Do Mito à Razão: a Descoberta do Direito Natural e as Suas Principais Características

Franco Mautone Júnior

Andréa Depintor

Resumo: O estudo e a compreensão da consciência mítica e a sua respectiva passagem para a razão constituíram terreno fértil para a descoberta da natureza e, por conseguinte, do Direito Natural, o qual, segundo a ideia que prevalece, caracteriza como um ordenamento jurídico ideal e supremo que deve influenciar a atividade legislativa e a sua respectiva aplicação. Assim, o objetivo do presente estudo é apresentar as principais ocorrências e ideias durante essa transição e apontar as mais importantes características do Direito Natural.

Palavras-chave: Filosofia. Mito. Razão. Direito Natural.

 

Abstract: The study and understanding of the mythical consciousness and its respective passage to reason were fertile ground for the discovery of nature and, consequently, Natural Law, which, according to the prevailing idea, characterizes as an ideal and supreme legal order which should influence the legislative activity and its implementation. Thus, the objective of the present study is to present the main occurrences and ideas during this transition and to point out the most important characteristics of Natural Law.

Keywords: Philosophy. Myth. Reason. Natural Law.

 

Sumário: Introdução. 1. A consciência mítica. 2. Da passagem do mito à razão. 3. A descoberta da natureza: a origem do reconhecimento do direito natural. 4. Características do Direito natural. 5. Distinção entre Direito Natural e Direito Positivo. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

Introdução

É difícil identificar com segurança e propriedade o momento em que a história do pensamento efetivamente se iniciou.  A diversidade de povos e de culturas, cada qual imersa em sua própria crença e costumes, acaba por dificultar sobremaneira a fixação da origem do pensamento crítico. A consciência ingênua e a reprodução inconsciente da experiência vivida não constituíam terreno fértil para a conquista da autonomia do pensar e do agir. Não existia uma explicação racional sobre a origem das coisas e o sentido do homem. As respostas eram dadas pela religião e pela tradição dos povos e transmitidas oralmente para os descendentes numa perfeita continuidade irrefletida de ideias e costumes.

Para a grande maioria dos autores, a origem da filosofia ou do pensar crítico se deu nos séculos VI e V antes de Cristo. Sócrates, por exemplo, teria sido um dos introdutores do pensamento e do raciocínio críticos e se afastado da explicação da origem das coisas ocupada por tanto tempo pelo mito. A filosofia permite, pois, o rompimento da consciência ingênua para a consciência critica.

É importante destacar desde já que os povos antigos desconheciam a figura do direito natural. A vida politica existia antes da sua descoberta e enquanto fosse ignorada a natureza também seria ignorado o direito natural. Coube às características crítica e questionadora da filosofia a descoberta da natureza e propiciar os meios para conhecer o direito natural. Com efeito, conhecer coloca o objeto do conhecimento em xeque quanto à sua realidade, cenário este que não guarda relação de compatibilidade com a consciência mítica.

Neste trilho, o objetivo do presente artigo será apresentar a superação do mito pela razão e apontar em quais circunstâncias se deu a descoberta do direito natural, bem como apontar em síntese as suas principais características.

 

  1. A consciência mítica

O mito constitui a estrutura justificatória predominante nos povos antigos ou a origem das coisas primeiras e que era narrado pela figura conhecida como rapsodo.

Para ilustrar a ideia, pensemos na forma como Hesíodo explicou por meio da sua obra a origem do universo, da genealogia e da hierarquia dos deuses e heróis da mitologia grega. A obra se divide em três partes: (i) Cosmogonia, na qual Hesíodo fala sobre quatro deuses principais (Caos, Gaia, Tártaro e Eros)[1] e mostra como do nada se deu o surgimento do universo[2]; (ii) Teogonia, na qual Hesíodo retrata a origem de alguns deuses, tais como Héstia, Deméter, Hera, Hades, Posídon e Zeus; e, (iii) Heroogonia, na qual se explica a origem dos semideuses, tais como Hércules.

No Brasil, tribos indígenas explicavam a origem do dia e da noite a partir da curiosidade que levou a abertura de um coco de onde surgiu permanentemente a escuridão e a noite. Até então só existia a claridade. Posteriormente, a Aurora devolveu a claridade, mas com a condição de que noite e dia seriam alternados como forma de punição pelo tresloucado ato oriundo da curiosidade.

Muitos outros mitos podem ser mencionados, como o que relaciona a chuva e a estiagem ao martelo de Thor, a caixa de Pandora etc., mas o ponto comum entre todos se hospeda na ideia de que tudo é sagrado e nada é natural, ou seja, o sobrenatural está ligado à origem do universo e tem a função de explicar e tranquilizar o homem, sem prejuízo, ainda, de ditar as regras de convivência, sob pena da coerção divina (castigo dos deuses)[3]. Nessa linha de raciocínio, foi o crime de Édipo que provocou todas as pragas para Tebas e, segundo Tirésias, somente após a identificação do assassino de Laio é que a cidade se livraria delas.

Justifica-se, assim, o sacrifício de animais e demais formas de oferenda aos deuses com o objetivo de purificação do pecado praticado no seio da tribo, para acalmar os ânimos dos deuses, o que ressalta e confirma que a aceitação do mito é um produto da fé[4].

Assim, se por um lado todas as respostas estão no sagrado, as quais são reproduzidas pelas autoridades das tribos primitivas, por outro não há que se falar em consciência individual, mas coletiva, submergida na massa dogmatizada. O modo reto significa agir de acordo com a vontade divina.

 

  1. Da passagem do mito à razão

A primeira ideia que deve ser registrada é que a descoberta da natureza precede a descoberta do direito natural, o qual, por sua vez, pressupõe que se duvide da autoridade ou que se emancipe dela[5].

Algumas novidades que surgiram no mundo arcaico contribuíram para isso, tais como a escrita, a moeda e o nascimento da pólis, pois permitiram a análise reflexiva e questionadora por meio da filosofia.

