Cláusulas Pétreas: Limitações ao Poder de Tributar

Entrenchments Clauses: Limitations on The Power to Tax

Carmen Ferreira Saraiva[1]

Ingrid Saraiva de Alencar[2]

Resumo: Os critérios constitucionais aplicáveis ao poder de tributar e suas limitações à criação de tributos são cláusulas pétreas. A legalidade compreende atos exarados por processos legislativos diferentes e tratados internacionais. A irretroatividade compreende o efeito prospectivo das normas, exceto aquelas que cominem multa pecuniária menos severa. A anterioridade prevê a vedação de exigência de tributo no mesmo ano civil em que haja sido instituído ou aumentado e antes de decorrido o prazo nonagesimal, conforme o caso. A igualdade impede tratamento discriminatório injustificado. A capacidade contributiva orienta a tributação do fato presuntivo de riqueza. A vedação ao confisco impede a assimilação de parcela substancial da propriedade privada. O sigilo fiscal legitima a inviolabilidade da vida privada. A liberdade de tráfego de pessoas e bens é privilegiada. A transparência dos tributos resguarda o direito dos consumidores de acesso à informação. O tratamento fiscal simplificado, diferenciado e favorecido destinado às microempresas e empresas de pequeno porte é mecanismo de fomento à atividade econômica. A imunidade tributária direciona a não incidência qualificada a valores. Os princípios fundamentais tributários propiciam a construção de relações jurídicas com segurança e previsibilidade.

Palavras-chave: Poder de Tributar. Limitações Constitucionais. Cláusulas Pétreas.

 

Abstract: The constitutional criteria applicable to the power to tax and their limitations to the creation of taxes are penalty clauses. Legality comprises acts drawn up by different legislative procedures and international treaties. Irretroactivity comprises the prospective effect of the norms, except those that come with a less severe pecuniary fine. The precedence provides for the prohibition of the tax requirement in the same calendar year in which it has been instituted or increased and before the nonagesimal period has elapsed, as the case may be. Equality prevents unjustified discrimination. The ability to pay directs the taxation of the presumptive fact of wealth. The prohibition on confiscation prevents the assimilation of a substantial portion of private property. Tax secrecy legitimizes the inviolability of private life. The free movement of persons and goods is privileged. The transparency of taxes protects the right of consumers to access information. The simplified, differentiated and favored tax treatment for micro and small businesses is a mechanism to promote economic activity. Tax immunity directs qualified non-inclusion to values. The fundamental tax principles provide for the construction of legal relations with security and predictability.

Keywords: Power to Tax. Constitutional Limitations. Entrenchments Clauses.

 

Sumário: Introdução. 1. Sistema Tributário Nacional. 2. Cláusulas Pétreas. 3 Limitações ao Poder de Tributar. 3.1 Princípio da Legalidade. 3.2 Princípio da Irretroatividade. 3.3 Princípio da Anterioridade. 3.4 Princípio da Igualdade. 3.5 Princípio da Capacidade Contributiva. 3.6 Princípio da Vedação ao Confisco. 3.7 Princípio do Sigilo Fiscal. 3.8 Princípio da Liberdade de Tráfego. 3.9 Princípio da Transparência dos Tributos. 3.10 Princípio do Tratamento Fiscal Simplificado, Diferenciado e Favorecido. 3.11 Princípio da Imunidade Tributária. Considerações Finais. Referências.

 

Introdução

O poder de tributar é essencialmente constitucional e pautado na supremacia do interesse público sobre o particular. A legislação tributária subordina-se às normas constitucionais de competência e de limitação. Ela estabiliza a relação obrigacional tributária entre o ente federado competente e o contribuinte, substituto ou responsável no âmbito da obtenção de receita pública para a consecução dos objetivos fundamentais republicanos e constitui fonte de financiamento estatal. Trata-se de fonte de receita derivada de mantença da estrutura organizacional de suas instituições e das políticas públicas, como saúde, previdência, assistência, educação, cultura, desportos e meio ambiente. Mediante o sistema tributário nacional estruturado, há fixação da competência para a criação dos tributos em espécie pelos entes políticos da Federação por meio de processo legislativo próprio.

As normas gerais de direito tributário aplicáveis a todos os sujeitos ativos, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios explicitam os contornos da legislação infraconstitucional, da obrigação ex lege, do crédito tributário e de sua respectiva administração. A matéria tratada neste artigo versa sobre os princípios constitucionais que regem a instituição legal de tributos pelos sujeitos ativos.

O tema-problema proposto que se apresenta é o exame dos princípios que regem as limitações ao poder de tributar como cláusulas pétreas constitucionais que não podem ser objeto de deliberação de proposta de emenda tendente a aboli-las. Tem-se como objetivo esmiuçar a natureza jurídica principiológica tributária como instrumento de promoção da previsibilidade e da segurança jurídica. No desenvolvimento da investigação, utiliza-se a pesquisa bibliográfica por meio do método dedutivo e comparativo a partir da análise da legislação pertinente, da doutrina e da jurisprudência.

Aplica-se como referencial a teoria de Ricardo Lobo Torres de que o tributo é o preço da liberdade da sociedade e seu instrumento garantidor. Esse autor ensina que “o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder tributário sob a permanente limitação dos direitos fundamentais e de suas garantias constitucionais” (TORRES, 1999b, p. 14).

Examina-se o Sistema Tributário Nacional (STN) eminentemente constitucional com a fixação da competência dos sujeitos ativos da Federação, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios para a criação de tributos. Busca-se demonstrar que as limitações ao poder estatal de tributar foram alçadas a cláusulas pétreas, em relação às quais é vedada a deliberação legislativa destinada a revogá-las. Analisam-se as características dos princípios tributários constitucionais, inclusive de acordo com os parâmetros fixados nos entendimentos exarados pelos Tribunais superiores.

 

  1. Sistema Tributário Nacional

O constitucionalismo principia estabelecendo os pilares da limitação do poder e supremacia da lei ou rule of law própria do Estado de Direito. Devido à necessidade de uma intervenção estatal, o aspecto social toma relevância. Com um impulso reformador, o constitucionalismo evolui para o patamar em que se estimulam parcerias entre Estado e sociedade, valorizando-se a democracia de inclusão e a interação cooperativa de promoção da justiça social. Finalmente, após uma transformação democrática, as oportunidades de participação do povo em processos deliberativos institucionalizados são ampliadas.

Atualmente prevalece o novo estágio, dados “a força normativa dos princípios constitucionais e o fortalecimento da jurisdição constitucional: elementos que compõem o marco doutrinário que confere suporte teórico ao neoconstitucionalismo”, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) proferido no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 477554/MG (BRASIL, 2011). Busca-se, assim, a eficácia das normas programáticas pela concretude dos princípios fundamentais e a reaproximação entre legalidade e ética, que balizam a expansão da jurisdição constitucional com eficácia irradiante (DEZEN JUNIOR, 2015, p. 1584-2578).

Hodiernamente o Estado Democrático de Direito, característica do Estado Constitucional, reconhece uma ordenação estatal mantenedora dos direitos fundamentais, individuais e coletivos (MORAES, 2019, p. 5-6).

O Brasil contempla a forma federativa de Estado, o regime de governo presidencialista e o sistema hierárquico de normas com garantia dos direitos fundamentais de efetiva realização, a separação funcional do poder estatal uno como forma de preservar as liberdades e o respeito à soberania popular (BULLOS, 2017, p. 1-53).

O STF esclareceu, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.024/DF, que

A “forma federativa de Estado” — elevado a princípio intangível por todas as Constituições da República — não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição; de resto as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege (BRASIL, 2007).

 

O Estado Federal rege-se pelo princípio do interesse e garante a autonomia aos entes federados, que se pauta pela repartição de todas as competências, inclusive legislativas, administrativas e tributárias (MORAES, 2019, p. 339-341).

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) (BRASIL, 1988) decorre do poder constituinte originário de inaugurar uma ordem jurídica inédita, autônoma e incondicionada, ressalvados os direitos fundamentais imanentes à cosmovisão do povo, a configuração do Estado soberano e as regras internacionais como as cláusulas pétreas limitadoras da atuação estatal, conforme exemplificado pelo STF no Mandado de Segurança nº 22164/SP (BRASIL, 1995).

