The Indigenous Territorial Question in the Extreme South of Bahia – The Indigenous Land Comexatiba (Cahy/Pequi)
Luiz Claudio Assis Tavares[1]
Resumo: A Constituição brasileira de 1988 trouxe uma série de inovações ao tratamento da questão indígena, indicando novos parâmetros para a relação do Estado e da sociedade nacional com os povos indígenas. No entanto, persistem ainda, situações que contrariam os parâmetros constitucionais desafiando o próprio Estado Democrático de Direito. Este artigo propõe uma reflexão sobre algumas dessas situações, com ênfase na questão territorial indígena, tendo como estudo de caso a Terra Indígena Comexatibá (Cahy-Pequi), no Extremo Sul da Bahia, cujo objetivo é compreender o enfrentamento da questão territorial indígena em um contexto de desigualdade regional e degradação ambiental.
Palavras-chave: política indigenista; Constituição de 1988; conflitos socioambientais; terras indígenas.
Abstract: The Brazilian Constitution of 1988 brought a series of innovations to the treatment of the indigenous question, indicating new parameters for the relationship between the State and the national society with indigenous peoples. However, situations that contradict the constitutional parameters defying the Democratic State of Law persist. This article proposes a reflection on some of these situations, with emphasis on the indigenous territorial question, having as a case study the Comexatibá Indigenous Land (Cahy-Pequi), in the Extreme South of Bahia, whose objective is to understand the confrontation of the indigenous territorial question in a context of regional inequality and environmental degradation.
Keywords: indigenist politics; Constitution of 1988; social environmental conflicts; indigenous lands.
Quando somos confrontados com fenómenos demasiados complexos para serem reduzidos a fenómenos de ordem inferior, só os podemos abordar estudando as suas relações internas, isto é, tentando compreender que tipo de sistema original formam no seu conjunto.
Claude Lévi-Strauss
Sumário: Introdução. 1. Reconhecimento jurídico-formal dos povos e comunidades tradicionais. 1.1 A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. 2. Povos indígenas no Brasil: uma história de violências. 2.1 A nossa história comum. 3. A política indigenista sob um novo marco conceitual e jurídico. 3.1 A democratização do Estado brasileiro: os povos indígenas e a Constituição de 1988. 4. Os conflitos por terra e a sua delimitação conceitual. 4.1 Conceito de conflitos socioambientais. 5. Conflitos socioambientais no Extremo Sul da Bahia. 5.1 A Terra Indígena Comexatibá. 5.2 Demarcação das terras e morosidade do poder público. Considerações finais. Notas. Referências.
Introdução
O início do ano de 2016 ficou marcado no Extremo Sul da Bahia por uma violenta ação policial que teve como alvo a aldeia Cahy, na Terra Indígena Comexatibá (Cahy-Pequi), no município de Prado, a 789 quilômetros de Salvador, quando, em cumprimento a uma ação de reintegração de posse, viaturas das polícias militar e federal e máquinas da prefeitura municipal invadiram a aldeia destruindo casas, posto de saúde e parte da escola.
Lamentavelmente o que aconteceu na aldeia Cahy não é um caso isolado. Casos como esse vêm acontecendo há anos nessa região, marcada pela intensa pressão de particulares que reivindicam a posse de terras já reconhecidas, cuja violência se manifesta diretamente, nas operações policiais e nos ataques e perseguições de particulares, e indiretamente, na omissão do poder público, caracterizada pela morosidade na demarcação das terras indígenas, que tem contribuído para a intensificação dos conflitos na região.
Estes acontecimentos se inserem em um contexto mais amplo de tensões e de conflitos que acontecem em outras regiões do país, o que pressupõe que apesar das inovações trazidas para a questão indígena, pela Constituição brasileira de 1988, indicando novos parâmetros para a relação do Estado e da sociedade brasileira com os povos indígenas, persistem, ainda, situações que contrariam os parâmetros constitucionais desafiando o próprio Estado Democrático de Direito – a exemplo do que acontece com os direitos territoriais indígenas.
Para compreender esta realidade o artigo propõe uma reflexão sobre a questão territorial indígena tomando como estudo de caso a Terra Indígena Comexatibá (Cahy-Pequi). Diante disso aponta a existência de questões importantes relacionadas à questão territorial indígena, constantemente esvaziada em seu sentido quando colocada como uma questão de “disputa pela terra”.
O estudo de caso da Terra Indígena Comexatibá é representativo na medida em que se insere no contexto geral de violências contra os povos indígenas, que acontecem em outras regiões do país, apresentando, em contrapartida, um contexto específico profundamente marcado por um desenvolvimento regional desigual acompanhado de uma crescente degradação ambiental decorrente do crescimento desordenado e da falta de planejamento destinado à sua apropriação.
Evidentemente que essas questões se interpenetram, inclusive, no que diz respeito à própria questão territorial indígena, que assume inegável importância com a situação das sobreposições em terras indígenas, da morosidade na demarcação das terras e da consequente repercussão jurídica nos tribunais. Para a discussão dessas e de outras questões o artigo propõe um percurso teórico dividido em quatro momentos, a partir dos quais as questões são contextualizadas deixando o seu aprofundamento para artigos posteriores.
O primeiro momento se relaciona com o reconhecimento jurídico-formal dos povos e comunidades tradicionais, quando a partir da Constituição brasileira de 1988 percebe-se um movimento no sentido de reconhecimento e proteção jurídico-formal dos povos e comunidades tradicionais, evidenciando a força das reivindicações dos movimentos sociais e a pressão das agências internacionais.
No segundo momento é realizada uma breve análise da situação dos povos indígenas no país, cujo contexto de violências e de interesses historicamente situados – que abrange, inclusive, as relações com o Estado e, consequentemente com as suas leis e suas políticas – se encontra a nossa história comum.
O terceiro momento remete à contextualização histórica da política indigenista, marcada por uma dualidade entre uma política contraditória e oscilante e uma legislação inexistente ou ineficaz, até que a redemocratização do Estado brasileiro e a consequente promulgação da Constituição de 1988, represente um novo marco conceitual e jurídico para as relações entre Estado, sociedade nacional e povos indígenas.
Por fim, no quarto e último momento, após a delimitação conceitual dos conflitos por terras, a análise se volta para os conflitos socioambientais tendo como estudo de caso a Terra Indígena Comexatibá (Cahy-Pequi), no Extremo Sul da Bahia, considerando o seu contexto de desigualdade regional e degradação ambiental, a partir do qual a morosidade do poder público na demarcação das terras é analisada com suas consequentes repercussões jurídicas e sociais.
- Reconhecimento jurídico-formal dos povos e comunidades tradicionais
O reconhecimento jurídico formal dos povos e comunidades tradicionais, reivindicado por diferentes movimentos sociais – sobretudo o movimento indígena –, e afirmado na Constituição brasileira de 1988, conheceu um notável acréscimo no início deste século XXI. As ações de mobilização por parte de movimentos foram fortalecidas por medidas implementadoras dos dispositivos constitucionais às quais se deve acrescentar aos efeitos destes dispositivos o reforço de instrumentos elaborados por agências multilaterais, tais como Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Organização Internacional do Trabalho (OIT) (ALMEIDA, 2007).
A partir da Constituição de 19882 percebe-se um movimento no sentido de reconhecimento e proteção jurídico-formal dos povos e comunidades tradicionais evidenciando a força das reivindicações dos movimentos sociais e a pressão das agências internacionais. Um exemplo desse processo de reconhecimento e proteção jurídico-formal é a promulgação da Convenção n° 169, da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais, de 19 de abril 2004, ratificada pelo governo brasileiro por meio do Decreto Legislativo n° 143, de 19 de junho de 2002.
A Convenção n° 169 reconhece como “critério fundamental” os elementos de auto-identificação reforçando, em certa medida, a lógica de atuação dos movimentos sociais orientados, principalmente, por fatores étnicos e pelo advento de novas identidades coletivas. Nos termos do seu artigo 1°, parágrafo 2°, a Convenção explicita o procedimento de reconhecimento de “povos” e “comunidades” sob um significado lato senso para além do sentido estrito e impróprio de “tribo” (RAMOS, 1986) – conforme disposto na Convenção n° 107 – determinando que “A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção”.
A ratificação da Convenção n° 169 reforça os instrumentos de redefinição da política agrária como também favorece a aplicação da política ambiental e de políticas étnicas, reafirmando os termos da implementação de outro dispositivo transnacional: a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), através do Decreto Legislativo nº 2, de 1994, cujo texto foi firmado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, entre 5 e 14 de junho de 1992. Conforme dispõe o artigo 8°, alínea j), desta Convenção, cada parte contratante deve, na medida do possível e
Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica, e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas.
Da articulação das duas Convenções verifica-se que a noção de “comunidades locais”, que antes denotava principalmente um tributo ao lugar geográfico e a um suposto “isolamento cultural”, tornou-se relacional e adstrita ao sentido de “tradicional” enquanto reivindicação atual de grupos sociais e povos face ao poder do Estado e enquanto direito manifesto através de uma diversidade de formas de autodefinição coletiva. A mobilização dos “povos e comunidades tradicionais”, sob esse ponto de vista, aparece hoje envolvida num processo de construção do próprio “tradicional”, notadamente a partir de situações críticas de tensão social e conflitos. Desse modo,
Assiste-se assim, em decorrência, a uma redefinição dos significados de categorias antes referidas às “comunidades locais”, tais como “primitivo” e “natureza”. O termo “primitivo” e suas inúmeras derivações, que designavam principalmente “sujeitos biologizados”, têm sido deslocados pelo advento de “sujeitos coletivos”, organizados em movimentos sociais. O termo “natureza” tornou-se parte tanto do discurso, quanto dos atos desses sujeitos sociais, designados concretamente como quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, pescadores artesanais, quebradeiras de coco babaçu, castanheiros, faxinalenses, geraizeiros e piaçabeiros, dentre outros (ALMEIDA, 2007, p. 11-12).
Diante disso, a noção de “natureza” passou a ser recolocada por meio de um intenso processo de mobilização, compreendendo diversas práticas de preservação dos recursos naturais apoiadas em uma consciência ambiental aguda, e pela oposição manifesta dos movimentos sociais a interesses de empreendimentos econômicos predatórios. Tais práticas expressam antagonismos característicos da noção de “ambientalização” (LEITE LOPES, 2004).
O termo “ambientalização” é um neologismo semelhante a alguns outros usados nas ciências sociais para designar novos fenômenos ou novas percepções de fenômenos vistos da perspectiva de um processo, no entanto,
A ambientalização dos conflitos sociais está relacionada à construção de uma nova questão social, uma nova questão pública. Pode-se supor que a constituição dessa questão tenha se iniciado nos países desenvolvidos industriais, relacionada à produção de acidentes industriais ampliados, de grandes riscos e de sua internacionalização (LEITE LOPES, 2006, p. 34-35).
Essas novas percepções de fenômenos recentes de conflitos sociais, próprias da “ambientalização” de conflitos sociais (LEITE LOPES, 2004), é que permitem apresentar de modo mais acurado como os novos significados de “natureza” têm se tornado expressões indissociáveis do discurso e das práticas dos movimentos sociais em relação com os aparatos de Estado. Expressões como “desenvolvimento local sustentável” e “participação comunitária” são recorrentes e passam a funcionar como formas adjetivadas seja no discurso das entidades multilaterais, seja naquele dos aparatos governamentais. Em contrapartida, a expressão “conflitos socioambientais” ganha espaço nas agendas oficiais, que paulatinamente vão incorporando uma nova linguagem característica das formas renovadas de reivindicação dos movimentos sociais (ALMEIDA, 2007, p. 12-13).
1.1 A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais
Instituída pelo Decreto n° 6.040 de 2007, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), tem como objetivo principal promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais. A PNPCT preconiza o respeito e valorização da identidade de povos e comunidades tradicionais, bem como de suas formas de organização e suas instituições, definindo, em seu artigo 3°, inciso I, como “povos e comunidades tradicionais”
os grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
A partir dessa definição de “povos e comunidades tradicionais” se tem compreendido que o termo “comunidade”, de acordo com a ideia de “povos tradicionais”, deslocou o termo “populações” – reproduzindo assim, uma discussão ocorrida na Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1988/89. O termo “tradicional” como operativo e como reivindicação do presente tem adquirido força no discurso oficial, enquanto que o termo “populações” tem sido substituído por “comunidades”, as quais aparecem revestidas de uma dinâmica de mobilização, aproximando-se por este viés da categoria “povos”.
Percebe-se, assim, uma ruptura – e não apenas terminológica – com os princípios elementares da ação dos legisladores dos anos 90 – que adotaram a expressão “populações tradicionais” – e do Governo Federal que a adotou na definição das funções dos aparatos burocrático-administrativos, tendo inclusive, criado, em 1992, o Conselho Nacional de Populações Tradicionais (CNTP), no âmbito do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
No plano internacional constata-se um reconhecimento jurídico-formal desta diversidade na Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, aprovada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, celebrada em Paris, entre os dias 3 a 21 de outubro de 2005. A heterogeneidade aponta para diferenciações sociais econômicas e religiosas entre esses povos, embora eles estejam em alguma medida unidos por critérios políticos-organizativos e por modalidades diferenciadas de uso comum dos recursos naturais. O consenso que envolve o termo “tradicional”, portanto, vai sendo assim construído a partir desses dissensos sucessivos, que aparentemente não cessam de existir.
No caso do Brasil, que dispõe de uma notável diversidade cultural, esta pode ter um papel central no desenvolvimento de projetos culturais no país, conforme destaca a UNESCO, especialmente em relação aos indígenas e afrodescendentes. O enfrentamento das desigualdades, um dos seus maiores problemas, decorrente das constantes mobilizações sociais, tem levado o país a perceber a forte influência da cultura para a reconfiguração dessa realidade, bem como seu potencial de transformação social deste quadro. Entretanto, falta uma abordagem cultural mais profunda em relação aos povos indígenas e aos afrodescendentes – grupos de minoria que apresentam os piores indicadores sociais do país –, que apenas nos últimos anos passaram a ser alvo de políticas sociais específicas (UNESCO, 2016).
Estes “grupos de minoria” são exatamente aqueles que, ao longo da história desse país, sofreram – e ainda sofrem – um processo de exploração, discriminação e exclusão em decorrência da falta de legislação e de políticas específicas, como os povos quilombolas e os povos indígenas. Estes últimos constituem, no Brasil e na América Latina, uma situação que só pode ser compreendida como resultado histórico do processo que se iniciou com a chegada dos europeus, quando se viram expulsos dos seus territórios e, consequentemente, dos seus espaços de reprodução social e cultural e, também, de sua própria cultura, cosmovisão e modos de vinculação com a natureza (NU; CEPAL; CELADE, 2014). É neste contexto, de violências e interesses historicamente situados, que abrange inclusive, as relações com o Estado – e, consequentemente, com as suas leis e suas políticas –, que se encontram os povos indígenas deste país e com eles a nossa história comum, conforme se verá no tópico seguir.
- Povos indígenas no Brasil: uma história de violências
A nossa história comum3 com os povos indígenas tem sido uma história de violências (CUNHA, 1992a; RIBEIRO 2013; JUNQUEIRA, 2008 et al). Violências que transpassam o morticínio decorrente do contato com o europeu, a exploração nos aldeamentos, a expropriação dos territórios, os deslocamentos forçados, a ideologia integracionista, a eliminação física e étnica, e a eliminação como sujeitos históricos.
Desde o início, os índios foram pensados apenas como seres efêmeros, em transição: transição para a cristandade, para a civilização, para a assimilação, para o desaparecimento…. Desde então o índio tem sido visto como uma imagem e a partir de um discurso idealizado do romantismo do século XIX, que o representa como um ser genérico e em vias de extinção. Algo como parte do nosso passado, uma representação permeada pela estética e expressa pela imagem gráfica (PORTO ALEGRE, 1994).