Neste trilho, os filósofos pré-socráticos iniciaram os seus questionamentos em busca da arché, ou seja, o elemento constitutivo de todas as coisas[6]. Em outras palavras, enquanto Hesíodo se valia da cosmogonia, os pensadores pré-socráticos buscavam a racionalidade do universo (cosmologia) para encontrar a resposta sobre como seria possível emergir do Caos um universo ordenado. Assim, Tales de Mileto acreditava que a água ou umidade era a origem da vida ao observar os efeitos do aumento e diminuição do volume da água nas margens do Rio Nilo; para Anaxímenes, era o ar; para Demócrito, o átomo; para Empédocles, a terra, a água, o ar e o fogo[7][8].

A divergência dos filósofos entre si, ao oferecerem uma pluralidade de explicações e justificativas sobre um mesmo ponto questionado, nos revela a ruptura da consciência mítica e o início do conhecimento pela razão[9].

 

  1. A descoberta da natureza: a origem do reconhecimento do direito natural

O duvidar da autoridade a partir da distinção do que o homem vê e do ouvir dizer foi o ponto crucial para a busca pela descoberta da natureza e a abertura de caminhos para o reconhecimento do direito natural.

 

De acordo com a lição de L. Strauss[10]:

A forma originária de se duvidar da autoridade, por conseguinte, a orientação originária que a filosofia tomou, foram determinadas pelo carácter originário da autoridade. O pressuposto de que há uma diversidade de códigos divinos depara-se com dificuldades, já que os diferentes códigos se contradizem. Um código exige o sacrifício do primogênito, ao passo que outro abomina e proíbe todos os sacrifícios humanos. Os ritos funerários de uma tribo provocam o horror de outra. Mas o que verdadeiramente conta é o facto de os diferentes códigos se contradizerem no que diz respeito às coisas primeiras. A ideia de que os deuses nasceram da terra não é conciliável com a ideia de que a terra foi criada pelos deuses, Assim surge a questão de saber qual é o código recto e qual é a explicação das coisas primeiras que é verdadeira? A autoridade já não é garantia do modo recto; torna-se numa questão em aberto ou no objeto de uma investigação. A identificação primeva do bem com o ancestral é substituída pela distinção fundamental entre o bem e o ancestral; a procura do modo recto das coisas é doravante a procura do bem por contraposição ao ancestral. Acabará por revelar como a procura do que é por natureza bom em contraposição ao que é bom apenas por convenção.

 

 

Vê-se, pois, que as questões mais importantes como a origem das coisas e o agir corretamente sempre foram objeto do conhecimento pelo ouvir dizer. Foi a partir do instante em que o homem, diante do referido objeto do conhecimento, passou a ver em vez de ouvir dizer, que foi possível constatar as contradições existentes em comportamentos dados como “normais” em diversas tribos ou comunidades e a questionar se não haveria uma forma reta de agir que fosse anterior à própria convenção, vale dizer, algo que não é apenas bom, mas algo que é bom por natureza e universalmente aceito. Assim, para L. Strauss[11]:

 

Era necessário suspender o julgamento critico, ou o assentimento ao carácter divino ou venerável de um código ou de uma narrativa, até que os factos em que se baseavam as suas pretensões se tornassem manifestos ou fossem demonstrados. Têm de se tornar manifestos para todos, em plena luz do dia. Assim, o homem desperta para a diferença crucial entre o que o seu grupo considera ser inquestionável e o que ele próprio observa; é assim que o Eu se torna capaz de se opor ao Nós sem qualquer sentimento de culpa. Mas não é o Eu enquanto tal que adquire esse direito. Os sonhos e as visões haviam sido de uma importância decisiva para fundar a autoridade do código divino ou da explicação sagrada das coisas primeiras. Em resultado da aplicação universal da distinção entre o ouvir dizer e o ver com os próprios olhos, fazia-se agora uma distinção entre o único mundo que é verdadeiro e comum, e que se apreende no estado de vigília, e os muitos inverídicos e privados dos sonhos e das visões. Assim, parece que nem o Nós de um qualquer grupo particular, nem o Eu único, mas antes o homem enquanto homem, é a medida do verdadeiro e do falso, do ser ou do não-ser de todas as coisas. Por fim, o homem aprende assim a distinguir o nome das coisas que conhece por ouvir dizer, e que variam de grupo para grupo, das coisas em si mesmas que ele, assim como qualquer outro ser humano, pode ver com os seus próprios olhos. Pode, então, começar a substituir as distinções arbitrárias das coisas que variam de grupo para grupo pela suas distinções “naturais”.         

 

Neste trilho, a descoberta do que é bom por natureza e não a aceitação cega do que é bom por convenção é que possibilitou o reconhecimento do direito natural.

 

Por outro lado, não podemos nos olvidar das criticas levadas a efeito pela corrente convencionalista sobre a existência do direito natural. Para o convencionalismo, o direito é convencional, uma vez que o que é considerado justo ou injusto varia de sociedade para sociedade, de época para época, e é fruto da obra humana. Voltaríamos, pois, ao problema que deu origem ao questionamento das regras nos grupos sociais, uma vez que, se as regras de comportamento foram criadas pelo homem, as supostas regras de direito natural anteriores às essas regras também teriam sido obra do homem, vale dizer, tudo seria fruto da convenção humana.

 

Mas, mesmo diante dessa ideia sedutora, há um argumento que não pode ser desprezado e que ressalta e confirma a existência do direito natural: o direito natural consiste na procura do que é universalmente justo por meio do emprego da razão. Há uma ideia universal e imutável de justiça[12] que se encaixa em todos os grupos sociais e que se perde na noite dos tempos, tais como a igualdade e a liberdade, a qual corresponde ao conceito de direito natural[13]­-[14].

 

  1. Características do Direito natural

O Direito Natural nada mais é do que a figura de um ordenamento jurídico ideal correspondente a um princípio de justiça universal e suprema[15]. Para Washington de Barros Monteiro[16][17]:

 

O direito natural representa assim a “duplicata ideal do direito positivo”. Simboliza a perfeita justiça (justo por lei e justo por natureza). Constitui o paradigma em que se deve inspirar o legislador, ao editar as suas normas. Na frase de Lafayette, o direito natural é o principio regulador do direito positivo, o ideal para o qual este sempre tende e do qual tanto mais se aproxima quanto mais se aperfeiçoa. É o guia supremo da legislação. Como adverte Planiol, toda vez que o legislador dele se afasta realiza obra má ou injusta.    

