresentam um desenvolvimento emocional e físico diferentes, além do fortalecimento da auto estima e a consciência sobre as relações sexuais e o conhecimento sobre as formas de transmissão e prevenção da AIDS e de outras doenças sexuais.
Acrescenta-se que o trabalho de orientação sexual deve levar em consideração a faixa etária dos alunos, visto que as questões de sexualidade são diferentes para cada etapa do desenvolvimento humano. Além disso, o professor não deve emitir juízos de valor, suas crenças sobre a sexualidade, por exemplo, dizendo que as relações sexuais só deverão ocorrer depois do casamento. Sua postura deve ser sensível, democrática e imparcial, respeitando todos os valores particulares, além de ter a consciência de que as curiosidades sobre a sexualidade fazem parte do desenvolvimento humano. Ademais, salienta-se que o trabalho de orientação sexual deverá ser desenvolvido, de modo, pedagógico e coletivo, não tendo o aspecto de aconselhamento individual, porém os alunos que necessitam de uma intervenção diretiva e isolada, deverão ser atendidos separadamente por algum professor ou orientador sexual da escola, e se for necessário deverá haver o encaminhamento especializado.
Em suma, deve ser abordada nas escolas todas as orientações sexuais midiáticas errôneas, afim de que os discentes tenham todos os conhecimentos sobre a sexualidade, conforme a sua idade, para que formem suas próprias opiniões e estejam conscientes sobre os meios de prevenção, até porque quando há educação sexual na escola gera a formação de jovens mais experientes e conscientes sobre o que é o sexo, seus benefícios e malefícios também.
Com isso, afirma-se que os direitos sexuais são direitos humanos e conforme o Ministério da Saúde se deve tratar a saúde sexual e a reprodutiva por meio de um programa de saúde na escola (PSE), orienta, ainda, que essa abordagem seja iniciada aos dez anos de idade, por meio de práticas escolares diferenciadas, buscando-se, desse modo, a redução dos casos de gravidez indesejada na adolescência e a quantidade de situações de HIV/Aids e de infecções de doenças sexualmente transmissíveis e hepatites virais, que ocasionam a evasão ou reprovação escolar.
Ademais, para que esse programa de saúde na escola funcione são necessárias algumas atitudes dos profissionais, como: deve estar aberto para ouvir as dúvidas sexuais dos alunos, deve potencializar o senso crítico sobre essa temática, além de orientar, de maneira, clara à família e os alunos sobre as transformações do corpo, as sensações sexuais, a masturbação e sobre o ato sexual propriamente dito. Sobre as formas de inserção da temática sexual nas escolas, segue a listagem de meios do Ministério da Saúde:
Realizar atividades (oficinas, rodas de conversa, gincana, feiras de saúde, espaços de debates entre outros) de promoção da saúde com os estudantes, e também com professores e funcionários (profissionais da educação), a partir da realidade local e de seus saberes. Utilizar a Caderneta de Saúde de Adolescente, masculina e feminina, que contém várias informações a respeito do crescimento e desenvolvimento, prevenção de violências e promoção da cultura de paz, saúde sexual e saúde reprodutiva, métodos contraceptivos, os estágios de maturação sexual, calendário vacinal entre outros temas.
Abrir canais de comunicação com os/as adolescentes e jovens de forma a contribuir para o fortalecimento da autonomia e do autocuidado
Criar espaços de debates democráticos, respeitosos e participativos, com vistas a fomentar os fatores e processos de proteção. Realizar ações continuadas e permanentes que incentivem atividades solidárias fortalecendo a comunicação e o respeito às diferenças, minimizando os mais diversos fatores de risco e incrementando os potentes fatores de proteção. Realizar discussões sobre projetos de vida em relação a saúde sexual e saúde reprodutiva reconhecendo que isso traz mudanças para a vida dos/das adolescentes e que o apoio das escolas e dos serviços de saúde pode contribuir para a não evasão escolar. Acolher as demandas dos/das adolescentes e jovens de modo a apoiá-los no processo de tomada de decisão. Capacitar adolescentes e jovens que tenham interesse para serem promotores da saúde. Promover atividades em grupo com as famílias dos adolescentes e jovens com vistas a desenvolver a integração intergeracional fortalecendo o diálogo, a troca de experiência, entre outros, de acordo com as necessidades do grupo e dos indicadores epidemiológicos do território.
Por fim, deverão haver debates sobre a sexualidade, de forma, democrática com professores, alunos e suas famílias, além disso se for necessário que tenha especialistas para esclarecer as elucidações, visto que essa é uma forma de assegurar o direito desses indivíduos em condição peculiar de desenvolvimento à informação. É um modo de respeitar o pleno exercício dos direitos das crianças, dentre os quais, os direitos sexuais.
