Resumo: O presente trabalho visa a abordar as cautelas específicas de que deve se revestir a Administração Pública quando da formalização de acréscimos contratuais. O estudo não busca simplesmente citar as já tradicionais limitações quantitativas e qualitativas a que estão submetidos todos os acréscimos contratuais, mas, sim, por em destaque as barreiras de ordem prática encontradas pelo gestor público na análise do caso concreto.
Palavras-chave: Cautelas específicas. Administração Pública. Acréscimos Contratuais.
Sumário: Introdução. 1. Necessidade de superveniência dos fatos que ensejam o acréscimo. 2. A análise detida dos custos unitários referentes ao acréscimo. 3. A compatibilidade do acréscimo em relação ao objeto do contrato. 4. A manutenção dos critérios de medição iniciais do contrato como baliza para o acréscimo. 5. A necessidade de realização do acréscimo com base em cada item do contrato. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Há, na doutrina, farta produção literária a respeito das hipóteses de cabimento dos acréscimos contratuais bem como em relação a seus limites. Muitas discussões foram travadas, por exemplo, em torno da classificação dos acréscimos como quantitativos ou qualitativos e da possibilidade de que os aditivos fossem celebrados em ambas as hipóteses.
Tais questões introdutórias, porém, parecem estar pacificadas tanto na doutrina quanto na práxis administrativa. Não há, por exemplo, mais discussão em torno da possibilidade de que tanto alterações qualitativas quanto quantitativas possam ser objeto de acréscimo e de que, em ambas as hipóteses, deve-se observar o limite de 25% ou 50%, conforme o caso (art. 65, §1º, da Lei 8.666/93).
O propósito do presente trabalho reside em abordar os temas ainda problemáticos e, muitas vezes, pouco debatidos pela doutrina. Trata-se de assuntos de ordem prática que revelam enorme relevância na análise concreta dos casos de acréscimos contratuais que a Adminstração pretende realizar.
1. NECESSIDADE DE SUPERVENIÊNCIA DOS FATOS QUE ENSEJAM O ACRÉSCIMO.
Os acréscimos contratuais são alterações (qualitativas ou quantitativas) no objeto do contrato administrativo, que decorrem de necessidades da Administração. O que a doutrina pouco tem abordado, porém, é o fato de que essas necessidades ensejadoras do acréscimo contratual necessitam ser supervinentes à celebração do contrato ou, pelo menos, à realização da licitação, momento ao qual se remete a proposta que dá substrato ao contrato.
Não é possível, portanto, que o acréscimo sirva como meio de solucionar equívocos nas especificações técnicas (quantitativos, medidas, procedimentos etc.) estabelecidas quando da fase interna do certame licitatório. A lógica de tal constatação reside em evitar afrontas ao Princípio da Isonomia, na medida em que alterações voltadas a solucionar tais equívocos implicariam em preterir toda a competitividade da licitação já realizada.
Em um contrato que tenha por objeto, por exemplo, a manutenção em aparelhos de ar condicionado, o eventual acréscimo deve decorrer da aquisição ou instalação de novos equipamentos no órgão ou entidade. Não se o admitiria com o propósito de contornar o subdimencionamento do quantitativos de aparelhos já existentes nas instalações da Administração.
É preciso registrar que nem mesmo há a necessidade de que as alterações sejam imprevisíveis, quanto menos extraordinárias. O fato é que é imprescindível a demonstração da ocorrência de algum acontecimento superveniente, como dito, ao contrato ou ao momento em que apresentadas as propostas que o embasam.
O Tribunal de Contas da União adota entendimento que se coaduna com todas as razões aqui apresentadas. Trata-se, por exemplo, daquilo que assentou aquela Corte de Contas no julgado contido no Acórdão TCU 5.154/2009 – Segunda Câmara. Vejamos:
“Nos casos de modificação de valor contratual em decorrência de acréscimo do objeto, formalize justificativa adequada das alterações tidas por necessárias, caracterize a natureza superveniente em relação ao momento da licitação, dos fatos ensejadores das alterações” (Acórdão nº 5.154/2009 – 2ª Câmara).
A justificativa para a proposta de acréscimo deve, portanto, conter elementos que demosntrem essa superveniência dos fatos que a fundamentam. Nesse sentido, é sempre recomendado que os processos respectivos sejam instruídos não só com a declaração do gestor nesse sentido como também com os elementos documentais que lhe sirvam de comprovação.