 

O Direito Natural pode ser encarado sob o aspecto subjetivo (prerrogativa de poder viver com liberdade e igualdade) e objetivo (conjunto orgânico de princípios que deve nortear o Estado para organizar a sociedade)[18][19].

Miguel Reale, em suas Lições Preliminares de Direito, distingue duas teorias acerca do Direito Natural: a transcendente e a transcedental. Enquanto essa só admite o Direito Natural em função da sua experiência histórica, aquela é composta de imperativos éticos absolutos que devem nortear a atividade legislativa[20].

É importante destacar que o direito à vida, à liberdade e à igualdade são universais, inalienáveis, imutáveis e eternos no tempo e nos espaço quando se trata do Direito Natural. Todavia, Paulo Nader afirma que a mudança dos costumes, o desenvolvimento da sociedade, as crises sociais etc. permitem o desdobramento dos direitos fundamentais do Direito Natural em princípios de menor abstração ou até mesmo em regras práticas. Em outras palavras, o substrato seria fixo, a sua aplicação variável[21].

 

  1. Distinção entre Direito Natural e Direito Positivo

Em linhas gerais, o Direito Positivo tem por objetivo ordenar a sociedade; o Direito Natural, por sua vez, em influenciar a atividade legislativa.

De maneira mais completa e precisa, Norberto Bobbio relacionou seis critérios de distinção entre o Direito Natural e o Direito Positivo que merecem ser transcritos[22]:

 

Podemos destacar seis critérios de distinção:

  1. a) o primeiro se baseia na antítese universalidade/particularidade e contrapõe o direito natural, que vale em toda parte, ao positivo, que vale apenas em alguns lugares (Aristóteles, Inst. – 1ª definição);
  2. b) o segundo se baseia na antítese imutabilidade/mutabilidade: o direito natural é imutável no tempo, no positivo muda (Inst. – 2ª definição -, Paulo); esta característica nem sempre foi reconhecida: Aristóteles, por exemplo, sublinha a universalidade no espaço, mas não acolhe a imutabilidade no tempo, sustentando que também o direito natural pode mudar no tempo;
  3. c) o terceiro critério de distinção, um dos mais importantes, refere-se à fonte do direito e funda-se na antítese “natura-potestas populus (Inst. – 1ª definição -, Grócio);
  4. d) o quarto critério se refere ao modo pelo qual o direito é conhecido, o modo pelo qual chega a nós (isto é, os destinatários), e lastreia-se na antítese “ratio-voluntas” (Glück): o direito natural é aquele que conhecemos através de nossa razão. (Este critério liga-se a uma concepção racionalista da ética, segundo a qual os deveres morais podem ser conhecidos racionalmente, e, de um modo mais geral, por uma concepção racionalista da filosofia.) O direito positivo, ao contrário, é conhecido através de uma declaração de vontade alheia (promulgação);
  5. e) o quinto critério concerne ao objeto dos dois direitos, isto é, aos comportamentos regulados por estes: os comportamentos regulados pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto aqueles regulados pelo direito positivo são por si mesmos indiferentes e assumem uma certa qualificação apenas porque (e depois que) foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo (é justo aquilo que é ordenado, injusto o que é vetado) (Aristóteles, Grócio);
  6. f) a última distinção refere-se ao critério de valoração das ações e é enunciado por Paulo: o direito natural estabelece aquilo que é bom, o direito positivo estabelece aquilo que é útil.

 

Sem embargo do entendimento de Norberto Bobbio, não podemos deixar de mencionar a posição de Tercio Sampaio Ferraz Jr. acerca do enfraquecimento da dicotomia entre Direito Natural e Direito Positivo em razão da promulgação dos direitos fundamentais, o que o teria “positivado” e, por conseguinte, o trivializado por força da sua proliferação[23].

De qualquer forma, é possível encontrar até mesmo em discursos religiosos a menção ao Direito Natural e a sua importância para a manutenção e desenvolvimento da sociedade[24].

 

 Conclusão

A função crítica da filosofia permitiu ao homem questionar as regras ou os costumes que eram reproduzidos dogmaticamente e obedecidos cegamente de geração em geração em seu grupo social por força da consciência mítica.

A efetiva de diversidade de costume social entre duas ou mais tribos trouxe a dúvida e a inquietação ao homem acompanhadas da necessidade de busca por uma resposta que satisfizesse o seu espirito.

Num primeiro momento chegou-se à conclusão de que o que era bom por convenção nem sempre era naturalmente bom para o homem. A resposta estaria, então, em momento anterior à fixação de regras de comportamento pelos códigos, vale dizer, em direitos e garantias que fossem universalmente aceitos no tempo e no espaço. Surgia, assim, a ideia de Direito Natural.

O Direito Natural possui a característica de ser um ordenamento jurídico ideal, superior e supremo que tem por função essencial nortear a atividade legislativa do direito positivo.

A despeito do entendimento doutrinário acerca do enfraquecimento da dicotomia entre Direito Natural e Direito Positivo por força da positivação do direito fundamental, da sua proliferação e trivialização, entendemos que o Direito Natural ainda funciona como um claro e inequívoco vetor do conteúdo do processo legislativo reforçado pela positivação dos direitos fundamentais.

Por outro lado, o Direito Natural também se encontra nas decisões judiciais, pois, ao fixar limites ao poder do Estado, reconhecem direitos e garantias fundamentais originadas na ideia e no seu desenvolvimento histórico e cultural.

 

Referências bibliográficas

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[1] Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre, dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado, e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias, e Eros: o mais belo entre Deuses imortais, solta membros, dos Deuses todos e dos homens todos ele doma no peito o espírito e a prudente vontade. Do Caos Érebos e Noite negra nasceram. Da Noite aliás Éter e Dia nasceram, Gerou-os fecundada unida a Érebos em amor. Terra primeiro pariu igual a si mesma Céu constelado, para cercá-la toda ao redor e ser aos deuses venturosos sede irresvalável sempre. Pariu altas Montanhas, belos abrigos das Deusas ninfas que moram nas montanhas frondosas. E pariu infecunda planície impetuosa de ondas o Mar, sem o desejoso amor. Depois pariu do coito com Céu: Oceano de fundos remoinhos e Coios e Crios e Hipérion e Jápeto e Téia e Réia e Têmis e Memória e Febe de áurea coroa e Tétys amorosa. E após com ótimas armas Crono de curvo pensar, filho o mais terrível: detestou o florescente pai. (HESÍODO. Teogonia. Tradução e Estudo: Jaa Torrano. São Paulo, Iluminuras, 2003, p. 111).