E, no entanto, diz Manuela Carneiro da Cunha, “a história está onipresente”. Seja moldando unidades e culturas novas, cuja homogeneidade reside em grande parte numa trajetória compartilhada; seja no fracionamento étnico com a perda de diversidade cultural que define a identidade étnica; mas, sobretudo, na relação dos homens com a natureza, o que leva à afirmação de que “As sociedades indígenas de hoje não são o produto da natureza, antes, suas relações com o meio ambiente são mediatizadas pela história” (1992a, p. 11-12).
O difícil, porém, é perceber essa história – a nossa história comum – sob outro olhar; o olhar do “outro”, que nos permite ver melhor a nós mesmos (KLUCKHOHN, 1963); uma vez que a história do Brasil começa sempre pelo “descobrimento”4. São os “descobridores” que a inauguram e conferem aos gentios uma entrada no grande curso da história:
Os nossos livros de história se iniciam em 1500. Isso não é só desvantagem: em outros países da América Latina, o culto a uma ancestralidade pré-colombiana passa em geral por uma vasta mistificação que dissolve o passado e portanto a identidade indígena em um magma geral (CUNHA, 1992a, p. 20).
Simultaneamente à influência eurocêntrica, essa metodologia reproduz, também, uma concepção de história, surgida no início no século XIX, como ciência voltada para o estudo do passado a partir de documentos escritos. Ao se definir que a história se faz com documentos escritos convencionou-se que a invenção da escrita seria o início da história. É apenas a partir do evolucionismo que se começa a aceitar a ideia de que haveria vestígios materiais (como os artefatos feitos de pedra) bem mais antigos associados ao homem, propiciando assim, o estudo da Pré-história, definida como o imenso período anterior à invenção da escrita.
Todavia, os conceitos de Pré-História na Europa e na América diferem muito, apesar dos pesquisadores de ambos continentes usarem o mesmo termo. Como apontado por Paulo Funari e Francisco Noelli, na Europa, a Pré-História foi sempre definida como o período anterior à escrita. No continente americano a definição de Pré-História tem como referência tradicional o período anterior à chegada dos europeus, em fins do século XV, quando estes vão chamar a sua presença na América de “História”, atribuindo a todo o período anterior o termo “Pré-História” – ainda que hoje se saiba que a escrita era usada na América5 muito antes da vinda dos europeus. “Apesar disso, generalizou-se o uso do termo Pré-História da América para todo o período anterior a 1492, data da chegada de Colombo ao continente” (2014, p. 14).
Acontece que no continente americano, afirmam estes autores, o estudo da Pré-História surgiu em outro contexto: “Nas Américas, a vinda dos europeus quase sempre significou o massacre e a escravização dos ameríndios […]”. Mesmo assim, “[…] a referência dos estudiosos sempre foi a Europa e os europeus. A História era e, em certo sentido, continua sendo, a História da civilização europeia (ou ocidental), não da indígena” (FUNARI; NOELLI, 2014, p. 14).
Essa interpretação repercutirá na compreensão histórica dos povos indígenas com sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como na interpretação dos seus direitos, conforme se verá no sub-tópico 5.2 (“Demarcação das terras e morosidade do poder público”). É possível identificar traços dessa influência, por exemplo, em relação ao direito pré-colombiano das sociedades indígenas, cuja análise histórico-jurídica6 referencia a sua existência apenas até o advento do Estado brasileiro. O que denota uma interpretação etnocêntrica, na medida em que “pressupõe a unicidade do Direito Estatal de tal forma que só admite direitos das sociedades indígenas enquanto não houve Estado, português ou brasileiro, que providenciasse um Direito único com sua fonte exclusiva ou pelo menos prioritária, a Lei” (SOUZA FILHO, 1994, p. 154).
É importante mencionar, no entanto, que assim como se reconhece as regras sobre relações de família, propriedade e sucessão, que a princípio, seriam categorias jurídicas próprias de um direito estatal, também se reconhece a existência de regras punitivas nas sociedades indígenas. Alcida Rita Ramos destaca dois tipos de procedimentos nestas sociedades que contribuem para o exercício do controle social: as “medidas inibidoras” e as “medidas punitivas” que, aliás, parecem menos comuns e só são aplicadas quando esgotadas as primeiras (1986, p. 61).
As “medidas inibidoras”, em geral, consistem em procedimentos informais e tomam as cores do “ridículo”, do “mexerico” ou das “acusações de feitiçaria”. O “ridículo” é uma das armas mais eficazes para desencorajar atitudes e comportamentos desaprovados pela coletividade. O “mexerico” é outra maneira informal de controlar comportamentos indesejáveis. Comentários inicialmente inocentes, mas, que se tornam cada vez mais ferino sobre, por exemplo, a infidelidade conjugal de alguém num contexto social que a condena, chegam eventualmente aos ouvidos dos protagonistas e agem como uma espécie de aviso, dando-lhes tempo e oportunidade para pôr termo à relação, antes que algo pior lhes aconteça. No que diz respeito às “medidas punitivas” estas ocorrem quando uma ação criminosa é consumada, aplicando-se então, a punição correspondente: ostracismo, expulsão ou mesmo morte (RAMOS, 1986, p. 62-64).
Desse modo, por terem o seu próprio sistema de controle social e por se organizarem segundo os parâmetros de sua sociedade, conceitos como território e povo, assim como as relações com os brancos ou com outras comunidades, são interpretados a partir de seus valores culturais que geram normas exigíveis e puníveis. O que acontece também com as explicações para os fenômenos do mundo – inclusive a invasão de seus territórios pelos brancos7 – que são dadas pelo sistema sociocultural e exatamente por isso, é diferente a interpretação de cada povo indígena em relação às invasões (SOUZA FILHO, 1994). A incompreensão da cosmologia indígena repercutirá profundamente no modo de perceber estes povos e, consequentemente, na nossa história comum.
2.1 A nossa história comum
Os índios haviam percebido a chegada do europeu como um acontecimento espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo. Seria gente de seu deus sol, o criador – Maíra –, que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos, espoliadores ou doadores. Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os índios. Mesmo porque, no seu mundo, mais belo era dar que receber. Até que mais tarde essa visão idílica se dissipa e os índios começam a perceber o que caíra sobre eles. Não havia como explicar tamanhas provações que, de tão espantosas e terríveis que eram, melhor seria morrer que viver (RIBEIRO, 2010).
Assim se inicia a nossa história comum, com o enfrentamento de mundo e de visões opostas (RIBEIRO, 2010) e com o desaparecimento de povos indígenas “como consequência do que hoje se chama, num eufemismo envergonhado, ‘o encontro’ de sociedades do Antigo e do Novo Mundo” (CUNHA, 1992a, p. 12, grifo no original). Como mencionado anteriormente, desde o início os “índios” foram pensados como seres efêmeros, em transição. Desde então estes povos têm sido vistos apenas como parte do nosso passado.
No primeiro século os índios foram parceiros comerciais dos europeus, trocando por foices, machados e facas o pau-brasil para tintura de tecidos e curiosidades exóticas como papagaios e macacos, em feitorias costeiras. Com o primeiro Governo Geral do Brasil, a Colônia se instalou e as relações alteraram-se, tensionadas pelos interesses em jogo – que, do lado europeu, envolviam colonos, governo e missionários em uma relação complexa. Logo, os índios deixam de ser convenientes como parceiros para escambo, como desejavam os colonos, e passam então a ser vistos como mão-de-obra para as empresas coloniais – o que incluía a própria reprodução da mão-de-obra, na forma de canoeiros e soldados para o apresamento de mais índios. A partir de meados do século XIX, a cobiça se desloca do trabalho para as terras indígenas. Um século mais tarde, deslocar-se-á novamente: do solo passará para o subsolo indígena (CUNHA, 1992a).
Após a declaração de independência do Brasil, em 1822, e com a proibição da escravidão, estabelecida por lei em 18318, na tentativa de diferenciar da metrópole, mas, sobretudo, visando à construção de uma identidade nacional, há um súbito interesse em integrar o índio ideologicamente como um dos pilares da nação, uma função harmoniosa das três raças (branco, negro e índio). Dominava, nesse período, em nosso ordenamento jurídico o paradigma da integração, por meio da assistência, e da assimilação que, fundado em ideais evolucionistas desenvolvidos na Europa em meados do século XIX, indicava que o “simples” (os povos “primitivos”) evolui para o mais “complexo” (sociedades ocidentais “civilizadas”). A integração pressupunha a nacionalização do índio, em um processo irreversível e inevitável elaborado por meio da assistência, que auxiliaria essa evolução. O que, politicamente, possibilitava a legitimação do mundo ocidental e o neocolonialismo, com ideais de superioridade da civilização europeia.
Buscando condições para que os índios evoluíssem naturalmente, de forma lenta, adaptando-se assim à cultura nacional e incorporando à civilização brasileira, foi criado em 1910, através de decreto, o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), que a partir de 1918 passou a ser denominado somente Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Este órgão foi o principal vetor da política indigenista brasileira até 1967, quando foi extinto em razão de severas críticas de inação em relação à proteção aos povos indígenas, corrupção e participação em massacres e torturas de índios.
A partir de 1930, com as novas políticas impostas pelo Governo Vargas, a reorganização e modernização dos aparelhos de estado, a crise do sistema oligárquico e a urbanização e expansão das atividades industriais, agrícolas e pecuárias, o processo de assimilação foi intensificado. A criação do Estado Novo, em 1937, estabelece uma nova política para o campo, anunciando a “Marcha para o Oeste”. A política em relação aos índios, a partir desse período, representaria sempre em redução de seus territórios e, em consequência, a liberação de muitas de suas áreas tradicionais às ações dos extratores, agricultores e pecuaristas.
Nos anos 70, marcados pelo “milagre econômico”, com os investimentos em infraestrutura e em prospecção mineral (Transamazônica, Ferrovia do Aço, Sistema de Telecomunicações, dentre outros), tudo cedia ante a hegemonia do “progresso”, diante do qual os índios eram considerados empecilhos. É o caso, paradigmático, dos Parakanã, do Pará. Este período desembocou na “militarização da questão indígena”, a partir do início dos anos 80: de empecilhos, os índios passaram a ser considerados riscos à segurança nacional. Sua presença nas fronteiras era agora um perigo potencial (CUNHA, 1992a, p. 17).
Por causa disso, forçava-se o contato com grupos isolados para que os tratores pudessem abrir estradas e realocavam-se os índios mais uma vez, primeiro para afastá-los da estrada, depois para afastá-los do lago da barragem que inundava suas terras. Desse modo,
Na medida em que a mão de obra indígena se tornava desnecessária para a implantação do projeto nacional, o índio passou a ser visto como obstáculo ao progresso. Ou, mais propriamente, à expansão da empresa mercantil primeiro, capitalista depois (RIBEIRO, 2013, p. 180).
No fim da década dos anos 70 multiplicam-se as organizações não governamentais de apoio aos índios, e no início da década dos anos 80, pela primeira vez, se organiza um movimento indígena de alcance nacional. Essa mobilização explica as inovações na Constituição de 1988, quando se instaura um novo marco conceitual e jurídico. Com a alteração do marco conceitual e jurídico da política indigenista é extinta a figura da tutela e garantido o reconhecimento da autonomia e dos direitos decorrentes das especificidades culturais dos povos indígenas no país, significando um importante marco na proteção territorial como forma de viabilizar a reprodução física e cultural dos povos indígenas. Mas, assim como existem avanços, existem, também, desafios, com os quais o Estado brasileiro tem que lidar não apenas em relação à execução da política indigenista como, também, na aplicação desses novos marcos nas relações entre Estado, sociedade nacional e povos indígenas.
- A política indigenista sob um novo marco conceitual e jurídico
“Contraditória, oscilante, hipócrita”. Esses são os adjetivos empregados para qualificar, de forma unânime, a legislação e a política da Coroa portuguesa em relação aos povos indígenas do Brasil colonial, conforme observa Perrone-Moisés, ao descrever as ideias fundamentais da política indigenista portuguesa no Brasil, expressas na legislação. É notável que desde os primeiro trabalhos “[…] as análises da situação legal dos índios durante os três séculos de colonização reafirmaram o caráter ineficaz ou francamente negativo das leis”. (1992, p. 115-116). Não apenas não havia uma relação entre o projeto colonial expresso nas leis e a prática, como também não havia um Direito colonial brasileiro independente do Direito português9, uma vez que
O Brasil era regido basicamente pelas mesmas leis que a metrópole (compiladas nas Ordenações Manuelinas e, a partir de 1603, nas Ordenações Filipinas), acrescidas de legislação específica para questões locais. Na colônia, o principal documento legal eram os Regimentos dos governadores gerais. O rei os assinava, assim como às Cartas Régias, Leis, Alvarás em forma de lei e Provisões Régias, auxiliado por corpos consultivos dedicados a questões coloniais (PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 116-117).
Essa dualidade entre uma política indigenista contraditória e oscilante e uma legislação inexistente ou ineficaz – consequente de uma política e de uma legislação indigenistas “dúbias e imprecisas” (RIBEIRO, 2013, p. 174) – marcará os séculos seguintes, tanto em relação às políticas quanto às legislações vigentes na Colônia, quando durante quase três séculos a política indigenista oscilou em função de três interesses básicos: o dos moradores, o da Coroa e o dos jesuítas, com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, enquanto que a distância ideológica entre o poder central e o local encurtava-se na proporção da distância física.
Esse encurtamento da distância ideológica não impediu, no entanto, que a Constituição de 182410 – a primeira Constituição brasileira –, ignorasse completamente a existência das sociedades indígenas, fazendo com que prevalecesse uma concepção da sociedade brasileira como sendo homogênea. Não reconheceu a diversidade étnica e cultural do país e estabeleceu como sendo de competência das Assembleias das Províncias a tarefa de promover a catequese e de agrupar os índios em estabelecimentos coloniais, o que acarretou impactos significativos sobre as terras ocupadas.
A política indigenista no século XIX vai ser marcada por uma série de disparidades, mas o que o que caracteriza este século como um todo é que a questão indígena deixa de ser essencialmente uma questão de mão-de obra para se tornar uma questão de terras. Como assinala Manuela Carneiro da Cunha, “A legislação indigenista do século XIX, sobretudo até 1845, é flutuante, pontual e, como era de se esperar, em larga medida subsidiária de uma política de terras” (1992b, p. 138).
Esse quadro se mantém até 1910, quando é criado o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), órgão do Governo Federal encarregado de executar a política indigenista, cuja finalidade era proteger os índios e, ao mesmo tempo, assegurar a implementação de uma estratégia de ocupação territorial do país, modificando assim, a abordagem da questão indígena no Brasil. Em 1918 o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) passa a ser denominado de Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Nesse período, eventos relevantes, como a independência política do Brasil e o advento da monarquia, não haviam trazido mudanças significativas à política indigenista, que continuou a ser realizada nos mesmos moldes do Período Colonial. O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi o principal vetor da política indigenista brasileira até 1967, quando foi extinto em razão de severas críticas de inação em relação à proteção aos povos indígenas, corrupção e participação em massacres e torturas de índios, e substituído, pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) – a política indigenista continua vinculada ao Estado e às suas prioridades, de modo que
Mesmo reconhecendo a diversidade cultural entre as muitas sociedades indígenas, a FUNAI tinha o papel de integrá-las, de maneira harmoniosa, na sociedade nacional. Considerava-se, à época, que essas sociedades precisavam “evoluir” rapidamente, até serem integradas, o que é considerado como uma negação da riqueza da diversidade cultural (FUNAI, 2016a).