Em última análise, da supremacia constitucional se origina o primado que é fundamento de validade do arcabouço normativo superveniente e da jurisprudência (K. G. CARVALHO, 2011, p. 235-236; COSTA, 2019, p. 1325). O STF pronunciou-se na Reclamação nº 4335/AC (BRASIL, 2014, p. 150-151) no seguinte sentido:

  1. Não se pode deixar de ter presente, como cenário de fundo indispensável à discussão aqui travada, a evolução do direito brasileiro em direção a um sistema de valorização dos precedentes judiciais emanados dos tribunais superiores, aos quais se atribui, cada vez com mais intensidade, força persuasiva e expansiva em relação aos demais processos análogos. Nesse ponto, o Brasil está acompanhando um movimento semelhante ao que também ocorre em diversos outros países que adotam o sistema da civil law, que vêm se aproximando, paulatinamente, do que se poderia denominar de cultura do stare decisis, própria do sistema da common law. A doutrina tem registrado esse fenômeno, que ocorre não apenas em relação ao controle de constitucionalidade, mas também nas demais áreas de intervenção dos tribunais superiores, a significar que a aproximação entre os dois grandes sistemas de direito (civil law e common law) é fenômeno em vias de franca generalização (BRASIL, 2014).

 

A Constituição conhecida como cidadã sobressai como a técnica jurídica que modela o poder estatal concernente à organização, à estrutura, à fixação de competências, aos limites de atuação, às normas programáticas e aos princípios fundamentais positivados que expressam a acepção axiológica da sociedade. Funda-se no princípio republicano da certeza e igualdade formal das pessoas. Os direitos humanos propagam-se em meio às normas-regras de preceitos valorativos, expandindo-se de modo a atender aos novos anseios derivados da incessante construção evolutiva da sociedade.

O Sistema Tributário Nacional (STN) previsto nos arts. 145 a 162 da CRFB (BRASIL, 1988) sinteticamente estabelece as competências da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, as limitações ao poder de tributar, a via legislativa própria das normas gerais de regência da matéria e a repartição das receitas derivadas. Está pautado na máxima da rule of law, o substrato da legalidade, da democracia, do acesso à justiça e do direito de petição que valida a supremacia do interesse público sobre o particular. Configura-se pela transferência compulsória de uma parcela da riqueza gerada pela sociedade ao patrimônio público. Na qualidade da função fiscal e arrecadatória, visa à manutenção das estruturas e organizações institucionais do Estado para fins de implementação das políticas públicas como implementação dos direitos humanos. Trata-se do “instrumento mais significativo pelo qual o sistema político põe em prática uma determinada concepção de justiça econômica ou distributiva” (P. B. CARVALHO, 2018, p. 4677-473; COSTA, 2019, p. 1229-1389). A preponderância do interesse público é incontestável, e por essa razão as normas têm caráter cogente inderrogável pela vontade dos sujeitos da relação jurídico-obrigacional. O STN tem principiologia própria, exegese peculiar e específica valoração fática (PAULSEN, 2020b, p. 474-568).

A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, denominada Código Tributário Nacional (CTN) (BRASIL, 1966), que foi recepcionada pelas normas constitucionais com estatura de lei complementar por “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária” (art. 146 da CRFB) (BRASIL, 1988), assim conceitua:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.

 

O tributo trata-se do preço da liberdade social e seu instrumento garantidor, já que “o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado”, caso em que o “Estado exerce o seu poder tributário sob a permanente limitação dos direitos fundamentais e de suas garantias constitucionais” (TORRES, 1999b, p. 14 e 59-60). Também pode ser entendido como o preço da cidadania, pois o “dever de pagar tributo, na realidade, certamente integra o feixe de relações jurídicas que se pode denominar estatuto do cidadão. Embora nem sempre tenha sido assim, pagar tributo é atualmente um dever fundamental do cidadão” (MACHADO, 2009, p. 11; K. G. CARVALHO, 2011, p. 587; BULLOS, 2002, p. 56).

Essa tese foi ratificada pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.556/DF (BRASIL, 2012), com base nos fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (arts 1º e 3º da CRFB) (BRASIL, 1988) conhecidos como metas prioritárias e vetores para edição e aplicação dos atos infraconstitucionais:

A tributação somente se legitima pela adesão popular e democrática, cujo expoente é a regra da legalidade (no taxation without representation). Sua expressão análoga no campo financeiro é a reserva legal para autorizar gastos públicos (no expenditure without representation).

 

 

No aspecto de direitos fundamentais, a tributação “viabiliza as possibilidades de se construir uma sociedade […] solidária, permitindo que as desigualdades sociais sejam reduzidas e a pobreza, bem como a marginalização, seja erradicada ou minimizada” (BUFFON, 2009, p. 264). Esclareça-se que “é a receita tributária que viabiliza a adoção de políticas públicas [e a] universalização do acesso [aos] direitos fundamentais” (GONÇALVES, 2018, p. 15).

A competência tributária constitucional indelegável, irrenunciável e exercida a qualquer tempo autoriza plenamente os sujeitos ativos, quais sejam a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, a instituir, modificar e extinguir tributos. A fixação de ordem constitucional é taxativa ou numerus clausus. A capacidade do ente tributante pode ser delegada, uma vez que há “atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra” (arts. 6º e 7º do CTN) (BRASIL, 1966).

O Distrito Federal, além de poder instituir impostos pertinentes aos Estados-membros cumulativamente, também o pode em relação aos Municípios. Há casos específicos da possibilidade do exercício comum a todos os entes tributantes. Cabe à União, em caráter residual, instituir impostos não cumulativos e que não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios diferentes daqueles já previstos, e extraordinariamente criar impostos na iminência ou em caso de guerra externa (arts. 145 a 162 da CRFB) (BRASIL, 1988).

A bitributação é vedada no caso de haver conflito de competência pelo desrespeito à esfera de competência entre os entes com base em um mesmo fato gerador. Por outro lado, o bis in idem permitido configura-se pela circunstância em que o mesmo sujeito ativo competente tribute mais de uma vez o sujeito passivo em razão da mesma causa, de acordo com o Recurso Especial nº 1429656/PR (BRASIL, 2014) proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) (CHIMENTI, 2018, p. 352-449).

O mecanismo de repartição das receitas tributárias é o pressuposto pacto federativo cooperativo ou de equilíbrio traduzido na harmonia que orienta as relações institucionais com o “absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes, que devem ser cada vez mais valorizados” (PAULSEN, 2020b, p. 1842-1927).

Os Estados-membros e Distrito Federal estão vinculados à celebração de convênios, para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais nos termos do art. 155 da CRFB (BRASIL, 1988) e da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975 (BRASIL, 1975), que constituem o enquadramento legal do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

Em conformidade com o STF, tem-se que:

Concessão de benefícios fiscais de ICMS independentemente de deliberação do CONFAZ. Guerra Fiscal. Violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal. 1. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal de que são inconstitucionais as normas que concedam ou autorizem a concessão de benefícios fiscais de ICMS (isenção, redução de base de cálculo, créditos presumidos e dispensa de pagamento) independentemente de deliberação do CONFAZ, por violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, os quais repudiam a denominada “guerra fiscal”. Precedentes (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.247) (BRASIL, 2011):

  1. Leis nº 13.212/2001 e 13.214/2001, do Estado do Paraná, que concederam benefícios fiscais de ICMS de várias espécies (isenção, redução de base de cálculo, créditos presumidos e dispensa de pagamento), sem a observância de lei complementar federal e sem a existência de convênio entre os Estados e o Distrito Federal. 3. Violação ao art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal. Inconstitucionalidade. Precedentes (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.548/PR) (BRASIL, 2007).

 

A concessão de benefícios fiscais de forma unilateral pelos Estados-membros e Distrito Federal justifica as restrições ao exercício da competência legislativa constitucional como mecanismo de impedimento da conhecida guerra fiscal.

 

  1. Cláusulas Pétreas

 

Princípios são inspirados nas normas com alto nível de generalização e abstracionismo. Significam o ponto de partida ou a razão que justifica a existência, organização e funcionamento de um sistema. Caracterizam-se por consubstanciar valores, ser interferentes por contraposição ou complementação, e ainda autoaplicáveis, autoconceituáveis e onivalentes. Classificam-se em: fundamentais ou gerais de direito; políticos constitucionalmente conformadores, que explicitam valores estruturantes; constitucionais impositivos, que orientam a ação dos poderes estatais; e garantidores, que têm conteúdo normativo (K. G. CARVALHO, 2011. p. 555-566).

