Resumo: Neste trabalho analisa-se a decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Garibaldi vs Brasil, expondo a importância de o Estado respeitar, sob pena de responsabilização, os compromissos internacionais assumidos no âmbito do sistema regional interamericano de proteção dos direitos humanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Proteção. Sistema Interamericano. Corte Interamericana.
Sumário: 1. Introdução. 2. O caso Garibaldi vs Brasil. 2.1. Considerações iniciais. 2.2. Providências policiais e judiciais das autoridades brasileiras. 2.3. Considerações de Direito da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 2.4. Falhas e omissões do inquérito policial. 2.5. Parte dispositiva da sentença. 3. Considerações finais.
1. Introdução
Levando-se em conta o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos[1], será analisada uma recente decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada apenas Corte, em que o Estado brasileiro foi responsabilizado quanto à não apuração satisfatória da execução extrajudicial de um trabalhador rural sem terra, tomando-se como parâmetro normativo a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica[2].
Diante de inúmeras desocupações de terra ocorridas todos os anos, em que os direitos humanos, não raro, são frequentemente violados, o caso Garibaldi vs Brasil ganha relevo em razão de sua atualidade e das consequências gravosas ao Estado brasileiro.
Antes, não há se falar em antagonismo entre os sistemas global e regional. Ao contrário, são complementares[3]. Diante dos instrumentos de proteção internacionais, cabe a quem sofreu a violação, eleger o aparato mais favorável, tendo em vista que, eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ou regional, ou, ainda, de alcance geral ou especial, sendo que os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos (PIOVESAN, 2006, P.225).
Na tramitação do processo perante a Corte, já acentuava a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que o Brasil deveria adotar “medidas eficazes com o fim de evitar a proliferação de grupos armados que pratiquem desocupações clandestinas violentas”[4].
Com este exemplo de execução sumária, muito presente na realidade brasileira[5], busca-se ressaltar a importância crescente do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.
Com a responsabilização, o Estado vê-se na necessidade de implementar medidas não apenas repressivas, mas preventivas quanto a eventos que representem violação a compromissos assumidos internacionalmente, até mesmo por força de pressões oriundas da comunidade internacional.
Ver-se-á que, com a sentença proferida pela Corte, como já acentuado por LIMA JR.(2006, p.221) quando realçou a sua importância no caso Mayagna Awas Tingni vs Nicarágua, relacionado à proteção da propriedade comunitária tradicional indígena, recupera-se, embora não tendo o propósito de se sobrepor à decisão nacional, o sentido para o qual o Poder Judiciário se justifica.
Essa exposição, antes de tudo, visa contribuir para divulgar a efetividade dos mecanismos de proteção interamericano dos direitos humanos, não podendo ser deixados em plano secundário.
2. O caso Garibaldi vs Brasil
2.1 Considerações iniciais
A análise do caso por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos decorreu de petição apresentada em 6 de maio de 2003 pelas organizações Justiça Global, Rede Nacional de Advogados e Advogados Populares (RENAP) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), decorrente do homicídio do Sr. Sétimo Garibaldi, ocorrido em 27 de novembro de 1998, durante uma operação extrajudicial de despejo de famílias de trabalhadores sem terra, que ocupavam uma fazenda no município de Querência do Norte, Estado do Paraná.
Narra a sentença, que cerca de cinquenta famílias, vinculadas ao MST, estavam ali acampadas, quando às cinco horas da manhã, um grupo com cerca de vinte homens, encapuzados e armados, chegaram à fazenda efetuando disparos ao ar e ordenando aos trabalhadores que deixassem suas barracas e se dirigissem ao centro do acampamento, lá permanecendo deitados no chão. Quando o Sr. Garibaldi saiu de sua barraca, foi ferido na coxa esquerda por um projétil de arma de fogo calibre 12, não resistindo ao ferimento e vindo a falecer em decorrência de uma hemorragia.
Foi aberto inquérito policial para fins de apuração dos crimes de homicídio, porte ilegal de arma por parte do administrador da Fazenda, reconhecido por testemunhas como um dos membros do grupo armado, e de formação de quadrilha ou bando.
