Movimentos Sociais Em Rede E Globalização: Apontamentos Acerca Dos Paradigmas Clássicos E Contemporâneos

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Nome do Autor: Marco Curi Prais – Mestre em Direito pela FDSM – Faculdade de Direito do Sul de Minas. Professor e pesquisador. Email: [email protected]

Nome do Autor: Jefferson Prado Sifuentes – Mestre em direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM); Advogado e Professor. Membro acadêmico efetivo da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC); E-mail: [email protected]

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo central tratar de algumas das mais importantes teorias a respeito dos movimentos sociais, assunto que ocupa importante posição no debate acadêmico. Para isso, objetiva-se traçar semelhanças e também diferenças entre os paradigmas selecionados por este estudo para o desenvolvimento da presente abordagem. Neste percurso intelectual que busca o aprofundamento deste assunto, é certo que várias – e importantes – questões vem à tona, como por exemplo a busca por respostas acerca das formas pelos quais os movimentos sociais atualmente se articulam, bem como as maneiras pelas quais se relacionam com as instituições, com os governos, com os Estados. Como fator adicional, é possível ressaltar o cenário de intensas transformações que ocorrem em razão da globalização, uma vez que no bojo deste movimento globalizante os Estados-nações perderam (e tem perdido) importância, por exemplo, como agentes reguladores de fronteiras nacionais. Diante deste complexo panorama, buscamos tratar deste deslocamento de interesse em direção aos movimentos sociais, objeto do presente artigo.

Palavras-chave: Teorias. Movimentos sociais. Globalização.

 

Abstract: The present work has the main objective address some of the most important theories about social movements, an issue that occupies an important position in the academic debate. For this plot we seek similarities and differences between paradigms also selected for this study for the development of this approach. This intellectual journey that seeks the deepening of this subject, it is certain that many – and important – issues comes to the fore, such as the search for answers about the ways in which social movements today are linked as well as the ways in which they relate to the institutions, with governments, with the States. As an additional factor, it is possible to highlight the scenario of intense transformations that occur due to globalization, since in the midst of this globalizing movement, nation-states have lost (and have lost) importance, for example, as national border regulators. Given this complex panorama, we seek to address this shift of interest toward social movements, the object of this article.

Keywords: Theories; social movements; globalization.

 

Sumário: Introdução. 1. Movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 2. Movimentos sociais em rede e globalização: de como os movimentos atualmente se conectam e interagem. 3. Movimentos sociais e instituições. 4. Conclusão. Referencias.

 

Introdução

Abordar o assunto movimentos sociais não é tarefa das mais simples, por várias razões. Como ponto de partida para esta reflexão é possível chamar a atenção para o fato de haver uma inegável dificuldade doutrinária com relação à adequada conceituação daquilo que se denomina de movimentos sociais. Talvez como consequência da dificuldade retrocitada, uma série de teorias – que de fato se multiplicaram – tratam de maneira indiscriminada as mais variadas ações coletivas como sendo movimentos sociais propriamente ditos, sem operarem a devida diferenciação.
Desta situação, resulta a não ocorrência de um conceito universal a respeito do que seja um movimento social – mas sim da existência de vários conceitos, a depender, evidentemente, da corrente a que o estudioso decidir se filiar. No campo teórico, observa-se que desde os anos 1960 as atenções voltaram-se para a análise dos movimentos sociais, ampliando de maneira significativa seu espaço na academia.
Certo é que os movimentos sociais se apresentam atualmente como objetos de estudo permanente, devido ao seu grau de importância nas sociedades. Neste sentido, a análise destes fenômenos passa, necessariamente, pelo estudo das teorias que os dão sustentação. Para efeito deste artigo, diante da impossibilidade de desenvolvimento das várias (e importantes) teorias existentes – tendo em vista a evidente limitação de espaço – trabalhar-se-á com apenas 03 (três) teorias, cada uma delas filiada a um paradigma distinto, o que equivale dizer que cada uma das teorias que serão abordadas representam um paradigma diferente, que possui bases próprias.
Não obstante, com as notáveis transformações do mundo, cresceu de maneira substancial a necessidade de estudar e aprofundar não somente com relação aos importantes movimentos sociais de outrora, mas também no que diz respeito aos movimentos recentes. Tais ações coletivas, no mundo atual, muitas vezes se manifestam com o suporte da internet e das redes sociais, eis que concebidos exatamente no que denominamos de era da internet.
Neste cenário, a globalização (econômica, financeira, da informação) ingressa como importante fator provocador de relevantes mudanças na estrutura das instituições, com reflexos nos direitos dos trabalhadores, além de impactar também no importante crescimento no que diz respeito ao mercado informal de trabalho, bem como em relação à questão das fronteiras nacionais, alterando sobremaneira os padrões de migração internacional, causando, desta forma sérias reações nas nações receptoras.
Isto posto, o presente trabalho procura articular as questões expostas, de maneira a estabelecer as necessárias conexões entre estes importantes pontos, através de pesquisa bibliográfica, apoiando-se em marcos teóricos sólidos, o que de fato traz importante auxílio nesta difícil empreitada de enfrentar os desafios que são postos nesta quadra da história.