[2] Segundo Battista Mondin: Os poemas de Homero e Hesíodo são documentos preciosos de algumas explicações cosmológicas de caráter mítico. Nessas obras, o universo é considerado como uma grande cidade, da qual fazem parte, além dos homens, também os deuses. Como a cidade, assim como o universo está sob o governo de um grão-monarca. Tudo o que acontece no mundo é ação dele e dos deuses; todos os fenômenos naturais são promovidos pelas divindades; o trovão e o raio são lançados do alto por Zeus, as ondas do mar são agitadas pelo tridente de Posêidon, os ventos são soprados por Éolo, e assim por diante. Na sua Teogonia, Hesíodo fixou com rigor o quadro cósmico, dentro do qual se moverá depois a explicação cosmológica dos filósofos. Segundo a explicação de Hesíodo da gênese do universo, primeiramente foi gerado o Caos, depois Geia (isto é, a Terra), em cujo vasto seio estão todas as coisas. Na profundeza da Terra foi gerado o tenebroso Tártaro e, por último, Éros (o amor) que, depois, fez gerar todas as outras coisas. (Introdução à filosofia. São Paulo: Paulus, 1980, p. 54).

[3] Pode-se dizer que, para o homem homérico e para o homem grego filho da tradição homérica, tudo é divino, no sentido de que tudo o que acontece é obra dos deuses. Todos os fenômenos naturais são promovidos por numes: os trovões e os raios são lançados por Zeus do alto do Olimpo, as ondas do mar são levantadas pelo tridente de Posseidon, o sol é carregado pelo áureo carro de Apolo, e assim por diante. (REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. São Paulo: Loyola, 1993, p. 21. 1v.)

[4] É forte a relação entre o mito e a religião. Segundo Ernst Cassirer: No desenvolvimento da cultura humana, não podemos fixar um ponto onde termina o mito e a religião começa. Em todo curso de sua história, a religião permanece indissoluvelmente ligada a elementos míticos e repassada por eles. (Antropologia filosófica. São Paulo: Mestre Jou, 1972, p. 143).  

[5] STRAUSS, L. Direito Natural e História. Tradução de Miguel Morgado. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 74.No mesmo sentido: O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz. E a verdade o que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser-verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito. No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva esse conflito ao extremo, porém o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto existe, o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros pensadores e ao processo que o torna transparente a si mesmo. Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus concidadãos, do destino comum da humanidade. Eis por que a filosofia não se transforma em credo. Está em contínua pugna consigo mesma. (JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971, p. 138).

[6] A importância da noção de arché está exatamente na tentativa por parte desses filósofos de apresentar uma explicação da realidade em um sentido mais profundo, estabelecendo um princípio básico que permeie toda a realidade, que de certa forma a unifique, e que ao mesmo tempo seja um elemento natural. Tal princípio daria precisamente o caráter geral a esse tipo de explicação, permitindo considerá-la como inaugurando a ciência. (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p. 26).

[7] ANDERY, Maria Amália Pie Abib; MICHELETTO, Nilza; SÉRIO, Tereza Maria de Azevedo Pires. Para compreender a ciência. Uma perspectiva histórica. 11 ed. São Paulo: EDUC, 2002, p. 37-38.

[8] Justificativa essa aceita por Nietzsche: A filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição de que a água é a origem e o seio materno de todas as coisas. Será realmente necessário parar aqui e levar esta idéia a sério? Sim, e por três razões: primeiro, porque a proposição assere algo acerca da origem das coisas; em segundo lugar, porque faz isso sem imagens e fábulas; e, finalmente, porque contém, embora em estado de crisálida, a idéia de que “tudo é um”. A primeira destas três razões ainda deixa Tales na comunidade dos homens religiosos e supersticiosos, a segunda separa-o dessa sociedade e mostra-o como investigador da natureza, a terceira faz de Tales o primeiro filósofo grego. (NIETZSCHE, F., A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos. Lisboa: Edições 70, 1987, p. 27).

[9] Vale a pena registrar as ideias centrais dos primeiros filósofos sobre a origem das coisas: Tales é o primeiro pensador que se questiona expressa e sistematicamente: “Qual é a causa última, o princípio de todas as coisas?” Para responder a essa questão não recorre a representações míticas, mas vale-se de conceitos filosóficos. Tales pergunta-se se, não obstante a experiência, que nos apresenta o quadro impressionante de uma multiplicidade infinita de fenômenos, aparentemente irredutíveis, não seria possível derivar a realidade de um único princípio supremo. Trata-se de um problema colossal, que ultrapassa os limites da cosmologia e que invade o terreno da própria metafísica: o problema do uno e do múltiplo, problema que atormentará os filósofos de todos os tempos. A essa pergunta, ousada e comprometedora, Tales oferece uma resposta ingênua e rudimentar. Parece-lhe que, dentre os quatro elementos que o bom senso considera como primordiais e constitutivos de todas as coisas, a água tenha prioridade sobre os outros. Da água por condensação deriva a terra e por rarefação derivam o ar e o fogo. Mais do que uma cidade, seguindo os passos de Homero e Hesíodo, Tales concebe o mundo como uma casa. Há movimento, há mutação nessa casa, há calor e frio. A casa está exposta aos ventos e às correntezas; mas é uma casa, o que significa segurança e estabilidade. […] A distinção entre o problema metafisico e o problema cosmológico é percebida e lucidamente formulada por Platão. Ele distingue dois planos da realidade, um de ordem física (o do mundo material e outro de ordem metafísica: o do plano das Ideias. Sobre a origem e estruturação do mundo material apresenta no “Timeu” uma explicação famosa. O mundo foi produzido pelo Demiurgo. Este ao contemplar as Ideias (isto é, tomando as Ideias coo modelos) assistindo e auxiliado por outras Potências, plasma e matéria informe, fazendo-se assumir aquelas qualidades e características próprias dos seres que povoam este mundo. Terminada a formação do mundo, o Demiurgo lhe infunde uma alma universal, a qual tem por função conservar vivo o mundo, sem a necessidade de uma intervenção contínua por parte do Demiurgo. […] De acordo com Aristóteles, o mundo não tem origem nem fim, é eterno. Mas não é por nada imóvel, estático, pois o devir é uma das suas características. Mas a que se deve esse devir perene? Antes de tudo, há uma causa extrínseca: a tensão das coisas em direção a sua meta última, Deus. Todavia, há também uma causa intrínseca: a própria constituição das coisas materiais, as quais são compostas de matérias e forma. […] Particularmente interessante e aguda é a analise feita por Aristóteles sobre o devir, do qual distingue e define quatro tipos principais: quantitativo (crescimento e diminuição), qualitativo (modificação de qualidade), substancial (geração e corrupção) e local (deslocamento de um lugar a outro). […] Uma concepção totalmente diferente, e sob muitos aspectos oposta à Platão e Aristóteles, foi desenvolvida por alguns de seus contemporâneos, os atomistas, cujos expoentes máximos são Demócrito e Epicuro. Conforme esses filósofos, o mundo é constituído por uma profusão infinita de átomos ou elementos fisicamente invisíveis, devido à pequenez de suas dimensões. Essas partículas se movem no vácuo e ligando-se produzem o nascimento dos corpos, e separando-se, a sua destruição. […] Os pensadores cristãos, para explicar a estrutura intrínseca das coisas materiais, usualmente referem-se à doutrina aristotélica; enquanto, ao contrário, para explicar a origem do mundo recorrem à noção bíblica da criação: o mundo nasceu do nada por vontade de Deus.(BONDIN, Op cit., p. 54-57).