2. A ANÁLISE DETIDA DOS CUSTOS UNITÁRIOS REFERENTES AO ACRÉSCIMO
Sabe-se que qualquer acréscimo contratual deve estar limitado aos percentuais estabelecidos no parágrafo primeiro, do art. 65, da Lei nº 8.666/93. De qualquer sorte, não basta que simplesmente se afira que o valor a ser acrescido encontra-se dentro desses limites. Não raramente, a Administração solicita às empresas contratadas que apresentem, à luz do acréscimo, nova planilha de custos e se vê satisfeita com o simples atendimento da dita diligência. É preciso, porém, que se afiram os custos inseridos em cada um dos itens dessas planilhas, preferencialmente por meio de análise técnico-contábil que esteja atenta, principalmente, aos seguintes aspectos:
– Se, nos itens que sofrem a incidência de acréscimos, os valores utilizados são os mesmos que constam das planilhas originais, ou reajustadas e repactuadas, do contrato;
– Se as repercussões financeiras apuradas nas planilhas correspondem aos aspectos fáticos do acréscimo. Em outras palavras, se o valor do acréscimo está de acordo com o quantitativo a ser acrescido;
– Se a contratada não inseriu, sob o pretexto de estar respeitando o limite de 25% (ou 50%), custos que, na verdade, não guardam pertinência com o objeto do acréscimo;
– Se, na impossibilidade de aferir os valores dos itens a serem acrescidos a partir da planilha original, houve uma pesquisa de mercado que afira se o custos insertos por conta do acréscimo estão de acordo com a média de mercado. Aqui, porém, cabe registrar a necessidade de que, em qualquer caso, deverá haver pertinência entre o objeto do acréscimo e o do contrato (v. item 3 infra).
Enfim, estas cautelas de cunho matemático visam, em última instância, a evitar o famoso “jogo de planilha”, estratégia comumemente utilizada pela contratada, quando não com o próprio conluio da administração, para inserir custos que não guardam pertinência com o acréscimo. Muitas vezes, trata-se, quando não do simples superfaturamento da proposta, da tentativa de contornar inexequibilidades decorrentes de planilhas mal elaboradas quando da licitação, o que, de qualquer sorte, é vedado, ante a necessidade de observância da isonomia.
Sobre as necessidades aqui expostas, o Tribunal de Contas da União já recomendou a determinado órgão objeto de auditoria que “nos casos de modificação de valor contratual em decorrência de acréscimo do objeto (…) analise criteriosamente os itens de custo que basearam o novo valor, a fim de verificar sua razoabilidade e exequibilidade” (Acórdão 5.154/2009 – Segunda Câmara) .
3. A COMPATIBILIDADE DO ACRÉSCIMO EM RELAÇÃO AO OBJETO DO CONTRATO
Outro aspecto de suma importância na análise dos acréscimos contratuais diz com a necessidade de que seu objeto guarde pertinência com aquilo que já faz parte do contrato. Não é possível, por meio de uma acréscimo contratual, incluir objetos estranhos ao contrato. A lógica de tal constatação tem, basicamente, duas razões de ser:
a) em primeiro lugar, visa-se a preservar a isonomia no que diz respeito à concorrência no certame que antecedeu a contratação. Isso porque a inclusão de itens estranhos às especificações orginais fere a igualdade tanto entre aqueles que participaram do certame quanto entre os demais que não tiveram interesse em dele participar, mas que poderiam tê-lo feito caso as especificações fossem, desde o início, as que se pretenderam incluir por meio do acréscimo.
b) Lado outro, a necessidade de que o acréscimo guarde pertinência com o objeto do contrato envolve, também, uma questão de ordem prátrica: não seria possível mensurar as repercussões financeiras do acréscimo, uma vez que as planilhas originais não conteriam parâmetros de valores para aquele objeto estranho a elas.
Sobre esta segunda hipótese, há que se ponderar que, em algumas hipóteses, mesmo em se tratando de itens pertinentes frente ao contrato, as planilhas originais não dispõem de valores pré-estabelecidos. Isso ocorre muito em reformas e obras de engenharia: ao longo da empreitada, apura-se a necessidade de um serviço ou material que não está nas planilhas de custos, mas que é essencial para o objeto em questão. Nesses casos, como em matéria de engenharia sempre há a tabela SINAPI, é preciso utilizá-la como parâmetro para aferir a repercussão financeira do acréscimo. Em outras situações, onde não há preços parametizados, é preciso recorrer, desde que comprovada a pertinência do acréscimo, a pesquisas de mercado para aferir tanto a plausibilidade quanto a exequibilidade dos preços.
À guisa de conclusão, é interessante ponderar que, de fato, em determinadas hipóteses, a aferição da pertinência dos acréscimos não é tão simples assim. Adotemos, nesse sentido, o já citado contrato de manutenção de aparelhos de ar condicionado do tipo split. Para nós, a inclusão de novos equipamentos (posteriormente adquiridos), ainda que de outras marcas e de potências distintas, é possível por meio de acréscimos contratuais. Caso os parâmetros de preços contidos na proposta original não sejam suficientes para aferir o valor da manutenção mensal, é possível recorrer às digiligências anteriormente mencionadas. Por outro lado, no exemplo dado, parece-nos que a inclusão de equipamentos “de janela” já não seria possível, uma vez que os parâmetros dos serviços e dos preços a eles referentes são completamente diferentes.
