Trabalho, labor e ação: a Vita Activa no Brasil do século XXI sob a óptica de Hannah Arendt

Nome do autor: Antonio José Cacheado Loureiro. Professor de Direito da Universidade do Estado Amazonas. Mestrando em Direito Ambiental (Universidade do Estado do Amazonas). [email protected]

 

Resumo: O artigo tem por objeto analisar a sociedade brasileira no século XXI, sob a ótica da filósofa Hannah Arendt e sua obra A Condição Humana. Além disso, o artigo busca expor conceitos fundamentais apresentados pela autora, tais como labor, trabalho e ação e a sua aplicação na construção e desenvolvimento do estado Brasileiro contemporâneo, bem como aprofunda aspectos referentes às consequências decorrentes da inobservância da teoria de Arendt. Vale ainda ressaltar que o artigo propõe soluções para evitar ou minimizar os problemas advindos da modernidade de acordo com cada uma das atividades componentes da vita activa.

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Palavras-chave: Hannah Arendt; Condição Humana; Brasil; Século XXI.

Abstract: This paper has as its object the analysis of Brazilian society on the 21th century, under the optic of the philosopher Hannah Arendt and her work The Human Condition. Although, this paper tries to expose fundamental concepts introduced by the authoress, such as labor, work and action and the application in the construction an development of the contemporaneous Brazilian State, as well as deeply focus on aspects linked to the consequences that result from the inobservancy of Arendts’s theory. It is worth mentioning that this paper proposes solutions to avoid or minimize problems that come from the modernity observing each one of the vita active activities.

Keywords: Hannah Arendt; Human Condition; Brazil; 21th Century.

Sumário: Introdução. 1. Vita Activa. 1.1 Conceito de Vita Activa. 1.2 Atividades e Campos Relacionados à Vita Activa. 2. Análise das Atividades da Vita Activa no Brasil, no Século XXI: Labor, Trabalho e Ação. 2.1 Labor. 2.2 Trabalho. 2.3 Ação. Conclusão.

 

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, um tema tem, novamente, ganhado destaque no cenário mundial e que incide diretamente Brasil. Tal tema refere-se ao estudo das sociedades, sua composição, desenvolvimento, com o objetivo de compreender o estágio em que as sociedades se encontram, para evitar retrocessos e promover avanços.

No entanto, utilizaremos como referencial teórico para analisar a sociedade brasileira, a filósofa alemã Hannah Arendt, cuja obra trouxe uma carga essencial para a construção da sociedade ocidental atual, influenciando ainda hoje as obras pertinentes ao tema, não perdendo a sua força, pelo contrário, ganhando maior destaque nos dias atuais.

A obra foco do trabalho é a “A Condição Humana”, publicada em 1958. Uma É considerada uma de suas principais obras, sendo um relato do desenvolvimento histórico da situação da existência humana, da Grécia Antiga até a Europa moderna.

Em “A Condição Humana”, a filósofa Hannah Arendt propõe uma reflexão filosófica a respeito da vita activa, que é a vida humana na medida em que um indivíduo se empenha ativamente em fazer algo. Ela analisa, de forma bastante crítica, a vita activa constituída por três atividades centrais que correspondem às condições básicas da vida humana: o labor, o trabalho e a ação. O labor tem a ver com as necessidades, o trabalho relaciona-se com a mundanidade e a ação tem por condição a pluralidade. Os homens interagem com natureza no labor, com o meio ambiente artificial no trabalho e uns com os outros no exercício da ação.

Com efeito, o presente artigo busca analisar de que forma a sociedade brasileira está caminhando, sobretudo no que diz respeito ao século XXI. Será apresentado os conceitos pertinentes à vita activa, teoria criada por Hannah Arendt na obra supracitada, bem como serão esmiuçadas as três atividades componentes da vita activa e como estão dispostas na sociedade brasileira.

Labor, trabalho e ação na sociedade brasileira do século XXI é o objeto deste artigo e como estão sendo balanceados na construção da sociedade. Além disso temos que o Brasil está passando por uma série de mudanças de ordem política decorrentes do sentimento de indignação da população no que tange à corrupção sistêmica arraigada no país.