Em resumo, cabe aos professores afastando-se de seus preconceitos fornecer uma educação sexual ampla e compatível com a idade dos alunos, para que sejam formados seres conhecedores dos seus direitos sexuais, para que tomem atitudes responsáveis sobre a sexualidade, pois só, desse modo, será possível reduzir os níveis de gravidez precoces e jovens com doenças sexualmente transmissíveis.
Ademais, se não for possível a criação de uma disciplina de orientação sexual, é necessária que esse assunto seja estudado, de forma, transversal em outras disciplinas, como na biologia que se explica a reprodução do corpo humano, a concepção, os órgãos sexuais, entre outros conteúdos de caráter sexual.
3 Poder Familiar e a Educação Sexual no Brasil
O histórico da sexualidade brasileira teve início com a chegada dos portugueses em solo indígena, pois queriam por meio da catequese impor suas culturas e crenças, de modo, que queriam combater a nudez dos índios, pois para eles representava vergonha e falta de pudor. Além do mais, nessa época o sexo era permitido para os homens com suas esposas, índias e com a posterior escravidão com a negras, contudo para as mulheres deveriam ser submissa aos homens e a religião, além da sexualidade ser apenas para fins reprodutivos, não se falava em sentir prazer.
Diante disso, apenas no século XX, com o crescimento do número de gravidez indesejada, a transmissão de doenças sexuais, como o HIV e a sífilis é que movimentos sociais ocorreram, para que houvessem uma abertura política para inserção da temática de orientação sexual nas escolas e também visando que os pais conversassem com seus filhos sobre educação sexual.
Contudo, com o período ditatorial, iniciado em meados de 1964, as conquistas sobre a sexualidade foram proibidas ou suspensas, pois representavam práticas comunistas. Até que se iniciaram lutas para assegurar conquistas de direitos civis e políticos, mas também sexuais e reprodutivos, além do direito de escolha de ter ou não filhos.
Nesse contexto, de nova abertura política, em 1978, o Conselho Federal de Educação aprovou a proposta de inclusão nos currículos escolares de 1° e 2° graus a matéria denominada Programa de Saúde, sendo o foco nas questões biológicas, derrubando posturas conservadoras e preconceituosas. Ademais, já em 1983, foi criado o Programa de Assistência Integral á Saúde da Mulher (PAISM), dessa forma, a partir de então a reprodução passou a ser escolha individual da mulher, deixando o Estado de exercer o controle da natalidade.
Além disso, em 1996, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação inserido a educação sexual como temática transversal a ser abordada nas demais disciplinas. Contudo, o que se verifica na prática é que a orientação sexual é tratada apenas, de forma, superficial em aulas de biologia, como sobre a reprodução e o corpo humano.
Por isso, é imprescindível que a orientação sexual seja ministrada nas salas de aula como tema transversal ou como disciplina própria, além do mais é dever dos pais participar desse processo educacional, pois o poder familiar abrange deveres de proteção, mas também de assegurar direitos como o direito à informação, e a sexualidade é uma delas, até porque com a puberdade e mudanças do corpo a ansiedade por novas descobertas faz parte do processo natural da adolescência, por isso escola e família devem se unir para demandar esforços nas elucidações desses jovens.
Para muitos pais as crianças não possuem sexualidade, que são puras e que falar de sexo para essas pessoas em peculiar condição de desenvolvimento é algo considerado imoral, mas essa sexualidade deve ser entendida como algo que se inicia com o nascimento e só se encerra com a morte, manifestando-se de formas diferentes de acordo com a faixa etária da criança. Por isso, segundo o Art. 229, caput, da Constituição Federal de 1988: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” E esse dever de educação abrange a sexual, por isso a orientação sexual da escola deve ser complementar a da família.
Desse modo, deve ser abordado pela família assuntos como: o conhecimento de doenças sexualmente transmissíveis, o entendimento das formas de prevenção e das vias de transmissão da AIDS, reforçar ensinamentos para que não haja repúdio aos portadores de HIV, além de informar como ocorre a concepção humana, deixando de lado a história ilusória da “cegonha”, mito no qual esse animal que traz uma criança aos pais. Além do mais, as crianças e os adolescentes também devem ser informados pela família sobre as transformações e características de seu próprio corpo e do outro sexo.
Entretanto, o que se verifica na realidade é que os pais não orientam sexualmente seus filhos, além de não concordarem que seja ensinada educação sexual nas escolas, inclusive, o atual governo de Jair Bolsonaro orienta que falar sobre sexo é função da família e não das escolas, ou seja, havendo uma omissão estatal, até porque as diretrizes para a educação brasileira estão, desenvolvida pelo Ministério da Educação (MEC) não consta um currículo escolar com educação sexual na atualidade, nem como tem transversal.