Essa decisão governamental havia sido tomada num momento histórico em que predominavam, ainda, as ideias evolucionistas sobre a humanidade e o seu desenvolvimento através de estágios. Essa ideologia, de caráter etnocêntrico, influenciou a visão governamental, bem como a legislação vigente à época, que estabelecia a figura jurídica da tutela e considerava os índios como “relativamente incapazes”11 (FUNAI, 2016a). Posteriormente, com a edição da Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de 1973 – o Estatuto do Índio – foram formalizados os procedimentos a serem adotados pela FUNAI para proteger e assistir as populações indígenas, inclusive no que diz respeito à definição de suas terras e ao processo de regularização fundiária, então regulada pela Constituição de 1946 e, posteriormente, pela Lei n. 5.404/1964 – o Estatuto da Terra.
Ainda que o Estatuto do Índio representasse um avanço em relação à política indigenista até então praticada, ao estabelecer novos referenciais para a definição das terras ocupadas tradicionalmente pelos índios, a nova política indigenista continuou ambígua em relação ao reconhecimento da especificidade cultural dos índios, na medida em que a proteção das diferentes culturas indígenas objetivava a sua integração na sociedade brasileira.
A ambiguidade e o integracionismo da política indigenista desse período estão presentes no próprio Estatuto do Índio, no que diz respeito, por exemplo, ao seu propósito “de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”, ficando os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional “sujeitos ao regime tutelar estabelecido nesta Lei”. E, também, no que diz respeito à “responsabilidade pela proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos”, que consistia, simultaneamente, em: “assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência”; “garantir a permanência voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso”; e “respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes” (artigos 1°, 7° e 2°, incisos IV, V e VI, respectivamente).
Mesmo com os avanços alcançados na abordagem da questão indígena, a função de tutela continuou sendo exercida pelo Estado reforçando a relação paternalista e intervencionista deste para com as sociedades indígenas, mantendo-as submissas e dependentes. Esse quadro perdura até o processo de redemocratização, quando a Constituição de 1988 substitui o modelo político pautado nas noções de tutela e de assistencialismo por um modelo que reconhece a pluralidade étnica como direito, marcando o início de um novo paradigma para a relação entre Estado, sociedade nacional e povos indígenas.
3.1 A democratização do Estado brasileiro: os povos indígenas e a Constituição de 1988
O processo de democratização do Estado brasileiro ocorreu como resultado de esforço coletivo na construção da democracia no Brasil que ganhou ímpeto na contestação e após a ditadura militar, na década de 80. Uma das marcas desse esforço está na centralidade e relevância que assumiu a palavra cidadania nas discussões e nas reivindicações dos movimentos sociais e dos partidos políticos. Esse movimento, que coincide com as reformas constitucionais iniciadas no mesmo período em diversos países sul-americanos (RAMOS, 2012), permitiu e incentivou a ampla discussão da questão indígena pela sociedade civil e pelos próprios índios, que começaram a se organizar politicamente, num processo de participação crescente em relação às questões de seu interesse.
As novas constituições, em sua maioria, trouxeram uma inovação sem precedentes ao admitir explicitamente a presença de povos indígenas nos respectivos territórios nacionais. Iniciava-se, assim, uma nova era na concepção do que é um Estado-Nação, ao admitir formalmente que um Estado soberano pode prescindir do conjunto de pré-requisitos herdados da Europa. Dessa forma, “Ao se declararem implícita ou explicitamente, como nações pluriétnicas, não só legitimavam suas diferenças internas, como garantiam direitos territoriais e culturais às suas maiorias” (RAMOS, 2012, p. 7).
No caso do Brasil, esse processo foi significativo inclusive porque pela primeira em sua história constitucional havia previsão normativa de direitos e interesses indígenas. Incluído no Título VIII, “Da ordem social”, está o Capítulo VIII, “Dos índios”, com seus dois artigos: 231 e 232. Muito embora pareça pouco para uma temática tão importante – e talvez seja –, esses dois artigos estabelecem as bases dos direitos indígenas (SILVA, 2013) na medida em que reconhecem “[…] a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”, “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam […]” e o seu status como “[…] partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses […]” (artigos 231, caput, §§ 2° e 4°, e 232).
Assim como houve um esforço da Constituinte para inserir no texto constitucional um sistema de normas destinado à proteção dos direitos e interesses indígenas (SILVA, 2013), houve, também, um esforço do movimento indígena, fundamental para que no processo de redemocratização do país houvesse abertura à participação indígena nos debates nacionais e na implementação de políticas de seu interesse. Conforme se tem reconhecido,
As conquistas políticas advindas dessas constituições ou emendas constitucionais não resultaram da boa vontade nem do sentido de justiça dos Estados-Nações. Ao contrário e apesar deles, são fruto do movimento pan-indígena que se espalhou por todo o continente, especialmente nos anos de 1970, e ganhou foro internacional quando os organismos da ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos) passaram a acolher as demandas indígenas por justiça étnica contra os Estados-Nações a que estão adstritos (RAMOS, 2012, p. 8).
Da conjugação desses esforços resultaram mudanças normativas do Estado brasileiro que produziram resultados parciais significativos na história dos povos indígenas. Mudanças normativas que estão presentes na Constituição de 1988, que trouxe inovações ao tratamento da questão indígena, marcando o início de um novo paradigma para a relação entre Estado, sociedade nacional e povos indígenas (SOUZA FILHO, 2001).
Não obstante os avanços significativos na proteção e no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no país persistem questões que reclamam providências e cuja solução é causa de intenso debate entre os atores da chamada “cena indigenista”. Há uma compreensão no sentido de que é preciso ir além da positivação de direitos que, por si só, não resultam em mudanças políticas substantivas no projeto republicano de Estado monocultural. Assim como outras constituições latino-americanas, foram incorporados direitos específicos no texto constitucional sem, no entanto, tocar nas estruturas políticas de poder e dominação (VERDUM, 2009).
O processo de reconhecimento formal do direito à organização e à representação própria dos indígenas, expresso na Constituição de 1988, representou o impulso definitivo para o processo de auto-organização desses povos, bem como o surgimento e a multiplicação de organizações indígenas e sua articulação em redes regionais, nacionais e, inclusive, transfronteiriças. Mas, se por um lado esse processo reconhece a condição multicultural e pluriétnica da sociedade brasileira12, por outro lado, questiona-se: “como isso se transforma em práticas e reformula as estruturas políticas do Estado brasileiro?” (VERDUM, 2009).
Se partirmos do pressuposto de que a efetivação da cidadania indígena nos termos propostos pela Convenção n° 169, da OIT (Sobre os Povos Indígenas e Tribais, de 1989) e pela Declaração da ONU (Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007) implica o reconhecimento jurídico e efetivo dos direitos políticos e sociais dos povos indígenas – que inclui autonomia de decisão, autogoverno e controle sobre os territórios e os recursos naturais neles existentes, direito a representação política nas instâncias de poder legislativo do Estado e protagonismo na formulação e controle sobre as chamadas políticas públicas dos Estados em que estão inseridos por força do processo de colonização iniciado na região no final do século XV –, perceberemos que no Brasil a sua efetivação encontra-se ainda muito distante (VERDUM, 2009).
Para Antonio Carlos de Souza Lima,
[…] reconhecer o ‘fim jurídico’ da tutela da União sobre os povos indígenas pela Constituição de 1988, não deve nem nos iludir quanto ao fim de formas de exercício de poder, de moralidades e de interação que poderíamos qualificar de tutelares, nem tampouco dar a entender que temos um novo projeto das funções de Estado para o relacionamento entre povos indígenas, poderes públicos e segmentos dominantes da sociedade brasileira, delineado e assumido com clareza pelas instâncias governamentais responsáveis ou mesmo pelas forças sociais que se configuram, partidarizadas ou não, em oposição ao governo. A crença em certas palavras de ordem, muitas delas coincidentes com a agenda da cooperação técnica, uma dada destilação dos ideais de uma ‘democracia participativa’, acabaram por gerar um certo glossário de significantes – de acordo com o termo específico –, mais ou menos dotados de significados variáveis de acordo com o emissor, mas capazes de gerar a sensação de entendimento mútuo (2002, p. 23).
Analisando comparativamente as pontuações de Antonio Carlos de Souza Lima (2002) e Ricardo Verdum (2009), acerca da situação jurídica dos povos indígenas e sua relação com o Estado, é possível identificar uma preocupação comum: a diferença entre o texto jurídico e a realidade dos povos indígenas. Em síntese, a existência de um quadro normativo não implica necessariamente a mudança de uma realidade, não obstante o discurso retórico de auto-afirmação. Autores do campo jurídico também têm reconhecido o fato de que o novo paradigma conceitual e jurídico da Constituição não foi ainda interpretado – e consequentemente aplicado – pelo Estado conforme deveria. Reafirmando que as mudanças de visão, de abordagem e dos princípios que devem orientar a ação do Estado, exigem uma reformulação dos seus mecanismos de ação relativos às populações indígenas (SOUZA FILHO, 1999).
Segundo Deborah Duprat (2006), há uma dificuldade em implementar as novas mudanças trazidas pela Constituição de 1988, perceptível não apenas em relação ao Poder Executivo, mas, também, ao Poder Judiciário, cuja atuação, aliás, é imprescindível na estipulação de marcos teóricos relacionados à demarcação de terras indígenas, persistindo uma forte incompreensão sobre questões específicas. O que, por sua vez, reforça a importância de uma abordagem profunda do Direito, sob uma perspectiva interna e externa, considerando que a existência de uma sociedade plural envolve pluralidade de culturas e, necessariamente, uma abordagem jurídica condizente com essa realidade (THEODORO; FILHO, 2014).
Finalizando, portanto, no que diz respeito ao reconhecimento de direitos dos povos indígenas (VERDUM, 2009), é preciso compreender que os “significantes” estão no texto constitucional mas os “significados” (SOUZA LIMA, 2002), estes precisam ser construídos (ZAGREBELSKY, 2007). O marco referencial (DUPRAT, 2012) para essa construção já existe. Falta assumir uma política constitucional voltada para a afirmação/aplicação (e não apenas o reconhecimento/positivação) desses direitos – o que, aliás, tem sido o desafio das constituições brasileiras (BONAVIDES, 2010).
Conforme se verá a seguir, a análise dos conflitos socioambientais permite avaliar não só a efetividade constitucional dos direitos indígenas, como, também, a atuação das instituições político-jurídicas frente à pluralidade étnica e cultural – um dos maiores desafios do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, CF). Mas, antes é preciso reportar à categoria “conflito por terras”, analisando a sua delimitação conceitual, para então, proceder à análise dos conflitos socioambientais.
- Os conflitos por terra e a sua delimitação conceitual
Os conflitos se caracterizam de modo geral como “ações de resistência e enfrentamento que acontecem em diferentes contextos e classes sociais” (CPT, 2013, p. 10). É um conceito importante, pois, sinaliza para uma dimensão imanente às relações sociais e de poder, indicando que sobre um mesmo tema, um mesmo objeto, diferentes indivíduos/grupos/classes/sujeitos sociais têm visões/práticas distintas (PORTO-GONÇALVES; CUIN, 2013). Realidade que se torna evidente à medida que os conflitos incorporam elementos e categorias transcendendo a sua delimitação conceitual, como acontece, por exemplo, com os “conflitos por terra”, definidos como
[…] ações de resistência e enfrentamento pela posse, uso e propriedade da terra e pelo acesso a seringais, babaçuais ou castanhais, quando envolvem posseiros, assentados, quilombolas, geraizeiros, indígenas, pequenos arrendatários, pequenos proprietários, ocupantes, sem terra, seringueiros, camponeses de fundo de pasto, quebradeiras de coco babaçu, castanheiros, faxinalenses, etc. (CPT, 2013, p. 10).
Sob o aspecto da delimitação conceitual os “conflitos por terra” relacionam aos povos tradicionais o problema da terra e sua consequente apropriação, resistência e enfrentamento. É evidente que se trata de um conceito básico – e por isso mesmo sujeito à interpretação do contexto em análise – mas, mesmo assim, é importante compreender que, se por um lado o território é fundamental para a realização dos direitos indígenas, por outro, estes conflitos não tratam apenas de “disputa pela terra”. A ocupação da terra por parte dos povos indígenas se baseia em padrões de propriedade e de uso diferentes dos nossos.
Para as sociedades indígenas a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural mas – e tão importante quanto este – um recurso sociocultural (RAMOS, 1986, p. 13, grifos nossos).
A forma tradicional de ocupação espacial dos povos indígenas não pode ser compreendida, portanto, a partir da noção de apropriação do espaço enquanto propriedade privada. A apropriação material e simbólica que os povos indígenas desenvolvem sobre um determinado território é referenciada em valores muito diferentes dos que fundamentam o direito à propriedade privada.
A simplificação da questão territorial resulta inevitavelmente em prejuízo para os povos indígenas, na medida em que: 1°) o conflito não é por qualquer terra, mas, por terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, conforme previsto na Constituição; 2°) o “conflito por terra” não distingue a natureza dos interesses em disputa, tanto faz sejam eles baseados em uma relação de sobrevivência física e cultural ou na relação propriedade privada/lucro; e 3°) por não distinguir os interesses em disputa os “conflitos por terra” colocam no mesmo plano sócio-jurídico os direitos originários e o direito individual relativo à propriedade privada.
A importância dessa questão tem um aspecto prático e o seu desprezo uma consequência visível: a aplicação equivocada do Direito – e consequentemente da Justiça. Ao interpretar a questão territorial indígena sob a ótica do Direito Civil, a prática judiciária – com a sua ritualística processual – subverte o sistema constitucional, equiparando território indígena e propriedade privada, conferindo-lhes tratamento processual idêntico (DUPRAT, 2006).
O entendimento civilista da questão territorial indígena não só despreza a distinção entre os direitos originários (direito coletivo) e o direito privado (direito individual), como, também, sobrepõe os direitos patrimoniais aos direitos fundamentais, subtraindo aos indígenas a ocupação dos seus territórios. O que justifica a preocupação com o contexto que envolve os conflitos socioambientais, não apenas em sua dimensão jurídica, mas, também, histórica, geográfica, política, econômica, para evitar equívocos jurídicos comuns, conforme se tem constatado (DUPRAT, 2006).
Muito embora os “conflitos por terra” se mostrem desigualmente distribuídos pelo território brasileiro (PORTO-GONÇALVES; CUIN, 2013) verifica-se um contexto comum de violências cometidas contra os povos tradicionais (CPT, 2013). Não obstante a variação do número de ocorrências, às vezes aumentando, outras vezes diminuindo, percebe-se que não há modificação do “padrão da violência”. Apesar dessa importante constatação não é tão simples identificar as suas causas, não apenas porque a relação de causa e efeito não é tão nítida, mas, também, porque há diversos fatores que contribuem para esta situação (IU, 2015).
Além das violências mais conhecidas e associadas a estes conflitos, que variam desde ameaças, perseguições e espancamentos, a sequestros, torturas e assassinatos; além do preconceito e da discriminação, existem também, as violências menos conhecidas (ou “violências silenciosas”), mas não menos importantes, à medida que acometem um número cada vez maior da população indígena, e que estão relacionados à omissão do poder público, como por exemplo: a mortalidade na infância e o suicídio (CIMI, 2015).