Assim, é de grande valia a análise da sociedade brasileira sob a ótica de Hannah Arendt para entendermos os atuais problemas encontrados (poluição, problemas no meio ambiente do trabalho) e buscar possíveis soluções para os mesmos. Dessa forma é possível evitar ou minimizar os problemas decorrentes da modernidade e da mundanidade, conceito que será melhor trabalhado a seguir.

O Brasil vem passando por um processo de politização nos últimos anos e isto será abordado de forma apropriada no desenvolvimento do texto. No entanto, vale ressaltar que a escolha do século XXI como marco temporal do trabalho é, sobretudo, em razão da riqueza de fatos e eventos que ilustram este avanço na sociedade brasileira. Avanço que vem sendo responsável por um efervecimento social no país.

 

1 VITA ACTIVA

  • Conceito de Vita Activa

A expressão vita activa é carregada de muitos significados. É a vida humana na medida em que um indivíduo se empenha ativamente em fazer algo, ou seja, é um modo de viver fora da alienação social imposta pelo atual modelo político ocidental. O homem não deve apenas subsistir, mas viver plenamente, interagindo com seus pares, influenciando as mudanças do mundo.

Nas palavras de Arendt (2007, p.23):

“A expressão vita activa, compreendendo todas as atividades humanas e definida do ponto de vista da absoluta quietude da contemplação, corresponde, portanto, mais à askholia grega (ocupação, desassossego) com a qual Aristóteles toda atividade, que ao bio politikos dos gregos. A expressão vita activa é perpassada e sobrecarregada de tradição. É tão velha quanto nossa tradição de pensamento político, mas não mais velha que ela. A própria expressão que, na filosofia medieval, é a tradução consagrada do bios politikos de Aristóteles, já ocorre em Agostinho onde, como vita negotiosa ou actuosa, reflete ainda o seu significado original: uma vida dedicada aos assuntos públicos e políticos”.

Logo, infere-se que o homem deve buscar se inserir ativamente na sociedade, participando da política, externando seus pensamentos e suas idéias, visando um efetivo vínculo entre indivíduo e coletivo, homem e sociedade, o que gera uma evolução constante na qualidade das relações e das estruturas presentes em um aglomeramento ordenado de pessoas, como por exemplo os Estados.

A vita activa tem seus fundamentos em um ambiente essencialmente humano ou de coisas criadas pelos homens. Não há como conceber a idéia de um mundo sem a influência dos seres humanos e suas atividades, seja direta ou indiretamente, nem mesmo um eremita passaria por essa experiência. As atividades humanas, em sua totalidade, são o que são devido ao fato dos homens viverem juntos, e isto é um fator condicionante.

O conceito de vita activa pode ainda ser extraído de um agrupamento fundamental de atividades humanas, que, inclusive, são marcas características da própria condição de homem, ou condição humana. Tais atividades são: o labor, o trabalho e a ação. A partir dessas atividades pode-se compreender e perceber em que momento uma determinada sociedade se encontra, ou seja, como ela está organizada e refletindo diretamente em quatro campos distintos: político, social, público e privado.

  • Atividades e Campos Relacionados à Vita Activa

Sabe-se, que as três atividades componentes da vida activa e formadoras da condição humana (labor, trabalho e ação) desenvolvem-se e podem ser analisadas, de acordo com os gregos antigos, em quatro campos: político, social, público e privado.

O labor assegura a vida da espécie humana, é a atividade correspondente aos processos biológicos do corpo humano, ou seja, comer, beber, procriar. É frequentemente comparado à idéia das paixões ou vícios aristotélicos. A condição humana do labor é a própria vida

Por sua vez, o trabalho assegura a chamada mundanidade, que, por sua vez, é ambiente criado pelos homens, todas as estruturas artificiais criadas, direta ou indiretamente, pelas mãos do ser humano. O trabalho produz artefatos para a manutenção da vida, fornecendo ferramentas que podem aumentar ou reduzir a qualidade desse viver.