4 Limites das Políticas Públicas em Matéria de Educação Sexual
A educação sexual faz parte do patrimônio de direitos humanos de todos os indivíduos, por isso deve ser orientada nas escolas, como uma forma de assegurar o direito à educação e à informação, contudo deverá existir limites. As crianças e os adolescentes são titulares dos direitos elencados no art. 227 da Constituição Federal, como à vida, à saúde, à alimentação, à educação, inclusive, educação sexual, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, contudo também são merecedores dos demais direitos fundamentais previstos constitucionalmente, conforme aduz José Afonso da Silva (1999, p.6):
Esses direitos fundamentais da criança especificados no art. 227 da Constituição não significa que as demais previsões constitucionais desses direitos não se lhe apliquem. Ao contrário, os direitos da pessoa humana referidos na Constituição lhes são também inerentes. Mais do que isso até, já que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Verifica-se que a responsabilidade pela efetivação desses direitos das crianças e dos adolescentes é tripartite, sendo a titularidade do Estado, da sociedade e da família. A conjugação dessas três instituições é necessária para que os direitos fundamentais sejam agregados ao arcabouço jurídico desses indivíduos em peculiar condição de desenvolvimento.
A responsabilidade pela concretização dos direitos dos infantes que está prevista no art. 227 da Constituição de 1998 e no artigo 4° do Estatuto da criança e do adolescente é tripartite e solidária, ou seja, cabe a todos os entes federados a proteção dos direitos do grupo infanto-juvenil, além disso a União, os Estados e os Municípios podem ser demandados quando houver violação dos direitos dos menores. Ademais, salienta-se que não hierarquia entres os três entes, pois todos devem resguardar os direitos básicos que garantam a dignidade das crianças e dos adolescentes.
Ressalta-se que a função da família, como uma das instituições responsáveis pela efetivação dos direitos dos menores, é de promover a proteção dos mesmos e fornecer os ensinamentos básicos, já que é no seio familiar que a criança recebe as primeiras instruções e os valores para moldar seu caráter como ser em peculiar condição de desenvolvimento. Ademais, cabe ao seio familiar fornecer as orientações sexuais de acordo com a idade da criança, pois o poder familiar abrange o deve assegurar direitos desses jovens, mesmo que seja à informação sexual.
Diante disso, o Estado deverá promover à educação sexual, mas os educadores deverão ser imparciais, não devem emitir juízos de valor, entendendo que as questões sexuais são diferentes em cada etapa do desenvolvimento. Deverão os docentes respeitar as angústias e ansiedades próprias dessa idade. Além do mais, as escolas devem contratar periodicamente especialistas para falar, de forma plural e compatível com todas as faixas etárias, sobre a sexualidade. Pois, dessa forma, as crianças e adolescentes podem formas suas próprias concepções sobre os atos sexuais, ficando mais informado sobre os meios contraceptivos, as doenças sexualmente transmissíveis e os malefícios de uma gravidez precoce.
Ademais, a Constituição Federal de 1988 apregoa no seu artigo 205 que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Trata-se da concretização de uma educação que vá além do ensino formal, mas que sejam formados seres atuantes, capazes de reivindicarem seus direitos. A educação é um direito fundamental para a instrumentalização dos demais direitos, conforme preleciona Andréa Rodrigues Amim (2013, p.95):
É direito fundamental que permite a instrumentalização dos demais, pois sem conhecimento não há o implemento universal e de fato dos demais direitos. A ignorância leva a uma passividade generalizada que impede questionamentos, assegura a manutenção de velhos sistemas violadores das normas que valorizam o ser humano e impede o crescimento do homem e o consequente amadurecimento da nação.
Por isso, é necessária uma educação que de fato seja além do mero ensino formal, que eduque sexualmente as crianças, visto que é uma questão de saúde e prevenção. Além disso, a sociedade, a família e os Estados devem controlar os conteúdos televisivos, não que não se possa falar de orientação sexual para crianças e adolescentes no meio midiático, mas o que se deve evitar é uma erotização infantil, ou seja, os conteúdos devem ser compatíveis com as idades dos espectadores crianças e é dever dos pais fiscalizar o que estão assistindo.
Entretanto, no Brasil a aplicação da educação sexual nos currículos escolares não é compulsória, segundo as diretrizes educacionais brasileira, criada pelo Ministério da Educação (MEC) não inclui a educação sexual como temática a ser abordada. Outrossim, com o Projeto de Lei Escola sem Partido do então Presidente Jair Bolsonaro, é notório seu posicionamento sobre a sexualidade, pois ele comentou em várias oportunidades que a orientação sexual é dever do âmbito privado da família, sendo um posicionamento extremista, já que essa é uma forma de omissão estatal, pois a responsabilidade pela educação de uma formal geral é tripartite e não apenas da família.
