Comentários ao artigo 2°, § 2°, da Lei 10.820/03

Resumo: Analisa, com amparo nos princípios constitucionais, qual a melhor interpretação que deve ser dada ao parágrafo 2º do artigo 2º da lei 10.820 de 2003 e assim fazendo, sob o viés prático, tenta refletir em que medida tal dispositivo se presta para a salvaguarda da dignidade humana.


Palavras-chave: Empréstimo consignado; lei 10.820/03; limite de 30%.


Abstract: Examines, in reliance upon the constitutional principles, what is the best interpretation to be given to paragraph 2º of Article 2º of Law 10,820 of 2003 and in doing so under the practical plane, tries to reflect the extent to extent which this device lends for the safeguarding of human dignity.


Sumário: 1. Introdução. 2. O Dispositivo legal e sua exegese. 3. – O desrespeito a lei e a revisão dos contratos.


1. Introdução


Com os menores juros do mercado e maior facilidade na contratação, o crédito consignado em folha vem atraindo um número cada vez maior de simpatizantes. Prova disso é o seu crescimento de 30,9 % nos últimos 12 meses, conforme dados publicados em 29 de setembro de 2009 pela Folha Online, chegando à cifra de 100 bilhões de reais. Ademais, segundo informado pelo Conselho Nacional da Previdência Social, que dita regras para o crédito consignado voltado para aposentados e pensionistas, só no mês de agosto de 2009 foram realizadas 726 mil operações desse tipo, o que representa crescimento de 136% em relação ao mesmo período de 2008.


Citado incremento ganha significado e assume expressividade quando comparado com o de outras formas de empréstimo a exemplo do chamado crédito com recursos livres cuja expansão foi da ordem de 1,1% ao mês.


Perante esta realidade o desvelo se impõe e a análise da popularização do meio de contratação em apreço deve ser feita de forma cordata e cautelosa, pois do contrário, seremos conduzidos à falaciosa crença de ser o empréstimo consignado uma forma mágica de obter dinheiro fácil quando, não raras vezes, funciona como sórdido catalisador de dívidas.


Neste ponto, é bom frisar que não tencionamos sustentar o discurso simplista e ingênuo de demonizar o empréstimo consignado, ao revés, estamos cientes de suas virtudes, sobretudo levando-se em conta a importância primacial do crédito na sociedade contemporânea, não só como meio de alavancar o crescimento econômico, mas também, como condição necessária à cidadania.


Todavia, não podemos olvidar que na mesma medida em que cresce o número de aderentes aos empréstimos consignados em folha se avoluma também a massa, composta majoritariamente por assalariados, pensionistas e aposentados, que vêem, prosternados, a quase totalidade de seus parcos rendimentos serem consumidos com o pagamento de dívidas.


Para estes, que na maioria das vezes se deixam embair pela promessa de dinheiro rápido e sem burocracias, oferecido em impudicas campanhas de marketing, a escravidão financeira é uma conseqüência de certeza implacável.


Na esteira do que se sustenta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – nos informa que 82 % das famílias brasileiras terminam o mês sem conseguir quitar todos os seus débitos.


Diante da importância assumida pelo tema em questão, nosso intuito nas linhas que se seguem será a analise das limitações impostas pelo parágrafo 2° do artigo 2° da lei 10.820 de 2003 aos empréstimos consignados, o que faremos sob os auspícios dos princípios infundidos na Carta Cidadã de 1988 e, assim fazendo, sob o viés prático, tentaremos refletir em que medida tal dispositivo se presta para a salvaguarda dos cânones constitucionais.


2. O Dispositivo legal e sua exegese:


Fazendo parte do “Programa Juros e Spread Bancário” – PJSB – implantado em outubro de 1999, a lei n.º 10.820/03 possibilitou aos trabalhadores da iniciativa privada, aposentados e pensionistas do INSS o acesso ao crédito em condições facilitadas tal como já era possível aos funcionários públicos em razão parágrafo único do artigo 45 da lei 8112/90.


Publicada em 18 de dezembro de 2003 como resultado da conversão da Medida Provisória n.° 130 de 2003 e, posteriormente alterada pontualmente pela lei 10.953/ 04, com a tarefa de dispor sobre a autorização para descontos em folha de pagamento, a lei 10.820/03 ingressa no ordenamento jurídico pátrio sob a forma de nove artigos dentre os quais se destaca o artigo 2°, § 2°, que passa a ser objeto de nossa análise, e cujo teor é o seguinte:


Art. 2 (…)


§ 2o No momento da contratação da operação, a autorização para a efetivação dos descontos permitidos nesta Lei observará, para cada mutuário, os seguintes limites:


 I – a soma dos descontos referidos no art. 1o desta Lei não poderá exceder a trinta por cento da remuneração disponível, conforme definida em regulamento; e


 II – o total das consignações voluntárias, incluindo as referidas no art. 1o, não poderá exceder a quarenta por cento da remuneração disponível, conforme definida em regulamento”.