A mortalidade na infância abrange até cinco anos, diversamente, portanto, da mortalidade infantil, ocorrida antes do primeiro ano de vida – como estabelece a Organização Mundial da Saúde (OMS). Bem mais do que uma questão terminológica, a ideia é registrar os altos índices de mortes de crianças acima de um ano e sistematizar as informações que não constam em pesquisas. Segundo Lucia Helena Rangel, a relação para explicar os índices de mortalidade na infância interliga a falta de terras e a introdução de uma alimentação à base de produtos da cesta básica:
Aquelas comunidades que não têm terra para plantar, e que têm como fonte alimentar a cesta básica, sofrem de subnutrição, porque a cesta básica é composta, sobretudo, de carboidratos e açúcares; tem um pouco de feijão, uma lata de olho, leite em pó, mas não tem proteínas e vitaminas. Contudo, temos de considerar que o padrão alimentar indígena é, sobretudo, advindo das roças, e tem como base o milho, a mandioca, o amendoim. Nesse sentido, quando a comunidade não tem terra para plantar, a alimentação é drasticamente reduzida e as consequências maiores são sofridas pelas crianças, que não suportam uma alimentação tão desbalanceada – considerando que a cesta básica, que não prevê uma alimentação adequada para crianças (IU, 2015).
Sobre esse tema a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) publicou um relatório intitulado Progress for children: beyond averages (“Progresso para as crianças: para além das médias”) advertindo que, apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, mais de 6 milhões de crianças morrem anualmente antes de completar cinco anos de idade devido a situações de extrema pobreza. “Progresso para a infância: além das médias” é o relatório final da UNICEF sobre os ODM (“Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”), que também indica que 289 mil mulheres morrem todos os anos durante o parto e que 58 milhões de meninos e meninas não estão matriculados na escola primária. Ainda que expressivos esses números supõem, no entanto, uma melhora em relação a 1990, pois o relatório conclui que a mortalidade entre crianças menores de 5 anos caiu mais de 50%, passando de 90 para 43 por mil nascidos vivos, e a mortalidade materna se reduziu em 45%. Nesse período, cerca de 2,6 bilhões de pessoas obtiveram acesso a fontes melhores de água potável, sendo que o peso inferior ao normal e a desnutrição crônica entre as crianças menores de 5 anos diminuíram 42% e 41%, respectivamente (UNICEF, 2015).
Outra violência pouco conhecida também pela sociedade, mas igualmente preocupante, é a alta taxa de suicídios entre indígenas. Esta alta taxa de suicídios vem acometendo sobretudo os jovens, como denuncia o estudo do UNICEF “Suicídio adolescente em povos indígenas”, publicado em 2014. Ao analisar o suicídio entre os indígenas da Colômbia, Peru e Brasil, especialmente entre as tribos Embera, Awajún e Guarani, respectivamente, o estudo demonstrou que o suicídio de jovens indígenas lidera as taxas entre os diferentes grupos populacionais latino-americanos, cujos maiores índices são registrados entre os jovens de 15 e 24 anos de idade (UNICEF, 2014).
O estudo das Nações Unidas relativo à “Situação mundial dos povos indígenas”, de 2009, situa o suicídio dos jovens indígenas em um contexto de discriminação, marginalização, colonização traumática e perda das tradicionais formas de vida. Quando “Muitos jovens indígenas sentem-se isolados, fora de lugar tanto em suas comunidades, ao não encontrar nelas um lugar adequado às suas necessidades, quanto nas sociedades envolventes, pela profunda discriminação que os não-indígenas têm contra esta população” (UNICEF, 2014, p. 7).
Estes dados são reforçados pelo “Mapa da Violência 2014”, um estudo que analisa a evolução da violência dirigida contra os jovens no período compreendido entre 1980 e 2012, verificando a incidência de fatores como o sexo, a raça/cor e as idades das vítimas dessa mortalidade. Conforme dados publicados por este estudo, os municípios que aparecem nos primeiros lugares nas listas de mortalidade suicida são locais de assentamento de comunidades indígenas, como São Gabriel da Cachoeira, São Paulo de Olivença e Tabatinga, no Amazonas; Amambai e Paranhos, no Mato Grosso do Sul (WAISELFISZ, 2014).
A participação indígena nos suicídios no Mato Grosso do Sul é a mais preocupante. Pelo Censo do IBGE de 2010, são 2,9% da população, mas 19,9% nos suicídios: quase sete vezes mais. Um fato significativo é que, pelas PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) desse período, a média de jovens indígenas de 15 a 29 anos de idade representava 26% do total da população indígena. Mas dos 475 suicídios indígenas registrados pelo SIM nesses cinco anos, 289 eram jovens na faixa de 15 a 29 anos de idade, isto é, 60,9% do total de suicídios indígenas – mais que o dobro do que seria esperado. Verifica-se, assim, em cada um dos municípios acima listados, que os suicídios juvenis representam entre 35,9% do total de suicídios indígenas até 93,2% em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, o que caracteriza uma situação pandêmica de suicídios de jovens indígenas (WAISELFISZ, 2014).
As causas dos suicídios têm apontado para questões históricas enfrentadas pelos indígenas, como a desapropriação de suas terras e recursos e a negação dos seus direitos. À perda do vínculo sagrado com a terra e a consequente falta de um lugar de pertencimento, acrescente-se a redução da autentificação e o afastamento de suas raízes culturais e dos modos de vida, e terá aí, o isolamento sociocultural – que tem afligido índios também em outros países (ONUBR, 2015).
Em decorrência disso, alguns indígenas acabam fugindo de suas aldeias para as periferias das cidades e acabam se deparando com uma realidade bem diferente: o alcoolismo, a pobreza, violência e a discriminação por serem indígenas. A falta de oportunidades de trabalho e de representação política, assim como de reconhecimento da importância dos povos indígenas, contribuem para os altos níveis de pobreza e interferem na estrutura social indígena, já debilitada por lutas constantes e desiguais por territórios, com ameaças, perseguições, assassinatos. Diante desse contexto de falta de esperança e perspectiva, muitos jovens indígenas têm encontrado uma maneira definitiva de escapar do desespero: o suicídio.
Para Maria de Lourdes de Alcântara, estes jovens estão entre culturas, quer dizer, “Eles estão negociando um diálogo cultural com a sociedade do entorno”. Acontece que “a sociedade do entorno é extremamente preconceituosa”. Atormentados por depressão, alcoolismo, pobreza e violência muitos índios cometem suicídio. Outros deixam a Reserva para viver à margem da pobreza, dentro ou na periferia das cidades. O problema é que “Quando eles voltam para a aldeia eles também não têm um lugar de pertencimento porque a família extensa está fragmentada. Então nesse não-lugar é que eles estão” (ONUBR, 2015).
Em decorrência desse contexto de violências, que transborda a disputa pela terra, o “conflito por terras” tem sobrepujado a sua própria delimitação conceitual. Além disso, o conceito coloca indígenas e não-indígenas no mesmo nível de interesses quando, na verdade, não apenas são diversos como, também, opostos. Para os indígenas a terra tem um valor sagrado, assegurando a sua sobrevivência material e imaterial à medida que constitui, simultaneamente, a base de sua subsistência alimentar (por meio da coleta, da caça e da pesca) e também para a produção e a reprodução dos saberes tradicionais, o que permite a sua preservação por meio da memória.
Para os não-indígenas a terra não tem um valor em si. O valor está agregado ao que ela retorna (positivamente ou não) como compensação dos investimentos realizados na empresa agrícola (agricultura, pecuária…). Dependendo desse retorno (que na verdade inclui uma série de fatores, como práticas culturais e condições de solo e clima…) costuma-se dizer que algumas terras têm mais ou menos “valor”. A preservação de nascentes de rios, a contaminação do lençol freático, a diversidade de fauna e de flora, não são considerados um valor em si e, consequentemente, não constituem uma preocupação. A evidência disso é exatamente o modo como se explora a própria terra: desmatamento de florestas e matas ciliares, emprego abusivo de agrotóxicos, queimadas para extensas áreas de monoculturas e pastagens, mecanização excessiva13…
Exatamente por causa da sua relação com a natureza persiste no imaginário social a ideia de que os indígenas são seres “naturalmente integrados à natureza”. Uma ideia equivocada em dois sentidos: não apenas os indígenas não são “naturalmente integrados à Natureza”, uma vez que a prática da natureza se articula sobre a ideia que uma dada sociedade se faz de si própria, do ambiente que o envolve e de sua intervenção sobre esse ambiente; como também os não-indígenas podem construir uma relação com a natureza para além do equilíbrio e da harmonia do ambiente natural14. O conceito de natureza e sociedade se exprime essencialmente por uma “construção cultural”. Quer dizer, “A ideia de natureza é algo específico de uma dada sociedade, isto é, ela depende da forma como uma sociedade humana recorta o mundo natural como sendo ‘da natureza’” (GIANNINI, 1994, p. 145, grifo nosso).
Essa visão cognitiva da vida e do ambiente, comum a todos os povos, constitui o que se denomina de “visão do mundo” do indivíduo, atuando como uma âncora que o mantém seguro a uma determinada realidade social em face das vicissitudes sobre as quais ele não tem controle (HOEBEL; FROST, 2006, p. 339). Removida essa “visão do mundo”, advém a desestruturação individual ou coletiva (RAMOS, 1986). Na “visão do mundo” das sociedades indígenas o cosmos inclui tanto a sociedade como a natureza, que interagem constantemente, representando uma oposição que se inter-relaciona através de um processo contínuo de reciprocidade através de metáforas e símbolos, mitos e cerimoniais, bem como de comportamentos dos mais cotidianos (GIANNINI, 1994).
Convém salientar, no entanto, que a relação dos povos indígenas com a natureza não visa apenas ao utilitarismo (antropologia ecológica) e nem apenas às representações (antropologia simbólica). Há, porém, uma ordem regendo o pensamento em busca de um sentido para a realidade. Como diz Lévi-Strauss (1989), o conhecimento indígena do mundo e da natureza tem as suas finalidades, não menos científicas que as nossas ciências, assim como os seus resultados, não menos reais que a nossa realidade. Se por um lado a complexidade e a dinâmica transbordam aos “conflitos por terra”, por outro, é significativa para percebermos a dimensão da própria questão territorial indígena, o que nos remete à conceituação e abrangência dos conflitos socioambientais.
4.1 Conceito de conflitos socioambientais
Como mencionado tópico anterior, os “conflitos por terra” extrapolam a sua delimitação conceitual à medida que incorpora elementos (contexto de violências) e categorias (povos tradicionais) aos conflitos, cuja inter-relação resulta em dinâmicas que reclamam abordagens mais amplas, sobrepujando assim, os limites do conceito de “conflito por terra”. O conceito de conflito socioambiental, por sua vez, amplia o espaço de análise na medida em que vai além da questão da terra, permitindo uma abordagem mais ampla dos conflitos socioambientais.
Conforme proposto por Paul Elliot Little, cujas contribuições teóricas constituem a base de discussão deste sub-tópico, os “Conflitos socioambientais referem-se a um conjunto complexo de embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de inter-relacionamento ecológico” – isto é, com seus respectivos meios social e natural. É um “conceito propriamente antropológico do conflito”, como explica o autor, na medida em que “vai além de um foco restrito nos embates políticos e econômicos para incorporar elementos cosmológicos, rituais, identitários e morais” que não são claramente visíveis sob a ótica de outras disciplinas (2006, p. 91-92).
A própria territorialidade tem como um dos seus aspectos fundamentais a multiplicidade de expressões, o que produz um leque muito amplo de tipos de territórios, cada um com suas particularidades socioculturais. Até porque a territorialidade, além de incorporar uma dimensão estritamente política, diz respeito também, às relações econômicas e culturais (HAESBAERT, 2004).
Outro aspecto fundamental se encontra nos vínculos sociais, simbólicos e rituais que os diversos grupos sociais diferenciados mantêm-se com seus respectivos ambientes biofísicos. Na relação que os povos indígenas mantêm com os seus territórios tradicionais elaboram toda uma cosmografia que compreende “seu regime de propriedade, os vínculos afetivos que mantém com seu território específico, a história da sua ocupação guardada na memória coletiva, o uso social que dá ao território e as formas de defesa dele” (LITTLE, 2002, p. 4).
Como afirma Alcida Rita Ramos,
[…] o território grupal está ligado a uma história cultural através do qual cada sítio de aldeia está historicamente vinculado a seus habitantes, de modo que o passar do tempo não apaga o conhecimento dos movimentos do grupo, desde que mantenha viva a memória dos ancestrais (RAMOS, 1986, p. 19-20).
A territorialidade humana constitui, assim, através dos seus aspectos fundamentais, “uma abordagem que não só permite recuperar e valorizar a história da ocupação de uma terra por um grupo indígena, como também propicia uma melhor compreensão dos elementos culturais em jogo nas experiências de ocupação e gestão territorial indígenas” (GALLOIS, 2004, p. 37).
Considerando as diferenças entre o conceito jurídico de terra indígena, conforme na Constituição, e a compreensão antropológica da territorialidade indígena, é possível dizer que a etnografia dos conflitos socioambientais assume relevância na medida em que permite a exposição das bases latentes dos conflitos e dá visibilidade aos grupos sociais politicamente marginalizados ou mesmo invisíveis ao Estado, como os povos indígenas. E nesse sentido, o uso de uma metodologia etnográfica representa um aporte significativo da antropologia à ecologia política (LITTLE, 2006).
A “ecologia política” é uma abordagem sobre conflitos socioambientais que vem se consolidando nas ciências sociais nas duas últimas décadas. Este campo de pesquisa combina o foco da ecologia humana nas inter-relações que sociedades humanas mantêm com seus respectivos ambientes biofísicos com conceitos da economia política que analisa as relações estruturais de poder entre essas sociedades (LITTLE, 1999).
A “pesquisa ecológica” trabalha em ambos os lados da divisa entre o mundo biofísico (“a natureza”) e o mundo social (“a cultura”). Uma tarefa particularmente difícil devido à separação, tanto epistemológica quanto institucional, entre as ciências naturais e as ciências sociais. É, portanto, um campo constituído através do diálogo entre a Biologia, a Antropologia, a Geografia, a História e a Ciência Política, criando um espaço transdisciplinar próprio dentro das ciências naturais e sociais (LITTLE, 2006).
Além de demandar uma abordagem transdisciplinar, a “ecologia política”, requer atenção há alguns elementos que constituem os “princípios” que fazem parte do “núcleo duro do paradigma ecológico”, dentre eles: 1) o foco central da pesquisa ecológica são sempre relações – sociais, naturais ou socioambientais; e 2) o uso de análises contextualistas que colocam as relações dentro de seus respectivos marcos históricos e ambientais; (LITTLE, 2006, p. 91).
É a partir dessa compreensão teórico-metodológica que se busca desenvolver a proposta deste artigo, cujo foco está voltado para os conflitos socioambientais (envolvendo as relações entre indígenas e não-indígenas em torno de áreas de preservação ambiental) sob uma análise contextual (a Terra indígena Comexatibá, no Extremo Sul da Bahia), na qual se contempla, inclusive, os problemas regionais como elementos fundamentais para a adequada compreensão dos conflitos socioambientais.
Essa breve contextualização acerca da conceituação, abrangência e metodologia dos conflitos socioambientais, cujo campo da ecologia política amplia sobremodo o campo de investigação empírica e também de interpretação teórica, permite perceber o esvaziamento da questão territorial indígena como uma questão de “conflito por terras”, considerando que a composição dos elementos e das categorias que orbitam em torno da noção de conflitos socioambientais envolvem múltiplos grupos sociais em interação entre si e o meio biofísico, como o ordenamento territorial (LITTLE, 2006).
- Conflitos socioambientais no Extremo Sul da Bahia
A Região Extremo Sul da Bahia tem sido palco de intensos conflitos socioambientais com violentas ações policiais envolvendo aldeias indígenas, consequente da intensa pressão de não-indígenas que reivindicam a posse de terras já reconhecidas (MPF, 2015), como aconteceu no início do ano de 2016, em cumprimento a uma liminar de reintegração de posse, na aldeia Cahy, na Terra Indígena Comexatibá (Cahy/Pequi), no município de Prado, resultando na destruição de casas, posto de saúde e escola (ISA, 2016b).