As regras ampliam o grau de concretização e decorrem de proposições organizacionais de natureza instrumental e de preceitos disciplinadores primários, que prescrevem uma conduta, e secundários, que impõem sanção em decorrência da inobservância das proposições. Assim, são de elevado grau de especialidade e concretude (GARCIA, 2015, p. 105-115).

As limitações constitucionais ao poder de tributar abrangem um rol de princípios e regras previstos essencialmente em normas constitucionais destinadas a circunscrever o exercício do poder de legiferação.

A imutabilidade dos princípios constitucionais pauta-se pela máxima de que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir […] os direitos e garantias individuais”, alçando-os a cláusulas pétreas (art. 60 da CRFB) (BRASIL, 1988).

Os direitos fundamentais e garantias tributárias dos sujeitos passivos diante dos entes tributantes previstos na Constituição, último patamar de juridicidade e diretriz de conteúdo de ato infraconstitucional, formam um rol de dispositivos prevalentes de valores protegidos, que organizam o Estado. Trata-se da expressão da vontade do constituinte originário de defesa de uma valia como algo com estimação subjetiva soberana da sociedade e do Estado.

Os princípios que regem o STN estão qualificados como cláusulas pétreas na medida em que refletem limitações ao poder estatal de tributar e direcionar a atividade legislativa. Consubstanciam mecanismos de fomento da previsibilidade e da segurança jurídica e verdadeiras demarcações materiais ao poder constituinte derivado de alteração, não podendo assim haver supressões.

Tem-se que o:

princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula de modo inexorável o entendimento e aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam (CARRAZZA, 2021b, p. 42).

 

O estado de isolamento normativo é inadmissível, já que a disposição fundamental propaga-se de forma lógica pelo ordenamento jurídico pátrio que lhe atribui a vitalidade e lhe confere a relação de pertinência. A atividade cognoscitiva de interpretação deve ser efetivada de acordo com o conjunto legal em sentido amplo com o escopo de acomodar a permeabilidade de diretivas supremas às realidades social, econômica e política (CARRAZZA, 2021b, p. 33-57).

Sobre o tema, o STF firmou o entendimento de que os princípios constitucionais tributários qualificam-se como cláusulas pétreas:

  1. – o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, par. 2º, art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, “b” da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I, e art. 150, VI, “a”, da C.F.); 3. – a norma que, estabelecendo outras imunidades, impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: “b”): templos de qualquer culto; “c”): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e “d”): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939/DF) (BRASIL, 1994).

 

  1. O poder constituinte derivado não é ilimitado, visto que se submete ao processo consignado no art. 60, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal, bem assim aos limites materiais, circunstanciais e temporais dos §§ 1º, 4º e 5º do aludido artigo. 2. A anterioridade da norma tributária, quando essa é gravosa, representa uma das garantias fundamentais do contribuinte, traduzindo uma limitação ao poder impositivo do Estado (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 587008/SP) (BRASIL, 2011).

 

  1. O Sistema Tributário Nacional, encartado em capítulo próprio da Carta Federal, encampa a expressão “instituições de assistência social e educação” prescrita no art. 150, VI, “c”, cuja conceituação e regime jurídico aplica-se, por analogia, à expressão “entidades beneficentes de assistência social” contida no art. 195, § 7º, à luz da interpretação histórica dos textos das CF/46, CF/67 e CF/69, e das premissas fixadas no verbete da Súmula n° 730. É que até o advento da CF/88 ainda não havia sido cunhado o conceito de “seguridade social”, nos termos em que definidos pelo art. 203, inexistindo distinção clara entre previdência, assistência social e saúde, a partir dos critérios de generalidade e gratuidade. 8. As limitações constitucionais ao poder de tributar são o conjunto de princípios e demais regras disciplinadoras da definição e do exercício da competência tributária, bem como das imunidades. O art. 146, II, da CF/88, regula as limitações constitucionais ao poder de tributar reservadas à lei complementar, até então carente de formal edição. 9. A isenção prevista na Constituição Federal (art. 195, § 7º) tem o conteúdo de regra de supressão de competência tributária, encerrando verdadeira imunidade. As imunidades têm o teor de cláusulas pétreas, expressões de direitos fundamentais, na forma do art. 60, § 4º, da CF/88, tornando controversa a possibilidade de sua regulamentação através do poder constituinte derivado e/ou, ainda mais, pelo legislador ordinário (Recurso Extraordinário nº 636941/RS) (BRASIL, 2014).

 

  1. O Princípio da Anterioridade (art. 150, III, “b”, da CF), por configurar uma das maiores garantias tributárias do cidadão em face do Estado/Fisco, é consagrado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF (ADI 939, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ de 18/03/1994). Além de constituir garantia individual, assegura a possibilidade de o contribuinte programar-se contra a ingerência estatal em sua propriedade, preservando-se, pois, a segurança jurídica (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.733/DF) (BRASIL, 2019).

 

A legitimidade e a aceitação da exigência fiscal estão ancoradas na eficiência da consecução das políticas públicas atinentes aos direitos fundamentais. Trata-se de cláusulas pétreas que preservam esses direitos e garantem a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, não podendo ser alteradas pelo poder constituinte derivado. Esse regime proporciona condições para a consecução dos objetivos fundamentais republicanos da promoção do bem de todos de forma equânime, da redução das desigualdades sociais, da cidadania, da dignidade da pessoa humana como imperativo categórico, do pluralismo político e do desenvolvimento, dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º da CRFB) (BRASIL, 1988) (MACHADO SEGUNDO, 2019, p. 6-9).

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.557, de 2011 (BRASIL, 2011), com o escopo de instituir o Código de Defesa do Contribuinte em âmbito nacional como forma de proteger os “direitos fundamentais do contribuinte brasileiro, de forma a coibir ações infundadas, com fundamento nos princípios constitucionais de respeito à função social das normas tributárias e à dignidade humana”.

 

  1. Limitações ao Poder de Tributar

Os princípios constitucionais tributários expressam direitos fundamentais do sujeito passivo limitantes do poder estatal de tributar e postulados imperativos ou cláusulas pétreas que têm como destinatário o poder estatal personificado nas pessoas jurídicas de direito público, quais sejam União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios denominados sujeitos ativos (art. 145 da CRFB) (BRASIL, 1988).

 

3.1 Princípio da Legalidade

A legalidade tributária, reserva absoluta de lei infraconstitucional ou tipicidade cerrada, segue o primado do nullum tributum sine lege como dogma, pois é vedado aos entes federados “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” (art. 150 da CRFB) (BRASIL, 1988), observando-se que se equipara “à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso” (art. 97 do CTN) (BRASIL, 1966). No tocante à legislação tributária, as espécies compreendidas no processo legislativo, incluindo os tratados internacionais e decretos presidenciais, são consideradas como as fontes formais principais, além da própria Constituição e das suas emendas (AMARO, 2019, p. 2693-2702), conforme jurisprudência pacífica do STF:

A essência do direito tributário — respeitados os postulados fixados pela própria Constituição — reside na integral submissão do poder estatal à rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de lei (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.296/DF) (BRASIL, 1995).

 

A lei complementar tem processo diferenciado, e inexiste relação hierárquica com a lei ordinária (Recurso Extraordinário nº 377457/PR) (BRASIL, 2008). Está identificada por um rol em caráter exaustivo de conteúdo substantivo elencado nas normas constitucionais. O respectivo projeto deve ser aprovado por maioria absoluta em ambas as Casas do Poder Legislativo em um só turno. Tem divulgação oficial depois que o Presidente da República sancionar e promulgar o texto. Trata-se de diretiva reservada a dispor sobre conflitos de competência entre os entes federados, a regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e a estabelecer normas gerais. Vale destacar que matérias reservadas a lei complementar não podem ser editadas em medidas provisórias nem versar sobre tratados e convenções internacionais.

Tal lei destina-se a estabelecer critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência para as sociedades cooperativas, para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, bem como instituir, modificar e extinguir contribuições, empréstimos compulsórios, imposto sobre grandes fortunas e aqueles decorrentes do exercício da competência residual da União.

