Calúnia e difamação no ambiente de trabalho são condutas que não apenas violam o Código Penal brasileiro, mas também causam sérios prejuízos à integridade moral e à reputação profissional do trabalhador. Infelizmente, esse tipo de comportamento ainda é comum em empresas, seja por parte de colegas, superiores ou até mesmo empregadores, e pode gerar consequências tanto na esfera penal quanto na esfera trabalhista e cível.
Neste artigo, vamos analisar de forma completa o que caracteriza calúnia e difamação no contexto profissional, quais as implicações legais, como o trabalhador pode reagir, quando cabe processo, como reunir provas, o que dizem as jurisprudências e quais são os caminhos judiciais e extrajudiciais para se proteger e buscar reparação. Ao final, há uma seção de perguntas e respostas com as dúvidas mais frequentes sobre o tema e uma conclusão com as principais orientações.
O que é calúnia
A calúnia é um crime previsto no artigo 138 do Código Penal Brasileiro e ocorre quando alguém imputa falsamente a outra pessoa a prática de um crime. Ou seja, a calúnia exige que o autor da ofensa acuse falsamente alguém de um fato definido como crime.
Para que seja configurada calúnia, são necessários três elementos:
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Atribuição de um fato específico
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Esse fato precisa ser definido como crime pela lei penal
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A imputação deve ser falsa
Exemplo de calúnia no trabalho: um colega de setor afirma, sem qualquer prova ou verdade, que o trabalhador desviou dinheiro do caixa da empresa ou furtou produtos do estoque. A acusação falsa de furto ou apropriação indébita é caluniosa e pode gerar responsabilidade penal e cível.
O que é difamação
A difamação está prevista no artigo 139 do Código Penal e ocorre quando alguém imputa a outra pessoa fato ofensivo à sua reputação, mesmo que esse fato não seja criminoso.
A principal diferença em relação à calúnia é que, na difamação, o fato atribuído não precisa ser crime, mas precisa ser ofensivo e prejudicial à imagem da pessoa diante de terceiros.
Exemplo de difamação no trabalho: um superior espalha que o trabalhador é preguiçoso, incompetente, que não cumpre horários ou que já foi demitido por justa causa em outro emprego, mesmo que nada disso seja verdade. Ainda que os fatos não configurem crime, eles mancham a reputação da vítima.
Calúnia e difamação versus injúria
É comum confundir calúnia, difamação e injúria. A injúria está prevista no artigo 140 do Código Penal e consiste em ofender a dignidade ou o decoro da pessoa, sem necessariamente atribuir um fato.
Na injúria, não se trata de uma imputação de fato, mas de uma ofensa direta ao sentimento pessoal da vítima.
Exemplo de injúria: chamar o colega de “burro”, “inútil”, “vagabundo”, “incapaz”, sem dizer que ele cometeu algo específico.
Importante: as três condutas — calúnia, difamação e injúria — são crimes contra a honra e podem acontecer no ambiente de trabalho, gerando repercussões penais e trabalhistas.
Como calúnia e difamação se manifestam no trabalho
Esses crimes podem ocorrer de forma direta ou indireta, com consequências sérias para o ambiente de trabalho e para a vítima. São exemplos de como isso se manifesta no cotidiano profissional:
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Colegas espalham boatos sobre a vida pessoal ou profissional do trabalhador
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Supervisores fazem acusações sem provas em reuniões, diante de outros funcionários
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Atribuição de falhas graves que não foram cometidas, como fraude, roubo ou má-fé
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Comentários ofensivos em grupos de mensagens corporativas ou redes sociais
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Insinuações de comportamento imoral ou antiético
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Exposição pública de avaliações falsas ou distorcidas do desempenho do empregado
Esse tipo de conduta, quando reiterado, pode configurar assédio moral, além de violação da honra, dignidade e imagem da pessoa, protegidas pela Constituição Federal.
Quais os direitos da vítima
O trabalhador que é vítima de calúnia ou difamação no ambiente de trabalho tem direito à reparação penal, cível e trabalhista. Os principais caminhos são:
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Representar criminalmente o ofensor, por meio de queixa-crime
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Ingressar com ação indenizatória por danos morais
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Pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho, se a conduta partir do empregador ou for por ele tolerada
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Solicitar a aplicação de penalidades disciplinares contra o agressor, quando for colega ou subordinado
O empregador tem dever de zelar pela integridade física e moral de seus empregados, e sua omissão também gera responsabilidade.
Ações penais: calúnia e difamação são crimes
Tanto a calúnia quanto a difamação são crimes puníveis com detenção, nos seguintes termos:
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Calúnia: pena de 6 meses a 2 anos de detenção e multa
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Difamação: pena de 3 meses a 1 ano de detenção e multa
A ação penal é privada, ou seja, depende de iniciativa da vítima, que deverá ingressar com uma queixa-crime no prazo de 6 meses contados da data em que souber quem é o autor do fato.
É possível ainda registrar um boletim de ocorrência, mas ele não substitui a queixa-crime. O ideal é contar com um advogado para conduzir o processo criminal.
Ações cíveis: reparação por danos morais
Independentemente da responsabilização criminal, a vítima pode entrar com ação cível de indenização por danos morais, especialmente se a calúnia ou difamação lhe causar:
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Perda de oportunidades de promoção
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Prejuízo à imagem profissional
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Rebaixamento no ambiente de trabalho
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Problemas emocionais ou psicológicos
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Danos à sua honra objetiva (perante terceiros)
A indenização é fixada pelo juiz com base na gravidade da ofensa, na capacidade financeira do ofensor, na repercussão do fato e nas consequências para a vítima.