 

1. MOVIMENTOS SOCIAIS: PARADIGMAS CLÁSSICOS E CONTEMPORÂNEOS

Segundo Gohn , não há uma conceituação geral, única e universal para os movimentos sociais, simplesmente em razão de que esta conceituação varia de acordo com o paradigma adotado. No entanto, é certo que cresce o grau de interesse com relação aos movimentos sociais, em razão de os mesmos se apresentarem como fenômenos históricos concretos.
Tendo em vista a realização por este trabalho da análise de paradigmas distintos (europeus, norte-americano, latino-americano), nada melhor – e mais oportuno – do que recorrer à Kuhn , que ressaltando o caráter circular que um paradigma apresenta, traz a seguinte definição: “Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade cientifica consiste era homens que partilham um paradigma”.
A primeira das teorias (clássicas) objeto de análise traz uma abordagem sociopolítica, e a análise se dá através de Rudolf Heberle , um dos representantes do denominado paradigma norte-americano. Para adequado entendimento da referida abordagem, cabe consignar, inicialmente, que o trabalho enfoca a questão das classes sociais e das relações sociais de produção, pontos cruciais para a compreensão do paradigma das lutas sociais. Certo é que essa importante teoria investiga comportamentos coletivos classificados como político-partidários. Para o autor, os movimentos sociais apresentam-se como verdadeiros sintomas de descontentamento das pessoas com relação ao status quo, possuindo, como objetivos principais, a promoção da mudança do atual estado de coisas. Por essa razão, submetidos a determinadas condições, os movimentos sociais passam a representar uma verdadeira ameaça à este mesmo estado de coisas referido. Observa-se, então, que a referida teoria não apresenta qualquer inovação no que diz respeito especificamente às causas dos movimentos sociais, uma vez partiriam da insatisfação dos indivíduos em relação à ordem social, aos valores e normas vigentes. O que há, em verdade, é uma espécie de “acordo” sobre valores e normas, genuína essência do senso de comunidade ou da solidariedade social. Isso porque, segundo o mencionado autor, mesmo as entidades que baseiam sua existência por mero utilitarismo, não se mantém sem que haja um mínimo senso comunitário entre seus membros, eis que o senso de comunidade seria, para ele, verdadeiro fundamento de uma ordem social.
No que diz respeito especificamente a este senso de comunidade, o autor o utiliza com o objetivo de analisar o comportamento de líderes e de movimentos sócio-políticos. Ressalte-se, que neste momento, o autor possui originalidade , ao tratar desta dimensão política dos movimentos sociais. Isso porque, o autor amplia – de maneira importante – o rol das ações coletivas classificadas como movimentos sociais, o que o faz incluir nesta listagem lutas de negros e de camponeses por exemplo. Outra característica a ser destacada desta teoria é que a mesma distingue os movimentos sociais dos políticos, de acordo com seus objetivos.
Adicionalmente, Heberle chama a atenção para a existência de uma espécie de dupla função que é exercida pelos movimentos sociais, a saber: por um lado eles influenciam na formação da vontade política de grupos na sociedade e por outro lado cumprem o papel de auxiliar no processo de socialização, recrutamento e treinamento das elites políticas.
Já a segunda teoria objeto de análise faz parte de um dos paradigmas europeus, e trata dos novos movimentos sociais, traz uma abordagem denominada acionalista (acionalismo dos atores coletivos), análise que se dá através de Alain Touraine , um dos representantes da corrente francesa. Para o autor, toda ação apresenta-se como resposta a um estímulo social, enfatizando, desta maneira, o comportamento social, o que equivale dizer: a ênfase está na conduta dos grupos e dos indivíduos, em termos de integração/conflito. Para uma correta compreensão da referida abordagem, cabe consignar a relevância que o autor confere aos sujeitos da história (atores), que por sua vez são dotados de dinamismo, produtores de reivindicações e de demandas. O dinamismo retro citado é visualizado levando-se em consideração as questões culturais envolvidas, os confrontos de valores. Certo é que o autor enfatiza o papel exercido pelos indivíduos (e não pelas classes sociais), distanciando-se, desta maneira, do denominado marxismo ortodoxo. Fato importante a ser ressaltado é que para o autor, não deveria haver preocupação com a intencionalidade dos indivíduos (atores), ou seja, as razões que os levam a participar em ações coletivas, em clara oposição, desta forma, ao paradigma norte-americano . Para ele, o mais importante é compreender a dinâmica de um processo social em que há a presença de um determinado movimento social. Para ele, os movimentos sociais são ações coletivas desenvolvidas através de lutas ao redor do potencial institucional de um modelo cultural, em uma sociedade . Desta maneira, os conflitos entre os indivíduos (atores) devem ser compreendidos em termos normativos e culturais. Ponto fundamental a ser ressaltado é o posicionamento do autor em relação à sociedade civil, que se apresenta como um espaço de lutas, processos políticos e disputas, verdadeiro espaço de identidades, de criação de normas, relações sociais de resistência e dominação, dotado de uma importante capacidade de autorreflexão.