Essa legislação ainda é a orientação diretiva para a celebração de convênios de subordinação firmados entre Estados-membros e o Distrito Federal (Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975) (BRASIL, 1975) e entre os Municípios (Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003) (BRASIL 2003), visando harmonizar “a concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais”, uma vez que os entes tributantes não podem se servir de sua competência constitucional para promover a guerra fiscal, em conformidade com os pronunciamentos do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.458/AL (BRASIL, 2003) e no Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.705/DF (BRASIL, 2012) (AMARO, 2019, p. 3755-3846; PAULSEN, 2020b, p. 3807-3841).

A resolução do Senado Federal é a via adequada para tratar da fixação de limites mínimos e máximos de tributos de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal, inclusive com o intuito de evitar a guerra dos portos. Além disso, destina-se a “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”, nos termos dos arts. 52 e 155 da CRFB (BRASIL, 1988; PAULSEN, 220b, p. 3792-3803).

Por sua vez, a lei ordinária é a espécie normativa usual de regência de instituição, modificação e extinção de imposto, taxa e contribuição de melhoria, bem como de subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão. Somente tem publicidade após completado o rito de o projeto ser aprovado em um só turno por maioria simples, por uma Casa do Congresso Nacional, e revisto pela outra, quando então é enviado à sanção ou promulgação do Chefe do Poder Executivo, que pode expedir decretos e regulamentos para fiel execução da lei que não inovem na ordem jurídica (AMARO, 2019, p. 3854-3862).

O tratado ou a convenção internacional somente integram o ordenamento jurídico pátrio após se completar o iter de assinatura executiva, aprovação por decreto legislativo, ratificação com o respectivo depósito e finalmente promulgação e publicação respectiva do decreto presidencial.

Conforme a premissa da paridade normativa, os tratados como o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) (BRASIL, 1947) e convenções internacionais para evitar dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, “uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”, de modo a revogar ou modificar as normas internas sobre a matéria (AMARO, 2019, p. 3878-3872).

O STF assim se pronunciou:

Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em consequência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade (Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480/DF) (BRASIL, 2001).

 

  1. Salvo quando versem sobre direitos humanos, os tratados e convenções internacionais ingressam no direito brasileiro com status equivalente ao de lei ordinária. Em princípio, portanto, as antinomias entre normas domésticas e convencionais resolvem-se pelos tradicionais critérios da cronologia e da especialidade (Recurso Extraordinário com Agravo nº 766618/SP) (BRASIL, 2017).

 

O regime fiscal inserido em convenções internacionais para evitar dupla tributação (art. 98 do CTN) (BRASIL, 1966) (COÊLHO, 2020, p. 416-417) atinge tributos de competência de todos os entes federados, tal como o STF assentou:

Nada impede, portanto, que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária em matéria de tributos […], pois a República Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, que detém — em face das unidades meramente federadas — o monopólio da soberania e da personalidade internacional. – Considerações em torno da natureza político-jurídica do Estado Federal. Complexidade estrutural do modelo federativo. Coexistência, nele, de comunidades jurídicas parciais rigorosamente parificadas e coordenadas entre si, porém subordinadas, constitucionalmente, a uma ordem jurídica total (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 543943/PR) (BRASIL, 2011).

 

A medida provisória é ato normativo de edição exclusiva do Presidente da República com força de lei ordinária em casos excepcionais de demonstração dos pressupostos autorizadores concomitantes: relevância e urgência, dado o aspecto temporal do rito na tramitação de projeto de lei e a “razão positiva da disciplina”, tal como pronunciado pelo STF no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 592377/RS (BRASIL, 2015). Com força de lei ordinária, tem validade de sessenta dias, podendo ser prorrogada uma vez por igual período. Caso nesse prazo não seja convertida em lei pelo Congresso Nacional, perde sua eficácia (AMARO, 2019, p. 3871-3872).

Os decretos legislativos, atos exclusivos do Congresso Nacional, prestam-se à aprovação dos tratados internacionais e aos efeitos das medidas provisórias não convertidas em lei. Ao Senado Federal cabe emitir resoluções definindo as alíquotas de impostos de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal. Ademais, os entes políticos são responsáveis pela edição das normas complementares à legislação tributária (AMARO, 2019, p. 4192-4259).

Em caráter excepcional, o Poder Executivo pode editar lei delegada com natureza jurídica de lei ordinária, desde que autorizado expressamente pelo Poder Legislativo mediante resolução e em determinados limites (MORAES, 2019, p. 750-988). Esta resolução de “outorga parlamentar de funções normativas” “não pode ser validamente substituída, em tema de delegação legislativa, por lei comum”, nos termos do entendimento do STF:

A essência do direito tributário — respeitados os postulados fixados pela própria Constituição — reside na integral submissão do poder estatal à rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de lei. – A nova Constituição da República revelou-se extremamente fiel ao postulado da separação de poderes, disciplinando, mediante regime de direito estrito, a possibilidade, sempre excepcional, de o Parlamento proceder à delegação legislativa externa em favor do Poder Executivo. A delegação legislativa externa, nos casos em que se apresente possível, só pode ser veiculada mediante resolução, que constitui o meio formalmente idôneo para consubstanciar, em nosso sistema constitucional, o ato de outorga parlamentar de funções normativas ao Poder Executivo (Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.296/PE) (BRASIL, 1995).

 

Atenuando a estrita legalidade tributária, os decretos e regulamentos presidenciais (art. 84 da CRFB) (BRASIL, 1988) são expedidos em virtude de lei e para sua fiel execução. O campo de complemento à sua normatização é amplo, “integrando a própria norma tributária impositiva”, por serem equiparados a leis, tratados e convenções internacionais em matéria tributária (art. 100 do CTN) (BRASIL, 1966) (PAULSEN, 2020b, p. 3924-3943).

Hodiernamente, a judicialização fiscal provocada com efeito vinculante erga omnes se expande em decorrência da redemocratização brasileira, da constitucionalização abrangente e do próprio sistema de controle de constitucionalidade normativo que visa, inclusive, assegurar a uniformidade da interpretação da legislação federal. A expansão da litigiosidade mostra que se por um lado a sociedade civil “vem se tornando mais consciente de seus direitos e sua cidadania”, por outro constata-se um “espírito de emulação” pelo descumprimento de obrigações inclusive no trato de questões nacionais relevantes (BARROSO, 2018, p. 336-444).

Cabe observar que a legística abrange a common law ou direito consuetudinário, em que há contribuição da jurisprudência decorrente das normas já interpretadas, e a civil law, de origem romano-franco-germânica, em que a estrutura básica jurídica pauta-se pela lei em sentido amplo tal como o ordenamento jurídico brasileiro está estruturado. Há que ressaltar que a hermenêutica jurídica muito desenvolve e se aperfeiçoa no âmbito de um ordenamento jurídico pujante com boas leis a fomentar crescimento econômico, social e político de uma sociedade e propiciar a célere prestação jurisdicional, pois “lei clara não carece de interpretação”, do latim lex clara non indiget interpretatione (MACHADO, 2016. p. 73-74).

A teoria orientada pela ratio decidendi de precedentes, própria da common law, fixa teses jurídicas contendo racionalidade argumentativa promovida pelo obiter dictum na construção de normas. Porém, na sua aplicação há que se atentar para as técnicas da distinguishing da inadequação, da overruling e overriding (respectivamente, da superação total ou parcial), da signaling de revogação posterior, da transformation de incompatibilidade e da per incuriam da não vinculação. Essa sistemática, se por um lado prima pela isonomia de tratamento entre os jurisdicionados, segurança jurídica e celeridade processual, pelo outro distancia-se da inovação e da autonomia judicial (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 442-467).

Dada a complexidade do STN, o acesso em profusão ao Poder Judiciário para solução das controvérsias é uma realidade, o que tem aproximado o ordenamento jurídico pátrio na espécie do sistema common law firmado na verticalização de precedente vinculante o qual implementa a segurança jurídica como valor que tem primazia na legislação (MORAES, 2019, p. 788-872). A legislação tributária é complexa e caracterizada pela reduzida compilação e sistematização que obstaculiza sua cognoscibilidade, fatores que ensejam interpretações divergentes por parte do operador, distorções distributivas e redução de investimentos na produção de riquezas. Tais fatores incrementam a litigiosidade no âmbito administrativo e a judicialização, dada a vitalidade político-social contemporânea que fomenta a imprevisibilidade e a insegurança jurídicas. Esses instrumentos são utilizados como câmbio normativo do texto constitucional e do infraconstitucional com fundamento em princípios determinantes e conformadores, para reverberarem nas cortes judiciais e não nas instâncias políticas tradicionais (BÖKENFÖRDE, 2000, p. 181-182).