Esse contexto de tensões e conflitos entre indígenas e não-indígenas envolvendo a aldeia Cahy, bem como outras aldeias da região (UFBA, 2016), cujas origens são remotas e estão relacionadas à exploração extrativista, de monocultura e pecuária extensiva na região, foi intensificado com a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena Comexatibá, no Diário Oficial da União, em 27 de julho de 2015 (UFBA, 2016).
Conforme dados levantados pelo Relatório o povo Pataxó vive em um “contexto de extrema vulnerabilidade diante dos diversos conflitos estabelecidos na região”, seja pela disputa territorial com os fazendeiros, que reagem fortemente às ocupações, seja pelos conflitos com os beneficiários dos Projetos de Assentamento (PA) implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em áreas tradicionalmente ocupadas pelo grupo indígena, ou ainda, com os agentes ambientais do então Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA – hoje ICMBio), tendo em vista as sobreposições das Unidades de Conservação (UC) com as áreas de ocupação histórica e tradicional dos Pataxó, no caso: Parque Nacional do Monte Pascoal, sobreposto à Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, e o Parque Nacional do Descobrimento, sobreposto à Terra Indígena Comexatibá (Cahy-Pequi) (RCID, 2006, p. 9).
Ainda segundo o Relatório, os conflitos no Extremo Sul da Bahia envolvem também o estabelecimento de indústria de celulose e ocorrem em decorrência de questões fundiárias, roubo de madeira, desmatamento, degradação de recursos hídricos, não cumprimento das condicionantes ambientais das licenças referentes a reservas legais e áreas de preservação permanente, utilização de insumos químicos nas plantações, migrações, êxodo rural, diminuição de áreas agricultáveis, da produção agrícola e de empregos (RCID, 2006).
Os conflitos do Extremo Sul da Bahia se inserem no contexto de tensões e conflitos que acontecem em outras regiões do país (CPT, 2014), e como estes, também estão associados à recuperação das terras, a resistência aos despejos e à proteção dos territórios contra as atividades ilegais, como com os Guarani-Kaiowá e Terenas, no Mato Grosso do Sul; os Arara e Parakanã, no Pará; os Ka’apor, no Maranhão; e os Guarani Mbyá e Kaingang, no Sul do país (ONUBR, 2016b).
Mas, para além do contexto geral de tensões e conflitos, é preciso considerar, também, a existência simultânea de um contexto regional. No caso do Extremo Sul da Bahia, este contexto está relacionado à logica do desenvolvimento e das dinâmicas regionais com consequentes modificações sócio-espaciais como imigração, concentração urbana, aparecimento de bairros no modelo de invasão, crescimento da criminalidade, aumento do número de demanda de serviços públicos municipais, degradação ambiental, dentre outros, que acabam definindo o seu perfil no contexto regional e nacional (FONTES; MELLO E SILVA, 2005; CERQUEIRA NETO, 2012; AMORIM; OLIVEIRA, 2007).
O Extremo Sul baiano abrange uma área de aproximadamente 30.678 km², o que representa 5,42% do total do território estadual, compreende vinte e um municípios e as suas fronteiras estão demarcadas da seguinte forma: ao Norte, com Sudoeste e Litoral Sul da Bahia; ao Sul, com o Estado do Espírito Santo; a Oeste, com Minas Gerais; e, a Leste, com o Oceano Atlântico, ocupando, no mapa do Brasil, uma posição geográfica privilegiada em vista da sua localização em um dos trechos mais importantes da Rodovia BR-101, que faz a transição entre o Sudeste e o Nordeste do país (CERQUEIRA NETO, 2012).
O Extremo Sul baiano representa uma região de perfil heterogêneo – que caracteriza os municípios que a integra – e em pleno processo de transformação, cujo desenvolvimento delineia-se com a pecuária, a atividade madeireira, agricultura e o turismo. Marcado por diferenças regionais significativas e constituídas em momentos históricos específicos, o processo histórico de desenvolvimento desta região revela uma sociedade caracterizada por grandes propriedades que permitiram o desenvolvimento da agricultura e da pecuária durante algum tempo, com o crescente aumento da agroindústria e, consequentemente, das concentrações urbanas (FONTES; MELLO E SILVA, 2005).
Atualmente, a vasta extensão de terras ocupadas por florestas de pinus e eucalipto faz do Extremo Sul um dos maiores produtores de papel e celulose do país (2,32 milhões de toneladas em 2010), ocupando a 2ª posição na produção da matéria no Brasil (com 14,7 milhões de m3 produzidos em 2010) e o 4° lugar em termos de localização de maciços florestais (658 mil hectares, o que representa 10,1% da área plantada com pinus e eucalipto no Brasil). Com a alta produtividade as exportações de papel e celulose atingiram US$ 1,67 bilhão em 2010, ocupando o 2° lugar no ranking de produtos da pauta de exportações do Estado. Números que justificam a atração de investimentos por parte da iniciativa privada e do Estado, com perspectiva de expansão da produção industrial do setor (SDE, 2016).
Também está localizado no Extremo Sul o segundo mais importante polo turístico do Estado: a zona turística da Costa do Descobrimento, com infraestrutura hoteleira e aeroporto, envolvendo os municípios de Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Belmonte e estendendo-se entre a Costa das baleias (que abrange os municípios de Prado, Alcobaça, Caravelas, Nova Viçosa e Mucuri), onde está situado o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos e a Costa do Cacau (que abrange os municípios de Itacaré e Canavieiras). No município de Prado está também o Parque Nacional do Descobrimento, uma das maiores Unidades de Conservação da região, com 21.129 hectares, compondo com o Parque Nacional do Monte Pascoal e o Parque Nacional do Pau Brasil, um corredor ecológico das Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, que em 2000, recebeu o título de Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO (ISA, 2016c).
Apesar dos esforços do Governo do Estado destinados a atração de investimentos para o crescimento econômico e a geração de emprego e renda da região (SDE, 2016), o Extremo Sul baiano revela profundas desigualdades regionais relacionadas à própria dinâmica da economia regional, iniciada a partir do século XX, sobretudo da década de 1970, quando surgem novas atividades econômicas com a implantação da BR-101. Desde então a região passou a concentrar atividades industriais, em especial as do ramo madeireiro, mola propulsora do desenvolvimento econômico da região desde seus primórdios com a exploração do Pau Brasil e de outras madeiras nobres (FONTES; MELLO E SILVA, 2005).
Ao contraste litoral/interior se contrapõe um contraste norte/sul bem marcado, onde se ressaltam diferenças regionais marcantes, cuja variável imigração parece ter sido um dos fatores determinantes destas desigualdades regionais que assolam o Extremo Sul. Isto por que a partir de meados da década de 1980 alguns municípios sofreram grande incremento populacional decorrente das crises econômicas na região. Como decorrência do crescimento desordenado e sem o devido planejamento
As profundas desigualdades regionais existentes na infra-estrutura de saneamento fazem da universalização e da melhoria dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, coleta de lixo e drenagem urbana, um objetivo a ser alcançado, ainda hoje, pelo Estado. A distribuição desses serviços é muito desigual entre os municípios estudados principalmente entre as áreas urbanas e rurais (FONTES; MELLO E SILVA, 2005, p. 5368).
É preciso considerar, no entanto, que a precarização dos serviços públicos associada às desigualdades sociais regionais não deve ser desvinculada da dinâmica territorial imposta pela instalação das empresas de eucalipto15 – cujos efeitos têm consequências tanto ecológicas (rurais) quanto sócio-espaciais (urbanas) (CERQUEIRA NETO, 2012). A partir dessa inter-relação o Governo do Estado deve ter claro que o crescimento da economia pouco significa se não contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais, resultando na melhoria da qualidade de vida da população (FONTES; MELLO E SILVA, 2005).
À medida que cresce de maneira desordenada e sem um devido planejamento à apropriação do Extremo Sul da Bahia, o estado ambiental dessa região vem sendo alterado drasticamente (AMORIM; OLIVEIRA, 2007). O que está relacionado ao próprio processo de ocupação desta região:
O processo de ocupação do Extremo Sul da Bahia tem se intensificado a partir da segunda metade do século XX, com a instalação de diversas atividades econômicas que causam a degradação socioambiental da área. Podem-se identificar algumas conseqüências mais marcantes para a região: a devastação da Mata Atlântica; o uso inadequado do solo; o crescimento acelerado da população; agravamento da fragilidade ambiental; e o crescimento e surgimento de novas cidades, levando a região a atingir o maior índice de urbanização do Estado. A ocupação desordenada da região pela expansão agrícola, consolidação dos empreendimentos industriais e turísticos têm ocasionado uma nova territorialidade regional intensificam as desigualdades socioespaciais e a fragilidade ambiental natural (AMORIM; OLIVEIRA, 2007, p. 35).
Os conflitos socioambientais – que envolvem sociedade, populações tradicionais e áreas naturais – são, também, consequências de um mesmo fenômeno de exclusão. A população pobre latino-americana, basicamente de origem rural, foi fortemente marginalizada no campo e em favelas de grandes cidades por um processo de colonização e concentração de terras para a pecuária extensiva, produção de café, de cana e, mais recentemente, de grãos. O Extremo Sul da Bahia não escapou à regra:
A concentração fundiária em grandes fazendas, por apropriação de terras devolutas e ocupadas pelos índios, provocou uma destruição quase total da Mata Atlântica da região, e está na raiz do conflito atual, uma vez que implicou a reunião de sem-terras, populações indígenas e remanescentes florestais nos mesmos restritos locais. Este processo ainda está em curso, com a expansão da monocultura de eucalipto e do turismo costeiro de massa. Neste quadro, os Pataxó e sem-terras sofrem dos mesmos preconceitos que as populações marginalizadas na Índia, Tailândia e África: são considerados como os principais responsáveis pela destruição dos ecossistemas (TIMMERS, 2004, p. 175).
Nos conflitos envolvendo áreas protegidas, os direitos de minorias colidem com o direito da sociedade como um todo e o de milhões de formas de vida, que, do mesmo
modo que o homem, também têm direito à existência. Tais direitos, no entanto, não precisam afirmar-se em oposição um ao outro. A destruição ambiental afeta mais imediatamente as populações que dependem diretamente dos recursos naturais, como as populações mais carentes, os povos indígenas e tradicionais. Estas populações sofrem, portanto, muito mais com a destruição do local onde são forçadas a viver (TIMMERS, 2004).
Verifica-se, assim, que além de intensos conflitos socioambientais, o Extremo Sul da Bahia sofre também com impactos ambientais severos ao longo da história. Como conflitos socioambientais e impactos ambientais estão interligados a importância de estudá-los se deve à avaliação dos efeitos dos mesmos em relação às condições de reprodução física e cultural do povo indígena, bem como para ações de manutenção ou incremento da qualidade de determinado ambiente. O estudo dos conflitos e dos impactos é, pois, fundamental para compreender e avaliar a sustentabilidade no território e as condições para a gestão ambiental e territorial (RCID, 2006).
Esta breve análise dos conflitos socioambientais no Extremo Sul da Bahia, aos quais estão relacionados os impactos ambientais bem como uma lógica de desenvolvimento com diferenças regionais significativas, reforça o entendimento de que se por um lado é importante compreender o contexto geral de conflitos em que vivem os povos indígenas no país, por outro, é fundamental compreender o contexto regional/local, onde estão inseridos estes povos com suas demandas específicas e seus recursos disponíveis.
5.1 A Terra Indígena Comexatibá
Segundo dados do Instituto Socioambiental (2016d) existem atualmente no Brasil 703 terras indígenas, abrangendo uma área de 117.299.899 hectares, das quais 115 estão em identificação; 37 estão identificadas; 71 declaradas e 480 estão reservadas/homologadas, conforme procedimento demarcatório previsto no Decreto n° 1.775 de 8 de janeiro de 1996 (que dispõe sobre o procedimento administração de demarcação de terras indígenas).
Uma terra indígena é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (FUNAI, 2016c). A Constituição de 1988, em seu art. 231, §1°, conceitua como terras tradicionalmente ocupadas pelos índios aquelas
[…] por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos costumes e tradições (BRASIL, 2016a).
A Constituição estabelece, assim, não apenas o conceito de terra indígena, como, também, os parâmetros para o seu reconhecimento pelo Estado, que assim procederá em relação à terra: a) habitada em caráter permanente; b) utilizada para suas atividades produtivas; c) imprescindível à preservação dos recursos necessários a seu bem-estar; e d) necessária a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Com isso, a territorialidade, conceituada sobretudo a partir de laços jurídicos e políticos, tem, assim, a sua concepção formulada com fundamento na ideologia do Estado:
Da perspectiva do Estado, as concepções do território indígena passam a ser emimentente uma questão jurídica. A discussão é centrada no direito, na ideia de uso, de posse, de ocupação e de pertencimento. Todos os códigos para a construção da ideia de território e territorialidade estão baseados na ocupação e no direito. São códigos, portanto, definidos pelo Estado […] (MALDI, 1998, p. 9).
Todavia, a inadminissibilidade de uma concepção do “conceito de território indígena fora dos parâmetros do Estado” (MALDI, 1998, p. 9), por parte do atual sistema jurídico brasileiro, não implica em consensualidade do seu conceito jurídico. Como observa Galllois, não apenas há “diferenças entre o conceito jurídico de terra indígena, tal como está posto na Constituição, e a compreensão antropológica dos fundamentos da ocupação e territorialidade indígena”, como “há, evidentes intersecções e possibilidades de articulação” (2004, p. 237).
Além disso, é preciso considerar também que as sociedades indígenas se relacionavam com seus territórios tradicionais por meio das suas cosmografias. Com a ocupação colonial e neocolonial do Brasil, estas sociedades foram expulsas dos seus territórios e obrigadas a se reorganizarem socialmente16 (BAINES, 2014). Inevitavelmente essas questões repercutem no conceito jurídico de terra indígena criando fricções com a compreensão antropológica, histórica, geográfica, dentre outras, que também abordam a temática sob outro olhar.
Como afirma Carlos Frederico Marés, o conceito jurídico de terra indígena foi construído a partir da ocupação da área pelo povo indígena através da posse como atributo jurídico. Acontece que
Esta solução jurídica encontrada tem coerência com o sistema, mas esconde a realidade de um direito muito mais profundo dos povos, que é o direito ao território. O território não pode se confundir com o conceito de propriedade da terra, tipicamente civilista; o território é a jurisdição sobre um espaço geográfico, a propriedade é um direito individual garantido pela jurisdição (2012, p. 122).
A terra indígena configura, portanto, um tipo específico de posse, de natureza originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada. Distinção aparentemente simples, mas, que tem consequências jurídicas relevantes. O direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional constitui um direito originário e, consequentemente, o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas se reveste de natureza meramente declaratória. O que significa dizer que a terra indígena não é criada por ato constitutivo, e sim, reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição de 1988. Como assinala José Afonso da Silva,
[…] não é da demarcação que decorre qualquer dos direitos indígenas. A demarcação não é título de posse nem de ocupação de terras. […] os direitos dos índios sobre essas terras independem da demarcação. Esta é constitucionalmente exigida no interesse dos índios. É uma atividade da União, não em prejuízo dos índios, mas para proteger os seus direitos e interesses (2013, p. 871).
Os direitos originários estão previstos na Constituição (art. 231, caput) e estão relacionados às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (art. 231, §2°), consagrando a relação jurídica fundada no indigenato, tradicional instituição jurídica luso-brasileira dos tempos da Colônia, quando o Alvará de 1° de abril de 1860, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, afirmou o princípio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas (SILVA, 2013). Convém apenas esclarecer que
[…] o indigenato não se confunde com a ocupação, com a mera posse. O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, ‘não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem (SILVA, 2013, p. 868, grifos no original).