A terceira atividade componente da vita activa é a ação. Tal atividade é característica do homem na condição de homem, característica que tem o poder de inseri-lo na esfera pública e revela quem ele é, revela sua singularidade. A ação garante, assegura a pluralidade, ou seja, a vida juntos aos outros indivíduos singulares, também assegura a história da sociedade, as lembranças, tudo isso através da fundação de corpos políticos. É desta atividade que decorre a política.

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As atividades em comento, como já supracitado, desenvolvem-se em campos distintos, cumpre elucidar que tal construção foi feita ainda na Grécia antiga. Conforme as atividades são equacionadas e desempenhadas nestes campos, o homem, ou melhor, a sociedade é alterada, isso acaba também revelando em que momento a sociedade encontra-se.

O campo político é onde a ação ganha maior destaque, é o âmbito das relações com os demais integrantes da polis, da sociedade, é o campo da interação, do convívio social, da ação em sentido formal.

O campo social relaciona-se ao discurso, aos negócios realizados entre os indivíduos de uma sociedade, é o campo de pacificação de conflitos, da ação em sentido material.

Por sua vez, o campo público é o âmbito em que a vita activa é desenvolvida na cidade, na polis, é o âmbito da política. Já o campo privado relaciona-se à família e às relações no âmbito da casa. No campo público, o indivíduo experimenta a liberdade, ao contrário do campo privado, no qual vive limitado por situações hierárquicas e pelas necessidade e carências de ter que viver em um grupo.

  • ANÁLISE DAS ATIVIDADES DA VITA ACTIVA NO BRASIL, NO SÉCULO XXI: LABOR, TRABALHO E AÇÃO
    • Labor

Para Arendt (2007, p.90):

“O labor tem um estatuto natural. Concerne ao processo biológico da vida – ao ciclo vital da natureza. Uma vez que o labor corresponde ao movimento circular de nascimento, desenvolvimento e perecimento, ele é o espaço natural da manutenção da vida. Ele tem por meta garantir a conservação da espécie humana. Tendo em vista que o labor visa assegurar a preservação do gênero humano, a sua atividade consiste em satisfazer as necessidades fisiológicas da existência humana. Ora, partindo do pressuposto que tudo que é produzido pelo labor deve ser consumido, o seu exercício sempre será uma repetição interminável. Só poderá ser esgotado com a extinção da existência”.

Logo, percebe-se que o labor é a mais natural das atividades, é a pulsão, de vida e de morte, é conjunto de fatores, de processos químico-físico-biológicos que possibilitam a vida. É a partir do labor que surgem as necessidades humanas, tais como: fome, sono, sede, apetite sexual, entre outras. Todas indispensáveis para a sobrevivência e subsistência da espécie.

Hannah Arendt critica a sociedade ocidental ao asseverar que pouco a pouco o animal laborans está vencendo. Isso significa que os homens estão deixando de viver para apenas sobreviver, apenas para subsistir, o que é extremamente nocivo ao mundo, ao ambiente em que está inserido.

Tal fato, a vitória do animal laborans, acarreta no descaso, na alienação presente na sociedade atual. As pessoas não trocam experiências, não há convívio social, não há lazer, não há a idéia de coletividade. Os homens apenas querem satisfazer seus impulsos, cercados pelo egoísmo e subjetivismo tão recorrentes nos anos 50 e, paulatinamente, agravados ao longo das décadas.

Arendt critica fervorosamente a idéia do animal laborans:

“O ‘definhamento’ do domínio público nas condições de um desenvolvimento desenfreado das ‘forças produtivas da sociedade’; e estava igualmente certo, isto é, consistente com sua concepção do homem como um animal laborans, quando previu que os ‘homens socializados’ gozariam sua liberação do trabalho naquelas atividades estritamente privadas e essencialmente sem-mundo que hoje chamamos de ‘passatempos’ [hobbies]”.

O ideal de vida contemporâneo propicia campo fértil para este cenário de derrocada da humanidade, o que não é diferente na sociedade brasileira, sobretudo nas décadas de 80 e 90. Porém é possível vislumbrar uma mudança nesse paradigma, não só no Brasil, mas em diversos outros países.