Tal procedimento pauta-se pelo implemento de mecanismo de uniformização e fixação de precedentes em caso de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito nos Tribunais superiores. O recurso selecionado como paradigma deve conter “abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida”. São objeto desses ritos específicos o recurso extraordinário com repercussão geral de temas “com relevância social, política, econômica ou jurídica, que transcendam os interesses subjetivos da causa” e o recurso especial repetitivo. Os demais recursos pendentes de julgamento com base em idêntica controvérsia ficam sobrestados até a decisão definitiva do leading case, nos termos dos arts. 1036 a 1041 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que institui o Código de Processo Civil (CPC) (BRASIL, 2015).

Nesse contexto, o STF também pode editar súmulas vinculantes sobre questão constitucional acerca de matérias que acarretem “grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” (art. 103-A da CRFB) (BRASIL, 1988). Os precedentes habilitados com efeito vinculante são aplicados como atos integrantes no rol da legislação tributária, sendo dotados de segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade e igualdade (LEMOS, 2009, p. 42-44; MORAES, 2019, p. 313-314, 333, 644-652; SERAU; REIS, 2009, p. 25-28).

 

3.2 Princípio da Irretroatividade

Por via de regra, a irretroatividade da lei permeia o sistema jurídico brasileiro, já que a lei em vigor tem efeito prospectivo imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito consumado conforme a legislação de regência, o direito adquirido que o titular exerça nas condições previstas e a coisa julgada da decisão judicial de que já não caiba recurso (BRASIL, 1942). Essas disposições aplicam-se à legislação tributária inovadora que tem efeitos prospectivos imediatamente aos fatos geradores futuros e àqueles iniciados ainda pendentes de definitividade de ocorrência.

Vedada está a cobrança de tributos pelos entes federados “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. A não surpresa ou segurança jurídica é corolário da legalidade pela imprescindibilidade prévia de normatividade do gravame. Em geral, a lei tributária tem vigência a partir da data da publicação, porém o atributo de vigor com força vinculante emerge após observados os critérios constitucionais de anterioridades específicas, lapso temporal em que se verifica a sua vacância, vacatio legis, conforme art. 150 da CRFB (BRASIL, 1988) (MAZZA, 2020, p 7794-7931; COSTA, 2019, p. 1519).

Em caráter de absoluta excepcionalidade, a lei declarada interpretativa sobre existência de fundada dúvida sobre o conteúdo normativo aplica-se aos atos ou fatos pretéritos. O critério de não inovação na ordem jurídica é o pressuposto, pois “a retroprojeção normativa da lei deve limitar-se tão somente a reproduzir”, “ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance”, não podendo gerar nem produzir gravames, tal como o STF assentou na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 605/DF (BRASIL, 199) (MAZZA, 2020 p. 7799-7869).

As regras intertemporais de procedimentos sujeitam-se à retroatividade da norma que amplia os poderes de investigação das autoridades administrativas e institui novos critérios de apuração das exigências fiscais, outorgando-lhe maiores garantias e privilégios nos termos do art. 144 do CTN (BRASIL, 1966) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1134665/SP proferido pelo STJ (BRASIL, 2009) (COÊLHO, 20202, p. 506-507; BALEEIRO; DERZI, 2018, p. 1203-1204).

A sanção tributária, corporificada em multa pecuniária, é aplicada em razão do descumprimento da obrigação ex lege no prazo, no tempo e no lugar prescritos por norma jurídica primária. Em se tratando de ato não definitivamente julgado, a lei incide sobre fato pretérito, quando deixa de defini-lo como infração ou contrário a qualquer exigência, incorporando mutatis mutandis o léxico penal abolitio criminis, ainda “quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática” (art. 106 do CTN) (BRASIL, 1966).

Em caso de superveniência de lei que defina penalidade menos gravosa, a legislação tributária acolhe o princípio da retroatividade benigna como “garantia mínima do contribuinte”, desde que o ato não tenha sido definitivamente julgado, de acordo com o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 647518/SP (BRASIL, 2008) e o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 922984/SP (BRASIL, 2009), ambos proferidos pelo STJ. Esses preceitos foram tomados de empréstimo da legislação penal conforme pacificada pelo STF, e por essa razão, pela lógica teleológica, não devem ser potencializados no trato da legislação tributária, tendo em vista o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 86005/SP (BRASIL, 1982) e o Recurso Extraordinário nº 407190/RS (BRASIL, 2005) (COÊLHO, 2020, p. 423-426).

A legislação tributária penal, jus tributandi, prevê sanções, em regra pecuniárias. Origina-se do descumprimento de obrigações principais de dar como objeto o pagamento de tributo decorrente da ocorrência do fato gerador e de obrigações acessórias de fazer, não fazer ou tolerar procedentes de desobediências de prestação de informações no interesse da arrecadação ou da fiscalização, circunstâncias que não elidem o pagamento do crédito (art. 113 do CTN) (BRASIL, 1966). Nesse caso, tem-se a imposição de multas derivadas pela não observância de determinações compulsórias cogentes com atributo de autoexecutoriedade de natureza administrativa que implicam sanções administrativas, já que tributo não constitui sanção de ato ilícito ou crime (SHOUERI, 2019, p. 23410-23443).

 

3.3 Princípio da Anterioridade

Aos entes federados é vedado cobrar tributo no mesmo ano civil (art. 34 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964) (BRASIL, 1964) “em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” e “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (art. 150 da CRFB) (BRASIL, 1988). Os princípios da anterioridade abrangem a anual ou genérica e a nonagesimal ou especial, estando estreitamente associados à não surpresa, à segurança, à confiança e à previsibilidade. Tais princípios têm como conteúdo a instituição e majoração de tributo, definição de novas hipóteses de incidência, bem como extinção e redução de isenções (art. 104 do CTN) (BRASIL, 1966).

O STF assim se manifestou:

[…] imperativa a observância do princípio da anterioridade, geral e nonagesimal (art. 150, III, b e c, da Constituição Federal), em face de aumento indireto de tributo decorrente da redução da alíquota de incentivo” “Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 1040084/RS) (BRASIL, 2018).

 

A majoração da alíquota do IPI, passível de ocorrer mediante ato do Poder Executivo – artigo 153, § 1º –, submete-se ao princípio da anterioridade nonagesimal previsto no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal (Medida Cautelar na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 4661/DF) (BRASIL, 2012).

 

Essas condições de procedibilidade legiferante são exigidas de forma cumulativa ou isoladamente, e estão enumeradas por um rol taxativo nas normas constitucionais (SHOUERI, 2019, p. 9405-9808; AMARO, 2019, p. 2885-3118; PAULSEN, 2020b, p. 2900-3039).

Os atos expedidos pelas autoridades administrativas com natureza de normas em sentido amplo submetem-se aos princípios das anterioridades, exceto nos casos em que se altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária, tendo em vista o enunciado da Súmula Vinculante STF nº 50, que prevê que a “Norma legal que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade” (BRASIL, 2015).

 

3.4 Princípio da Igualdade

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade” (BARBOSA, 1999, p. 26).

A igualdade tributária veda aos entes federados “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”. Tem base axiológica no postulado da igualdade que considera que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e na ideia de justiça contida no princípio republicano (arts. 5º e 150 da CRFB) (BRASIL, 1988).

Sobressaem os entendimentos do STF:

  1. Tributário. Sistema ‘Simples’. Art. 9º da Lei 9.317/96. Ofensa ao princípio da isonomia. Inocorrência (Recurso Extraordinário nº 411781/PR, BRASIL, 2007).

 

Sob o pretexto de tornar efetivo o princípio da isonomia tributária, não pode o Poder Judiciário estender benefício fiscal sem que haja previsão legal específica. No caso em exame, a eventual conclusão pela inconstitucionalidade do critério que se entende indevidamente restritivo conduziria à inaplicabilidade integral do benefício fiscal. A extensão do benefício àqueles que não foram expressamente contemplados não poderia ser utilizada para restaurar a igualdade de condições tida por desequilibrada (Recurso Extraordinário nº 405579/PR) (BRASIL, 2011).

 

  1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo. 2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira. 3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo. 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (Recurso Extraordinário nº 601314) (BRASIL, 2016).