[10] Op. cit.. p. 75

[11] Op. cit., p. 65.

[12] Para Miguel Reale: A Justiça, como se vê, não é senão a expressão unitária e integrante dos valores todos de convivência, pressupõe o valor transcendental da pessoa humana, e representa, por sua vez, o pressuposto de toda a ordem jurídica. Essa compreensão histórico-social da Justiça leva-nos a identifica-la com o bem comum, dando, porém, a este termo sentido diverso do que lhe conferem os que atentam mais para os elementos de “estrutura”, de forma abstrata e estática, sem reconhecerem que o bem comum só pode ser concebido, concretamente, como um processo incessante de composição de valorações e de interesses, tendo como base ou fulcro o valor condicionante da liberdade espiritual, a pessoa como fonte constitutiva da experiência ético-jurídica. (Filosofia do direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 272).

[13] Para Eduardo C. B. Bittar e Guilherme Assis de Almeida: O direito natural surge pela primeira vez na historia do pensamento com os gregos. Desta feita, sua grande contribuição é mostrar a ligação do Direito com as forças e as leis da natureza. Na segunda oportunidade que vem à tona, no século XVII, o Direito Natural aparece como reação racionalista à situação teocêntrica na qual o Direito fora colocado durante o medievo. Deus deixa de ser visto como o emanador das normas jurídicas, ou como última justificação para a existência das mesmas, e a natureza passa a ocupar esse lugar. Trata-se da acentuada passagem do pensamento teocêntrico ao antropocêntrico. Ora, com um detalhe: a natureza não dá aos homens esse entendimento: é ele mesmo, por meio do uso da razão, que apreende esse conhecimento e o coloca em prática na sociedade. Este novo pensamento prepara as bases intelectuais da Revolução Francesa (1789) que rompe, de modo definitivo e prático, com a teocracia e afirma, categoricamente, os direitos naturais. (Curso de filosofia do direito. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 254).

[14] Há uma passagem em Antígona, de Sófocles (494-406 a.C.), que retrata a ideia do direito natural. Polinice foi acusado de traição à pátria e, ao ser morto em uma batalha, não pôde ser sepultado por ordem de Creonte, Antígona, ao ser surpreendida enterrando o corpo do irmão, dirigiu algumas palavras ao tirano no sentido da existência de uma ordem jurídica superior: Antígone Confesso o que fiz! Confesso-o claramente! Creonte (Ao guarda) Podes ir para onde quiseres, livre da acusação que pesava sobre ti! (A Antígone) Fala, agora, por tua vez; mas fala sem demora! Sabias que, por uma proclamação, eu havia proibido o que fizeste? Antígone Sim, eu sabia! Por acaso poderia ignorar, se era uma coisa pública? Creonte E apesar disso, tiveste a audácia de desobedecer a essa determinação? Antígone Sim, porque não foi Júpiter que a promulgou; e a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! e ninguém sabe desde quando vigoram! – Tais decretos, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem que por isso me venham a punir os deuses! Que vou morrer, eu bem sei: é inevitável; e morreria mesmo sem a tua proclamação. E, se morrer antes do meu tempo, isso será, para mim, uma vantagem, devo dizêlo! Quem vive, como eu, no meio de tão lutuosas desgraças, que perde com a morte? Assim, a sorte que me reservas é um mal que não se deve levar em conta; muito mais grave teria sido admitir que o filho de minha mãe jazesse sem sepultura; tudo o mais me é indiferente! Se te parece que cometi um ato de demência, talvez mais louco seja quem me acusa de loucura! Disponível em: http://semac.piracicaba.sp.gov.br/ceta/antigone.pdf – Acesso em 01.06.2019, às 23h30.

[15] Para Paulo Nader: Embora não se possa confundir o Direito Natural com justiça, o certo é que aquela ordem constitui um ideal de justiça e um dos caminhos que levam o pensador ao “Jus Naturae” é a sua insatisfação com a carência de justiça nos estatutos legais. O homem, ser eminentemente racional, sonda a razão de ser das coisas, não se submetendo passivamente a qualquer ordenamento, Procura-se o fundamento ético das leis e das decisões. O espirito critico apela para a busca de orientação, de referência, na ordem natural das coisas. O Direito, como instrumento de promoção da sociedade, há de estar adequado à razão, há de se apresentar em conformidade com a natureza humana. Quando filosofo chega à conclusão de que nem tudo é contingente e variável no Direito e que alguns direitos pertencem aos homens por sua condição de ser humano, alcança-se a ideia do Direito Natural, que deve ser a grande fonte a ser consultada pelo legislador. (Filosofia do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: 2011, p. 193).

