Coleta, documentação e transferência de evidências biológicas destinadas a testes forenses de DNA

Existem centenas de tipos de evidências físicas que usualmente são submetidas aos laboratórios de genética forense pelas agências policiais. A coleta de material biológico relacionado a ilícitos legais e os procedimentos preliminares para exame de identificação humana por DNA devem seguir padrões rígidos a fim de assegurar o sucesso das análises. De modo dramático, os laboratórios especializados em tipagem humana por DNA no Brasil recebem com freqüência materiais coletados e armazenados de modo inapropriado. Este trabalho reune uma série de conceitos básicos para que estes procedimentos sejam realizados de forma a garantir o sucesso das análises laboratoriais.

1. Introdução

Evidências físicas que não são coletadas, documentadas e preservadas de modo apropriado não possuem valor científico em investigações criminais. Para a correta identificação de criminosos a partir da análise de DNA e a manutenção da cadeia de custódia, deve-se seguir parâmetros rígidos para todas as etapas do processo. É comum encontrar-se um número altíssimo de amostras biológicas em locais onde se desenvolveram crimes violentos e, por vezes,  é possível obter-se centenas de evidências biológicas em um único ambiente (Paradela et al., 2001).

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Ao longo de investigações criminais, os principais materiais submetidos a análise de DNA incluem sangue e manchas de sangue; sêmen e manchas de sêmen; fios de cabelo (com raiz); tecidos, ossos e órgãos. Outras fontes como urina, saliva e fezes também podem ser analisadas mas deve-se ressaltar que somente células nucleadas servem para genotipagens de DNA nuclear (Lee et al., 1991).

As informações obtidas a partir de evidências biológicas podem ligar pessoas e estas a objetos e locais (Paradela et al., 2006). Portanto, deve-se considerar as possibilidades de transferência de células envolvendo diferentes pessoas, objetos e ambientes. A transferência de evidências biológicas pode ser direta ou secundária, também chamada de indireta (Lee et al., 1991). Em casos de transferência secundária, o material biológico é carreado por um meio intermediário. Neste caso não há contato direto entre a fonte do material biológico e a superfície de depósito. É muito importante que os profissionais envolvidos na investigação sejam cuidadosos para não depositar suas próprias células em locais e objetos associados ao crime e não transferir células presentes nos materiais analisados de um ponto para o outro.

As evidências localizadas em cenas de crime devem ser, independentemente das condições, fotografadas antes de tocadas ou movidas. A sua localização relativa no ambiente e as condições do material devem ser documentadas através de fotos, filmagem ou, na ausência destes recursos, por meio de esquemas e relatórios detalhados. Ao receber as amostras, o laboratório forense deve verificar e registrar a presença e o estado do empacotamento, dos selos e etiquetas. Os dados sobre a evidência devem ser verificados. Caso se realize algum teste preliminar no material, este procedimento deve ser registrado.

2. Coleta de amostras

2.1- Sangue e sêmen

O material biológico na forma líqüida geralmente é coletado por absorção (Lee et al., 1991). Sangue e sêmen ainda líqüidos podem ser removidos com o auxílio de uma seringa descartável ou uma pipeta automática, sempre estéreis, e transferidos para um tubo de laboratório, também estéril. Quando já coaguladas, as amostras sangüíneas devem ser transferidas ao tubo utilizando-se uma espátula livre de agentes contaminantes. O sangue líqüido coletado deve ser preservado com anticoagulantes. Contudo, deve-se estar atento ao fato de que algumas das substâncias empregadas podem inibir a reação em cadeia da polimerase (PCR), uma das etapas mais importantes da análise laboratorial. O uso de EDTA é indicado, desde que em concentrações adequadas.

Caso exista uma necessidade que justifique a demora para a transferência das amostras ao laboratório, pode-se transferir o material para hastes flexíveis com pontas revestidas de algodão estéril e permitir que o material seque sem a ação direta da luz solar. Esta forma de acondicionamento também permite resultados robustos para as genotipagens.

Quando se tratar de coletas de sangue de pessoas, o procedimento deve ser executado por pessoal médico qualificado. Em geral, utiliza-se tubos de coleta contendo EDTA. Se for necessário testar a presença de drogas ou outros testes sorológicos, tubos adicionais devem ser usados. Este tipo de amostra deve ser refrigerada, mas não congelada, e dirigida ao laboratório visando a sua análise tão logo quanto possível.

Manchas secas de sangue ou sêmen depositadas em peças de vestuário, lençóis e outros objetos que podem ser removidos para o laboratório devem ser isoladas e transportadas na forma em que estão. Em geral este transporte se dá em caixas de papelão fechadas e lacradas, contendo a correta identificação do material (Lee et al., 1991). Quando estas manchas estão localizadas sobre objetos maiores que não podem ser removidos por inteiro ao laboratório, a região contendo o material deve ser cortada para envio ao laboratório. Recomenda-se também que uma região sem amostras evidentes seja também retirada a fim de servir como controle para os testes laboratoriais. Não se deve esquecer de registrar e documentar a posição e o estado do material antes de operar qualquer procedimento.

Quando estes materiais se encontram sobre superfícies que não podem ser recortadas, tais como paredes e peças metálicas, o material deve ser documentado conforme supracitado e as manchas raspadas com uma ferramenta apropriada e limpa de contaminantes. Cada material obtido a partir de uma secção individual deve ser acondicionado individualmente. Ao se coletar material presente em vítimas de abuso sexual, os procedimentos devem ser realizados pelo médico legista e seguir protocolos estabelecidos e aceitos internacionalmente. Recomenda-se que o próprio médico responsável por examinar a pessoa execute a coleta, desde que haja familiaridade deste profissional com os procedimentos.