 

  1. O princípio da isonomia, refletido no sistema constitucional tributário (art. 5º c/c art. 150, II, CRFB/88) não se resume ao tratamento igualitário em toda e qualquer situação jurídica, mas, também, na implementação de medidas com o escopo de minorar os fatores discriminatórios existentes, impondo, por vezes, tratamento desigual em circunstâncias específicas e que militam em prol da igualdade. 2. A isonomia sob o ângulo da desigualação reclama correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida que justifique os interesses protegidos na Constituição (adequada correlação valorativa). 3. A norma revela-se antijurídica, ante as discriminações injustificadas no seu conteúdo intrínseco, encerrando distinções não balizadas por critérios objetivos e racionais adequados (fundamento lógico) ao fim visado pela diferenciação (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 640905/SP) (BRASIL, 2018).

 

Essa igualdade reflete no sistema constitucional, inclusive “na implementação de medidas com o escopo de minorar os fatores discriminatórios existentes, impondo, por vezes, tratamento desigual em circunstâncias específicas e que militam em prol da igualdade” na “adequada correlação valorativa” (SHOUERI, 2019, p. 10023-10284; AMARO, 2019, p. 3127-3173; PAULSEN, 2020b, p. 1646-1756).

 

3.5 Princípio da Capacidade Contributiva

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, considerando-se os direitos individuais, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas, já que esta se identifica com o “fato-signo presuntivo de riqueza”, traduzido no potencial de suportar o encargo financeiro fiscal (art. 145 da CRFB) (BRASIL 1988).

Em se tratando de projeção da igualdade e da solidariedade, o postulado da capacidade contributiva é orientado para que a despesa pública seja rateada equitativamente na medida da fruição de riqueza garantida pela própria estrutura estatal. Encerra-se no limite condicional do possível atribuído a impostos e segue o imperativo da justiça fiscal, preservando o mínimo vital e evitando excessos.

O STF manifestou-se nesse sentido:

  1. Capacidade contributiva que deve ser aferida a partir da propriedade imóvel individualmente considerada e não sobre todo o patrimônio do contribuinte. Noutras palavras, objetivamente falando, o princípio da capacidade contributiva deve consubstanciar a exteriorização de riquezas capazes de suportar a incidência do ônus fiscal e não sobre outros signos presuntivos de riqueza (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral com Agravo nº 643686/BA) (BRASIL, 2013).

 

Esse postulado contempla os critérios da progressividade da alíquota do tributo na medida em que é acrescida à base de cálculo, da proporcionalidade quando há relação de grandeza entre ambos, e da seletividade em razão inversa da essencialidade do bem (SABBAG, 2020, p. 729-786; SHOUERI, 2019, p. 10111-10133; CARRAZZA, 2016a, p. 1488; AMARO, 2019, p. 3202-3318; PAULSEN, 2020b, p. 1437-1522).

 

3.6 Princípio da Vedação ao Confisco

Os entes tributantes estão impedidos de se valer do tributo com efeito de confisco, cuja expressão trata-se de conceito jurídico indeterminado na ordem constitucional. O exame do conjunto probatório fático da situação ocorrente é imprescindível para evidenciar esta circunstância de “absorção substancial da propriedade privada”. O requisito paradigmático do excesso consiste no quantum que ponha em risco a totalidade dos bens e direitos ou exceda o modelo constitucional da capacidade contributiva dotada de equidade, proporcionalidade e razoabilidade.

O STF revelou que:

  1. É possível realizar uma dosimetria do conteúdo da vedação ao confisco à luz da espécie de multa aplicada no caso concreto. 2. Considerando que as multas moratórias constituem um mero desestímulo ao adimplemento tardio da obrigação tributária, nos termos da jurisprudência da Corte, é razoável a fixação do patamar de 20% do valor da obrigação principal (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 727872/RS) (BRASIL, 2015).

 

Pretendida violação ao preceito inscrito no art. 150, inciso IV, da Constituição Federal – caráter alegadamente confiscatório da multa tributária cominada em lei – considerações em torno da vedação constitucional do tributo confiscatório – indeterminação conceitual, no plano da constituição da república, da noção de efeito confiscatório – doutrina – necessária indagação, em cada caso ocorrente, de elementos fáticos essenciais à constatação do caráter de confisco da obrigação tributária – imprescindibilidade de reexame de índole fático-probatória (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 831377/MG) (BRASIL, 2015).

 

Certo é que esse princípio compreende uma cláusula aberta a reclamar uma diretiva genérica e imparcial aplicável a destinatários indeterminados. A “desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica” é fator determinante da interdição injusta da apropriação estatal que comprometa os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (COSTA, 2019, p. 1669-1707; MACHADO SEGUNDO, 2019, p. 72-74).

 

3.7 Princípio do Sigilo Fiscal

Tendo como fundamento de validade o sigilo de dados e a inviolabilidade da vida privada e da intimidade (art. 5º da CRFB) (BRASIL, 1988), a Fazenda Pública está proibida de divulgar informação a que tenha acesso em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, exceto sobre representações fiscais para fins penais, inscrições na dívida ativa e parcelamentos. Nos limites normativos, é permitida a assistência mútua e permuta de informações para atender as solicitações de autoridade administrativa, a requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça, os convênios entre os entes federados e, cumprindo padrões internacionais, a União entre Estados estrangeiros, de acordo com os arts. 197 a 199 do CTN (BRASIL, 1966) e o Decreto nº 8.842, de 29 de agosto de 2016 (BRASIL, 2016).

Sem necessidade de prévia autorização judicial, a autoridade administrativa pode examinar registros das instituições financeiras quando indispensáveis na apuração de fatos tributáveis e desde que haja procedimento instaurado e o “translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”, tal como expresso na Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001).

O STF estabeleceu:

O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 601314/SP) (BRASIL, 2016).

 

Os entes federados devem assegurar a execução do acesso à informação em conformidade com a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e o sigilo como exceção (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011) (BRASIL, 2011). Em contrapartida, os dados pessoais devem ser protegidos e tratados “para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço” (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) (BRASIL, 2018) (SHOUERI, 2019, p. 25099-25191; AMARO, 2019, p. 9897-9947; PAULSEN, 2020b, p. 7104-7271).

 

3.8 Princípio da Liberdade de Tráfego

Aos entes políticos é vedado instituir tributos interestaduais ou intermunicipais como forma de restringir o exercício da liberdade ao tráfego de pessoas ou bens de qualquer natureza, ainda que de forma indireta como instrumento de constrangimento ilegal. Essa limitação constitucional não se aplica na exigência de “pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público” (arts. 150 e 173 da CRFB) (BRASIL, 1988).

O STF declarou:

Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu (Súmula nº 545) (BRASIL, 1969).

 

Como a regra, agora, é a da concessão sem exclusividade (art. 16), o usuário teria sempre a liberdade de escolha entre os vários prestadores de serviço público (linhas de ônibus, por exemplo). Todavia, havendo exclusividade na sua prestação, a liberdade de escolha do usuário ficaria restrita à utilização ou não do serviço’ (op. cit., p. 160). Não fosse assim, “se por liberdade de escolha se entendesse, no caso de concessão de rodovia, a possibilidade de optar por uma via alternativa de livre trânsito, gratuita, ter-se-ia que entender que, para se cobrar tarifa pela prestação de serviço público de telecomunicações, água e esgoto, energia ou gás canalizado, seria necessária a existência de um serviços público de telecomunicações, água e esgoto, energia ou gás canalizado prestado gratuitamente pelo Poder Público, o que seria inconcebível”. (Antônio Carlos Cintra do Amaral, Decisões e Pareceres Jurídicos sobre Pedágio, ABCR, São Paulo, 2002, p. 31). Essa forma de interpretação é a que melhor atende à necessária compatibilidade da lei com a Constituição, que, como se disse, autorizou a cobrança de pedágio ainda que isso pudesse importar limitação ao tráfego de pessoas e de bens (Recurso Extraordinário nº 483251/PR) (BRASIL, 2011).

 

  1. O pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público, cuja cobrança está autorizada pelo inciso V, parte final, do art. 150 da Constituição de 1988, não tem natureza jurídica de taxa, mas sim de preço público, não estando a sua instituição, consequentemente, sujeita ao princípio da legalidade estrita (Ação Direta de Constitucionalidade nº 800/RS) (BRASIL, 2014).