O processo de industrialização que modificou a sociedade brasileira, no final de século XX, criou um culto ao trabalho pelo trabalho. O próprio capitalismo é responsável pela implementação desta cultura, deve-se produzir e consumir em larga escala e este pensamento extravasa para todos os demais campos em que as atividades referentes à vita activa se operam. Isto causa danos à sociedade, sejam objetivamente como prejuízos ao meio ambiente e aumento da criminalidade, ou subjetivamente como a fragilização das relações interpessoais (MORIN, 2002).

Hodiernamente, é possível identificar uma crescente onda de ações ou iniciativas de particulares ou do Estado para que esta cultura do labor e da alienação social seja modificada. Um exemplo é a implementação de políticas públicas que estimulem o lazer e o convívio social, permitindo uma maior integração da sociedade e, no âmbito individual, proporcionando um aumento na qualidade de vida.

O avanço da legislação deve ser levado em consideração, visto que busca restringir, justamente, a existência do animal laborans. Os direitos sociais postivados na Constituição Federal de 1988 e em diversas outras leis são marcos de progresso social, pois contêm em seu núcleo comandos para que o Estado se movimente e busque criar uma rede de proteção, ou melhor, de contenção para as consequências indesejadas do capitalismo e da cultura ocidental.

O século XXI mostra-se bastante promissor para a sociedade brasileira, uma vez que há uma crescente onda de politização. Assim, os indivíduos deixam de apenas subsistir e passam a viver de forma mais plena. Todavia não se pode esquecer que o labor limita o homem, regendo sua existência através das condições biológicas supracitadas.

2.2 Trabalho

Ao contrário do labor cuja essência é natural, o trabalho tem um caráter cultural. Corresponde ao processo artificial de produção de objetos úteis e duráveis. Em vez de produzir para consumir como o labor, o trabalho visa produzir para facilitar e estabilizar a vida humana. O seu objetivo é construir um mundo artificial que funcione como uma morada permanente para os homens. Com efeito, o trabalho é oposto o labor porque o seu processo artificial é acabado e fechado. Enquanto que o labor é um ciclo natural inesgotável, o trabalho é encerrado na finalização do objeto.

O trabalho é a condição humana da mundanidade, do materialismo, daquilo que é concreto ao homem, são suas criações, suas marcas no mundo. O trabalho é uma atividade da vita activa que permite o contato, a troca de informações entre os seres humanos.

É neste trecho de sua obra que Arendt traz à baila as idéias de Weber e busca confrontá-las com as suas próprias, essencialmente no que diz respeito ao objetivo e funções do trabalho no seio de uma sociedade e sua influência no modo de vida criado pelo capitalismo.

Para Arendt (2007, p. 149):

“Trata do artificialismo da existência humana, não contida no ciclo vital da espécie. Esses produtos, não compensam a mortalidade. O trabalho produz o mundo artificial do homem. A condição humana do trabalho é a mundanidade. O trabalho traz a idéia de produção de bens que são duradouros e que não se integram ao corpo humano para a manutenção de sua vida. A obra é uma atividade que transcende o que é naturalmente dado. Ela consiste na capacidade de o homem construir um mundo artificial, ou seja, um mundo que transcenda o ambiente natural em que ele vive. Por meio da obra, o homem modifica o mundo e o ambiente em que se encontra. Ele se torna artífice de um mundo que lhe é próprio. E é por isso que a condição humana para a obra é o fato mesmo de estarmos no mundo, a ‘mudanidade’”.

A sociedade brasileira no século XXI está voltada para a cultura do trabalho pelo trabalho, ou seja, é uma sociedade voltada para a produção em massa, para a produção de bens e serviços, não importando os impactos negativos advindos dessa condição.

O trabalho, no Brasil, foi consagrado como um Direito Social, inserido no respectivo capítulo da Constituição de 1988. Logo, o Estado tem o dever de fomentá-lo, tem o dever de tutelá-lo, através de políticas públicas de incentivo ao emprego ou por meio da elaboração de normas, de leis que visem proteger os interesses dos trabalhadores.

