INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo discorrer acerca da carência da ação em razão da ausência de vínculo de emprego ou de relação jurídica de trabalho.
Carência de ação é a forma técnica de se dizer que o autor não preenche todas as condições da ação, que são os requisitos de existência do direito à obtenção de uma sentença de mérito.
É comum no Processo do Trabalho o reclamado invocar carência da ação em razão de ausência de vínculo de emprego ou de relação jurídica de trabalho.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que não há carência de ação, pois se trata de defesa de mérito.
Assim é que se faz necessário um estudo mais aprofundado do tema.
A princípio, trataremos da resposta do réu, da contestação e das preliminares da contestação.
Em seguida, da carência da ação.
Por fim, da carência da ação em razão da ausência de vínculo de emprego ou de relação jurídica de trabalho.
Dessa forma, busca-se mostrar que a definição quanto à existência ou não de relação de emprego não constitui condição da ação, mas questão de mérito.
1 Da Resposta DO RÉU
1.1 Conceito
A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Conforme Alexandre de Moraes (2008, p. 105 e 106):
“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegura-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa.
O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso (art. 5º, LV).
Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.”
Ensina Calmon de Passos (2001, p. 242):
“Dentre os princípios básicos que informam o processo, pode-se afirmar como constituindo o mais relevante o chamado princípio da bilateralidade da audiência, encontra ele sua origem e fundamento na velha expressão romana “audiatur et altera pars” e, hoje, na garantia constitucional de que ninguém será condenado sem ser ouvido e de que nenhuma lesão de direito subjetivo pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário.”
Nesse sentido, dá-se a resposta do réu. Nas palavras de Antônio Cláudio da Costa Machado (2004, p. 415):
“Resposta do réu é o conjunto de meios formais pelos quais o sujeito passivo da ação deduz suas defesas. Resposta é, assim, veículo formal (a forma) da defesa (que é a substância). A ação do autor corresponde à defesa (ou exceção) do réu, posto que o processo, como meio de solução de litígios, é fenômeno dialético que se desenvolve por intermédio do contraditório; ao direito do autor de pedir uma providência jurisdicional corresponde o direito do réu de resistir a ela, haja vista que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido.”
A Consolidação das Leis do Trabalho disciplina duas modalidades de respostas: a contestação (art. 847, da CLT) e a exceção (arts. 799 e seguintes da CLT). Não obstante, o art. 769, da CLT, diz que “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo que for incompatível com as normas deste Título”. A esse respeito:
Estando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil jungida à harmonia com a sistemática adotada pelo legislador consolidado, forçoso é concluir que a definição demanda tarefa interpretativa mediante o cotejo do preceito que se pretenda ver aplicado com a sistemática da CLT (TST, Ag.-E-RR 7.583/85-4, Marco Aurélio, Ac. TP 469/87).
Segundo o art. 297, do CPC, “o réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção”. Para o juiz do trabalho Mauro Schiavi (2008, p. 416):
“Embora o Código de Processo nomeie como resposta as referidas três modalidades, a doutrina tem dilatado as formas de resposta para abranger o reconhecimento jurídico do pedido (art. 269, do CPC); as modalidades de intervenções de terceiros provocadas pelo réu, como a nomeação à autoria (art. 62 do CPC), o chamamento ao processo (art. 77, do CPC), a denunciação à lide (art. 70, do CPC), o incidente de impugnação ao valor da causa (art. 271 do CPC) e a ação declaratória incidental” (arts. 5º e 325 ambos do CPC).
1.2 Da Contestação
A contestação é uma das espécies de resposta do réu, em que este apenas impugna o pedido do autor, formulado na petição inicial. Como destaca Antônio Cláudio da Costa Machado (2004, p. 418):
“Contestação é, de longe, a mais importante modalidade de resposta do réu. É que por meio dela se deduzem todas as defesas de mérito – vale dizer, todas as defesas que visam a demonstrar a improcedência do pedido do autor, a inexistência do seu direito, quer pela impugnação direta aos fatos ou ao fundamento do pedido (defesa de mérito direta), quer pela oposição de fatos extintivos, modificativos ou impeditivos (defesa de mérito indireta) – bem como a maioria das defesas processuais que são aquelas que consubstanciam ataques à própria relação processual ou à ação” (defesas processuais que se classificam em objeções ou exceções).