 

Essa taxa difere dos tributos abrangidos por esse princípio, já que a cobrança desse preço público é fixada por critérios de equidade e não está condicionada à prévia autorização orçamentária, apesar de compulsória pela reciprocidade, “porquanto o recolhimento dos valores nos postos de cobrança é a condição para que se transite” nas vias pedagiadas (SHOUERI, 2019, p. 4016-4138; AMARO, 2019, p. 3349-3386; PAULSEN, 2020b, p. 3071-3099).

 

3.9 Princípio da Transparência dos Tributos

No contexto da responsabilidade política, os consumidores têm direito a informações constantes em documentos fiscais sobre a totalidade de tributos incidentes na determinação do valor de venda, de acordo com o art. 150 da CRFB (BRASIL, 1988) e a Lei nº 12.741, de 8 de dezembro de 2012 (BRASIL, 2012).

O STF evidenciou:

  1. O grande desafio da Democracia representativa é fortalecer os mecanismos de controle em relação aos diversos grupos de pressão, não autorizando o fortalecimento dos “atores invisíveis de poder”, que tenham condições econômicas de desequilibrar o resultado das eleições e da gestão governamental. 2. Os princípios democrático e republicano repelem a manutenção de expedientes ocultos no que concerne ao funcionamento da máquina estatal em suas mais diversas facetas. É essencial ao fortalecimento da Democracia que o seu financiamento seja feito em bases essencialmente republicanas e absolutamente transparentes. Prejudica-se o aprimoramento da Democracia brasileira quando um dos aspectos do princípio democrático — a democracia representativa — se desenvolve em bases materiais encobertas por métodos obscuros de doação eleitoral. 3. Sem as informações necessárias, entre elas a identificação dos particulares que contribuíram originariamente para legendas e para candidatos, com a explicitação também destes, o processo de prestação de contas perde em efetividade, obstruindo o cumprimento, pela Justiça Eleitoral, da relevantíssima competência estabelecida no art. 17, III, da CF (Ação Direta de Constitucionalidade nº 5.394/DF) (BRASIL, 2018).

 

Tal princípio possui grande valor, visto que é “essencial ao fortalecimento da democracia que o seu financiamento seja feito em bases essencialmente republicanas e absolutamente transparentes” (SHOUERI, 2019, p. 1542-1546; AMARO, 2019, p. 3386-3394).

 

3.10 Princípio do Tratamento Fiscal Simplificado, Diferenciado e Favorecido

Este princípio fundamental da ordem econômica prescreve que os entes federados devem conferir às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento simplificado, diferenciado e favorecido em relação ao cumprimento das obrigações tributárias, conforme arts. 170 e 179 da CRFB (BRASIL, 1988) e Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (BRASIL, 2006). As pessoas jurídicas de menor potencial competitivo no mercado são as destinatárias desse estímulo à livre-iniciativa com o propósito de evitar o desequilíbrio concorrencial, em consonância com os fundamentos da isonomia e da capacidade contributiva.

O STF evidenciou:

  1. A isenção concedida não viola o art. 146, III, d, da Constituição, pois a lista de tributos prevista no texto legal que define o campo de reserva da lei complementar é exemplificativa e não taxativa. Leitura do art. 146, III, d, juntamente com o art. 170, IX da Constituição. 3.1. O fomento da micro e da pequena empresa foi elevado à condição de princípio constitucional, de modo a orientar todos os entes federados a conferir tratamento favorecido aos empreendedores que contam com menos recursos para fazer frente à concorrência. Por tal motivo, a literalidade da complexa legislação tributária deve ceder à interpretação mais adequada e harmônica com a finalidade de assegurar equivalência de condições para as empresas de menor porte. 4. Risco à autonomia sindical afastado, na medida em que o benefício em exame poderá tanto elevar o número de empresas a patamar superior ao da faixa de isenção quanto fomentar a atividade econômica e o consumo para as empresas de médio ou de grande porte, ao incentivar a regularização de empreendimentos. 5. Não há violação da isonomia ou da igualdade, uma vez que não ficou demonstrada a inexistência de diferenciação relevante entre os sindicatos patronais e os sindicatos de representação de trabalhadores, no que se refere ao potencial das fontes de custeio (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.033/DF) (BRASIL, 2011).

 

  1. O Simples Nacional surgiu da premente necessidade de se fazer com que o sistema tributário nacional concretizasse as diretrizes constitucionais do favorecimento às microempresas e às empresas de pequeno porte. A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em consonância com as diretrizes traçadas pelos arts. 146, III, d, e parágrafo único; 170, IX; e 179 da Constituição Federal, visa à simplificação e à redução das obrigações dessas empresas, conferindo a elas um tratamento jurídico diferenciado, o qual guarda, ainda, perfeita consonância com os princípios da capacidade contributiva e da isonomia. 2. Ausência de afronta ao princípio da isonomia tributária. O regime foi criado para diferenciar, em iguais condições, os empreendedores com menor capacidade contributiva e menor poder econômico, sendo desarrazoado que, nesse universo de contribuintes, se favoreçam aqueles em débito com os fiscos pertinentes, os quais participariam do mercado com uma vantagem competitiva em relação àqueles que cumprem pontualmente com suas obrigações. 3. A condicionante do inciso V do art. 17 da LC 123/06 não se caracteriza, a priori, como fator de desequilíbrio concorrencial, pois se constitui em exigência imposta a todas as pequenas e as microempresas (MPE), bem como a todos os microempreendedores individuais (MEI), devendo ser contextualizada, por representar, também, forma indireta de se reprovar a infração das leis fiscais e de se garantir a neutralidade, com enfoque na livre concorrência (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 627543/RS) (BRASIL, 2014).

 

A microempresa ou a empresa de pequeno porte que preencham as condições legais podem optar de forma irretratável para todo o ano calendário pelo “Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional” de tributos federais, municipais, distritais e municipais. Essa sistemática diferenciada, simplificada e favorecida de tributação é administrada pelo Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), formado por representantes dos entes federados.

 

3.11 Princípio da Imunidade Tributária

As normas constitucionais que conferem competências tributárias aos entes federados também vedam a exigência de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, delimitando expressamente o campo de incidência tributária como exonerações qualificadas, nos termos do art. 150 da CRFB (BRASIL, 1988).

O STF demonstrou que:

  1. A imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal — extensiva às autarquias e fundações públicas — tem aplicabilidade restrita a impostos, não se estendendo, em consequência, a outras espécies tributárias, a exemplo das contribuições sociais. Precedentes (Agravo Regimental no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 831381/PR) (BRASIL, 2018).

 

  1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que o princípio da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a) — ainda que se discuta a sua aplicabilidade a outros tributos, que não os impostos — não pode ser invocado na hipótese de contribuições previdenciárias (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.024/DF) (BRASIL, 2007).

 

  1. A imunidade tributária recíproca alcança apenas as finalidades essenciais da entidade protegida. O reconhecimento da imunidade tributária às operações financeiras não impede a autoridade fiscal de examinar a correção do procedimento adotado pela entidade imune. Constatado desvio de finalidade, a autoridade fiscal tem o poder-dever de constituir o crédito tributário e de tomar as demais medidas legais cabíveis. Natureza plenamente vinculada do lançamento tributário, que não admite excesso de carga (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 259976/RS) (BRASIL, 2010).

 

Onde quer que se oficie um culto, aí é o templo. No Brasil, o Estado é laico. Não tem religião oficial. A todas respeita e protege, não indo contra as instituições religiosas com o poder de polícia ou o poder de tributar […] É fácil percebermos que esta alínea ‘b’ visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos (Recurso Extraordinário nº 562351/RS) (BRASIL, 2012).

 

Trata-se de hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada como um direito fundamental, que afasta a irradiação da regra matriz por força da norma negativa de competência. Observe-se que esse favor fiscal subjetivo atinge somente as funções típicas, excluídas as atividades econômicas exercidas em regime de livre concorrência.

A imunidade recíproca alcança os entes políticos como garantia da forma federativa estatal, em virtude da ausência de capacidade contributiva por parte deles, e do repasse do produto da arrecadação na repartição de receitas tributárias. A sua extensão às autarquias e fundações públicas está restrita às finalidades essenciais da entidade protegida.

A proteção à liberdade de crença é favorecida mediante concessão de imunidade a qualquer culto, com a finalidade de “assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais”.