Sem chegar a uma solução amistosa, a Comissão, conforme previsto no artigo 50 da Convenção Americana de Direitos Humanos, produziu relatório com determinadas recomendações para o Estado brasileiro, dando-lhe um prazo de dois meses para comunicar as ações empreendidas com o propósito de implementá-las, conforme Relatório de Admissibilidade e Mérito nº 13/07. Diante da omissão, a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte[6].
As organizações Justiça Global, RENAP, Terra de Direitos, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e MST requereram à Corte, em 11 de abril de 2008, que declarasse a violação dos direitos à vida e à integridade pessoal, em prejuízo de Sétimo Garibaldi, e dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em prejuízo de Iracema Garibaldi, viúva, e de seus seis filhos. Requereram, ainda, diversas medidas de reparação.
O Estado brasileiro, por sua vez, em 11 de julho de 2008 interpôs contestação na qual requereu como preliminares (a) o reconhecimento da incompetência ratione temporis da Corte para examinar supostas violações ocorridas antes do reconhecimento da jurisdição contenciosa pelo Brasil; (b) a não admissibilidade, por extemporâneas, de petições dos representantes das vítimas; (c) a exclusão, da análise do mérito, do suposto descumprimento do artigo 28 da Convenção[7]; e (d) a declaração de incompetência da Corte em razão do não esgotamento dos recursos internos. Quanto ao mérito, alegou que nada indicava que os procedimentos de investigação houvessem sido conduzidos de forma a contrariar dispositivos do Pacto de San Jose da Costa Rica.
2.2 Providências policiais e judiciais das autoridades brasileiras
Os fatos anteriores a 10 de dezembro de 1998, data em que o Brasil reconheceu a jurisdição obrigatória da Corte, foram considerados apenas como antecedentes, deles não advindo qualquer consequência jurídica. Por exemplo, para fins de verificação da suposta parcialidade da magistrada que denegou determinado pedido de prisão temporária, testemunhos colhidos antes daquele marco temporal não puderam ser analisados pela Corte.
O inquérito policial foi aberto em 27 de novembro de 1998 e durante mais de cinco anos o Ministério Público requereu a realização de diligências, além da oitiva de testemunhas. Outras diligências foram determinadas pelas autoridades policiais que o presidiram.
O inquérito foi arquivado em 18 de maio de 2004 após requerimento do Ministério Público, fundamentado principalmente em supostas divergências entre os testemunhos, que impossibilitavam identificar a autoria do homicídio.
Contra tal decisão, Iracema Garibaldi impetrou Mandado de Segurança em 16 de setembro de 2004, denegado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em 17 de setembro daquele mesmo ano.
Em 20 de abril de 2009, o Ministério Público requereu o desarquivamento do inquérito e a realização de diligências outras com base na alegação de surgimento de novas provas, especificamente as declarações de Vanderlei Garibaldi e Giovani Braun perante a Corte Interamericana nos dias 3 e 5 de fevereiro de 2009. Os autos foram então desarquivados.
2.3 Considerações de Direito da Corte Interamericana de Direitos Humanos
A obrigação de investigar violações de direitos humanos, está incluída nas medidas positivas que os Estados devem adotar para garantir os direitos reconhecidos na Convenção. O dever de investigar não pode ser visto como uma simples formalidade, mas como um dever jurídico próprio.
No caso de uma morte violenta, o Estado, ao tomar conhecimento do fato, deve iniciar ex oficio e sem demora, uma investigação séria, imparcial e efetiva, devendo ser realizada por todos os meios legais disponíveis e orientada à determinação da verdade. Os familiares da vítima têm o direito de conhecer o que se sucedeu e quem foram os responsáveis pelo fato, conforme jurisprudência da Corte.
Para que se verifique se um Estado violou ou não obrigações reconhecidas na Convenção, a Corte entende que pode ocupar-se do exame dos respectivos processos judiciais internos, razão pela qual, no caso específico, examinou o inquérito policial, particularmente com relação aos fatos ocorridos após 10 de dezembro de 1998.