Ensina Mauro Schiavi (2008, p. 417):
“A contestação é a peça defensiva por excelência, onde o reclamado terá a oportunidade de impugnar a pretensão aduzida na inicial e também aduzir toda a matéria de defesa que entende pertinente.”
A CLT, em seu art. 847, dispõe que “não havendo acordo, o reclamado terá 20 (vinte) minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes”.
Segunda a doutrina majoritária, a contestação segue dois princípios fundamentais: o princípio da eventualidade (art. 300, do CPC) e o princípio da impugnação específica (art. 302 do CPC).
O princípio da eventualidade está previsto no art. 300 do CPC, que diz que “compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir”.
Assim escreve o juiz do trabalho Mauro Schiavi (2008, p. 418):
“O princípio da eventualidade consiste no ônus do réu em aduzir todas as defesas que tiver contra o processo (atar diretamente a relação jurídica processual) e contra o pedido do autor, a fim de que, na eventualidade do Juiz não acolher a primeira alegação, acolha a segunda.”
Nesse sentido, Antônio Cláudio da Costa Machado (2004, p. 419):
“É o chamado princípio da eventualidade, identicamente agasalhado pelo dispositivo sob comentário, e que se expressa na seguinte idéia: ainda que o réu esteja certo de que suas defesas processuais prevalecerão, deve ele ad eventum alegar as suas defesas de mérito; ainda que esteja convencido de que a defesa direta é suficiente para garantir-lhe a vitória, deve o réu aduzir as indiretas, e assim sucessivamente. Em razão do princípio da eventualidade, portanto, não precisa haver entre as defesas perfeita sintonia lógica” (v.g., o réu alega que o contrato não existe; mas se existe, é nulo; e, se não é nulo, o crédito está prescrito).
O princípio da impugnação específica está previsto no art. 302 do CPC, que diz que “cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados”.
Conforme Antônio Cláudio da Costa Machado (2004, p. 426):
“De acordo com o dispositivo sob comentário, o réu tem o ônus de afrontar particularmente todos os fatos alegados pelo autor, sob pena de os não afrontados serem tidos como verdadeiros pelo órgão julgador” (princípio da impugnação específica).
Não é permitida a contestação genérica ou por negação geral. A contestação deve reportar-se a cada um dos pedidos. Nesse sentido:
“Contestação – Impugnação específica. Cabe ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, nos termos do art. 302 do CPC, não sendo aceitável processualmente defesa por negação geral” (TRT – 12ª R. – 3ª T. – RO-V n. 5370/2003.026.12.00-1 – Ac. n. 9987/04 – Rela Lígia M. Teixeira Gouvêa – DJSC 15.9.04 – p. 202).
Não se aplica a regra da impugnação especificada nas exceções do art. 302 do CPC: se não for admissível, a seu respeito, a confissão (art. 302, I, do CPC); se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato (art. 302, II, do CPC); se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto (art. 302, III, do CPC).
1.3 Das Preliminares da Contestação
As preliminares são argumentações que, sem referir-se, diretamente, ao mérito da causa, visam apontar vícios processuais ou fatos impeditivos do regular andamento da ação, de modo a favorecer o réu, ensejando a não-apreciação do mérito pelo juiz.
Conforme Mauro Schiavi (2008, p. 422):
“As preliminares são defesas de natureza processual que visam a extinção da relação jurídica processual sem resolução do mérito. Também chamadas pela doutrina de exceções peremptórias ou defesas indiretas de cunho processual.”
Estão previstas no art. 301 do CPC, quais sejam: inexistência ou nulidade da citação; incompetência absoluta; inépcia da petição inicial; perempção; litispendência; coisa julgada; conexão; incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização; convenção de arbitragem; carência de ação; falta de caução ou de outra prestação, que a lei exige como preliminar.