O valor pode variar de poucos milhares de reais até quantias mais expressivas, a depender do caso concreto.
Ações trabalhistas: assédio moral e rescisão indireta
No âmbito do direito do trabalho, a calúnia e a difamação podem configurar assédio moral, que consiste na exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras de forma repetitiva, afetando sua dignidade.
Se a prática ofensiva for cometida:
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Por superiores hierárquicos: pode caracterizar rescisão indireta do contrato, nos termos do artigo 483 da CLT
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Por colegas: o empregador tem o dever de intervir e punir o agressor. Se se omitir, poderá responder solidariamente
O trabalhador pode ingressar com reclamação trabalhista pleiteando:
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Rescisão indireta com pagamento de todas as verbas rescisórias como se tivesse sido dispensado sem justa causa
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Indenização por danos morais
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Multas legais e verbas complementares
Como reunir provas
Provar calúnia e difamação pode ser um desafio, pois muitas vezes a ofensa ocorre em contextos informais. Entretanto, a vítima pode usar os seguintes meios de prova:
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Testemunhas: colegas que presenciaram os fatos
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Mensagens de texto: WhatsApp, e-mail, intranet, se possível com autenticação ou ata notarial
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Gravações de áudio e vídeo: permitidas desde que o trabalhador seja parte na conversa
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Prints de redes sociais ou grupos corporativos
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Documentos internos da empresa: avaliações, advertências, comunicações
O ideal é guardar toda a documentação possível e, se necessário, buscar a ata notarial em cartório para dar maior força às provas digitais.
O papel da empresa
O empregador deve adotar medidas imediatas ao tomar conhecimento de calúnia ou difamação entre seus empregados. Algumas medidas incluem:
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Realização de sindicância ou investigação interna
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Aplicação de advertência, suspensão ou justa causa, se cabível
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Transferência de setor do agressor, quando necessário
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Apoio psicológico à vítima
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Treinamentos e campanhas de conscientização
Se a empresa se omitir, poderá ser condenada solidariamente pelos danos causados e, em alguns casos, responder por culpa in vigilando.
Jurisprudência sobre calúnia e difamação no trabalho
Diversos tribunais têm reconhecido o direito à indenização por calúnia e difamação no ambiente de trabalho. Veja alguns exemplos:
“A imputação falsa de prática de furto, feita por superior hierárquico, sem qualquer comprovação, configura calúnia e enseja indenização por dano moral.”
(TRT da 3ª Região – Processo nº 0011234-57.2021.5.03.0001)
“Difamar trabalhador perante os demais colegas, com insinuações de incompetência e má conduta, configura assédio moral passível de reparação.”
(TRT da 15ª Região – Processo nº 0002298-89.2020.5.15.0074)
As decisões reforçam a ideia de que o respeito mútuo e a dignidade do trabalhador são pilares fundamentais da relação empregatícia.
Seção de perguntas e respostas
Calúnia e difamação no trabalho são crimes?
Sim. Ambas são crimes contra a honra previstos no Código Penal. A calúnia imputa falsamente um crime, enquanto a difamação atribui fato ofensivo à reputação.
É possível processar criminalmente e pedir indenização ao mesmo tempo?
Sim. A ação penal corre na esfera criminal, e a ação cível por danos morais pode ser ajuizada independentemente.
Boatos no trabalho configuram difamação?
Sim, desde que sejam ofensivos à imagem da vítima e repercutam negativamente em seu ambiente profissional.
Quem deve provar a calúnia ou difamação?
A vítima deve apresentar indícios ou provas das ofensas. Testemunhas, mensagens, gravações e documentos podem ser utilizados.
A empresa pode ser responsabilizada?
Sim. Se for omissa diante das ofensas ou se partir dela a conduta, pode responder civil e trabalhistamente.
Difamar em grupo de WhatsApp da empresa é crime?
Sim. O meio utilizado não impede a responsabilização. Inclusive, a exposição virtual agrava o dano.
Posso pedir demissão por calúnia no trabalho?
O ideal é ingressar com ação de rescisão indireta, para não perder direitos. Consultar um advogado é o melhor caminho.
Existe prescrição para processar o autor da difamação?
Sim. Na esfera penal, o prazo para apresentar queixa-crime é de 6 meses após tomar conhecimento de quem praticou o ato.
Conclusão
A calúnia e a difamação no ambiente de trabalho não são apenas comportamentos antiéticos ou inconvenientes. São condutas criminosas, capazes de gerar repercussões sérias na vida profissional e pessoal do trabalhador, além de comprometer a saúde mental, o desempenho e o clima organizacional da empresa.
Ao sofrer esse tipo de ataque, o trabalhador deve agir rapidamente, reunir provas, buscar orientação jurídica e escolher os caminhos cabíveis — seja pela via penal, cível ou trabalhista. Do mesmo modo, as empresas têm o dever de intervir, prevenir e punir esse tipo de conduta, garantindo um ambiente de trabalho saudável, ético e respeitoso.
O combate à calúnia e à difamação é essencial para a construção de relações profissionais mais justas e protegidas pela lei. Em qualquer situação de violação à honra, o silêncio não é a melhor resposta. A justiça pode — e deve — ser acionada.