Introdução.
Rousseau adverte inicialmente que a obra “Contrato Social” foi extraída de outra obra inacabada e que não mais existia quando da edição da primeira.
Escrito no ano de 1757, o Contrato Social foi logo motivo de condenação pelas autoridades de então.
O que foi buscado na obra se resume à investigação da possibilidade da existência de alguma regra de administração legítima e segura, levando-se em conta como são os homens e como podem ser as leis.
Livro I. Onde se indaga como passa o homem do estado natural ao civil e quais são as condições essenciais do pacto.
Objeto.
O objeto do primeiro livro do Contrato Social seria o esclarecimento da mudança ocorrida quanto à liberdade humana. Nas palavras do autor: “O homem nasceu livre, e por toda a parte geme agrilhardo; o que julga ser senhor dos demais é de todos o maior escravo. Donde veio tal mudança? Ignoro-o”.[i]
A ordem social não seria advinda da natureza, senão de onde todos se fundamentariam, ou seja, de convenções.
Primeiras sociedades.
A família é a mais antiga, a primeira das sociedades. A obediência dos filhos aos pais ocorreria em virtude da dependência econômica dos primeiros. Encerrada a dependência, a família só se manteria unida voluntariamente, por convenções.
A família seria, assim, a norma primitiva ou inicial das sociedades políticas: o governante seria como o pai, o povo, como os filhos.[ii]
Do direito do mais forte.
Segundo Rousseau, nunca o mais forte o é tanto para ser sempre senhor, se não transforma a força em direito, e em dever a obediência.[iii]
Observações.
Entretanto vale observar que em situações atuais, a força nem tanto é imposta pelo direito, mas, sim pelo poderio econômico e militar de quem os possui. É de perguntar-se se no início do século XXI quem realmente dita as ordens: por exemplo, no Rio de Janeiro e em outras grandes metrópoles nacionais, se o governo ou os traficantes?; no resto do mundo, a democracia e a justiça ou os Estados Unidos da América, que representam hoje o oposto destes valores, diga-se, universais?
Da escravidão.
Escravidão, conforme Houaiss, é um substantivo feminino que teria entrado na língua portuguesa no século XVII e que significa condição de escravo; servidão, cativeiro, escravaria, escravatura. Também se pode falarem um sistema socioeconômico baseado na escravização de pessoas; escravismo, escravagismo, escravatura ou a sujeição a uma autoridade despótica.[iv]
Ao falar sobre a escravidão, inicia Rousseau dizendo o seguinte: “Se o homem não tem poder natural sobre seus iguais, se a força não produz direito, restam-nos as convenções, que são o esteio de toda a autoridade legítima entre os homens”.[v]
Lembra autores que deduzem da guerra uma origem do pretenso direito de escravidão. É que: “Tendo o vencedor, (…), o direito de matar o vencido, pode este resgatar a vida à custa de sua liberdade; convenção que é tanto mais legítima serve de proveito de ambos”.[vi]
E conclui que em relação ao direito de conquista, a lei do mais forte é seu único fundamento. Como a guerra não daria ao vencedor o direito de matar com crueldade os povos vencidos, esse direito, que ele não tem, não pode justificar o direito de torná-los escravos.[vii]
Conclui Rousseau também que o direito de escravidão é nulo e ilegítimo, nada significando. Isto porque escravidão e direito seriam palavras contraditórias e que se excluem. E o faz lembrando o absurdo da seguinte hipótese:
“Será sempre igualmente insensato o seguinte discurso de um homem a outro, ou de um homem a um povo: Faço contigo uma convenção totalmente em meu proveito, e totalmente em teu prejuízo, a qual hei de observar enquanto quiser, e tudo hás de observar enquanto for de meu agrado”.[viii]
Observações.
Independentemente de fatores como a época, motivos, país ou cultura, a escravidão ainda é uma realidade na face da terra.
Cumpre recorrer sempre a uma primeira convenção.
Ao comentar a possibilidade de um povo dar a si próprio a um rei, ou ao seu poder, comenta que este povo é, antes de tudo, povo. E ser povo é um ato civil, ou seja, supõe decisão, definição ou determinação.
É que antes de se examinar o ato pelo qual o povo escolheria o seu governante, fundamental seria sondar o ato pelo qual um povo é um povo, ou seja, refletir sobre o ato que verdadeiramente fundamente a sociedade.
Observação.
A leitura do tópico acima leva a crer que a hipotética primeira convenção que fundamentaria qualquer sociedade seria a norma fundamental, de acordo com a doutrina de Hans Kelsen, ou mais ainda, o Poder Constituinte de um povo.
Do Pacto Social.
Os seres humanos não podem criar novas forças, mas apenas unir e direcionar as já existentes. A maneira de concretizar tal união seria por intermédio da reunião de um somatório harmônico de forças capaz de superar as resistências.
A questão posta por Rousseau é enunciada da seguinte forma: “Achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes”. Ou ainda: “Tal é o problema fundamental que resolve o contrato social”.[ix]
O pacto social poderia ser resumido, então, nos termos que Rousseau descreve:
“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos enquanto corpo cada membro como parte indivisível do todo”.[x]
E explica:
“Imediatamente, em lugar da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto são os votos da assembléia, o qual desse mesmo ato recebe a sua unidade, o Eu comum, sua vida, e vontade. A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava noutro tempo o nome de cidade, e hoje se chama república, ou corpo político, o qual é por seus membros chamado Estado quando é passivo, soberano se ativo, poder se o comparam a seus iguais. A respeito dos associados, tomam coletivamente o nome de Povo, e chamam-se em particular Cidadãos, como participantes da autoridade soberana, e Vassalos, como submetidos às leis do Estado. Esses termos porém se confundem muitas vezes e se tornam um por outro; basta sabê-los distinguir quando se empregam com toda a sua precisão”.[xi]
Do soberano.
Rousseau explica:
“Cumpre notar ainda que a deliberação pública, que pode obrigar todos os súditos ao soberano, por causa de duas relações diferentes, sob as quais se olha cada um deles, não pode, pelo motivo oposto, obrigar a si mesmo o soberano; e é, por conseguinte, contra a natureza do corpo político impor-se o soberano uma lei que não possa infringir; não se podendo considerar que, sob uma e mesma relação, fica então no caso de um particular contratando consigo mesmo; daqui se infere que não há nem pode haver alguma espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo, nem mesmo o contrato social; o que não significa não poder esse corpo empenhar-se com outro, no que não derroga o contrato, pois, a respeito do estrangeiro, ele se torna um ente simples, ou um indivíduo”.[xii]
Além do mais, violar o ato que dá existência ao corpo político seria aniquilar-se.
O dever e o interesse obrigariam, desta forma, as duas partes contratantes a mutuamente se ajudarem, cuidando os mesmos em alcançaras vantagens que dessa relação dupla dependem.
O soberano, sendo formado por particulares que o compõem, não tem e nem teria interesses contrários aos deles. Deste modo, o poder soberano não teria necessidade de sofrer nenhuma garantia por parte dos seus súditos.
Observação.
Este raciocínio de Rousseau é interessante, porém distante da realidade atual. Isto seria algo como o seguinte: O Brasil é uma república que possui um governo democrático. Por esta razão, os seus governantes só agem em favor do povo e do interesse público. Desta forma, seguindo este raciocínio, por exemplo, os direitos e as garantias fundamentais da população brasileira não precisariam ser expressos no texto constitucional. Não precisariam nem mesmo existir.
Informações Sobre o Autor
Francisco Mafra.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.