A terceira e última abordagem do presente trabalho diz respeito ao denominado paradigma latino-americano, e trata, logicamente, dos movimentos sociais na América Latina. É possível afirmar que tal paradigma não é propriamente teórico, uma vez que traz, em verdade, um rol de lutas e movimentos sociais na realidade concreta . O certo é que, em se tratando de América Latina, o Brasil concentrou grande parte dos movimentos sociais nas últimas três décadas, fato que pode ser explicado tendo em vista a sua extensão territorial, numerosa população (se comparada como os demais países latino-americanos) e devido ao grau de desenvolvimento de sua indústria . O se faz através de Gohn , cujo objetivo inicial foi estabelecer parâmetros mínimos para a realização de uma conceituação teórica, a partir de uma reflexão construída através de bases que emergem de manifestações concretas dos próprios movimentos, tidos como processos culturais e sociopolíticos da sociedade civil, em um universo de forças advindas da sociedade (e que estão em conflito). Para isso, a autora adota como ponto de partida o estabelecimento de diferenças. Como ponto de partida, cabe apresentar a diferenciação entre movimento e grupo de interesse. Os grupos de interesse, que praticam o famoso lobby, desta forma, definido por Bobbio como sendo “o processo por meio do qual os representantes de grupos de interesses, agindo como intermediários, levam ao conhecimento dos legisladores ou dos decision-makers os desejos de seus grupos” se difere, desta maneira, dos movimentos sociais. Isso porque, conforme nos explica Gohn , interesses comuns de um grupo apresentam-se apenas como um dos componentes que compõe um movimento social, uma vez que o referido grupo deve ser constituído enquanto um coletivo social, portando uma identidade comum: serem negros, mulheres, portadores de deficiências, defensores do meio ambiente, são as várias características que podem qualificar os componentes do grupo, dando a eles objetivos comuns para a ação. Tal fato permite concluir pela necessidade de existência de uma realidade comum, anterior, portanto, à aglutinação de seus interesses. Segundo a autora, uma segunda diferença diz respeito ao uso da expressão: considera-se movimento social a ação histórica de grupos sociais, como por exemplo, o movimento da classe trabalhadora. Para ela, é a ação da classe em movimento e não um movimento específico da classe. A terceira diferenciação que precisa ser feita é entre modos de ação coletiva e movimento social propriamente dito, uma vez que protestos, quebra-quebras, rebeliões, invasões, apresentam-se em verdade como modos de estruturação de ações coletivas que por si só, não podem ser considerados como movimentos sociais. Já a quarta diferenciação diz respeito especificamente ao locus da ação coletiva: nos referimos à atuação em um espaço não institucionalizado (seja público ou privado), portanto fora da esfera estabelecida pelas instituições. Dito tudo isto, conclui-se que os movimentos sociais passam não mais ser encarados como desta maneira a partir do momento em que se institucionalizam. Como exemplo de institucionalização, podemos citar o caso de um movimento que se transforma em uma ONG, muito embora possa continuar a fazer parte de um movimento mais amplo. Tendo em vista todas as considerações até o momento feitas, é possível concluir, em linhas gerais, que os movimentos sociais referem-se à ação dos homens na história, que envolvem um fazer – através de um conjunto de procedimentos e envolvem também um pensar – através de um conjunto de ideias que fundamenta as ações.
Teremos, então, duas concepções acerca do que sejam os movimentos sociais: uma específica, em que os mesmos são concebidos em sua concretude, temporais, localizados em um espaço determinado; já a segunda acepção é a ampla, que independente do paradigma teórico adotado, refere-se, essencialmente às lutas sociais do ser humano, que por meio destes movimentos defende interesses de minorias ou da coletividade.