Por fim, uma educação sexual com limites estabelecidos é demasiadamente eficaz, porque segundo UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) que realizou um grande estudo sobre a educação sexual entre os anos de 2008 e 2016, ficando comprovada que os programas sexuais contribuem para que as a atividades sexuais ocorram cada vez mais tarde ou de forma protegida com o uso de meio contraceptivos, além dos jovens terem mais conhecimento sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis e a redução dos índices de HIV.
Em suma, a educação sexual deve ser abordada pela família e pelas escolas dentro dos limites de cada idade, como disciplina própria ou de forma transversal em outras matérias, isto é, o que não pode é deixar de ser ministrada a orientação sexual, pois o direito à informação faz parte da dignidade da pessoa humana. Além disso, segundo o Conselho Nacional do Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) é compromisso do Estado garantir a plenitude do desenvolvimento da criança, de modo, a respeitar o exercício de seus direitos, dentre os quais, os direitos sexuais.
Conclusão
Os direitos sexuais são direitos humanos previstos em leis nacionais e em documentos internacionais. São inalienáveis e imprescritíveis, desse modo, a criança e o adolescente possuem o direito à educação sexual, com o intuito de ter assegurado seu direito à informação e à saúde, pois sendo orientados sobre a sexualidade há vários benefícios, como na Holanda, Bélgica, Nova Zelândia, Inglaterra e Escócia em que há educação sexual compulsória e as taxas de gravidez precoce ou na adolescência estão entre as mais baixas.
Contudo, há vários argumentos contra ao ensino sexual para os jovens, por exemplo, questionam que sexualidade é um assunto que deve ser tratado apenas no ambiente privado da família, ou seja, omitindo o papel estatal, além do mais comentam que falar sobre sexo para pessoas em condição peculiar de desenvolvimento é uma forma de estimular a prática sexual, porém o que se observa é o oposto, pois quando informados não há uma erotização infantil, mas o que ocorre na realidade é a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, a redução dos índices e gravidez precoce, além da solidariedade com a diversidade de gênero e com os portadores de HIV.
Diante disso, deverá haver o estímulo à educação sexual, por intermédio de um programa para educação sexual nas escolas, com a participação de palestras periódicas de especialistas na área sexual, além disso deve haver a participação dos pais ou responsáveis na criação e na continuação desse programa. Ademais, as aulas deverão conter informações científicas sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, além do mais os temas devem ser abordados numa sequência lógica compatível com a idade dos estudantes. Outrossim, precisam os discentes serem informados sobre os serviços de saúde disponíveis na comunidade e como fazer para acessá-los.
Em suma, a educação sexual para crianças deverá ser ministrada como disciplina específica ou como tema transversal nas demais, como na biologia quando se comenta sobre os órgãos reprodutores, a concepção, entre outros. Assim sendo, o Ministério de Educação deve incluir na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como diretriz para educação no Brasil a orientação sexual nas escolas, deixando de lado o posicionamento presidencialista de que educação sexual é assunto para ser dissertado no ambiente privado da família.
Ademais, os professores quando tratarem da educação sexual devem estar abertos para as dúvidas e anseios dos alunos, já que estes estão em processo de evolução do seu corpo e de novas descobertas no âmbito sexual. Além disso, os educadores precisam ser imparciais, sem emitirem juízos de valor sobre a sexualidade, e nas escolas deverão ser realizadas oficinas, roda de conversas, espaços de debates para informar os alunos sobre temas sexuais.
Por fim, o atendimento aos alunos deve ser coletivo e democrático, visando formar jovens esclarecidos dos seus direitos sexuais e reprodutivos pelas escolas e complementado pela família, e não de forma erotizada pela mídia, pois só, desse modo, formaremos jovens capazes de tomarem decisões conscientes, que não prejudiquem sua saúde e seu desenvolvimento escolar.
Referências
AMIN, Andréa Rodrigues. Dos direitos fundamentais. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos teóricos e práticos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 02 jul. 2016.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei Federal n 8.069/90. Diário Oficial da União, Brasília, 16 Jul.1990.
BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília. 23 dez. 1996.
FERNANDES, A. V. M.; PALUDETO, M. C. Educação e direitos humanos: desafios para a escola contemporânea. Cad. Cedes, Campinas, vol. 30, n. 81, p. 233-249, mai.-ago. 2010.
SILVA, José Afonso da. Direitos humanos da criança. Revista trimestral de direito público. São Paulo: fas, 1999.
[1] Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza. Pós-graduanda em Direito Constitucional pelo Instituto Damásio Educacional. Mérito acadêmico 2019.2 pela Universidade de Fortaleza.
E-mail: [email protected]