Enfim, o fato é que, somente caso a caso, é possível aferir, com segurança, se o objeto do acréscimo de fato guarda pertinência com o contrato. A resposta para esse análise casuística estará nas ponderações sobre as questões aqui levantadas: respeito à isonomia e viabilidade prática da inclusão do novo objeto.
4. A MANUTENÇÃO DOS CRITÉRIOS DE MEDIÇÃO INICIAIS DO CONTRATO COMO BALIZA PARA O ACRÉSCIMO
A Administração Pública, nas opções que sói adotar, acaba por encontrar limitações que decorrem da motivação que elege para seu atos. Vige, nesse sentido, a Teoria dos Motivos Determinantes, a impor que, mesmo na seara de sua discricionariedade, os gestores devem guardar coerência frente às razões que motivam a adoção desta ou daquela medida. O tema possui pertinência com os acréscimos aos contratos administrativos porque essa coerência exigida por tal teoria necessita reger os aditivos contratuais diante das opções inicialmente feitas pela Administração.
Em um contrato de limpeza, por exemplo, cujos quantitativos de postos tiveram por fundamento a produtividade proposta na Instrução Normativa 02/2008 SLTI/MPOG, com suas posteriores alterações, não pode a administração optar por incluir novos postos, sem que a área objeto dos serviços tenha sido ampliada. Em um contrato de vigilência, cujos postos foram enumarados conforme, por exemplo, o número de portas de entrada ao prédio, não pode o acréscimo ser realizado à míngua da demonstração do aumento do número de portões de acesso. Por fim, em um contrato de serviços de recepção, cujo número de postos foi estabelecido conforme a quantidade diária de atendimentos ao público, o acréscimo deve vir acompanhado da demonstração de que houve um incremento no número de atendimentos.
É claro que, por razões supervenientes, podem-se somar aos critérios de medição inicialmente adotados outros aspectos que justifiquem a mudança nos quantitativos. A Teoria dos Motivos Determinantes, porém, exige que o acréscimo não se dê inadvertidamente, de modo que esses demais aspectos mitiguem os parâmetros inicialmente utilizados (i.e.: aumento no atendimento ao público que implique intensificação da limpeza, apesar de idêntica a área abrangida; aumento na criminalidade na região, embora o órgão mantenha o mesmo número de entradas de acesso).
5. A NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DO ACRÉSCIMO COM BASE EM CADA ITEM DO CONTRATO
Por fim, é preciso abordar mais esta questão em relação aos acréscimos contratuais: quando o contrato e a licitação que o antecedeu tiverem seus objetos divididos em itens autônomos, é preciso que os percentuais limítrofes sejam apurados conforme cada um desses itens. Veja-se que o “item” a que se faz referência aqui é aquele que ostenta autonomia frente aos demais e que somente se encontra, normalmente, em um mesmo instrumento contratual por razões de conveniência.
Trata-se do entendimento, há muito, adotado pelo Tribunal de Contas da União em sua Jurisprudência. Veja-se, nesse sentido, o que consta do Manual de Licitações e Contratos elaborado por aquela Corte:
“Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos pela Lei de Licitações. Acima dos percentuais legais aceitos, são permitidas apenas supressões resultantes de acordos celebrados entre as partes. Essa é a regra.
Serão proporcionais aos itens, etapas ou parcelas os acréscimos ou supressões de quantitativos que se fizerem necessários nos contratos.
Diante da necessidade de se acrescer ou suprimir quantidade de parte do objeto contratado, deve a Administração considerar o valor inicial atualizado do item, etapa ou parcela para calcular o acréscimo ou a supressão pretendida”. (grifo nosso) (Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU). 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília: TCU, Secretaria‑Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.)
CONCLUSÃO
Os acréscimos contratuais são alterações (qualitativas ou quantitativas) no objeto do contrato administrativo, que decorrem de necessidades da Administração.
Embora seja pacífica a possibilidade de realização de tais acréscimos, a Administração Pública deve se revestir de determinadas cautelas quando da formalização dessas alterações, zelo este que deve ir além da observância dos tradicionais limites previstos no art. 65, §1º, da Lei 8.666/93.
Com efeito, a administração deve atentar se as necessidades ensejadoras do acréscimo contratual são supervinentes à celebração do contrato ou, pelo menos, à realização da licitação. Além disso, é preciso que se afiram os custos inseridos em cada um dos itens das planilhas de custos, do mesmo modo que, quando o contrato e a licitação que o antecedeu tiverem seus objetos divididos em itens autônomos, é preciso que os percentuais limítrofes sejam apurados conforme cada um desses itens.
Outro aspecto de suma importância na análise dos acréscimos contratuais diz com a necessidade de que seu objeto guarde pertinência com aquilo que já faz parte do contrato. Não é possível, por meio de uma acréscimo contratual, incluir objetos estranhos ao contrato. Outrossim, deve-se prezar sempre pela manutenção dos crtitérios de medição iniciais do contrato como baliza para o acréscimo.
Procuradora Federal de 2 Categoria. Lotada na Procuradoria Regional Federal da 1 Região. Bacharel em Direito e Especialista em Direito Público
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