No dia 05 de novembro de 2008, foi sancionada a Lei 11.804 que fora denominada “A Lei dos Alimentos Gravídicos” e, entrou em vigor desde a sua publicação.
A referida lei disciplina alimentos a serem pagos a gestante bem como a forma como deverá ser exercido este direito.
A redação do 2º artigo do referido diploma legal já informa que tais alimentos compreendem “os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e, que sejam desta, decorrentes, da concepção ao parto, inclusive os gastos referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”.
In litteris:
“Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos. “
Tais alimentos gravídicos possuem natureza jurídica sui generis, agregando simultaneamente elementos de direito de família típicos nas pensões alimentícias e, ainda, elementos de responsabilidade civil.
Além da vasta extensão do quantum dos alimentos gravídicos salvo se a genitora, sem condições de prover seu auto-sustento, o que poderia prejudicar o desenvolvimento fetal, deverá a exordial ser devidamente instruída com todos os documentos que comprovem adicionais do período de gravidez.
Todavia é temerário impor ao suposto pai o pagamento de despesas relativas a internação e parto posto que já arcadas pelo SUS ou por convênio médico que a genitora possua.
No pedido sua natureza implícita elimina a hipótese de julgamento ultra petita.
Evidencia-se que os critérios norteadores para a fixação desses alimentos são diferentes dos constantes no artigo 1.694 e seguintes do Código Civil, aonde o binômio necessidade-possibilidade (ou disponibilidade) resulta numa fixação proporcional sobre os rendimentos do suposto pai, tentando aplacar a sanha do locupletamento indevido.
Atente-se ainda aos parágrafos do mesmo dispositivo legal que in verbis enunciam:
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.”
O escopo da lei é a máxima proteção da mãe e da futura prole e, não há impedimento para a aplicação também do Código Civil de 2002 principalmente seu artigo 1698, que estipula a concorrência dos demais parentes para fazer frente ao crédito alimentício.
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Avulta-se a primeira controvérsia sobre o recente diploma legal sobre a fixação do termo inicial dos alimentos devidos, pois que as despesas compreendem o período da concepção ao parto, portanto, ocorrerá antes mesmo da citação, e mesmo antes da propositura da ação.
Tal regra é similar à aplicada ao ato ilícito ou a responsabilidade civil que nos remete a ocorrência do sinistro (conforme preceitua o artigo 398 do Código Civil).
“Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou”.
É evidente que tal disposição da lei certamente encontrará oposição dos processualistas.
A execução desses alimentos ocorrerá pelo artigo 732 ou 733 do CPC e, em face da morosidade da justiça, não se verá, exceto em raras comarcas a efetivação da ação constitutiva de direito e o cumprimento desta sentença e, nem mesmo sob pena de prisão civil ao inadimplente no exíguo prazo de 300 (trezentos) dias de gestação.
“Art. 732. A execução de sentença, que condena ao pagamento de prestação alimentícia, far-se-á conforme o disposto no Capítulo IV deste Título.
Parágrafo único. Recaindo a penhora em dinheiro, o oferecimento de embargos não obsta a que o exeqüente levante mensalmente a importância da prestação.
Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1o Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
§ 2 º O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas ou vincendas; mas o juiz não lhe imporá segunda pena, ainda que haja inadimplemento posterior.
§ 2o O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
§ 3o Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.”
O ônus probatório é da mãe-gestante exceto no previsto pelo artigo 1.597 e seguintes do Código Civil.
“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597.”
E, mesmo o pai não podendo pedir o exame de DNA como matéria de defesa, cabe então a genitora-autora, apresentar os “indícios de paternidade” que podem ser fotografias, testemunhas, cartas, e-mails e demais provas lícitas admitidas, que puderem corroborar positivamente para a presunção da paternidade.
O simples pedido da genitora por maior necessidade que tenha, não galgará êxito em gerar a devida presunção de paternidade, ou haverá inversão do ônus da prova, pois terá que elaborar prova negativa de paternidade.
Mas a aplicação hodierna do artigo 333, I do Código de Processo Civil propõe que o ônus da prova incumbe ao autor, ou seja, a regra de Paulo mas, poderá, por exemplo, o indigitado pai provar que não é o pai, se comprova, por exemplo, vasectomia ou que sofre de impotência generandi. E, até mesmo a couendi, o que impossibilitaria ter uma vida sexual ativa e completa.
“Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”
As formas de se elidir a presunção de paternidade são previstas nos artigos 1.597 ao 1.602 do Código Civil.