Ao reconhecer aos povos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, a Constituição de 1988 apenas reafirma o seu direito originário, um direito anterior ao próprio direito e à própria lei. Dessa forma, a Terra Indígena se torna indisponível ao poder público, não passível de utilização por ele, e vedada ao uso comum de todo o povo brasileiro, mas tão-somente ao uso do próprio povo indígena, segundo seus costumes e tradições (SOUZA FILHO, 2012).
Essas breves considerações parecem bastantes para demonstrar que a relação entre o indígena e suas terras não se rege pelas regras do Direito Civil (SILVA, 2013). A importância dessa compreensão tem um aspecto prático e o seu desprezo uma consequência visível: a aplicação equivocada do Direito – e, consequentemente da Justiça –, na medida em que, ao interpretar os conflitos socioambientais sob a ótica do Direito Civil e Processual Civil, a prática judiciária subverte o sistema constitucional equiparando território indígena e propriedade privada, conferindo-lhes tratamento processual idêntico (DUPRAT, 2006).
Sob o ponto de vista de localização, parte das terras indígenas regularizadas está concentrada na Amazônia Legal, como resultado do processo de reconhecimento dessas Terras iniciado pela FUNAI, principalmente, na década de 1980, no âmbito da política de integração nacional e consolidação da fronteira do Norte e Noroeste do país. Nas demais regiões, caracterizadas por avançado processo de colonização e exploração econômica e cuja malha fundiária é mais intricada, os povos indígenas conseguiram manter a posse em áreas geralmente diminutas e esparsas, muitas das quais reconhecidas pelo serviço de Proteção dos Índios (SPI) entre 1910 e 1967, desconsiderando, contudo, requisitos necessários à reprodução física e cultural dos povos indígenas (FUNAI, 2016c).
Essa realidade, verificada principalmente nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, além do Estado do Mato Grosso do Sul, expressa uma situação de confinamento territorial e de permanente restrição dos modos de vida indígena, onde se constata a existência de um alto contingente populacional de povos indígenas vivendo, em muitos casos, em áreas diminutas ou sem terras demarcadas. É exatamente nessas regiões que se verifica atualmente a maior ocorrência de conflitos fundiários e disputas pela terra, impondo ao Estado brasileiro o desafio de promover as demarcações das terras indígenas, sem desconsiderar as especificidades do processo de colonização, ocupação e titulação nessas regiões, contribuindo com ordenamento territorial e para a redução de conflitos (FUNAI, 2016c).
É o caso da Terra Indígena Comexatibá (Cahy-Pequi), situada na Região Extremo Sul da Bahia, nos arredores de Cumuruxatiba, uma pequena vila de pescadores a 32 quilômetros do município de Prado, que fica a 789 quilômetros de Salvador. Com população estimada em 29.273 habitantes e uma unidade territorial de aproximadamente 1.687,347m², o município abrange administrativamente, além da sua sede municipal, cinco povoados: Guarany, Palmares, Limeira, São Francisco e Corumbau, além do distrito de Cumuruxatiba (IBGE, 2016).
Com uma área de 28.077 hectares, e uma população de 732 habitantes, a Terra Indígena Comexatibá é composta por cinco aldeias: Cahy, Pequi, Tibá, Taxá e Alegria Nova, cuja ocupação histórica no Extremo Sul da Bahia é registrada desde o século XVI, mais precisamente 1577, quando se tem os primeiros registros da presença deste povo na faixa litorânea da região entre os municípios de Porto Seguro e Prado (RCID, 2006).
Como as informações históricas sobre o povo Pataxó, bem como a sua presença na região, encontram-se dispersas e em fontes diversas, a reconstrução das trajetórias e do movimento de dispersão dos Pataxó – que se estende a extensa área que abrange o norte do litoral do Espirito Santo, Minas Gerais até o litoral sul baiano – tem sido realizada a partir do cruzamento entre dados obtidos a partir de fontes históricas levantadas em bibliografia especializada; registros de viajantes e historiadores; trabalhos acadêmicos realizados por antropólogos e documentos oficiais inseridos nos processos de regularização fundiária das terras indígenas ocupadas pelos Pataxó nos Estados de Minas Gerais e Bahia.
Por se tratar de uma sociedade de tradição oral, a sua história oral constitui elemento fundamental nesse processo de reconstrução histórica, capaz de reconhecer nas narrativas e na memória coletiva elementos necessários ao reconhecimento da ocupação indígena em determinada região. O que explica a participação dos indígenas no procedimento de identificação e delimitação das terras indígenas em todas as etapas dos trabalhos de campo, conforme previsto, inclusive, no Decreto n° 1.775 de 8 de janeiro de 1996 (que trata do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas), que estabelece que “O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias, participará do procedimento em todas as suas fases” (art. 2º, par. 3º).
Daí a importância da metodologia antropológica de levantamento e análise de dados etno-históricos – ao tratar de sociedades de tradição oral – à medida que ressalta a história oral como elemento fundamental, capaz de reconhecer nas narrativas e na memória coletiva17 de um povo elementos necessários ao reconhecimento da ocupação indígena em determinada região, de modo que
A tradição que emerge dessa narrativa não é mera repetição de algo passado, não é mera remissão ao contexto da existência que a originou, mas a experiência histórica de sua reafirmação e transformação. Daí que a definição do que sejam terras tradicionalmente ocupadas, por cada grupo, passa por um estudo antropológico que, para além da história, revele a tradição que é permanentemente ritualizada e que dessa forma se faz presente na memória coletiva (DUPRAT, 2006, p. 175).
Essa metodologia permite trazer à tona versões de fatos narrados por membros de uma sociedade sem escrita, que de outra forma não seriam conhecidas, reconhecendo a perspectiva histórica das coletividades marginalizadas e discriminadas, cuja presença foi minimizada ou mesmo suprimida da história oficial. Assim, a história oral e a história documental se horizontalizam e se cruzam, criando uma base de dados mais completa e consistente para os estudos técnicos (RCID, 2006).
Parte do que hoje se sabe sobre o povo Pataxó e a sua presença na região Extremo Sul da Bahia, se deve à realização de estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, bem como levantamento fundiário e estudos de aprofundamento antropológico, que constituem estudos fundamentais ao procedimento demarcatório, conforme Decreto n° 1.775/96, em seu art. 2°, caput e parágrafos.
A Terra Indígena Comexatibá, tradicionalmente ocupada pelos Pataxó, teve o seu procedimento de demarcação iniciado em 200418, mas o seu Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) somente em 27 de julho de 2015. Desde então, a Terra Indígena Comexatibá tem sido palco de tensões e conflitos com constantes ameaças e agressões às comunidades Pataxó (UFBA, 2016).
Este contexto de tensões e conflitos na Terra Indígena Comexatibá foi intensificado com a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID, 2006), como visto anteriormente, também constituem fatores que contribuem para a proliferação dos conflitos: a incidência de sobreposições e a morosidade do poder público na demarcação da Terra Indígena Comexatibá (BRASIL, 2015).
No levantamento fundiário, que consta do Relatório, foram identificadas 78 ocupações não-indígenas incidentes nessa área. Além das ocupações de particulares, incidem na Terra Indígena Comexatibá: 19,6% do Parque Nacional do Descobrimento, 93,95% do Projeto de Assentamento Fazenda Cumuruxatiba e 30,37% do Projeto de Assentamento Reunidas Corumbau. Consta no Relatório que, na porção sobreposta ao Parque Nacional do Descobrimento, criado em 1999, localizam-se cinco das seis principais aldeias Pataxó: Cahy, Pequi, Tibá, Alegria Nova e Monte Dourado (RCID, 2006).
Os casos de unidades de conservação criadas em áreas de ocupação de populações nativas, como acontece com a Terra Indígena Comexatibá, representam um exemplo emblemático de sobreposição de diferentes valores, tradições e concepções, configurando um desafio socioambiental que consiste em mapear os conflitos e avançar na reflexão a respeito das sobreposições entre terras destinadas a diferentes usos, particularmente, unidades de conservação e terras indígenas (RICARDO; MACEDO, 2004).
Segundo a analista pericial do Ministério Público Federal, no Estado da Bahia, Sheila Brasileiro, a situação da Terra Indígena Comexatibá não é uma exceção, já que na região, muitas demarcações de terras permanecem emperradas, com contestações judiciais e administrativas, mesmo com entendimentos acerca de sobreposições. É o caso Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, cujas lideranças Pataxó e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) já chegaram a um acordo de gestão compartilhada com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Parque Nacional do Monte Pascoal, mas sem que houvesse, até então, a assinatura da portaria declaratória pelo Ministério da Justiça (ISA, 2016a).
Nos últimos anos os conflitos decorrentes de sobreposições territoriais vêm se acentuando em consequência do acirramento de animosidade de casos antigos ou de novos casos, que vêm sendo deflagrados, sobretudo, em razão do processo de consolidação dos direitos indígenas previstos na Constituição de 1988, cujos desdobramentos incluem o reconhecimento ou ampliação de terras incidentes nos perímetros de unidades de conservação.
Acontece que diversos Parques foram criados anteriormente à Constituição de 1988 – Araguaia (1959), Monte Pascoal (1961) e Pico da Neblina (1979) – e em áreas de ocupação indígena. E mesmo confrontando a legislação vigente19 isso não era reconhecido como problema para os representantes de órgãos ambientais do governo, uma vez que tais grupos indígenas ainda mantinham um contato intermitente com a sociedade nacional, sendo alheios a seus usos e costumes. Por isso, foram considerados como “parte da paisagem”, ou como se poderia dizer, como “parte da natureza local” (RICARDO; MACEDO, 2004).
Em 2000 a Lei nº 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)20, estabelecendo que os órgãos federais responsáveis pela execução das políticas ambiental e indigenista deveriam instituir Grupos de Trabalho (GT) para, no prazo de 180 dias a partir da vigência desta lei, propor as diretrizes a serem adotadas com vistas à regularização das eventuais superposições entre áreas indígenas e unidades de conservação. Nos anos seguintes foram publicados diversos decretos regulamentando os artigos da Lei nº 9.985/2000. Em 22 de agosto de 2002 foi publicado o Decreto n° 4.340, que regulamenta diversos artigos da Lei nº 9.985/2000 e em 5 de abril de 2006 é publicado o Decreto n° 5.746, que regulamenta o art. 21 desta lei.
Em 13 de abril do mesmo ano é então publicado o Decreto n° 5.758, que institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), seus princípios, diretrizes, objetivos e estratégias (BRASIL, 2011). Até que em 5 de junho de 2012 é publicado o Decreto n° 7.747, que institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), com o objetivo de garantir e promover as proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural, nos termos da legislação vigente.
Acontece que o elemento jurídico não é o único a ser considerado nesse mosaico de sobreposições territoriais, considerando a multiplicidade de manifestações e também de poderes incorporados através dos múltiplos agentes/sujeitos envolvidos (HAESBAERT, 2004). Dependendo do contexto em que se dá a sobreposição e da trajetória dos atores envolvidos por dever de ofício ou outras formas de engajamento, há um amplo espectro de posturas extremadas que varia entre os que defendem a interdição incondicional da ocupação indígena em unidades de conservação e aqueles que defendem em quaisquer situações a revogação da unidade de conservação em favor da demarcação da terra indígena. Ademais, a própria trama dos conflitos invariavelmente deixa transparecer o emaranhado de disputas e divergências interinstitucionais em meio ao despreparo dos profissionais dos órgãos ambientais, e por vezes, mesmo os da FUNAI, para lidar com populações etnicamente diferenciadas (RICARDO; MACEDO, 2004).
Além da incidência de sobreposições se tem verificado também um aumento do número de ações de reintegração de posse com a consequente intensificação dos conflitos sociais e fundiários, decorrentes da morosidade do poder público na demarcação definitiva da Terra Indígena Comexatibá, conforme tem assinalado o Ministério Público Federal (BRASIL, 2015).
5.2 Demarcação das terras e morosidade do poder público
Em agosto de 2015, o Ministério Público Federal, em Teixeira de Freitas, Bahia, ajuizou uma ação civil pública contra a FUNAI e a União, para garantir a conclusão do procedimento administrativo de demarcação da Terra Indígena Comexatibá. A ação civil pública é baseada no Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena, elaborado pela FUNAI e publicado no dia 27 de julho de 2015, que reconheceu em favor dos Pataxó a tradicionalidade da Terra Indígena Comexatibá (MPF, 2015).
Na ação civil pública o Ministério Público Federal aponta como fatores que contribuem para intensificação dos conflitos no Extremo Sul da Bahia, a morosidade do Poder Público e a inércia das seguintes autarquias: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A morosidade do Poder Público está relacionada à demarcação da Terra Indígena Comexatibá, e a inércia das autarquias (INCRA, ICMBio e FUNAI), por sua vez, está relacionada à busca de uma solução conciliatória para os diferentes interesses incidentes na área de ocupação tradicional indígena dos Pataxó (MPF, 2015).
O procedimento de demarcação, regulamentado pelo Decreto nº 1.775/96, é o meio administrativo para identificar e sinalizar os limites do território tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas21. Nos termos do Decreto nº 1.775/96 a regularização fundiária de terras indígenas tradicionalmente ocupadas compreende as seguintes etapas: a) estudos de identificação e delimitação, a cargo da FUNAI; b) contraditório administrativo; c) declaração dos limites, a cargo do Ministro da Justiça; d) demarcação física, a cargo da FUNAI; e) levantamento fundiário de avaliação de benfeitorias implementadas pelos ocupantes não-índios, a cargo da FUNAI, realizado em conjunto com o cadastro dos ocupantes não-índios, a cargo do INCRA; f) homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República; g) retirada de ocupantes não-índios, com pagamento de benfeitorias consideradas de boa-fé, a cargo da FUNAI, e reassentamento dos ocupantes não-índios que atendem ao perfil da reforma, a cargo do INCRA; h) registro das terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União, a cargo da FUNAI; e i) interdição de áreas para a proteção de povos indígenas isolados, a cargo da FUNAI (FUNAI, 2016d).
A morosidade do poder público na demarcação de terras está relacionada aos conflitos entre indígenas e não-indígenas na Terra Indígena Comexatibá e também ao aumento de ações de reintegrações de posse, o que tem contribuído para a proliferação de conflitos sociais e fundiários entre indígenas e não-indígenas no Extremo Sul da Bahia com “grave risco de lesão à segurança pública (com risco de morte)”, conforme assinalado pelo Ministério Público Federal, ao justificar o pedido de intervenção do Poder Judiciário em caráter de urgência para corrigir “a omissão e a ineficiência dos órgãos públicos envolvidos” (BRASIL, 2015).
A inércia das autarquias INCRA, ICMBio e FUNAI, assinala o Ministério Público Federal, se deve à falta de interesse em buscar uma solução conciliatória para os diferentes interesses incidentes na área de ocupação tradicional dos Pataxó, em vista dos conflitos entre os indígenas e não-indígenas (estes representados tanto pelos assentados dos Projetos de Assentamento Cumuruxatiba e Reunidas de Corumbau como pelos proprietários de imóveis rurais) (BRASIL, 2015).
A constatação do aumento do número de ações de reintegração de posse atesta o fenômeno da judicialização excessiva do procedimento de demarcação, regulamentado pelo Decreto nº 1.775/96, conforme observado, inclusive, por Sheila Brasileiro, analista pericial do Ministério Público Federal, no Estado da Bahia, que à época, afirmava haver, desde a publicação do Relatório da Terra Indígena Comexatibá, mais de 170 contestações, sem falar das ações judiciais movidas em decorrência dos imóveis rurais22 (ISA, 2016a).