 

2. MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE E GLOBALIZAÇÃO: DE COMO OS MOVIMENTOS ATUALMENTE SE CONECTAM E INTERAGEM

Para a realização de uma análise realística acerca do momento atual, é fundamental levar em consideração as transformações pelas quais passam o mundo do trabalho e as sociedades. No entendimento de Gohn , as mudanças na própria natureza dos conflitos sociais – anteriormente guiados pelos interesses antagônicos entre trabalhadores e burguesia, tendo no processo de trabalho o locus em que as relações entre estas duas categorias ocorriam – alteraram-se em razão da era da globalização. Houve, desta forma, uma perda da importância do processo de produção, sendo fundamental atentarmos para a importância exercida pelas comunicações, bem como para as transformações do mundo do consumo. Tais transformações tem levado ao crescimento do individualismo, com os cidadãos mais centrados em si próprios, tendo por consequência reflexos nas demandas, não mais organizadas em torno de um princípio central.
Tendo em vista o fenômeno da globalização, é preciso revisitar os conceitos existentes acerca do movimento social, dado às mudanças e impactos da globalização na territorialidade e soberania das nações, considerando, ainda, fatores como a crise e o declínio das instituições.
Na visão de O`donnell , não se pode olvidar que os inúmeros aspectos da globalização, seja ela econômica, financeira ou informativa, provocam mudanças relevantes na estrutura institucional, bem como em relação ao alcance de metas das políticas estatais, sendo também, um dos seus reflexos os padrões de migração internacional que causam preocupações e reações chauvinistas nas nações receptoras.
Levando em consideração o cenário descrito, abordar as transformações ocorridas no mundo é tratar, também, dos movimentos sociais recentes, concebidos na era da internet. O sociólogo espanhol Manuel Castells examinou à miúde tal fenômeno, tratando da comunicação no mundo globalizado, através de uma profunda análise das relações entre políticas e novas mídias. Em seus estudos, o autor aborda movimentos que ocorrem com o decisivo apoio da internet e das redes sociais. É o que o autor denomina “sociedade em rede”, em que os indivíduos estão conectados, interagindo e buscando mudanças na sociedade atual, globalizada.
Inicialmente, ao estudar estes movimentos sociais em rede, é possível identificar neles características específicas, que são importantes para a correta compreensão destes fenômenos, que se apresentam e ganham força no momento atual das sociedades. A primeira das características que merece destaque se refere ao fato de que as ações destes movimentos normalmente são voltadas para a mudança dos valores da sociedade (através, principalmente do estímulo ao debate das questões); além disso, são simultaneamente locais e globais; em termos de gênese, são amplamente espontâneos na origem, normalmente desencadeados por uma centelha de indignação; são também, estes movimentos, virais, pois seguem a lógica própria da internet; outro ponto em comum é que a horizontalidade das redes favorece a cooperação e a solidariedade e finalmente, não se cansam de apontar as inúmeras falhas existentes nas instituições.
É possível citar recentes e significativos exemplos de movimentos sociais na era da internet. O movimento estadunidense denominado Occupy Wall Street, por exemplo, iniciado em 13 de julho de 2011, questiona, de maneira veemente, o sistema capitalista. Em termos de liderança, afirmava em seu site oficial não possuir um líder. O único ponto em comum entre os manifestantes, diz o site, é que eles fazem parte dos 99% de pessoas da população americana que “não irá tolerar a corrupção e a ganância dos 1%”mais ricos. Em relação aos protestos, os primeiros começaram em Nova York e alcançaram cidades como Washington, Boston e São Francisco. Os manifestantes saíam em passeata pelo distrito financeiro de Nova York em direção à bolsa de valores para protestar no coração do capitalismo norte-americano contra a desigualdade econômica. Aos gritos de “Nós somos os 99 por cento” – uma referência à afirmação de que o sistema político dos EUA beneficia só o 1 por cento de mais ricos – e carregando cartazes onde se lia “Nós, o povo”, os manifestantes lotaram uma rua, poucos quarteirões distantes da bolsa de valores, parando o tráfego. Como era esperado, a polícia reprimiu – algumas vezes desnecessária e violentamente – o movimento e várias pessoas foram presas. Já a denominada Primavera Árabe, entendida como uma série de protestos e manifestações, que ocorreram no chamado “mundo árabe”, onde multidões se reuniram e se insurgiram contra os desmandos dos detentores do poder político, possui em comum com o movimento estadunidense, dentre outros pontos, o fato de que os protestos se organizaram e compartilharam seus conteúdos através do uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e Youtube.
Este novo perfil dos movimentos – ligados em rede – remete o estudo, inevitavelmente, à realização de inúmeras reflexões acerca desta importante transformação na maneira de interação entre os indivíduos. Evidentemente, esses movimentos não surgem “do nada”. É preciso analisar as suas causas e para isso, buscar verificar o contexto em que estão inseridos.
Especificamente no caso americano, muito bem delineado por Castells , uma série de questões contribuíram para sua eclosão: primeiramente o mercado imobiliário naufragou, pessoas perderam suas casas, empregos foram cortados e o sistema financeiro chegou à beira do colapso, em consequência da especulação e da ganância de seus administradores, que foram socorridos com o dinheiro dos contribuintes. Ante este cenário, e como resultado da indignação popular, a sua primeira expressão desembocou na ascensão do Tea party (movimento social e político ligado à direita), mobilizando indignados com o governo em geral e com Obama. No entanto, bancado pela indústria e apropriado pelo Partido Republicano, o referido movimento perdeu poder de atração. Logo após, veio a “centelha”, materializada pela criação, no dia 13 de julho de 2011, pela Adbusters (organização sem fins lucrativos, anticonsumista, fundada em 1989 em Vancouver, Canadá) da hashtag #occupywallstreet, que convocou a população a literalmente ocupar wall street, o que, de fato, foi feito.