Quanto à “cláusula federal”, no curso do processo na Corte, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sustentou, com base no artigo 28 da Convenção, que o Brasil deveria ter adotado medidas adequadas para que Sétimo Garibaldi não fosse assassinado por um grupo armado a mando de fazendeiros do Estado do Paraná, bem como ter proporcionado aos familiares uma adequada indenização civil.
De acordo com o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, o fato de o Estado brasileiro constituir-se em uma federação não o exime de responsabilidades decorrentes de práticas danosas aos direitos humanos, praticadas por uma de suas unidades federativas, que estão igualmente vinculadas por normas internacionais ratificadas pelo próprio Estado.
Nos termos da sentença proferida:
“No que concerne à denominada "cláusula federal" estabelecida no artigo 28 da Convenção Americana, em ocasiões anteriores a Corte teve a oportunidade de referir- e ao alcance das obrigações internacionais de direitos humanos dos Estados federais.
Recentemente, no Caso Escher e outros, o Tribunal aduziu que, em sua competência contenciosa, tem estabelecido claramente que "segundo jurisprudência centenária e eu não variou até agora, um Estado não pode alegar sua estrutura federal para deixar de cumprir uma obrigação internacional". Essa questão também foi abordada em sua competência consultiva, ao determinar que "as disposições internacionais concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos […] devem ser respeitadas pelos Estados americanos Partes nas respectivas convenções, independentemente de sua estrutura federal ou unitária". Dessa maneira, a Corte considera que os Estados Partes devem assegurar o respeito e a garantia de todos os direitos reconhecidos na Convenção Americana a todas as pessoas sob sua jurisdição, sem limitação nem exceção alguma com base na referida organização interna. O sistema normativo e as práticas das entidades que formam um estado federal Parte da Convenção devem conformar-se com a mesma.”
No caso concreto, a Corte Interamericana não constatou que o Estado brasileiro tenha descumprido as obrigações estabelecidas no artigo 28 da Convenção, com relação a seus artigos primeiro e segundo:
“[…] a Corte considera, como o fez no Caso Escher e outros, que o arrazoado sobre a eventual inobservância das obrigações emanadas do artigo 28 da Convenção deve referir-se a um fato com um valor suficiente para ser considerado como um verdadeiro descumprimento. No presente caso, a manifestação do Estado em uma reunião de trabalho sobre as dificuldades na comunicação com uma entidade componente do Estado Federal não significa, nem carrega por si mesma, um descumprimento a essa norma. A Corte adverte que, no trâmite perante si, o Estado não apresentou sua estrutura federal como escusa para descumprir uma obrigação internacional. Segundo afirmado pelo Estado, e não desvirtuado pela Comissão nem pelos representantes, essas expressões constituíram uma explicação sobre a marcha da implantação das recomendações do Relatório nº 13/07 da Comissão.”
2.4 Falhas e omissões no inquérito policial
No entender da Corte, não foram convocadas para testemunhar pessoas que seriam essenciais ao esclarecimento dos fatos, entre elas Vanderlei Garibaldi, que teria presenciado a operação de desocupação e comunicado o homicídio à polícia, que deveria convocá-lo para oferecer sua versão. Considerando que o inquérito deve ser conduzido de ofício pelo Estado, seu andamento não dependeria de impulso dos familiares do ofendido.
A Corte também advertiu, por exemplo, que algumas diligências ordenadas pela autoridade policial e o Ministério Público deixaram de ser cumpridas.
Com relação à petição de arquivamento formulada pelo Ministério Público, teria se baseado principalmente em informação oferecida por escrivão de polícia que narrou haver divergências entre as declarações das testemunhas, não tendo o promotor de justiça realizado qualquer ação no sentido de tentar esclarecê-las ou cotejá-las com outras provas já colhidas, renunciando, assim, à potestade punitiva do Estado. Por sua vez, a decisão judicial pelo arquivamento foi tomada unicamente com base no parecer ministerial, sendo desprovida de fundamentos que a justificassem[8].
O próprio desarquivamento do inquérito, ocorrido em 2009, evidenciaria a necessidade de se avançar nas medidas investigativas para o esclarecimento de fatos antes omitidos.