Os partidos políticos, inclusive suas fundações, as entidades sindicais dos trabalhadores e as instituições de educação e de assistência social sem finalidade lucrativa, pessoas jurídicas de direito privado alcançadas pela imunidade, estão sujeitos ao cumprimento de requisitos legais, tais como não remunerar seus dirigentes pelos serviços, “aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais, manter escrituração completa, cumprir as obrigações acessórias e assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição da mesma natureza”, conforme art. 14 do CTN (BRASIL, 1966), Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002) e arts. 12 a 14 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997 (BRASIL, 1997).

O enunciado da Súmula nº 612 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) prescreve:

O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade (BRASIL, 2018).

 

Os enunciados do STF pacificaram:

Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas (Súmula Vinculante nº 52) (BRASIL, 2015).

 

A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias (Súmula Vinculante nº 57) (BRASIL, 2020).

 

Privilegiando-se a liberdade de informação, manifestação do pensamento e estímulo à cultura, são imunes de impostos os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, incluindo o livro eletrônico, bem como as obras artísticas em geral, produzidas internamente por autores e interpretadas por artistas nacionais. Hodiernamente, a “interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos” (COSTA, 2019, p. 1750-2249; AMARO, 2019, p. 3456- 3613; PAULSEN, 2020b, p. 2190-2632).

A imunidade tributária nas exportações não alcança o sujeito passivo, mas sim o bem ou serviço a ser exportado. Esse benefício fiscal, porém, não alcança o lucro das pessoas jurídicas exportadoras.

Nesse sentido, o STF divulgou o seguinte:

  1. O melhor discernimento acerca do alcance da imunidade tributária nas exportações indiretas se realiza a partir da compreensão da natureza objetiva da imunidade, que está a indicar que imune não é o contribuinte, ‘mas sim o bem quando exportado’, portanto, irrelevante se promovida exportação direta ou indireta. 2. A imunidade tributária prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição, alcança a operação de exportação indireta realizada por trading companies, portanto, imune ao previsto no art. 22-A, da Lei n. 8.212/1991. 3. A jurisprudência deste STF […] prestigia o fomento à exportação mediante uma série de desonerações tributárias que conduzem à conclusão da inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º, dos arts. 245 da IN 3/2005 e 170 da IN 971/2009, haja vista que a restrição imposta pela Administração Tributária não ostenta guarida perante a linha jurisprudencial desta Suprema Corte em relação à imunidade tributária prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição. 4. Fixação de tese de julgamento para os fins da sistemática da repercussão geral: “A norma imunizante contida no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação de sociedade exportadora intermediária”. (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 759244/SP) (BRASIL, 2020).

 

Imunidade – Capacidade Ativa Tributária. A imunidade encerra exceção constitucional à capacidade ativa tributária, cabendo interpretar os preceitos regedores de forma estrita. Imunidade – Exportação – Receita – Lucro. A imunidade prevista no inciso I do § 2º do artigo 149 da Carta Federal não alcança o lucro das empresas exportadoras. Lucro – Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – Empresas Exportadoras. Incide no lucro das empresas exportadoras a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 564413/SC) (BRASIL, 2010).

 

Com relação à desoneração tributária das exportações brasileiras, o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) forneceu a seguinte explicação:

 

O tratamento fiscal das exportações brasileiras segue a prática mundial e busca a desoneração dos tributos indiretos sobre as exportações. Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 definiu que não incidem sobre as exportações brasileiras o IPI (art. 153, § 3º, III), o ICMS (art. 155, § 2º, X, “a”) e as Contribuições Sociais e de Intervenção no Domínio Econômico, tais como o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS (art. 149, § 2º, I). Além de não incidirem sobre o faturamento das exportações, o exportador mantém o direito ao crédito gerado pela incidência desses tributos sobre a aquisição dos insumos empregados nos produtos exportados. Portanto, os valores correspondentes a esses tributos não devem compor o preço do produto final exportado (BRASIL, 2021).

 

O tratamento fiscal das exportações de bens ou serviços nacionais observa a práxis universal e busca a desobrigação fiscal de bens e serviços nacionais, propiciando a competitividade no cenário internacional. Compreende os impostos sobre industrialização de produtos, comercialização de mercadorias e de serviços, e ainda as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico (arts. 149, 153, 155, e 156 da CRFB) (BRASIL, 1988).

 

Considerações Finais

A premissa basilar do Estado soberano é que suas estruturas e organizações institucionais, bem como o exercício de suas atribuições, sejam mantidas pela transferência compulsória de uma parcela da riqueza gerada pela sociedade ao patrimônio público mediante receitas derivadas decorrentes de tributos. Trata-se de “preço da liberdade” que salvaguarda a democracia fiscal e a garantia dos direitos fundamentais.

Com relação ao STN, verifica-se que é eminentemente constitucional, com a fixação da competência dos sujeitos ativos da Federação, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios para a criação de tributos.

As limitações ao poder estatal de tributar pautadas em princípios positivados estão alçadas a cláusulas pétreas, em relação às quais é vedada a deliberação legislativa destinada a revogá-las, consolidando-se assim o seu aspecto republicano.

A legalidade consolida que não se pode “exigir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça”, contemplando normas elaboradas por distintos processos legislativos e tratados internacionais. O conjunto de numerosos atos pertinentes à legislação tributária proporciona abundância interpretativa que se propaga em provimentos jurisdicionais vinculantes que se acercam do direito consuetudinário.

A irretroatividade resguarda a exigência de tributos com base na legislação que os institui ou aumenta, não alcançando fatos geradores ocorridos antes da sua vigência. Excepcionalmente, têm efeitos retroativos as leis declaradas interpretativas, aquelas que ampliam os poderes fiscais de investigação, e ainda as que cominem penalidades pecuniárias menos gravosas.

A anterioridade impede a exigência de tributo no ano civil “em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” e “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”, conforme o caso.

A igualdade obstrui tratamento discriminatório injustificado no sentido de que a lei não pode “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”.

A capacidade contributiva direciona a tributação com base no fato presuntivo de riqueza como limite condicional do possível.

A utilização de tributo com a finalidade de confisco é vedada, com o escopo de impor obstáculo à assimilação de parte vultosa da propriedade privada.

O sigilo fiscal reconhece a inviolabilidade da vida privada e da intimidade da pessoa, uma vez que a Administração Pública está impedida de divulgar informações a que tenha acesso em razão de ofício.

O tributo não pode restringir o exercício da liberdade de tráfego de pessoas e bens.

A transparência dos tributos abriga o direito dos consumidores de acesso a informações constantes em documentos fiscais sobre a totalidade de tributos incidentes na determinação do valor de venda.

O tratamento fiscal simplificado, diferenciado e favorecido destinado às microempresas e empresas de pequeno porte é aplicado em razão do notório reduzido potencial competitivo de mercado, sendo um instrumento de estímulo à livre-iniciativa da atividade econômica.

A imunidade trata da não incidência tributária qualificada que tem como componente principal valores sociais positivados.

No contexto de um sistema jurídico de imperfeições axiológicas dos princípios elementares, emergem o dinamismo e a fluidez de fenômenos sociais e diversidade dos fatos da vida que impressionam os sentidos distinguidos por propriedades específicas. Tais circunstâncias afetam a estática e transitoriedade do ordenamento, inspirando-o ao ânimo progressista, ao aperfeiçoamento dos critérios dogmáticos e à paulatina assimilação destas potências infracionais para depuração irradiante que se prolonga no tempo, contribuindo sobremaneira para a construção de relações fiscais seguras e previsíveis.

 

Referências

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BALEEIRO, Aliomar; DERZI, Misabel. Direito tributário brasileiro: ctn comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. Kindle.

 

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BARROSO. Luís Roberto. A judicialização da vida e o papel do supremo tribunal federal. Belo Horizonte: Fórum, 2018. Kindle.

 

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[1] Especialização em Direito pela PUC/Minas, pela Unicid, pela UGF e pela UnP. Graduação em Administração de Empresas e Ciências Contábeis pela UFMG e em Direito pelas Faculdades Milton Campos. Funcionária Pública Federal.

[2] Especialização em Português pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá e em Direito Administrativo pela Faculdade Signorelli. Graduação em Ciência da Computação pela PUC/Minas. Funcionária Pública Estadual.

 

Âmbito Jurídico

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