 

3. MOVIMENTOS SOCIAIS E INSTITUIÇÕES

Ao tratar a respeito de movimentos sociais, uma das possibilidades é concebê-los como verdadeiras representações gerais da vida – e não como uma espécie particular de fenômeno social – conforme defendido por Touraine .
No que diz respeito à questão institucional, muito bem-vinda é a análise feita por Castells , que afirma haver uma espécie de consenso na sociedade de que a mudança deveria acontecer via instituições políticas, seja através de reforma ou até mesmo por meio de revolução. No entanto, tal fato apresenta-se como extremamente problemático no momento em que se dedica a estudar os movimentos sociais, uma vez que na maioria dos casos, tais ações coletivas não demonstram crença nas atuais instituições políticas.
Há, inclusive, por parte dos movimentos, inegável recusa de participação nos canais de representação disponíveis. Adicionalmente, associa-se a esta situação uma forte negação da legitimidade da classe política, através da denúncia de sua subserviência às elites financeiras. Isso se deve ao fato de que tais movimentos imaginam que uma verdadeira mudança só poderia ocorrer fora do sistema, mediante a transformação das relações de poder, mudança esta que começaria preponderantemente dentro da mente das pessoas, como é o caso por exemplo do movimento estadunidense já tratado, denominado Occupy Wall Street, iniciado em 13 de julho de 2011.
Segundo Castells , uma das características dessa sociedade em rede configura-se como a aplicação pelos movimentos do conceito de autonomia, tida como a capacidade de um ator social tornar-se sujeito ao definir sua ação em torno de projetos independentemente das instituições da sociedade, segundo seus próprios valores e interesses, tendo em vista exatamente por não confiarem nas instituições atuais. Nesse sentido, a ocorrência de mudanças dependeria basicamente da permeabilidade das instituições às demandas do movimento, sendo esta a maneira de uma reforma política, por exemplo, se materializar.
Há, de fato, uma profunda desconfiança nas Instituições, existindo, em verdade a formação de uma difícil relação entre os movimentos e as instituições políticas constituídas.
Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas , corrobora que as instituições políticas (Partidos Políticos, Congresso Nacional e Governo Federal) apresentam a maior descrença popular, quando comparadas a outras instituições, tais como Forças Armadas, Poder Judiciário, Ministério Público e Emissoras de Televisão.
Fato é, que uma das possíveis – e talvez realistas – conclusões a respeito de todo este panorama aponta no sentido de que esses movimentos – por todo o exposto – possuem influência limitada no que tange à entrega de objetivos imediatos, tendo em vista que o objetivo principal é a formação da consciência dos cidadãos e não a concretização referida.
Diante do exposto, entre as variadas e possíveis críticas que podem ser direcionadas à forma de organização e desenvolvimento dos movimentos sociais abordados pelo texto, destacam-se as que se direcionam à maneira de relacionamento entre esses movimentos e as instituições. Isso porque, se por um lado, nos deparamos com inúmeros fatos que comprovam a desmedida influência do dinheiro na tomada de decisões políticas que influenciam a vida de toda a coletividade – o que torna de certa maneira até compreensível a descrença e até mesmo a negação das instituições políticas por parte dos movimentos – de outro lado, é possível enxergar claramente uma espécie de contradição interna nos referidos movimentos.
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que negam participar dos canais participativos disponíveis, os movimentos celebram sempre que as suas demandas são absorvidas/atendidas pelo sistema , o que mostra uma faceta contraditória, tendo em vista que os resultados esperados pelos movimentos são as absorções das demandas por um sistema por eles questionado e combatido. Alternativa a este cenário seria o engajamento político dos movimentos sociais, pelos meios institucionais disponíveis, com vistas a aperfeiçoar (e não simplesmente negar e combater) o sistema.

4. CONSTITUIÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS

É cediço que a Constituição da República de 1988 fincou as raízes democráticas no Brasil, abrindo espaço para a pluralidade de ideias e manifestações, o que, certamente, tende a vangloriar a coletividade de forma abstrata.
Já no preâmbulo da Carta Constitucional, há a indubitável garantia que o Estado brasileiro destina-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e desenvolver uma sociedade pluralista.
Percebe-se, então, um abandono textual do egoísmo particular outrora registrado. A Constituição da República se dedica a tutelar direitos individuais e coletivos. Mesmo direitos intrinsecamente individuais devem ser interpretados à luz dos princípios e diretrizes constitucionais, como, por exemplo, o direito a propriedade, só se estabelece se atender à função social. Não mais se admite, na guarida constitucional, direitos estritamente individuais, interpretados de forma isolada, limitada ao ego de seu titular.
Da análise da Constituição nota-se, portanto, uma aproximação com o social, garantia e representatividade à coletividade, com o fito de valorizar o status de democracia.
Pela Constituição, o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes, o que consagra no Brasil a democracia representativa. Diferentemente da clássica Atenas antiga, onde as decisões sobre o futuro da polis eram tomadas de forma direta, no Brasil – até mesmo, pelo tamanho da população, gigantismo espaço territorial e tempos hodiernos – as decisões são tomadas por representação, mas em nome do povo e para este.
Em que pese a existente democracia representativa, que se esforça para ser bastante heterogênea, haja vista o próprio pluralismo partidário, mister reconhecer que numa democracia do tamanho da brasileira, somente a atuação representativa não é capaz de suprir todos os anseios populares. Assim, não se pode omitir os movimentos sociais como parte importante do papel democrático, mas agora, com notórios ares de participação.
Luis Dulci, apud Rocha (p. 145 ) frisa que “a governabilidade parlamentar é fundamental, mas, para realmente mudar o Brasil, é preciso ampliar o próprio conceito de governabilidade”. De fato, não há como tocar todas as decisões político-administrativas de uma nação com mais de 200 milhões de habitantes somente com atuação popular direta. Imprescindível a representação.
Para aumentar a governabilidade, importante a atuação popular, através de movimentos sociais para atribuir à democracia um valor cada vez mais potencial.
A Carta Constitucional tutela o direito de reunião para fins pacíficos em locais públicos sem necessidade de prévia autorização e, garante, ainda, a liberdade de manifestação e de expressão, todos expressos no artigo quinto da Constituição.
Todos estes são importantes para destoar o pensamento e buscar atingir a plenitude democrática. Na democracia, manifestam-se as divergências. A pluralidade de opiniões gera o dissenso e nesta dialética a democracia vai sendo construída (se construindo) . Daí, importante, ouvir as divergências e pautas.
Assim, os movimentos sociais têm o condão de atingir mais camadas populacionais ora não satisfatoriamente representadas, contribuindo para a heterogeneidade, que associa à democracia.
Ademais, a Constituição incentiva a participação popular, por meio, por exemplo de audiências públicas. Ainda, na discussão e implantação de políticas públicas, destaca-se a presença popular. Os avanços constitucionais no desenho das políticas sociais criaram espaços concretos de participação da sociedade no planejamento e na execução de políticas por meio de conselhos municipais, estaduais e federais .
Ainda, não se pode esquecer das formas ativas de participação popular, como plebiscito e referendo que, sob conceituação da Lei nº. 9.709/98, são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
Inegável a relevância popular atingida no atual ordenamento jurídico, com poderes para aprovar, denegar, ratificar ou rejeitar “matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa”.
Ao povo também é possível apresentar lei de iniciativa popular, positivada pela lei 9.709/98, ou ainda, propor ação popular para “pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estado” e órgãos da administração indireta.
Além do mais, cumpre registrar que confederação sindical e entidades de classe de âmbito nacional – grupos de representação – possuem legitimidade para propor ações do controle de abstrato de constitucionalidade, à luz do artigo 103, IX da Constituição da República.
Percebe-se, então, uma enorme gama de instrumentos constitucionais à disposição da população. Todos estes exemplos e trechos constitucionais trazidos reforçam a atuação dos movimentos sociais como forma de vangloriar o Estado democrático. Ora, se pode o povo decidir sobre questões de acentuada relevância constitucional, ou mesmo, buscar a inconstitucionalidade de leis, deve ter voz presente no ordenamento jurídico.