A Corte, então, entendeu que as falhas e omissões apontadas demonstram que as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência nem em consonância com as obrigações derivadas dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana:
“8.1 Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
25.1 Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.”
A propósito, ressalte-se que a razoável duração do processo é um direito fundamental, previsto no art.5º, LXXVIII, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”). Vale lembrar que a Constituição Brasileira de 1934 já trazia disposição, com alcance mais restrito é verdade, que contemplava no Título III (“Da Declaração de Direitos”), especificamente no Capítulo II (“Dos Direitos e das Garantias Individuais”), a celeridade dos processos nas repartições públicas:
“A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo, ou reserva[9]”. (§35)
No âmbito jurídico interno, o termo direitos fundamentais é considerado mais preciso que outros empregados na linguagem jurídica e política atual (direitos sociais, direitos individuais, direitos civis, direitos políticos ou direitos dos cidadãos), pois compreende tantos os pressupostos éticos como os seus componentes jurídicos, significando a relevância moral de uma ideia que prestigia a dignidade humana, constituindo-se, portanto, em uma norma básica do ordenamento jurídico e sendo um instrumento necessário para que o indivíduo desenvolva na sociedade todas as suas potencialidades (PECES-BARBA MARTINEZ, 1999, p.37).
Mesmo antes da EC nº 45/2004, já se defendia a existência implícita do direito à razoável duração do processo no texto constitucional, afluente do devido processo legal, como um princípio consequente lógico do princípio da eficiência da atuação do administrador público (FARIA, BICHARA, 2009, p.100).
No mesmo sentido SILVA (2009, p.176):
“O termo “processo” deve ser tomado no sentido abrangente de todo e qualquer procedimento judicial e administrativo; isto também já está assegurado no art.37, pois quando aí se estatui que a eficiência é um dos princípios da Administração Pública, por certo que nisso se inclui a presteza na solução dos interesses pleiteados”.
Estudo acerca da razoável duração do processo, ainda quando da aprovação em primeiro turno da dita reforma do “Poder Judiciário”, alertava quanto à necessidade de se garantir um processo efetivo (FILHO, 2002, pp. 221-223):
“Os processualistas extraem do disposto no art.5º, XXXV, não só o direito de amplo acesso à jurisdição como deste o conseqüente direito à pronta reposta do juiz às demandas […] Ressalte-se: o dispositivo declarou o direito já existente à razoável duração do processo e à celeridade de sua tramitação. Não se trata de “direito novo”, mas de direito já reconhecido pela Constituição e pelas leis e agora declarado, como reforço normativo, em texto específico, assim a afastar os entraves hoje existentes à sua concretização. (…)
Relevante, ao menos, o aspecto pedagógico do novo dispositivo: o cidadão tem direito ao processo administrativo e judicial, e, mais, direito à sua razoável duração e conseqüente celeridade de tramitação. (…)
As expressões razoável duração do processo e celeridade na sua tramitação caracterizam como processual o direito fundamental ora declarado […]. Poder-se-ia dizer que a norma declara o direito fundamental de todos à eficiente realização do processo pelo qual se leva o pedido à cognição judicial ou administrativa: é, assim, direito ao processo eficiente, muito além do simples direito ao processo.
Ao se referir às instâncias judicial e administrativa, o texto indica que o processo é o atinente ao modo de decisão que concretiza e individualiza, no caso concreto, as normas genéricas e abstratas”.
No âmbito da Comunidade Européia igualmente se exige o respeito à utilização de um prazo razoável na solução dos conflitos submetidos ao Estado. A Convenção Européia dos Direitos do Homem sublinha a importância atribuída à uma justiça administrada sem atrasos, que venha a corresponder à sua eficácia e credibilidade, conforme determinação expressa do seu art. 6.1: “Qualquer pessoa tem direito a que a causa seja examinada equitativamente e publicamente, num prazo razoável por um Tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei” (MATTOS, 2006, p.72).