2.2- Tecidos, fios de cabelo, órgãos e ossos

Como em todos os casos, quando as evidências são constituídas de tecidos, fios de cabelo, órgãos ou ossos deve-se descrever o seu estado e fotografar. Este tipo de material pode ser coletado com o auxílio de instrumentos como bisturis e pinças, sempre estéreis. Cada item deve ser acondicionado separadamente, selado e identificado. Para os fios de cabelo, deve-se utilizar as amostras contendo raiz.

2.3- Saliva, urina e outros fluidos corporais

Amostras de urina ou saliva na forma líqüida devem ser transferidas para garrafas plásticas ou de vidro estéreis. Preferencialmente, o material deve ser isolado de fontes de luz e armazenado em refrigerador. Se as amostras estiverem na forma de manchas, pode-se proceder conforme descrito para manchas de sangue e sêmen.

3. Considerações finais

É preciso implementar padrões rígidos para todas as etapas da análise da DNA, incluindo a coleta, a manutenção da cadeia de custódia, a análise laboratorial e a interpretação dos resultados (Smarra et al., 2006). Para evitar riscos, toda e qualquer evidencia biológica deve ser submetida ao laboratório forense tão rápido quanto possível a fim de evitar a degradação, a mistura e a contaminação do material. É fundamental que os itens sejam acondicionados separadamente, sendo cada amostra  identificada e lacrada. O estado em que amostras biológicas são encontradas deve ser documentado e a posição relativa de cada item deve ser documentado. Tudo isto pode parecer lógico, mas infelizmente não é incomum verificar-se que estas regras básicas não são sempre seguidas. Outras recomendações como o uso de luvas e instrumentos livres de contaminantes também são esquecidas muitas vezes. É fato que o profissional responsável pela coleta de material biológico muitas vezes trabalha sem o prévio treinamento, sem o material adequado, sob grande carga psíquica e em condições de pressão por velocidade, visto que por haver um número reduzido de policiais em algumas regiões do país não se pode garantir o isolamento de todas as cenas de crime. Entretanto, torna-se imperioso que nossas forças policiais se adequem as necessidades existentes para a correta identificação humana por análise de DNA.

 

Referências Bibliográficas

Figueiredo ALS, Paradela ER. Pode a Prova de DNA induzir um veredito? Revista NetLegis – Fiscolegis, Editora de Publicações Periódicas LTDA [serial online] 2006 [cited 2006 Jul 26] Available from: URL:  http://www.netlegis.com.br.

Lee HC, Gaensslen RE, Bigbee PD, Kearney JJ. Guidelines for the Collection and preservation of DNA evidence. J. Forensic Ident. 1991; 41(5):341-345.

Paradela ER, Figueiredo ALS, Smarra ALS. 2006. A identificação humana por DNA: aplicações e limites. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,  Nº 30 – Ano IX – JUNHO/2006  [Internet]. Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br. ISSN – 1518-0360.

Paradela ER, Glidewell D, Konotop F, Carvalho EF,  Crouse C. Feseability of Conducting DNA Analysis at Crime Scene.  Proceedings of 11th International Symposium on Human Identification [serial online] 2001 [cited 2001 Sep 21]. Available from: URL:  http://www.promega.com.

Smarra ALS, Paradela ER, Figueiredo ALS. 2006. A Genética Forense no Brasil.  Scientific American Brasil. 51:83.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Eduardo Ribeiro Paradela

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Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Mestre em Biologia (UERJ)
Especialista em Educação
Professor Universitário
Vice-presidente do Colégio FOrense de Gestores e Educadores Biologistas – CFGEB
Treinado em Entomologia Forense pelo COFGEB
Consultor em Genética Forense da Academia Jurídica
Perito Judicial membro da Associação dos Peritos Judiciais do Estado do Rio de Janeiro
Ex-pesquisador associado do Instituto de Biologia da Florida International University (Florida/EUA)
Ex-cientista visitante do setor de DNA do Laboratório Criminal de Palm Beach Couny Sheriff’s Office (Florida/EUA)
Treinado nos EUA em: análises de regiões STR (STR MegaPlex Training) por Virginia Division of Forensic Science e Palm Beach Count Sheriff’s Office
Investigação de cenas de crima (Crime Scene Update) pelo Palm Beach Community College
Análises estatísticas de genotipagens (The analysis of DNA profiles using statistical frequencies to determine the occurrence of profiles in the general population) pelo setor de DNA da Palm Beach Count Sheriff’s Office

 

André Luís dos Santos Figueiredo

 

Bacharel em Biomedicina pela Univercidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
Especialista em Genética Humana pela Conselho Regional de Biomedicina
Mestre em Morfologia (Genética Molecular) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Professor Universitário
Secretário Geral do Colégio Forense de Gestores e Educadores Biologistas – COFGEB
Treinado em Entomologia Forense pelo COFGEB
Membro da Comissão Científica de Genética Médica e Molecular da Associação Gaúcha de Biomedicina
Consultor em Genética FOrense da Academia Jurídica, filiado à Associação dos Peritos Judiciais do Estado do Rio de Janeiro

 


 

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