A poluição, o aumento da quantidade resíduos sólidos nas cidades é reflexo do trabalho, uma vez que o homem cria as coisas ao seu redor, cria o seu mundo, esse é o aspecto da mundanidade e como a sociedade encontra-se em um momento crítico da sua existência, o produto dessa criação não é benéfico ao planeta. A produção em larga escala vem acarretando nos problemas já citados, mas sobretudo afetando o meio ambiente, o que, por conseqüência, afeta a qualidade de vida, algo terrível (GADOTTI, 2000).

O legislador brasileiro atento ao cenário introduzido pelo século XXI passou a editar normas ambientais e trabalhistas para proteger a sociedade dos malefícios decorrentes da mundanidade. A lei de resíduos sólidos é um exemplo disso, assim como o aumento salarial e a regulamentação de alguns direitos trabalhistas.

A tributação diferenciada também é um mecanismo adotado para controlar os efeitos negativos da mundanidade. Assim, alguns produtos mais nocivos ao meio ambiente sofrem maior incidência tributária, tornando sua produção mais onerosa e isso demonstra a preocupação do Estado em reparar os danos e prevenir os colaterais que já afetam o Brasil.

Assim, faz-se mister, como observado, a implementação de políticas públicas atinentes à melhorar a qualidade do meio ambiente em que estamos envolvidos, políticas estas capazes de amenizar os impactos da produção e consumo humano em larga escala.

  • Ação

Por fim, o último dos elementos da vita activa abordado por Arendt é a ação. A ação é o elemento da interpessoalidade e o ambiente da intersubjetividade, ou seja, ocorre entre os homens. Logo, em razão de ser desenvolvida entre pessoas, a ação é observada de forma destacada do labor e do trabalho, tais elementos não influenciam na mesma. Assim, temos que a condição humana da ação é a pluralidade.

De acordo com Arendt (2007, p.189):

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“Considerando que a ação é uma atividade dos homens livres na esfera pública, ela é uma expressão da pluralidade humana. A sua concretização depende da convivência entre indivíduos diferentes. Todavia, visto que a ação exige uma diversidade interativa, ela particulariza os homens. Ela promove a aparição de individualidades e possibilita a construção de identidades. Ora, o homem jamais poderá manifestar a sua singularidade no isolamento. Ninguém mostra o que é na esfera pessoal da intimidade. Somente quando está com os outros o homem pode revelar o que é”.

A ação é a conduta propriamente política, uma vez que apenas ela consegue conceber a pluralidade, característica mais cara aos homens, segundo a autora alemã. É a pluralidade que pode fazer a diferença em uma sociedade, desenvolvendo-a, alçando-a a patamares novos de evolução e esclarecimento social. A ação tem origem na habilidade do homem de fazer algo novo. Hannah Arendt a considera equivalente ao nascimento, à natalidade. Dessa forma, a condição para que a ação exista é o próprio existir humano. Esta existência tem lugar na pluralidade dos indivíduos laboram e trabalham, onde cada um tem suas particularidades, já que nenhum deles possui as mesmas características do outro, são únicos. Assim, o diálogo entre estes homens, tão diferentes uns dos outros é capaz de transformar uma sociedade, para o bem ou para o mal (HABERMAS, 2010).

Arendt concebe a ação como um mecanismo de inovação. Ela é um começo de novos processos ou um iniciar permanente de novos ciclos. Isso em razão da possibilidade de troca, de interações entre os membros de uma sociedade. Por causa da sua capacidade de criar novas etapas, a ação é uma conduta sem definição em direção ao desconhecido.

A última década está sendo marcada, no Brasil, como a “primavera brasileira”, uma vez que a sociedade passou a demonstrar maior interesse e engajamento político. Tal fato pode ser ilustrado pelas manifestações dos anos de 2013 e 2014, protestos que levaram o povo brasileiro às ruas para pleitear uma série medidas políticas, tais como o posicionamento contrário ao Projeto de Emenda Constitucional número 37 que visava restringir os poderes investigatórios do Ministério Público, bem como a adoção de meios mais eficazes de combate à corrupção no país.