[16] Curso de direito civil. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 8, v. 1

[17] De acordo com a lição de Vitor Frederico Kümpel, o Direito Natural é composto por princípios imutáveis, mas, por outro lado, por regras mutáveis: Muito embora exista uma multiplicidade de noções e conceitos sobre direito natural, até por força da vertente filosófica adotada, pode-se afirmar que o direito natural é decorrência da natureza social do homem, sendo um ditame da razão reta, que indica a qualquer ato a sua conveniência ou não com a própria natureza racional e social, de forma a ser injusto tudo o que repugna à natureza da sociedade. O direito natural é invariável, na medida em que é deduzido racionalmente da natureza social do homem. Nesse sentido, o direito natural passa a ser constituído por princípios morais imutáveis, consagrados ou não pelo ordenamento jurídico (dever-ser). Pode-se afirmar, portanto, que o direito natural é o conjunto de regras inatas na natureza do homem pelas quais este se dirige, a fim de agir retamente em suas ações. A razão conhece-lhes os ditames intuitivamente. Dessa forma, há uma parte do direito natural que se impõe de forma universal a todos os homens, sendo a outra parte variável. A parte invariável do direito natural é aquela baseada na razão especulativa, com fundamento em princípios necessários e invariáveis. A parte variável do direito natural se vale da razão prática, aquela que leva em consideração as contingências ao formular as conclusões. Assim, muito embora certos princípios tenham caráter geral, quando aplicados em determinado caso concreto passam a gozar de variáveis. O direito natural não estabelece regras para uma sociedade ideal. É produto da elaboração racional combinada com a experiência, de forma que os princípios universais da razão natural são imutáveis, não sendo porém, suas aplicações concretas. Desse modo o direito evolui de povo para povo e, ainda, para o mesmo povo, de um momento para outro, não tendo, pois, o vício do apriorismo. Sendo assim, a razão fica alicerçada no empirismo. Concluindo, é possível afirmar que o direito natural é formado por princípios naturais imutáveis no tempo e no espaço, porém é composto por regras mutáveis no tempo e no espaço. (Introdução ao estudo do direito. 2 ed. São Paulo: Metodo, 2009, p. 25-26).

[18] NADER, Paulo. Op.cit. p. 192.

[19] Há precedentes no STJ que se valeram do Direito Natural para a resolução do conflito de interesses: RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO DE DOENÇA NO EXTERIOR. RETINOSE PIGMENTAR. CEGUEIRA. CUBA. RECOMENDAÇÃO DOS MÉDICOS BRASILEIROS. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do tratamento no exterior para que seja evitada a cegueira completa do paciente, deverão ser fornecidos os recursos para tal empresa. Não se pode conceber que a simples existência de Portaria, suspendendo os auxílios-financeiros para tratamento no exterior, tenha a virtude de retirar a eficácia das regras constitucionais sobre o direito fundamental à vida e à saúde. “O ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano e não um fim em si mesmo” (Ives Gandra da Silva Martins, in “Caderno de Direito Natural – Lei Positiva e Lei Natural”, n. 1, 1ª edição, Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985, p. 27). Recurso especial provido. (REsp 353.147/DF, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2002, DJ 18/08/2003, p. 187). PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO QUE ATENDE NECESSIDADE DE CARÁTER ALIMENTAR. INEXISTINDO NEGATIVA EXPRESSA E FORMAL DA ADMINISTRAÇÃO, INCIDE A SÚMULA 85/STJ. SUPERAÇÃO DA ORIENTAÇÃO ADVERSA ORIUNDA DE JULGAMENTO DA CORTE ESPECIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM RECURSO FUNDADO EM DIVERGÊNCIA ENTRE A PRIMEIRA E A TERCEIRA SEÇÕES DO STJ. ULTERIOR CONCENTRAÇÃO, MEDIANTE EMENDA REGIMENTAL, DA COMPETÊNCIA PARA JULGAR A MATÉRIA NA PRIMEIRA SEÇÃO. EMBARGOS DO PARTICULAR E DO MPF ACOLHIDOS. […] Essa salutar orientação já foi acolhida no Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 626.489/SE, Rel. Min. ROBERTO BARROSO. DJe 23.9.2014, de modo que não se faz necessária, em face desse acolhimento, qualquer manifestação de outros órgãos judiciais a respeito do tema, porquanto se trata de matéria já definida pela Suprema Corte. Ademais, sendo o direito à pensão por morte uma espécie de direito natural, fundamental e indisponível, não há eficácia de norma infraconstitucional que possa cortar a fruição desse mesmo direito. Os direitos humanos e fundamentais não estão ao alcance de mudanças prejudiciais operadas pelo legislador comum. […] (EREsp 1269726/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe 20/03/2019). HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO EM CONCURSO MATERIAL COM HOMICÍDIO SIMPLES TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. NECESSIDADE. PACIENTE FORAGIDO. CONDICIONAMENTO DA JURISDIÇÃO PENAL À VONTADE DO JURISDICIONADO. NÃO CABIMENTO. ORDEM DENEGADA. […] 5. Evidentemente que poderá haver ordens formal e/ou materialmente ilegais e contra essas emanações do poder estatal a resistência é um direito natural. Sem embargo, no âmbito das relações processuais penais, o órgão legitimado a interpretar e aplicar a lei é apenas o juiz ou tribunal competente, investido do poder de dizer o direito (juris dicere). E, ao decidir sobre a liberdade ou algum outro bem ou interesse do indivíduo, erros que venham a ser cometidos deverão ser sanados pelo próprio Poder Judiciário, por meio dos mecanismos processuais próprios, entre os quais o mais festejado, o habeas corpus. […] (HC 337.183/BA, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 24/05/2017). Na mesma linha, em alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também é possível identificar o emprego do Direito Natural como razão para decidir: MANDADO DE SEGURANÇA. MEDICAÇÃO. INSUMOS. FORNECIMENTO GRATUITO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. – No direito brasileiro vigente, o percurso da via administrativa não é requisito para propiciar-se a via judicial, salvo o previsto no § 1º do art. 217 da Constituição federal de 1988, e que, por dizer respeito à justiça desportiva, nada tem a ver com a situação objeto. – Aconselha o juízo da prudência acautelar um bem jurídico indefinidamente mais digno -como o é a vida- para evadir o grave risco de, a final, frustrar-se a salvaguarda de um direito natural reconhecido como intangível pela Constituição vigente. Provimento da apelação. (TJSP; Apelação Cível 1000981-42.2018.8.26.0079; Relator (a): Ricardo Dip; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Botucatu – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/07/2018; Data de Registro: 17/07/2018). […] JUSTIÇA GRATUITA – REVOGAÇÃO – NÃO HOUVE REVOGAÇÃO DA GRATUIDADE NA SENTENÇA – Porém, diante da má fé do autor em alegar fatos inverídicos em 38 páginas de alegações sem qualquer fundamento, a Justiça Gratuita é de ser revogada – Repugna ao senso de justiça que qualquer demanda se funde em provas forjadas ou alegações sem embasamento fático e jurídico. Acima do direito das partes encontra-se o direito natural, que estipula que o bem comum somente poderá ser alcançado se todos agirem dentro dos estritos limites da boa-fé. É incompatível a má-fé com os benefícios da gratuidade processual. Quem litiga sob os auspícios da Lei 1060/50 está isento do pagamento das custas, despesas e honorários, mas está obrigado pela lei moral, pelo direito natural e pelo respeito ao bem comum, a agir dentro dos limites da legalidade e da boa-fé processual. Não o fazendo, perde direito ao benefício. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ – Autor que interpôs recurso manifestamente procrastinatório – Condenação do Apelante no pagamento de multa de 1 salário mínimo vigente na data do pagamento (art. 80, inciso VII, c.c. 81 e § 1º, do Código de Processo Civil). Recurso improvido, com determinação. (TJSP; Apelação Cível 1028023-95.2016.8.26.0577; Relator (a): Denise Andréa Martins Retamero; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/04/2018; Data de Registro: 12/04/2018). Há um precedente do STF que considera o direito à fuga – desde que sem violência ou grave ameaça – como um reflexo do Direito Natural: PRISÃO PREVENTIVA – GRAVIDADE DO CRIME. A gravidade do crime não respalda, por si própria, a prisão preventiva. PRISÃO PREVENTIVA – INSTRUÇÃO PENAL – TESTEMUNHA – DESISTÊNCIA. A ameaça a testemunha mostra-se desinfluente, para efeito de preventiva, quando a acusação desiste da audição. PRISÃO PREVENTIVA – EXCESSO DE PRAZO. Uma vez configurado o excesso de prazo na tramitação do processo, cumpre relaxar a prisão preventiva. (HC 84934, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 29/11/2005, DJ 05-05-2006 PP-00018 EMENT VOL-02231-01 PP-00195 RT v. 95, n. 852, 2006, p. 477-484). Do corpo da decisão se extrai que o direito à fuga, sem violência, por aquele que, de forma procedente ou não, sinta-se alcançado por ato ilícito, à margem portanto da ordem jurídica, surge como inerente ao homem, como um direito natural.