Uma vez que a CLT não disciplina as preliminares da contestação, por força do art. 769, da CLT, aplica-se o disposto no referido art. 301 do CPC ao Processo do Trabalho.
2 Carência da Ação
Como ensina Antônio Cláudio da Costa Machado (2004, p. 424):
“Carência de ação é a forma técnica de se dizer que o autor não preenche todas as condições da ação, que são os requisitos de existência do direito à obtenção de uma sentença de mérito.”
As condições da ação estão previstas no art. 267, VI, do CPC, quais sejam: legitimidade das partes (ou Legitimatio ad causam), interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.
Legitimidade é a qualidade processual de titular da ação decorrente da titularidade, em abstrato, da relação controvertida deduzida em juízo (ordinária) ou da vontade da lei (extraordinária). Assim, considera-se que o autor tem legitimidade para a causa quando, pela natureza da questão, parecer que ele tem o direito de pedir o que pede, pelo menos à primeira vista (legitimidade ativa). E o réu será parte legítima para sofrer a ação se ele tiver de fazer ou prestar o que lhe é pedido, pelo menos em tese (legitimidade passiva).
Interesse de agir é identificado pelo binômio necessidade-adequação (necessidade concreta do processo e adequação do provimento e do procedimento para a solução do litígio). Consiste na demonstração, pelo menos em linhas gerais, de que a providência jurisdicional é realmente necessária.
Possibilidade jurídica corresponde à inexistência, na ordem jurídica, de proibição à formulação do pedido deduzido. O pedido deve ser apto, em tese, a poder ser atendido pelo ordenamento jurídico em vigor.
A carência da ação pode ser reconhecida de ofício pelo juiz.
3 Carência da ação em razão da ausência de vínculo de emprego ou de relação jurídica de trabalho
Para a caracterização do liame empregatício, deve-se observar o disposto no art. 3º, da CLT, que diz que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Desta feita, a relação deve ser pessoal, pois o empregado não se pode fazer substituir por outrem; não eventual, eis que exige prestação contínua; subordinada, haja vista que empregado e empregador estão em pedestais distintos; e remunerada, porque todo trabalho merece sua contraprestação. Desobedecidos quaisquer desses requisitos, inexistente se define o vínculo laboral, ainda que comprovada a efetiva prestação de serviços, porque existem outros contratos que envolvem o dispêndio de labor sem caracterizarem o liame empregatício.
Nesse sentido, a jurisprudência:
“VÍNCULO DE EMPREGO – CARACTERIZAÇÃO – Conjugados os elementos fático-jurídicos insertos no art. 3º da CLT, impõe-se o reconhecimento do vínculo empregatício na relação socioeconômica havida entre as partes” (TRT 12ª R. – RO-V-A 00147-2004-024-12-00-6 – (13991/2004) – Florianópolis – 2ª T. – Relª Juíza Marta Maria Villalba Fabre – J. 30.11.2004).
“VÍNCULO EMPREGATÍCIO – ELEMENTOS CARACTERIZADORES – A caracterização do vínculo empregatício requer a verificação dos pressupostos fáticos da habitualidade, onerosidade, subordinação jurídica e pessoalidade, de maneira que comprovando-se a presença de todos eles, impossível não declarar relação de emprego buscada” (TRT 10ª R. – RO 00383-2003-017-10-00-4 – 1ª T. – Rel. Juiz Pedro Luis Vicentin Foltran – J.
“VÍNCULO EMPREGATÍCIO – PRESENÇA DE REQUISITOS – RECONHECIMENTO – Consoante o art. 3º, da CLT, a caracterização da relação empregatícia é feita através dos seguintes critérios fáticos: Trabalho não-eventual, oneroso, prestado intuito personae, mediante subordinação. Sendo a prova nesse sentido, reconhece-se o vínculo de emprego” (TRT 18ª R. – RO 00625-2002-101-18-00-8 – Rel. Juiz Luiz Francisco Guedes de Amorim – DJGO 21.11.2003).