A política passou a ser um assunto popular, o que levou à polarização do eleitorado brasileiro, como se confirmou nas eleições presidenciais de 2014 cujo resultado demonstra a divisão de opiniões no seio da sociedade brasileira, o que é bastante benéfico para a evolução da mesma, visto que o debate, o diálogo são instrumentos, ou melhor, condutas umbilicalmente ligadas à ação, ao pluralismo. É interessante perceber que o conflito de interesses instiga a sociedade a participar da vida política do país.

Não obstante, vale ressaltar que essa crescente teve início com os movimentos contrários à ditadura militar na década de oitenta que culminaram na formação da Assembleia Constituinte que gerou a Constituição Federal de 1988. A Carta Política Brasileira de 88 trouxe inúmeras inovações na ordem jurídica nacional, bem como garantiu diversos direitos, entre estes podemos destacar, os direitos políticos, o direito à liberdade de expressão, de associação, de reunião, direitos fundamentais ao estabelecimento de um Estado justo e evoluído (BARROSO, 2015).

O rol de Direitos Fundamentais positivados pela Constituição Federal de 1988 é a base do desenvolvimento da ação no Brasil, agindo como catalisador das mudanças sociais iniciadas no país. Tais transformações chegaram ao século XXI como propulsoras de legislações e demais medidas políticas tendentes a responder os anseios do povo brasileiro.

Os últimos cinco anos tem sido de grande relevância para a história do Brasil, sobretudo no que diz respeito ao combate à corrupção em todas as suas esferas. Como exemplo dessas mudanças políticas no Brasil, podemos citar as diversas prisões de políticos, bem como o impeachment da presidente Dilma Roussef e as denúncias contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcos históricos na luta contra a corrupção sistêmica instalada no país.

Para Hannah Arendt, é através do discurso e da ação que os seres humanos se manifestam uns com os outros. Ou seja, é através do discurso e da ação que os seres humanos se distinguem e se conhecem uns aos outros. A citada autora afirma que vivemos num mundo de aparências, onde cada um manifesta a si mesmo para os outros através do seu discurso e de sua ação.

Logo, a constante injeção de informações por parte da imprensa através dos veículos midiáticos está tendo um papel crucial no amadurecimento da sociedade brasileira, uma vez que as emissoras estão, diariamente, dando muito espaço para as notícias referentes à política brasileira, com grande destaque para as operações que objetivam combater a corrupção e o mau uso do dinheiro público. Além disso, as emissoras têm divulgado as manifestações que ocorrem no Brasil, trazendo para os espectadores a cobertura ampla e bem informada dos referidos eventos.

A sociedade brasileira estava, de fato, decaindo, o trabalho e sobretudo o labor estavam superando o exercício da ação, ou seja, estava havendo um desequilíbrio entre as atividades da vita activa e a ação estava sendo bastante afetada. Todavia, como visto, os últimos anos estão sendo de grande valia para equilibrar a balança.

Assim, é fundamental para o bom andamento de uma sociedade o desenvolvimento da pluralidade, do discurso, atributos decorrentes da ação, que, para Arendt é a principal atividade da vita activa e, por conseguinte, é a que merece o maior destaque, devendo receber maior peso na construção de qualquer sociedade.

 

CONCLUSÃO

Hannah Arendt trata a modernidade como um problema a partir início do totalitarismo e dos eventos e conseqüências da Segunda Guerra Mundial. De acordo com a autora, para Montesquieu, a única coisa que impedia a ruína moral e espiritual da cultura ocidental eram os costumes. O declínio do império das leis resultou dos constantes e crescentes abusos de poder. Ao panorama demonstrado por Montesquieu, a autora em comento adiciona a revolução industrial, que o referido autor não presenciou, mas que com certeza ditou o rumo organizacional de nossa atual sociedade.