[20] Pois bem, há duas maneiras fundamentais de conceber-se o Direito Natural: a transcendente e a transcendental. Segundo os adeptos da primeira, – que, atualmente, se filiam sobretudo à Filosofia tomista, – haveria, acima do Direito Positivo e independente dele, um conjunto de imperativos éticos, expressão não apenas da razão humana (como sustentaram os jusnaturalistas do século XVIII, cuja concepção era a de um Direito Natural como pura exigência da razão)  mas também da razão divina. O Direito Natural, acorde com a doutrina de Santo Tomás de Aquino, repete, no plano da experiência social, a mesma exigência de ordem racional que Deus estabelece no universo, o qual não é um caos, mas um cosmos. À luz dessa concepção, a lei positiva, estabelecido pela autoridade humana competente, deve se subordinar à lei natural, que independe do legislador terreno e se impõe a ele como um conjunto de imperativos éticos indeclináveis, dos quais se inferem outros ajustáveis às múltiplas circunstâncias sociais. Desse modo, haveria duas ordens de leis, uma dotada de validade em si e por si (a do Direito Natural) e outra de validade subordinada e contingente (a do Direito Positivo). É numa linha diversa que se desenvolve a teoria transcendental do Direito Natural, a qual se distingue da anterior por só admiti-lo em função da experiência histórica. Essa concepção é, em geral, aceita por juristas que partem de Kant, para quem todas as formas de experiência são condicionadas por certas formas e conceitos (categorias) que tornam a mesma experiência possível. Essa é a posição, por exemplo, de jusfilósofos como Stammler e Del Vecchio, cujos ensinamentos tiveram grande voga na primeira metade deste século.  (Lições preliminares de direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 314-315.

[21] Op.cit. p. 195

[22] O positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006, p. 22-23.

[23] Uma das razões do enfraquecimento operacional da dicotomia pode ser localizada na promulgação constitucional dos direitos fundamentais. Essa promulgação, o estabelecimento do direito natural na forma de normas postas na Constituição, de algum modo “positivou-o”. E, depois, a proliferação dos direitos fundamentais, a princípio, conjunto de supremos direitos individuais e, posteriormente, de direitos sociais, políticos, econômicos, aos quais se acrescem hoje direitos ecológicos, direitos especiais das crianças, das mulheres etc. provocou, progressivamente, sua trivialização. Uma coisa se torna trivial quando perdemos a capacidade de diferenciá-la e avaliá-la, quando ela se torna tão comum que passamos a conviver com ela sem nos apercebemos disso, gerando, portanto, alta indiferença em face das diferenças. (cf. Luhmann, 1972, v. 2:255). Essa trivialização dos direitos fundamentais foi precedida pela trivialização do próprio direito natural. Quando todo o direito passou a ser logicamente redutível a direitos naturais, a noção perdeu forma comunicacional, sua relevância foi ficando amortecida e gerou até descrédito. Assim, a distinção entre direito natural (direito à vida, à saúde, à liberdade etc.) e direito positivo foi, primeiro, esmaecida pela distinção entre direitos fundamentais constitucionais e demais direitos e, depois, com a trivialização dos constitucionais, a positivação acabou por tomar conta do raciocínio dogmático sobre o direito natural, confundido com um conjunto de normas naturais-racionais (Ferraz Jr., 1990: 99). (Introdução ao estudo do direito. Técnica, decisão e dominação. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 140-141).