Com base nos ensinamentos de José Rogério Cruz e Tucci (in “Garantia do processo sem dilações indevidas”. Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: RT, 1999, p.259-260), DIDIER Jr. (2007, p.40) lembra que a Corte Européia de Direitos Humanos firmou o entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo: a complexidade do assunto, o comportamento dos litigantes e de seus procuradores e a atuação do órgão jurisdicional.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos também baliza suas decisões em tais parâmetros. Nos termos da sentença proferida no caso Garibaldi vs Brasil:
“A Corte tem considerado quatro elementos para determinar a razoabilidade do prazo: a) complexidade do assunto, b) atividade processual do interessado, c) conduta das autoridades judiciais, e d) o efeito gerado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo.”
Assim, no caso concreto, entendeu a Corte que a demora no desenvolvimento do inquérito não poderia ser justificada pela complexidade, vez que se tratou de um só fato, ocorrido diante de numerosas testemunhas e a respeito de uma única vítima.
O entendimento da Corte também pode servir, internamente, na definição dos contornos do conteúdo do direito à razoável duração do processo[10]. Particularmente, da sentença do caso Garibaldi, extrai-se que “se o lapso temporal incide de maneira relevante na situação jurídica do indivíduo, resultará necessário que o procedimento tramite com uma maior diligência a fim de que o caso de resolva em um tempo breve”. Concluiu a Corte:
“[…] que as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência no Inquérito da morte de Sétimo Garibaldi, o qual, ademais, excedeu um prazo razoável. Por isso, o Estado violou os direitos às garantias e à proteção judiciais previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 da mesma, em prejuízo de Iracema Garibaldi, Darsônia Garibaldi, Vanderlei Garibaldi, Fernando Garibaldi, Itamar Garibaldi, Itacir Garibaldi e Alexandre Garibaldi.”
2.5. Parte dispositiva da sentença
A Corte declarou, por unanimidade, que o Estado brasileiro violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, em prejuízo da esposa do Sr. Sétimo Garibaldi e de seus filhos.
Ainda, por unanimidade, após explicitar que a sentença de per si já se constitui em uma forma de reparação, condenou o Estado brasileiro a: (a) dar ampla publicidade à decisão no Diário Oficial e em jornais de circulação nacional e estadual; a buscar identificar, julgar e, eventualmente, sancionar os autores da morte do Sr. Sétimo Garibaldi; a investigar as eventuais falhas funcionais nas quais possam ter incorrido os funcionários públicos a cargo do inquérito e, se for o caso, sancioná-los; a pagar indenização à Sra. Iracema Garibaldi e filhos, a título de danos material e imaterial, no prazo de um ano; e a restituir à Sra. Garibaldi as custas e gastos processuais.
Além disso, a Corte reafirmou o papel de acompanhar a posteriori suas decisões, o que demonstra que a sua atuação não se exaure na análise e julgamento:
“A Corte supervisará o cumprimento íntegro desta Sentença, em exercício de suas atribuições e em cumprimento dos seus deveres conforme a Convenção Americana, e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto na mesma. O Estado deverá, dentro do prazo de um ano contado a partir da notificação desta Sentença, apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para cumprir a mesma.”
No sistema interamericano de direitos humanos, à própria Corte confia-se a tarefa de supervisionar o cumprimento de suas decisões (LIMA JR., 2006 a, p.148). Quanto ao Estado, cabe cumpri-las integralmente (RAMOS, 2002, p.240). A propósito, dispõe o artigo 68 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
“1. Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.
2. A parte da sentença que determinar indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado.”
A diferença entre o trabalho final da Comissão e o da Corte, é que enquanto aquela, em seu relatório final, propõe recomendações, esta decide de forma “definitiva e inapelável”, não podendo os Estados recusar-se a cumprir a sentença (GORENSTEIN, 2002, p.76).
3. Considerações finais
Conforme visto, a sentença do caso Garibalbi expõe a possibilidade real de responsabilidade estatal por um organismo regional internacional, em decorrência de eventos praticados por autoridades públicas, de forma omissiva ou comissiva, a violarem direitos humanos que demandam proteção não apenas internamente. Como bem observa LIMA JR. (2006, p.224):
“[…] No campo específico da proteção internacional dos direitos humanos, as cortes regionais de proteção dos direitos humanos representam o que há de mais sofisticado em termos da busca de garantia pela plena efetividade para os direitos humanos no plano internacional.