Neste contexto judicial relacionada à Terra indígena Comexatibá, existem duas ações reintegratórias de posse que merecem destaque: a) a ação n° 2008.33.00.010077-5, ajuizada na Subseção Judiciária em Teixeira de Freitas, Bahia, na qual o INCRA requer a expedição de liminar contra indígenas moradores de área inserida no Projeto de Assentamento Cumuruxatiba (Lotes 94 e 94-A); e b) a ação n° 2006.33.10.002715-6, ajuizada pelo IBAMA perante o Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Eunápolis, Bahia, visando à retomada da posse do Parque Nacional do Descobrimento, ocupado por indígenas. Em decisão proferida pelo Juízo a quo, foi determinada a extinção do processo sem resolução do mérito em relação à FUNAI e à União, por ausência de interesse de agir, e julgado procedente o pedido reintegratório em relação aos indígenas. Contra referida decisão foi interposto recurso de Apelação pela FUNAI, distribuído perante a 3ª Turma do TRF-1ª Região sob o n° 0002715-04.2006.4.01.3310. Em decisão proferida na data de 10/04/2015, o TRF-1ª Região manteve a decisão reintegratória de posse expedida pelo Juízo de Eunápolis (BRASIL, 2015).
Em liminar concedida em mandado de reintegração de posse, nos autos do processo n° 0002715-04.2006.4.01.33310, em ação rescisória com pedido de antecipação de tutela n° 0006149-85.2016.4.01.0000/BA, ajuizada pelo Ministério Público Federal, em Teixeira de Freitas, Bahia, o TRF-1ª Região analisou os argumentos apresentados, dentre eles: a) “que o acórdão proferido por esta Corte incorreu em relevante erro de fato e violou frontalmente dispositivos constitucionais e legais”, e b) “que a posse indígena não pode ser analisada à luz do direito de propriedade previsto no Código Civil”. Requerendo, por fim, o Ministério Público Federal: a) “a suspensão do julgado até a decisão desta ação rescisória” e b) a reforma da sentença judicial “que determinou a reintegração de posse da área litigiosa ao ICMBio” (BRASIL, 2016b).
Em sua decisão, a desembargadora relatora Mônica Sifuentes, do TRF-1ª Região, após as considerações processuais de praxe, analisa os pedidos do Ministério Público Federal, declarando que em relação “ao alegado erro de fato, ficou devidamente consignado no acórdão rescindendo que o reconhecimento da área litigiosa como terra indígena somente se efetiva com homologação por decreto presidencial”, o que não havia ocorrido até a presente data. No entanto, afirma a relatora reconhecer a existência de julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) em sentido diverso ao decidido pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal. No julgado do STF, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski declara que “A demarcação de Terra Indígena é ato meramente formal, que apenas reconhece direito preexistente e constitucionalmente assegurado (art. 231 da CF)” (Tribunal Pleno SL, 610 AgR/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski) (BRASIL, 2016b).
Com base nas motivações apresentadas, a relatora então decide que “Diante desse quadro e considerando o ‘aparente conflito’ entre direitos constitucionalmente reconhecidos”, solicitará a oitiva do ICMBio para em seguida decidir sobre a suspensão do julgado e, “em razão da ‘noticiada iminência’ da execução do mandado de reintegração de posse”, determina “a suspensão do cumprimento do referido mandado” (BRASIL, 2016b).
Como se trata de uma decisão em caráter liminar – para atender a uma situação de urgência caracterizada pela probabilidade do direito e pelo perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo – e, portanto, pode ser revogada ou modificada até o julgamento do mérito, é compreensível que a preocupação esteja voltada para o aspecto normativo da decisão, cuja motivação consta, basicamente, de artigos do Código de Processo Civil e de julgados relativos à matéria em questão. No entanto, para além da dimensão normativa, existe outra bem mais complexa e dinâmica, que é a dimensão social da práxis, na qual, aliás, vivem os povos indígenas e cujo tempo não se conta do mesmo modo que o nosso – e muito menos do mesmo modo que os prazos da dimensão normativa.
Acrescente-se que em razão da controvérsia jurídica entre órgãos do Poder Executivo – ICMBio, INCRA e FUNAI –, decorrente da sobreposição de Terra Indígena e áreas de proteção ambiental e Projetos de Assentamento no Extremo Sul da Bahia, os processos de regularização fundiária das Terras Indígenas Barra Velha do Monte Pascoal e Comexatibá foram acompanhados pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia-Geral da União23 (CCAF/AGU).
No entanto, apesar de constar do Inquérito Civil n° 1.14.001.000047/2001-10 deliberações adotadas pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia Geral da União (CCAF/AGU) – em reuniões com a participação do ICMBio, INCRA e da FUNAI, nas quais haviam sido acordadas responsabilidades mútuas –, em reunião realizada na Procuradoria da República, em Teixeira de Freitas, em de julho de 2015, lideranças indígenas e representantes da FUNAI afirmaram que as negociações no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia Geral da União (CCAF/AGU) não pareciam surtir qualquer efeito conciliatório (MPF, 2015).
Essa situação, se confirmada, não apenas expõe dificuldades relativas ao diálogo interinstitucional, como também levanta a questão acerca da capacidade das instituições político-jurídicas para lidar com a pluralidade do Estado brasileiro na perspectiva étnica e cultural, conforme determina a Constituição Federal (MPF, 2016a). Afinal, a possibilidade de realizar a gestão compartilhada de áreas onde incidem terras indígenas e unidades de conservação, tais como parques e reservas, tem sido pensada como uma alternativa para o uso sustentável de territórios em sobreposição, bem como para a solução para os conflitos socioambientais.
As discordâncias das partes envolvidas e o consequente abandono das tratativas acordadas na Câmara de Conciliação e Arbitragem (CCAF/AGU) estão relacionados às sobreposições nas Terras Indígenas Comexatibá e Barra Velha (ISA, 2016a). As sobreposições em terras indígenas constitui uma questão dinâmica e complexa, sobretudo por tratar da questão territorial, que envolve, por sua vez, uma multiplicidade de manifestações e também de poderes incorporados através dos múltiplos agentes/sujeitos envolvidos (HAESBAERT, 2004).
Conforme mencionado anteriormente, os casos de unidades de conservação criadas em áreas de ocupação de populações nativas, como acontece com as Terras Indígenas Comexatibá e Barra Velha, representam um exemplo de sobreposição de diferentes valores, tradições e concepções, configurando o desafio socioambiental de mapear os conflitos e avançar na reflexão a respeito das sobreposições entre terras destinadas a diferentes usos, particularmente, unidades de conservação e terras indígenas (RICARDO; MACEDO, 2004). A questão é que no caso de populações indígenas esta situação não diz respeito apenas à sobreposição de diferentes valores, tradições e concepções; diz respeito, sobretudo, à sobrevivência física e cultural das populações indígenas. Como afirma Carlos Frederico Marés,
É evidente que a questão da territorialidade assume proporção da própria sobrevivência dos povos, um povo sem território, ou melhor sem o seu território, está ameaçado de perder suas referências culturais e, perdida a referência, deixa de ser povo (2012, p. 120, grifo nosso).
É importante compreender que o território – e a consequente conclusão dos procedimentos de demarcação – é fundamental para os demais direitos indígenas. Assegurar o acesso ao território significa manter vivos na memória e nas práticas sociais os sistemas de classificação e de manejo dos recursos, os sistemas produtivos, os modos tradicionais de distribuição e consumo da produção. O patrimônio indígena é composto pela terra em sua dimensão territorial e em seus usos de acordo com as normas e os costumes das sociedades indígenas. Os acidentes geográficos, os recursos naturais, os marcos míticos, os cemitérios, os sítios arqueológicos, além dos bens produzidos e dos manejos ambientais; as roças, as sementes, as técnicas de caça, coleta, pesca e de agricultura; as edificações tradicionais, assim como as atuais escolas, os postos de saúde, as artes, os artesanatos e outras manufaturas, todos estes itens compõem o patrimônio indígena (CIMI, 2015).
Não deixa de ser, portanto, as sobreposições em terras indígenas, uma situação reveladora do “contexto de extrema vulnerabilidade”, em que vivem os Pataxó, conforme descrito no Relatório da Terra Indígena Comexatibá (RCID, 2006, p. 9). Esta realidade não passou despercebida pela relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, em visita ao país, entre os dias 7 e 17 de março de 2016, para identificar e avaliar as principais questões atualmente enfrentadas pelos povos indígenas do país e acompanhar as recomendações apresentadas, em 2008, por seu antecessor James Anaya (ONUBR, 2016a).
Tauli-Corpuz destacou que o Brasil possui uma série de disposições constitucionais exemplares em relação aos direitos dos povos indígenas, e que no passado o país deixou patente sua liderança mundial no que se refere à demarcação dos territórios indígenas. Porém, observa a relatora, não houve avanços na solução de antigas questões de vital importância para os povos indígenas e para a implementação das recomendações do relator especial anterior. Ao invés, houve retrocessos extremamente preocupantes na proteção dos direitos dos povos indígenas, uma tendência que continuará a se agravar caso não sejam tomadas medidas decisivas por parte do governo para revertê-la (ONUBR, 2016a).
Dentre os assuntos mais importantes que enfrentam os povos indígenas aponta Tauli-Corpuz: a “Demarcação de terras” e o “Acesso à justiça”. Em relação à “Demarcação de terras”, afirma a urgente necessidade de concluir os processos de demarcação de terras, fundamental para todos os outros direitos. Reconhece, no entanto, que a atual estagnação dos processos de demarcação se deve a um conjunto de fatores que incluem: “a falta de vontade política para concluir os procedimentos de demarcação nos níveis ministerial e presidencial”, bem como “o pouco entendimento e apreço pelos modos de vidas diferenciados dos povos indígenas e a falta de treinamento em direitos humanos para autoridades do Executivo”, e também “a falta de reconhecimento da compatibilidade de terras indígenas e unidades de conservação e o papel que o respeito aos direitos territoriais indígenas tem para a conservação ambiental e para o desenvolvimento sustentável” (ONUBR, 2016b, p. 7-8).
Em relação ao “Acesso à justiça”, ressalta “o crescente uso pelo judiciário do mecanismo de suspensão de segurança – que permite certos direitos sejam suspendidos em favor de outros interesses”. Dessa forma, “Este mecanismo permite com que projetos prossigam mesmo que eles possam resultar em sérias violações de direitos dos povos indígenas e que o Estado não tenha cumprido com o seu dever de consultar para obter o consentimento livre, prévio e informado dos envolvidos”. Além disso, haveria também, uma dificuldade por parte de juízes e promotores em compreender a realidade dos povos indígenas, o que colocaria os índios em uma situação ainda mais difícil ao tentar reivindicar os seus direitos (ONUBR, 2016b, p. 8).
Ao final de sua visita ao país, Tauli-Corpuz manifestou assim as suas observações no Relatório sobre os direitos dos povos indígenas:
Os desafios enfrentados por muitos povos indígenas do Brasil são enormes. As origens desses desafios incluem desde a histórica discriminação profundamente enraizada de natureza estrutural, manifestada na atual negligência e negação dos direitos dos povos indígenas, até os desdobramentos mais recentes associados às mudanças no cenário político (ONUBR, 2016, p. 13).
Nas observações de Tauli-Corpuz, os desafios e os riscos enfrentados pelos povos indígenas estão mais presentes do que nunca desde a promulgação da Constituição de 1988. Parece evidente, portanto, que as suas observações não se dirigem apenas à situação indígena. Se por um lado houve avanços com o reconhecimento formal de direitos indígenas, por outro, não houve afirmação desses direitos, conforme previstos na Constituição. Existem situações, como a questão territorial, que comprovam as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas para conseguir a afirmação dos seus direitos.
Por considerar tais dificuldades as observações de Tauli-Corpuz são dirigidas aos Poderes da República Federativa do Brasil, sobretudo, Executivo e Judiciário. O Executivo, conforme aponta a própria relatora, pela “estagnação dos processos de demarcação”, que decorre de diversos fatores, dentre eles, a “falta de vontade política para concluir os procedimentos de demarcação nos níveis ministerial e presidencial”. E o Judiciário, dentre outras razões, por permitir o seu uso como “mecanismo de suspensão de segurança”. Mecanismo que não apenas permite a suspensão dos direitos indígenas em favor de outros interesses, como também causa sérias violações a estes direitos (ONUBR, 2016a, p. 7-8).
Não obstante as observações aos Poderes da República, não se pode desconsiderar a inexistência de uma política constitucional voltada para a materialização dos direitos indígenas, conforme previstos na Constituição. Uma política que compreenda os aspectos jurídicos, mas, também, históricos, geográficos, econômicos, políticos… Uma política que compreenda, enfim, que a “questão indígena” não diz respeito apenas aos “índios”; ela diz respeito, também, ao Estado, ao Direito e à sociedade brasileira.
Considerações finais
Em uma análise contextual da questão territorial indígena, a partir do estudo de caso da Terra Indígena Comexatibá, no Extremo Sul da Bahia, verificou-se que apesar das inovações trazidas pela Constituição brasileira de 1988, persistem, ainda, inúmeras situações que contrariam os parâmetros constitucionais e desafiando o próprio Estado Democrático de Direito. Particularmente no que diz respeito aos direitos territoriais indígenas, a sua efetivação tem sido dificultada pela morosidade do Poder Executivo na demarcação das terras indígenas, justificando, assim, a atuação do Ministério Público Federal, voltada para a demarcação das terras indígenas. No entanto, persiste, ainda, uma incompreensão acerca da natureza do território indígena.
É certo que a forma tradicional de ocupação espacial dos povos indígenas não pode ser mensurada pela noção capitalista de apropriação do espaço enquanto propriedade privada. Acontece que a atuação do Poder Judiciário tem sido marcadamente civilista, seja na interpretação do Direito, seja na ritualística processual, o que dificulta e, às vezes, impede a efetivação dos direitos indígenas previstos na Constituição Federal. A sucessão dessas dificuldades mais o contexto de tensões e conflitos, verificado nas diversas regiões do país, têm feito com que os povos indígenas vivam em um permanente contexto de vulnerabilidades. Como observou a relatora especial da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, os desafios enfrentados por muitos povos indígenas do Brasil são enormes e os riscos enfrentados pelos povos indígenas estão mais presentes do que nunca desde a promulgação da Constituição de 1988.
A análise da Terra Indígena Comexatibá, no Extremo Sul da Bahia, é representativa exatamente porque a sua inserção no contexto geral de tensões e conflitos que acontecem no país, relativa à questão territorial indígena, se dá ao mesmo tempo em que o enfrentamento dessa questão apresenta um contexto próprio, profundamente marcado pelo desenvolvimento regional desigual acompanhado de uma crescente degradação ambiental provocada pelo crescimento desordenado e pela falta de planejamento destinado à sua apropriação.
Evidentemente que todas essas questões se interpenetram, inclusive, no que diz respeito à questão territorial indígena, esvaziada em seu sentido quando colocada como uma questão de “disputa pela terra”. Colocada dessa forma a questão territorial indígena sofre, simultaneamente, uma perda e uma inversão do seu sentido. Uma porque não contextualiza o histórico de violências, e outra porque não se trata de qualquer terra, mas do seu território, e também não se trata de um direito qualquer, mas, de um direito originário relativo às terras tradicionalmente ocupadas, conforme previsto na Constituição. Uma questão aparentemente simples, mas, com consequências jurídicas muito sérias.
Analisando brevemente essas e outras questões relacionadas, conforme o percurso teórico traçado, foi mencionado, no primeiro momento, que a partir da Constituição de 1988 houve um movimento no sentido de reconhecimento e proteção jurídico-formal dos povos e comunidades tradicionais, cujo exemplo mais significativo deste processo de reconhecimento formal foi a promulgação da Convenção n° 169, da OIT sobre os Povos Indígenas e Tribais, de 2004 (ratificada pelo governo brasileiro por meio do Decreto Legislativo n° 143, de 2002), que reconheceu como “critério fundamental” os elementos de auto-identificação, reforçando a lógica de atuação dos movimentos sociais orientados, principalmente, por fatores étnicos e pelo advento de novas identidades coletivas.