[24] Discurso do Papa Bento XVI aos participantes do Congresso sobre Lei Moral Natural promovido pela Pontifícia Universidade Latranense, em 12.02.2007: […] É com particular prazer que vos recebo no início dos trabalhos congressuais, que nos próximos dias vos verão comprometidos no debate sobre um tema de importância relevante para o actual momento histórico, o da lei moral natural. Agradeço a D. Rino Fisichella, Magnífico Reitor da Pontifícia Universidade Lateranense, os sentimentos expressos no discurso com que desejou introduzir este encontro. Não há dúvida de que nós estamos a viver um momento de desenvolvimento extraordinário na capacidade humana de decifrar as regras e as estruturas da matéria e no consequente domínio do homem sobre a natureza. Todos nós vemos as grandes vantagens deste progresso, e vemos cada vez mais também as ameaças de uma destruição da natureza pela força da nossa acção. Existe outro perigo menos visível, mas não menos preocupante: o método que nos permite conhecer cada vez mais profundamente as estruturas racionais da matéria torna-nos cada vez menos capazes de ver a fonte desta racionalidade, a Razão criadora. A capacidade de ver as leis do ser material torna-nos incapazes de ver a mensagem ética contida no ser, mensagem que a tradição denomina lex naturalis, lei moral natural. Trata-se de uma palavra que hoje para muitos é incompreensível, por causa de um conceito de natureza já não metafísico, mas somente empírico. O facto de que a natureza, o próprio ser, já não é transparente para uma mensagem moral, gera um sentido de desorientação que torna precárias e incertas as opções na vida de todos os dias. Naturalmente, a confusão atinge de modo particular as gerações mais jovens, que neste contexto devem encontrar as opções fundamentais para a sua vida. É precisamente à luz destas verificações que se manifesta em toda a sua urgência a necessidade de reflectir sobre o tema da lei natural e de reencontrar a sua verdade, comum a todos os homens. Tal lei, à qual se refere também o Apóstolo Paulo (cf. Rm 2, 14-15), está inscrita no coração do homem e, por conseguinte, também hoje não é simplesmente inacessível. Esta lei tem como seu princípio primordial e generalíssimo o de “fazer o bem e evitar o mal”. Trata-se de uma verdade cuja evidência se impõe imediatamente a cada um. Dela brotam os outros princípios mais particulares, que regulam o juízo ético sobre os direitos e os deveres de cada um. Trata-se do princípio do respeito pela vida humana, desde a sua concepção até ao seu termo natural, pois este bem da vida não é uma propriedade do homem, mas um dom gratuito de Deus. Trata-se também do dever de buscar a verdade, pressuposto necessário de toda o verdadeiro amadurecimento da pessoa. Outra exigência fundamental do sujeito é a liberdade. Todavia, tendo em consideração o facto de que a liberdade humana é sempre uma liberdade compartilhada com os outros, é claro que a harmonia das liberdades só pode ser encontrada naquilo que é comum a todos: a verdade do ser humano, a mensagem fundamental do próprio ser, precisamente a lex naturalis. E como deixar de mencionar, por um lado, a exigência da justiça, que se manifesta em dar unicuique suum e, por outro, a expectativa da solidariedade, que alimenta em cada um, especialmente se estiver em dificuldade, a esperança de uma ajuda por parte daquele que teve uma sorte melhor? Nestes valores expressam-se normas inderrogáveis e inadiáveis, que não dependem da vontade do legislador e nem sequer do consenso que os Estados lhes podem conferir. Com efeito, trata-se de normas que precedem qualquer lei humana: como tais, não admitem intervenções em derrogação por parte de ninguém. A lei natural é a nascente de onde brotam, juntamente com os direitos fundamentais, também imperativos éticos que é necessário respeitar. Na actual ética e filosofia do Direito são amplamente difundidos os postulados do positivismo jurídico. A consequência é que a legislação se torna com frequência somente um compromisso entre diversos interesses: procura-se transformar em direitos, interesses particulares ou desejos que contrastam com os deveres derivantes da responsabilidade social. Nesta situação, é oportuno recordar que cada ordenamento jurídico, tanto a nível interno como internacional, haure em última análise a sua legitimidade da radicação na lei natural, na mensagem ética inscrita no próprio ser humano. Em definitivo, a lei natural é o único baluarte válido contra o arbítrio do poder ou os enganos da manipulação ideológica. O conhecimento desta lei inscrita no coração do homem aumenta com o progredir da consciência moral. Portanto, a primeira preocupação para todos, e particularmente para quem tem responsabilidades públicas, deveria consistir em promover o amadurecimento da consciência moral. Este é o progresso fundamental, sem o qual todos os outros progressos terminam por ser não autênticos. A lei inscrita na nossa natureza é a verdadeira garantia oferecida a cada um, para poder viver livres e ser respeitado na própria dignidade. […] A contribuição dos homens de ciência é de importância primária. Juntamente com o progresso das nossas capacidades de domínio sobre a natureza, os cientistas devem contribuir também para nos ajudar a compreender profundamente a nossa responsabilidade pelo homem e pela natureza que lhe é confiada. Tendo isto como base, é possível desenvolver um diálogo fecundo entre crentes e não-crentes; entre filósofos, juristas e homens de ciência, que podem oferecer também ao legislador um material precioso para a vida pessoal e social. Por isso, faço votos a fim de que estes dias de estudo possam impelir não apenas a uma maior sensibilidade dos estudiosos em relação à lei natural, mas levem também a criar as condições para que, no que diz respeito a esta temática, se chegue a ter uma consciência cada vez mais plena do valor inalienável que a lex naturalis possui, para um progresso real e coerente da vida pessoal e da ordem social. […]. Disponível em:  https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2007/february/documents/hf_ben-xvi_spe_20070212_pul.html – Acesso em 02.06.2019, às 21h35.

 

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