Informa o parágrafo único do artigo 6º da comentada lei que, após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em favor do menor até que uma das partes solicite revisão.
In litteris:
“Art. 6o Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.”
A revisão dos alimentos deverá ser cumulada com a investigação de paternidade, caso esta não seja voluntariamente reconhecida.
É curial relembrar que os alimentos são irrepetíveis, logo, não há como retroagir os valores já efetivamente pagos mesmo ante o exame de DNA negativo.
Mas poderá o indigitado pai, a guisa de se ressarcir dos danos morais e materiais sofridos intentar ação indenizatória em face da mãe-gestante e autora.
A revisão da pensão alimentícia in casu poderá ocorrer ainda durante a morosidade judiciária dificilmente galgará desfechar o conflito antes do nascimento da criança.
A extinção dos alimentos gravídicos ocorrerá automaticamente nos casos de aborto e, também mesmo após o nascimento se comprovada não ser do réu a paternidade em questão.
A presunção de paternidade será segundo o convencimento do juiz em análise dos indícios trazidos aos autos.
Não é possível realizar exame pericial de DNA durante a gravidez sem que se atente contra a saúde e a vida do feto.
Mas a lei nova reforça o previsto no in fine do artigo 2º do Código Civil de 2002 que salienta in literis: “mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
“Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”(grifo meu).
É possível o acordo entre as partes seja na audiência preliminar ou de conciliação, salvo que o objeto do acordo seja o reconhecimento voluntário da paternidade.
Se houver reconhecimento voluntário de paternidade se fundado em vício de vontade poderá ser revisitado em ação própria conforme entendimento dos tribunais superiores brasileiros.
Sem dúvida, a lei bem tutela as mulheres gestantes e suas respectivas proles.
Inicialmente, o projeto de lei em seu artigo 10 que fora vetado previa a responsabilização da autora-gestante nos danos morais e materiais se a paternidade indicada for negativa.Tal dispositivo foi considerado uma afronta ao princípio constitucional de acesso à justiça, (artigo 5º, XXXV, CF/88).
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”
Cabe ressaltar, no entanto, que esse acesso à justiça é tanto da gestante-autora como do indigitado e, não é lídimo, prometer que haja locupletamento ilícito de quaisquer das partes.
Principalmente, em face do caráter imprescritível dos alimentos e de sua irrepetibilidade. Curial é recomendar cautela ao magistrado ao analisar tais demandas particularmente no que tange dos indícios de paternidade.
Principalmente também, tendo em vista a morosidade processual judiciária na determinação de alimentos especiais, devendo ser fixados proporcionalmente aos rendimentos do casal e fixada com base em mera alegação.
O regramento da Lei 11.804/2008 propõe em síntese:
– Como foro competente o domicílio do alimentando, no caso, a autora da ação.
– São pressupostos da ação os indícios da paternidade.
– Cabe a resposta do réu no prazo de cinco dias.
– São devidos os alimentos desde a concepção até o parto e, com o nascimento com vida, converte-se em pensão alimentícia em favor da criança.
Aliás, a lei reforça o entendimento da súmula 301 do STJ in verbis: “Em ação investigatória de paternidade, a recusa ao exame de DNA induz a presunção, iuris tantum de paternidade.”
Com sapiência ressalta Maria Berenice Dias que, resta garantido o direito à vida, mesmo antes do nascimento.
Outro mérito é apontado na lei que é atender ao princípio da efetividade, encarando o novo formato de família, e clamando por maior participação dos pais, prestigiando ainda mais a paternidade responsável.
O inusitado desta lei, é que um homem pode ser obrigado a pagar pensão alimentícia com base em indícios de paternidade o que seria parcialmente resolvido pelo artigo 10 do projeto de lei (que foi vetado).
Cujo teor era: “Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá objetivamente pelos danos materiais e morais causados ao réu. E, seu parágrafo único aduz:” a indenização será liquidada nos próprios autos”.
No entanto é evidente a responsabilidade civil objetiva da autora da demanda o que ipso facto lhe impinge o dever de indenizar, independentemente da apuração da culpa.
Apesar da regra geral da responsabilidade civil ser a subjetiva calcada na culpa (lato sensu) essa regra está acima da irrepetibilidade dos alimentos.
Enfim, os alimentos gravídicos devem ser deferidos com parcimônia para que não se produza maiores injustiças e a manipulação indevida do estado de gravidez. O respeito a vida deve se pautar pela ética e respeito pela dignidade da pessoa humana e, privilegiar sempre que possível a paternidade responsável.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ)
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