Em seguida à contextualização acerca da situação dos povos indígenas no Brasil, verificou-se, no segundo momento, que a nossa história comum tem sido, na verdade, uma história de violências cometidas contra estes povos. Violências que perpassam o morticínio decorrente do contato com o europeu, a usurpação dos territórios, a ideologia integracionista e a eliminação como sujeitos históricos. Verificou-se, também, que as violências não deixaram de acontecer. Elas continuam acontecendo, mas, de outras formas, por exemplo, com a redução e a privação dos territórios indígenas, ameaçando a sobrevivência destes povos – cultural e, sobretudo, física.
No terceiro momento, em uma breve análise histórica, mencionou-se que política indigenista brasileira foi profundamente marcada pela dualidade entre uma política contraditória e oscilante e uma legislação inexistente ou ineficaz. Essa ambiguidade esteve presente em toda política indigenista e, inclusive, no Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973). Mas, mesmo com os avanços alcançados na abordagem da questão indígena, a função de tutela continuou sendo exercida pelo Estado reforçando a relação paternalista e intervencionista deste para com as sociedades indígenas, mantendo-as submissas e dependentes. É apenas com a democratização do Estado brasileiro e a promulgação da Constituição de 1988, que haverá um novo marco para as relações entre Estado, sociedade nacional e povos indígenas. Mas, conforme verificado, existem situações que têm dificultado sobremodo a afirmação dos direitos indígenas – como os direitos territoriais.
Por fim, no quarto e último momento, após a delimitação conceitual dos conflitos por terras, o foco se voltou para os conflitos socioambientais a partir da análise contextual da Terra Indígena Comexatibá, no Extremo Sul da Bahia. Conforme verificado, o contexto de desigualdade regional e degradação ambiental têm uma relação direta com os conflitos socioambientais na região. O próprio contexto de tensões e conflitos entre indígenas e não-indígenas, tem origens remotas e relacionadas à exploração extrativista, de monocultura e pecuária extensiva na região. Evidentemente que as desigualdades sociais e a degradação ambiental têm um impacto na vida das pessoas que vivem no meio urbano, mas, também, no meio rural, não somente por uma relação de interdependência e complementaridade, mas, sobretudo porque as novas configurações impostas pelas mudanças sócio-espaciais ocorridas nos últimos anos e, consequentemente, as diferentes relações que se estabeleceram nesse espaço, necessitam que as formas de representação dessa realidade sejam repensadas, e sejam capazes de revelar esse novo contexto.
A análise dessas breves questões sugere que a questão territorial indígena não deve ser pensada apenas a partir de um contexto nacional sem relacioná-lo a um contexto local/regional. O conhecimento desta realidade é fundamental para compreender a própria dinâmica dos conflitos socioambientais. Conforme analisado, há muito mais questões envolvidas em uma questão territorial indígena do que a simples “disputa pela terra”. Não há como pensar na questão territorial indígena sem pensar, por exemplo, nas violências cometidas contras as populações indígenas manifestadas das mais diversas formas, desde a ação de não-indígenas (como ameaças, perseguições e homicídios, mas, também, preconceito e discriminação) à omissão do poder público (na falta de vontade política para concluir os procedimentos de demarcação das terras, mas, também, na falta de assistência à saúde e à educação das crianças indígenas, dentre outras igualmente importantes).
Ainda resta muito a se fazer para a efetiva proteção dos povos indígenas. É preciso, no entanto, que se prossiga o esforço já iniciado de, mediante análises pontuais, aprofundar o conhecimento de situações históricas definidas, em que um conjunto de ideias específicas molda atuações políticas em favor de determinados interesses, principalmente econômicos. Que a breve análise destas questões possa, de alguma forma, contribuir para a discussão da questão indígena, considerando, sobretudo, o contexto em que vivem esses povos, sob teorias, legislações e decisões a respeito de uma realidade nada estática, mas, dinâmica, complexa e fugidia.
Notas
2 O Brasil foi o primeiro país da América Latina a reformar sua Constituição, em 1988, reconhecendo os povos indígenas como sujeitos de direitos individuais e coletivos. A partir daí, outros países do continente reformaram sua Constituição ou introduziram uma legislação relativa aos povos indígenas: Argentina em 1994; Bolívia em 2010; Colômbia em 1991; Equador em 2008; Guatemala em 1984; México em 2001; Nicarágua, Panamá, Paraguai e Peru em 1993 e Venezuela em 1999. Todos esses países realizaram reformas constitucionais que, pela primeira vez na história, reconheceram direitos aos povos indígenas.
3 A expressão é de Manuela Carneiro da Cunha (1992a, p. 22).
4 A respeito da expressão “descobrimento”, de uso comum para os movimentos realizados no fim da Idade Média e começos da Idade Moderna – quando se verifica o maior expansionismo assinalado na história –, Francisco Iglésias adverte que quando empregada em relação a continentes e países é um equívoco e deve ser evitada pela seguinte razão: “Só se descobre uma terra sem habitantes; se ela é ocupada por homens, não importa em que estágio cultural se encontrem, já existe e não é descoberta. Apenas se estabelece seu contato com outro povo. A expressão descobrimento implica em uma idéia imperialista, de encontro de algo não conhecido; visto por outro que proclama sua existência, incorporando-o ao seu domínio, passa a ser sua dependente” (1992, p. 23).
5 Os maias, por exemplo, civilização que se desenvolveu na região que corresponde ao que é hoje a península do Yucatán, no México, englobando os atuais Estados de Campeche, Tabasco, Chiapas, Iucatã e Quintana Roo; as terras baixas e altas da Guatemala; Belize; a porção ocidental de Honduras e El Salvador, reunindo territórios que pertencem à área denominada Mesoamérica, no período compreendido entre 800 a. C. a 1520 d. C., possuíam uma escrita muito elaborada – ainda por ser decifrada –, embora o seu uso se desse quase sempre em um contexto religioso. A respeito, ver: NAVARRO, Alexandre Guida. The mayan civilization: historiographic and archeological contextualization. História, v. 27, n.1, p. 347-378, 2008.
6 Atualmente a literatura voltada para a História do Direito brasileiro tem buscado atualizar o contexto evolutivo das nossas instituições e de suas particularidades histórico-políticas, simultaneamente à sobreposição do direito europeu às práticas costumeiras do direito nativo e informal encontrado nas comunidades indígenas no período colonial, não obstante o seu marco referencial continue sendo a colonização lusitana (WOLKMER, 2005).
7 A etno-história do contato é contada como uma iniciativa que parte dos índios. No mito, portanto, a opção foi oferecida aos índios, que não são vítimas de uma fatalidade, mas, agentes de seu destino. Talvez tivessem escolhido mal, mas, fica salva a dignidade de terem moldado a própria história. As sociedades indígenas não apenas pensaram o que lhes acontecia em seus próprios termos, como reconstruíram uma história do mundo em que elas pensavam e em que suas escolhas tinham consequências (CUNHA, 1992a).
8 Em 7 de novembro de 1831, o Governo Regencial do Império promulgou lei específica confirmando a proibição do tráfico, além de declarar a liberdade de todos os escravos africanos ilegalmente trazidos para o país a partir daquela data. A lei enquadrava os importadores de escravos no art. 179 do Código Criminal, de 1830, referente à redução de pessoas livres à escravidão, prevendo, ainda, multa de 200 mil réis por escravo ilegalmente importado, assim como o pagamento das despesas com a “reexportação para qualquer parte da África”. Além da punição aos traficantes, a lei previa em seu art. 5°, o pagamento de recompensa de 30 mil réis por cabeça apreendida a todo aquele que apresentasse às autoridades denúncia de desembarque de escravos ilegais no país. No entanto, o que se seguiu à promulgação da Lei de 7 de novembro de 1831, também conhecida como “Lei Feijó” (em alusão ao Ministro da Justiça, Diogo Antonio Feijó – 1831/1832), foi um completo desrespeito à legislação, não só por parte dos proprietários escravistas, como, também, do próprio Estado. A respeito, ver: LARA, Silvia Hunold; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (Orgs.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas: Editora Unicamp, 2006.
9 Conforme observado por Sérgio Buarque de Holanda, “No Brasil Colônia, o Direito, como ciência, existiu de mistura com o seu Direito Positivo e este, até 1808, foi tipicamente português”. De modo que “se há de procurar, em tal período, uma zona lindeira entre o Direito como lei ou norma positiva e o Direito como pesquisa doutrinal” (2003, p. 55, grifos nossos).
10 É somente na Constituição brasileira de 1934 que aparece, pela primeira vez, a proteção aos índios, então denominados “silvícolas” (art. 129. “Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”). A proteção aos “silvícolas” (bem como aos direitos sobre os territórios por eles habitados) foi mantida em todos os textos que seguiram (1937, 1946, 1967 e 1969), alcançando uma previsão mais ampla na Constituição de 1988.
11 O Código Civil anterior (Lei n° 3.071/1916) previa que “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil” (art. 2°). Mas, afirmava, no entanto, que algumas pessoas não têm a mesma capacidade de exercer seus direitos por serem “absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil” (art. 5°). A partir daí considerava “relativamente incapazes” para certos atos, dentre outros, “os silvícolas”, ou seja, os índios (art. 6°, inc. III). Esse dispositivo justificava a sua sujeição à tutela até a sua integração à civilização do país. O atual Código Civil (Lei n° 10.406/2002) manteve o mesmo entendimento do Código Civil anterior, advertindo, apenas, que “A capacidade dos índios será regulada por legislação especial” (art. 4°, par. único). A persistência legislativa do índio como sujeito incapaz – ainda que “relativamente” – pressupõe uma dificuldade de compreensão de que estes não são incapazes, mas, culturalmente diferenciados.
12 Para Deborah Duprat, “não se põe mais em dúvida em que o Estado Nacional é pluriétnico e multicultural, e que todo direito, em sua elaboração e aplicação, tem esse marco como referência impossível de se afastar” (2012, p. 228). Já para Alcida Rita Ramos, “Embora a Constituição de 1988 garanta aos indígenas o direito de permanecerem índios em termos culturais, sociais e territoriais, em nenhum momento ela explicitamente declara o país ser uma nação pluriétnica”. O que, aliás, “parece ser uma questão espinhosa para a elite jurídica brasileira” (2004, p. 172-173).
13 Não obstante a possibilidade de responsabilidade civil, administrativa e penal, de pessoas físicas e jurídicas, prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 225, §3°) e na Lei n° 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), em seus arts. 3° e 21.
14 É quando o conceito de sustentabilidade transcende o exercício analítico da realidade assumindo o discurso, uma realidade objetiva. “A sustentabilidade não pode ser derivada apenas de um melhor equilíbrio e harmonia com o meio ambiente natural. Suas raízes estão localizadas em um relacionamento interno à sociedade, de natureza econômica e equitativa” (RATTNER, 1999, p. 237).
15 Não se pode, contudo, desvincular a análise da desigualdade regional da falta de uma política nacional voltada para o desenvolvimento regional. Como salienta Mello e Silva, “A crise de planejamento federal relacionado com a questão regional coloca, em síntese, um grave problema que é o da ausência de uma perspectiva integrada em nível nacional que dê prioridade aos problemas regionais brasileiros […]” (2006, p. 63).
16 Que constitui o “processo de territorialização” (OLIVEIRA, 2004, p. 56), noção fundamental para a abordagem dos processos de ressignificação dos territórios indígenas (BAINES, 2014).
17 Muito embora a ideia de “imemorialidade” de ocupação indígena em determinada região, assim como a caracterização do modo de vida indígena através de seus vínculos com a “natureza”, sejam questionados como métodos de comprovação da ocupação indígena. Em primeiro lugar, porque seria negar o impacto da colonização sobre as populações indígenas, rechaçadas e refugiadas para áreas que não correspondem à sua localização histórica; e em segundo lugar, porque território não é apenas anterior a terra e terra não é somente uma parte do território (GALLOIS, 2004, grifos nossos).
18 Os estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Comexatibá foram realizados pelo Grupo Técnico (GT) em 2006, cuja versão preliminar do Relatório Circunstanciado de Identificação e Demarcação (RCID) entregue à FUNAI em 2007. No entanto, o procedimento administrativo foi paralisado por causa do Termo de Arbitragem n° 005/CCAF/CGU/AGU-VIW, da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF/AGU). Em vista da provável sobreposição do Parque Nacional de Desenvolvimento, a Terra Indígena Comexatibá e Projetos de Assentamento (PA) do INCRA, o procedimento de identificação e delimitação da Terra Indígena foi discutido pela Câmara de Conciliação e Arbitragem (CCAF/AGU), sendo retomado apenas em 2010 (RCID, 2006).
19 Particularmente nas unidades criadas após 1965, quando foi instituído o Código Florestal brasileiro (Lei n. 4.771), que definia Parque Nacional como uma unidade de proteção integral da fauna e da flora, passando a excluir a possibilidade legal da existência de populações humanas habitando em seu interior. Na década seguinte, em 1973, o Estatuto do Índio (Lei n. 6.001) determinava o seguinte: “Cabe aos índios ou silvícolas a posse permanente das terras que habitam e o direito de usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes” (art. 22). E ainda: “O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do art. 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República” (art. 25).
20 A Lei n° 9.985 de 18 de julho de 2000, regulamentou o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal de 1988, e instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). O SNUC é o conjunto de Unidades de Conservação (UC) federais, estaduais e municipais que tem dentre outros objetivos, contribuir para a conservação das variedades de espécies biológicas e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais; proteger as espécies ameaçadas de extinção e recuperar ou restaurar ecossistemas degradados (BRASIL, 2011).
21 Os casos extraordinários, por exemplo, de conflito interno irreversível, de impactos de grandes empreendimentos ou de impossibilidade técnica de reconhecimento de terra de ocupação tradicional, a FUNAI promoverá o reconhecimento do direito territorial das comunidades indígenas na modalidade de Reserva Indígena (RI), conforme o disposto no art. 26 da Lei n° 6.001/73 (Estatuto do Índio), em parceria com os órgãos agrários dos Estados e Governo Federal. Nesta modalidade, a União pode promover a compra direta, a desapropriação ou recebe em doação o(s) imóvel(is) que serão destinados para a constituição da Reserva Indígena (FUNAI, 2016d).
22 Dentre as inúmeras ações de reintegração de posse ajuizadas na Subseção Judiciária de Teixeira de Freitas, Bahia, que possuem como objeto imóveis situados na Terra Indígena Comexatibá, estão as seguintes: ação n° 3903-42.2014.4.01.3313; ação n° 3904-27.2014.401.3313; ação n° 3906-94.2014.4.01.3313; ação n° 3908-64.2014.4.01.3313; ação n° 4491.49.2014.401.3313; ação n° 3211-77.2013.4.01.3313; ação n° 2784-80.2013.4.013313; ação n° 1546-55.2015.4.01.3313 e ação n° 1547-0.2015.4.01.3313 (BRASIL, 2015).
23 A Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) foi instituído pelo Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 2007, posteriormente alterado pelo Ato Regimental n° 2, datados, respectivamente, de 9 de abril de 2009. Sua estrutura está definida pelo Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010, que teve a sua redação alterada pelo Decreto nº 7.526, de 15 de julho de 2011. A CCAF foi criada com a intenção de prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolviam a União, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas federais, mas, posteriormente, o seu objeto foi ampliado e hoje, resolve controvérsias entre entes da Administração Pública Federal e entre estes e a Administração Pública dos Estados, Distrito Federal e Municípios (CCAF/AGU, 2014).
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[1] Graduado e mestre em Direito e doutorando em Sociologia. Pesquisador do Centro de Investigação e Estudos em Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES -IUL). E-mail: [email protected]