O cargo de confiança é uma categoria especial dentro das relações trabalhistas, prevista no artigo 62, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele se aplica a empregados que exercem funções de gestão, direção ou fiscalização com autonomia e poder decisório. Esses trabalhadores não estão sujeitos ao controle de jornada e, consequentemente, não têm direito ao pagamento de horas extras.
Entretanto, para que o enquadramento como cargo de confiança seja legítimo, a legislação estabelece algumas condições específicas, incluindo a exigência de uma remuneração diferenciada, a chamada regra dos 40%, que será detalhada a seguir.
A regra dos 40% no cargo de confiança
A CLT prevê que, para que um trabalhador seja enquadrado como ocupante de um cargo de confiança e não tenha direito ao controle de jornada, ele deve receber uma gratificação de função. Essa gratificação deve ser no mínimo 40% superior ao salário-base do cargo anterior.
Essa exigência tem o objetivo de compensar a ausência de controle de jornada e o maior grau de responsabilidade exigido para a função. Caso a empresa pague um percentual inferior a esse, o trabalhador não poderá ser considerado ocupante de cargo de confiança e terá direito ao registro da jornada e ao pagamento de horas extras, se aplicável.
O que ocorre se a gratificação for inferior a 40%
Se o empregado for designado para um cargo de confiança, mas sua remuneração não incluir um acréscimo de pelo menos 40% sobre o salário do cargo anterior, ele poderá questionar seu enquadramento e pleitear o pagamento de horas extras e adicionais legais. Isso significa que a empresa não poderá se beneficiar da isenção do controle de jornada sem garantir a compensação financeira adequada ao trabalhador.
Na prática, os principais impactos da ausência da gratificação mínima são:
- Manutenção do controle de jornada: O empregado deve continuar registrando horário de entrada e saída.
- Direito a horas extras: Caso trabalhe além da jornada regular, terá direito ao pagamento das horas excedentes.
- Risco de passivo trabalhista: A empresa pode ser condenada judicialmente a pagar verbas retroativas, incluindo horas extras e adicionais.
Cargos de confiança no setor bancário e a regra dos 40%
No setor bancário, a legislação estabelece regras específicas sobre cargos de confiança. Os bancários comuns têm jornada reduzida de seis horas diárias, mas aqueles que exercem funções de confiança podem ter jornada de até oito horas sem direito a horas extras.
Para isso, é necessário que o banco pague uma gratificação de função equivalente a pelo menos 1/3 do salário do cargo efetivo. Se esse percentual não for respeitado, o trabalhador tem direito ao pagamento da sétima e oitava horas como extras.
A Súmula 102 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reforça esse entendimento, estabelecendo que a gratificação de função já remunera as duas horas excedentes à sexta hora diária do bancário. Contudo, caso a gratificação seja inferior ao percentual mínimo, o empregado pode pleitear a compensação.
Retirada da gratificação de função e seus efeitos
Antes da Reforma Trabalhista de 2017, havia entendimento jurisprudencial consolidado de que, se o trabalhador ocupasse um cargo de confiança por mais de 10 anos, a gratificação de função deveria ser incorporada ao salário em caso de reversão ao cargo efetivo. Esse entendimento baseava-se no princípio da estabilidade financeira, que visava evitar prejuízos financeiros ao trabalhador após longo período recebendo a gratificação.
Entretanto, a Reforma Trabalhista alterou essa regra. Atualmente, o artigo 468, parágrafo 2º, da CLT permite que o empregador retire a gratificação caso o trabalhador volte ao cargo efetivo, independentemente do tempo que ocupou o cargo de confiança.
Isso significa que:
- A empresa pode reverter o empregado ao cargo original sem manter a gratificação.
- O trabalhador volta a estar sujeito ao controle de jornada e pode ter direito a horas extras.
- A redução salarial é permitida desde que não fique abaixo do salário-base da função anterior.
Como contestar um falso cargo de confiança
Se um trabalhador for classificado como ocupante de um cargo de confiança, mas perceber que não possui autonomia, poder de decisão ou não recebe a gratificação de 40%, ele pode buscar a Justiça do Trabalho para reverter esse enquadramento.
As principais provas que podem ser utilizadas para contestar um falso cargo de confiança incluem:
- Registros de ponto: Se há exigência de controle de jornada, isso pode indicar que o cargo não é de confiança legítimo.
- Depoimentos de colegas de trabalho: Testemunhas podem confirmar a falta de autonomia do empregado.
- Documentos internos: E-mails e comunicados podem demonstrar que o trabalhador precisa de autorização para tomar decisões.
- Contracheques: Se a gratificação de função não for de pelo menos 40%, isso pode comprovar a irregularidade.
Perguntas e respostas
Todo ocupante de cargo de confiança deve receber uma gratificação de 40%?
Sim. Caso a empresa queira isentar o trabalhador do controle de jornada, deve conceder uma gratificação de pelo menos 40% sobre o salário-base da função anterior.
Se a gratificação for inferior a 40%, o que acontece?
O trabalhador pode exigir o reconhecimento de sua jornada e o pagamento de horas extras, pois o enquadramento como cargo de confiança não será válido.
A empresa pode retirar a gratificação de função a qualquer momento?
Sim, mas isso pode resultar no retorno ao controle de jornada e ao pagamento de horas extras, conforme previsto na CLT.
O bancário que ocupa cargo de confiança também precisa receber 40% de gratificação?
Não. No caso dos bancários, a gratificação mínima exigida é de 1/3 do salário do cargo efetivo, conforme o artigo 224, parágrafo 2º, da CLT.
Como um trabalhador pode contestar um falso cargo de confiança?
Reunindo provas como registros de ponto, depoimentos de testemunhas, documentos internos e contracheques para demonstrar a ausência de autonomia e a falta da gratificação adequada.
Conclusão
O cargo de confiança é uma exceção às regras gerais sobre controle de jornada e pagamento de horas extras, mas seu enquadramento deve seguir critérios rigorosos. A regra dos 40% de gratificação é um dos elementos essenciais para garantir que o trabalhador esteja devidamente compensado pela ausência de controle de horário.
Se a gratificação for inferior a esse percentual, o trabalhador pode questionar sua condição e exigir seus direitos, incluindo o pagamento de horas extras e o reconhecimento da jornada regular. A correta aplicação das normas sobre cargo de confiança é essencial para garantir segurança jurídica tanto para empregadores quanto para empregados.