É comum no Processo do Trabalho o reclamado invocar carência da ação em razão de ausência de vínculo de emprego ou de relação jurídica de trabalho.
No entanto, a apreciação acerca da existência ou não de relação de emprego é questão a ser analisada no mérito onde, desta análise, resultará a procedência ou improcedência dos pedidos elencados na exordial, e não em carência de ação.
Conforme Manoel Antônio Teixeira Filho (1992, p. 130):
“Relação de emprego é, conseguintemente, tema pertinente ao mérito da causa; vem daí que se a sentença se pronunciar sobre esse pedido estará ingressando no mérito.”
Outro não é o entendimento de Jorge Pinheiro Castelo (1993, p. 308, 309 e 411):
“A legitimação para agir é aferida através da posição do demandante e do demandado com relação à relação jurídica de direito material afirmada em Juízo, sem que haja qualquer análise do conteúdo das peculiariedades concretas da situação jurídica objeto do processo. Por conseguinte, sem que haja qualquer análise quanto à qualidade de empregado e empregador dos demandantes (…) A questão concernente à qualidade de empregado e empregador, será problema de mérito, quando a sua aferição se der em concreto (…) O entendimento de que a legitimidade para agir do demandante e do demandado depende da qualidade de empregado e empregador leva ao equivocado conceito concretista de que a “legitimidade ad causam” consiste na identidade do autor e do réu com as pessoas a cujo favor ou contra se verifica a vontade da lei (…) O pedido de reconhecimento da relação de emprego afirmada em Juízo, deduzido, em via “principaliter”, constitui o objeto litigioso ou o mérito da ação.”
Ainda nesse sentido, Mauro Schiavi (2008, p. 427):
“Nesta hipótese, não há carência de ação, pois se trata de defesa de mérito, pois é neste que o Juiz do Trabalho apreciará as provas e se convencerá se existe ou não o vínculo de emprego.”
Conforme jurisprudência majoritária:
“CARÊNCIA DA AÇÃO. Não procede a argüição de carência da ação erigida em sede de preliminar em face à suposta inexistência de vínculo empregatício, dado que o reconhecimento ou não de tal vínculo requer análise de provas documentais e/ou orais, tratando-se, portanto, de matéria a ser analisada no mérito. Recurso de ofício a que se nega provimento” (TRT 23ª R – RODEOF-02598.2001.000.23.00-5 – Ac. TP. n. 505/2002 – Rel. Juiz Guilherme Bastos – DJ/MT nº. 6379 16.04.2002)
“CARÊNCIA DE AÇÃO. O argumento de que não houve relação de emprego não leva à ilegitimidade de parte. Não se pode confundir relação jurídica material com relação jurídica processual. Nesta, a simples indicação, pelo autor, de que o réu é o devedor, basta para legitimá-lo a responder a ação. Assim, se o pedido de reconhecimento da relação de emprego se dirige ao réu, é ele parte legítima para responder à reclamação. Se houve ou não o vínculo, é questão de mérito, que com ele será decidido” (12ª Vara do Trabalho de Brasília/DF – Proc. nº 01085-2003-012-10-00-0 – Relª Juíza do Trabalho Substituta Flávia Fragale Martins Pepino – Brasília, 27.11.2003)
“PRELIMINAR DE CARÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO. A titularidade do direito de ação não significa necessariamente o predicado de titular do direito material discutido. Essa última situação somente será aferida depois de ultrapassada tal fase processual, quando haverá uma incursão na análise de mérito” (5ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB – Reclamação Trabalhista nº. 1485/2002 – Rel. Juiz Carlos Hindemburg de Figueiredo – João Pessoa, 10.03.2003)
Assim, não há que se falar em carência de ação.
Conclusão
Por todo o exposto, conclui-se que a apreciação acerca da existência ou não de relação de emprego é questão a ser analisada no mérito onde, desta análise, resultará a procedência ou improcedência dos pedidos elencados na exordial, e não em carência de ação.
Informações Sobre o Autor
Thomas de Carvalho Silva