 

CONCLUSÃO

Conforme explicitado no presente estudo, não há uma conceituação geral, única e universal capaz de caracterizar um movimento social, razão pela qual o conceito varia, a depender do paradigma adotado pelo pesquisador. Não obstante, alguns aspectos em relação à esse assunto podem ser ressaltados. Um deles, que no decorrer deste estudo passou a “saltar aos olhos”, se relaciona às formas, ou seja, às maneiras pelas quais os movimentos sociais se se relacionam com as instituições, com os governos, com os Estados.
E é exatamente em atenção à este aspecto que o presente trabalho mira suas conclusões: para a questão institucional. A perspectiva adotada, portanto, está alicerçada no modo de comunicação dos movimentos sociais com as instituições. Quando se fala no estabelecimento dessa comunicação, passa a ser possível adentrar no terreno de uma “elaboração conjunta de respostas” aos problemas da comunidade.
Em ares de conclusão, se torna necessário estabelecer uma real aproximação entre a população, suas necessidades, e o Estado Democrático. Trazer a voz e os anseios do povo, titular do poder, para dentro do Estado, de modo a influenciar ou, no mínimo inspirar as mais importantes decisões, com o objetivo de alavancar o conceito, às vezes utópico, de um pleno Estado Democrático.
É certo que, no caso brasileiro, já existam alguns instrumentos, previstos na Constituição da República, que oportunizam a participação da população na tomada de decisões. Podemos, para isso, citar o plebiscito, o referendo e a Lei de iniciativa popular, que, embora pouco utilizados, se apresentam como ferramentas aptas a aumentar o nível de participação da sociedade no processo decisório.
Embora seja forçoso reconhecer que vivemos em uma cultura de consumismo e individualismo crescentes, o desejado aumento no nível de engajamento dos cidadãos em relação aos problemas da coletividade acarretaria no próprio aprimoramento do funcionamento das instituições, sobretudo em termos de legitimidade democrática. Mesmo em uma democracia representativa, a participação popular se apresenta como fundamental.
A partir desta perspectiva, o voto não é, e não pode ser considerado como uma transferência absoluta de poder aos representantes eleitos, de modo a subtrair do povo a capacidade de exercício cotidiano da cidadania. Nesse sentido, os movimentos sociais, constitucionalmente organizados, possuem em um regime democrático inegável peso, não sendo possível, em absoluto, deixá-los de lado.

 

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ROCHA, Enid. A Constituição Cidadã e a institucionalização dos espaços de participação social: avanços e desafios. In: 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ: AVALIAÇÃO E DESAFIO DA SEGURIDADE SOCIAL. P. 131 – 148. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/participacao/outras_pesquisas/a%20constituio%20cidad%20e%20a%20institucionalizao%20dos%20espaos%20de%20participao%20social.pdf. Acesso: jan. 2021.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38º edição. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2014.

 

 

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