Ao contrário do que estava sendo estudado ou pesquisado pela Filosofia, a autora vai foca seu objeto de trabalho na busca de quem é o ser humano e não o que é, adotando uma visão subjetiva, afastando-se da visão objetiva que dominava a academia. Logo, temos que seus estudos são de grande valia para a sociedade atual, suas críticas e seu posicionamento podem ser utilizados como norteadores para a organização de um grupo social.

O homem não se desenvolveu politicamente com o avanço tecnológico, pelo contrário, este processo tem contribuído para o declínio da ação frente ao trabalho e, sobretudo, perante o labor, todos elementos ou atividades componentes da vita activa.

O labor demasiado gera uma sociedade sem profundidade e fadada ao esquecimento, uma vez que a partir do momento em que o homem decide viver apenas para satisfazer seus prazeres e suas necessidades, esquecendo o coletivo, cria-se uma estagnação, uma morosidade social, já que sem trocas entre os indivíduos de uma sociedade, não há desenvolvimento político e isso acarreta em oligarquias políticas em que poucos controlam a vida da população.

Já o excesso de trabalho pode condicionar o homem de forma prejudicial, visto que a mundanidade, ou seja, a criação do meio ambiente artificial, das utilidades, dos bens pode ir contra o próprio homem, tornando sua vida alienada e moralmente improdutiva, pois o indivíduo irá apenas produzir mecanicamente, repetindo aquela atividade indefinidamente e sua produção acaba sendo excessiva, como observamos nos dias atuais, gerando poluição e demais danos ao planeta, o que afeta diretamente sua condição de vida.

A ação é a atividade a ser desenvolvida em uma sociedade que busque se perpetuar, uma vez que a subjetividade, as relações entre os indivíduos trazem avanços sociais e políticos, que podem ser observados em sentido macro dentro de um grupo social em construção.

A sociedade civil brasileira, no século XXI, tem demonstrado sinais de avanço no campo da vita activa. A balança das três atividades, labor, trabalho e ação estava desequilibrada, pendendo para as duas primeiras, o que é nocivo para o bom estabelecimento de uma sociedade. Dessa forma, é louvável o crescimento do pensamento crítico e da politização da população, uma vez que isto é sinal de que a ação está sendo estimulada.

O enlace de diversos fatores, tais como as manifestações e protestos populares, a grande cobertura da mídia e as operações policiais contra a corrupção e mau uso do dinheiro público está sendo fundamental para o desenvolvimento da sociedade brasileira. É, justamente, neste cenário que a ação ganha destaque e fica aberto o canal para o aperfeiçoamento social, que não deve ser desperdiçado.

Assim, faz-se mister a justa condução destes processos sociais, precisamos que a Justiça brasileira não se omita e atue de forma precisa e eficaz, bem como as demais instituições (polícia e Ministério Público) prossigam o bom trabalho. A sociedade precisa receber os estímulos corretos para poder caminhar no sentido certo e os referidos estímulos devem partir da cúpula política do estado brasileiro, dos três poderes em todos os âmbitos da federação.

Deve-se continuar o trabalho para minimizar os perigos da modernidade, como a edição de leis e a implementação de políticas públicas visando à tutela do meio ambiente e do trabalho, já que ambos influenciam diretamente na condição da vida humana.

Por fim, como evidenciado, labor e trabalho devem ser contidos, pois seus excessos acarretam danos à sociedade, conforme já analisado. O balanceamento das três atividades precisa ser bem administrado e, para isso, é necessário a união de esforços entre o Estado brasileiro (poder público) e a sociedade civil.

 

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. 7ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Sítio eletrônico internet – planalto.gov.br

BRASIL. Lei n° 4.266 de 1° de Dezembro de 2015. Legislação Estadual do Amazonas. Publicada no DOE de 1º. 12.15, Poder Executivo, p. 1.

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. 2ª ed. São Paulo: Peirópolis, 2000.

HABERMAS, Jürgen. Teoría de la Acción Comunicativa. Madrid: Editorial Trotta, 2010.

MORIN, Edgar. Terra-Pátria. 3ª ed. São Paulo: Sulina, 2002.

 

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