O novo momento do direito internacional é resultado da necessidade de estabelecer limites à noção tradicional de responsabilização do Estado na arena internacional em situações em que as instituições nacionais se mostram omissas ou falhas na tarefa de proteger os direitos humanos, conforme declarados em instrumentos internacionais e nacionais, e considerando que os Estados participam do sistema internacional de proteção dos direitos humanos por livre e espontânea vontade.”
Diante do compromisso assumido pelo Brasil no âmbito internacional regional, ficou muito claro na sentença da Corte que na investigação de fatos que violem direitos humanos não pode um Estado-parte alegar a presença de obstáculos internos, tais como a falta de infra-estrutura ou de pessoal. Carências de tal espécie não excluem a sua responsabilidade internacional.
Aqui se aplaude tal entendimento, não apenas porque se outra fosse a interpretação ficariam inócuos os compromissos estabelecidos, mas principalmente em razão da dimensão internacional dos direitos humanos e do bem jurídico que o Estado obrigou-se a proteger. É inegável que graves falhas e demoras relacionadas à apuração dos fatos, que afetem vítimas pertencentes a grupo vulnerável, propiciam a repetição crônica das violações de direitos humanos.
A Corte leva em conta, ainda, se o Estado adotou medidas preventivas, relacionadas ao caso sob análise, para então decidir pela responsabilização[11].
Não se pode desconhecer a ação internacional dos organismos internos voltados à proteção dos direitos humanos (CORREIA, 2006, p.17):
“[…] verifica-se maior visibilidade das violações de direitos humanos, desencadeando o risco do constrangimento político e moral ao Estado infrator. Ao enfrentar a publicidade das violações de direitos humanos, o Estado é praticamente obrigado a se justificar acerca das suas práticas, o que tem auxiliado na modificação ou na melhoria de uma determinada prática governamental no que se refere aos direitos humanos, conferindo suporte ou estímulo para alterações internas. (…)
Mesmo sendo recente a jurisprudência da Corte, o sistema interamericano se consolida com relevante e eficaz estratégia de proteção dos direitos humanos quando as instituições nacionais se mostram omissas ou falhas.”
Quanto à execução das decisões, afirma LIMA JR (2009, p.48), ao tratar do caso Lustig-Prean e Beckett contra o Reino Unido, observação perfeitamente aplicável ao sistema interamericano, que:
“No que se refere à capacidade de cumprimento da decisão, o caso em comento não foge à regra do sistema europeu de proteção dos direitos humanos, o que põe em relevo a capacidade de aplicação das convenções internacionais de direitos humanos no plano interno, por meio da adoção de instrumentos e mecanismos internos com tal fim, uma vez que a inexistência de regras nesse sentido poderia desacreditar o sistema internacional (e mesmo os sistemas nacionais) de proteção dos direitos humanos.”
Apesar de o fortalecimento da rede de proteção institucional internacional dos direitos humanos ser um processo lento e gradual, até mesmo na consciência crítica da comunidade jurídica atuante, a cada recomendação, ou decisão proferida pela Cortes internacionais, faz com que os Estados ao menos avaliem se é recompensador permanecer na prática de violações, pois certamente a simples divulgação dos casos já representa constrangimento perante a comunidade internacional.
Ao que tudo indica, o Estado brasileiro parece permanecer, o que é visto com grande satisfação, na sua política de conferir legitimidade às decisões proferidas pelas Cortes internacionais, conforme se depreende da adoção de providências relativas ao cumprimento da decisão proferida no caso Garibaldi[12].
Por sua importância e crescente influência no cenário mundial, é uma postura que sinaliza à comunidade internacional a relevância dos sistemas internacionais de proteção de direitos humanos. Que há muito a se fazer, isso é inegável, mormente quanto a ações preventivas, porém não deixa de ser mais um passo rumo a dias melhores.
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e Conselheiro representante da Fazenda Nacional no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais CARF
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