Vislumbra-se, com clareza solar, que o transcrito dispositivo cinge-se a estabelecer que quando estivermos diante de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil cujo pagamento é assentado diretamente na folha, devem os contratantes observar os percentuais máximos de descontos estabelecidos em lei.


Assim, as instituições financeiras estão plenamente autorizadas a celebrar contrato de empréstimo consignado em folha desde que observem nos descontos os limites de 30 % dos rendimentos do mutuário quando se tratar de um único contrato de empréstimo e, 40% de tal verba quando forem celebradas várias avenças.


A priori, à luz da ratio da lei sob exame que é, sem dúvida, a proteção do consumidor vulnerável face às instituições financeiras, garantindo-lhe o mínimo existencial, nada justifica que sejam estabelecidos patamares distintos para situações que na verdade são idênticas, senão, que diferença faz que o percentual máximo de desconto incida sobre uma única consignação ou de várias se os rendimentos do mutuário permanecem os mesmos?


O que nos causa perplexidade é o fato do legislador ter estabelecido inicialmente que o sujeito pode dispor de 30% de seu patrimônio para o pagamento de um único empréstimo, pois, neste caso, ele necessita de 70% dos seus rendimentos para viver com dignidade, todavia, se a mesma pessoa quiser contratar mais de um empréstimo, ainda que com a mesma instituição financeira, necessitará de apenas 60% dos seus rendimentos para viver.


Enfim, há ambigüidade no texto legal que simplesmente ignora a velha regra de hermenêutica consubstanciada no brocardo latino Ubi eadem ratio, ibi eadem jus, ou seja, onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. E, insofismavelmente, ambos os dispositivos possuem o mesmo objetivo, pois ao estabelecerem que a folha de pagamento não possa ser abocanhada por descontos superiores aos percentuais estabelecidos está senão, dizendo que a autonomia privada deve ceder espaço ao princípio axiológico nuclear de nosso ordenamento jurídico que é o da dignidade da pessoa humana vez que, como se disse, o legislador considera que descontos superiores aos patamares estabelecidos poderiam conduzir o mutuário à situação de miserabilidade.


Posta esta questão, surge a dúvida: qual percentual deve ser considerado o de 30% ou o de 40% ? A resposta parece-nos simples já que, sob os auspícios da moderna doutrina maximalista, plasticizada entre nós no enunciado 297 da súmula do Superior Tribunal de Justiça inegavelmente, estamos diante de uma relação de consumo e, desta feita, o dialogo entre a lei sob exame e o Código de Defesa do Consumidor se impõe de modo que, a luz do artigo 4°, I ut III da lei consumerista, que é, diga-se norma de ordem pública e, portanto inarredável por força do artigo 170, V da Constituição Federal, deve prevalecer o dispositivo que mais beneficie o consumidor, ou seja, aquele que menos onere sua folha de pagamentos.


O problema interpretativo estaria resolvido se não fosse o entendimento de alguns magistrados, que não raras vezes são confirmados pelos tribunais, no sentido de que seriam possíveis vários descontos em folha desde que cada um, de per si, não fosse superior ao limite de 30%.


Para exemplificar o que sustentam estes juízes suponhamos que uma pessoa contraia três empréstimos cujo adimplemento é feito mediante consignação em folha de 30% dos rendimentos percebidos cada um. Suponhamos que esta pessoa ganhe R$ 1.000,00, fazendo incidir todos os descontos sobraria para sua mantença a quantia de R$ 100,00!


Melhor ilustrando vejamos a seguinte decisão interlocutória proferida no feito de número 444/09 que tramita perante a segunda vara judicial de São João da Boa Vista-SP onde o nobre e culto juiz de primeiro grau entendeu, ao menos preliminarmente, que o valor de todas as dívidas somadas podem sim suplantar o percentual legal:


Despacho Proferido Processo nº. 444/09. Vistos… 1 – Concedo ao requerente a gratuidade do processo, excepcionalmente pela situação de déficit econômico relatada. 2 – No entanto, apesar da redação das Leis 8.213/91, 10.820/03 e 10.954, não vejo, sem que se estude a possível resposta dos requeridos, como lhe antecipar a tutela. Com efeito, ele firmou empréstimo com várias e diferentes instituições financeiras, autorizando descontos em conta bancária. De modo que, de forma direta, como desconto em folha, não se vê ultrapassado os limites daqueles comandos normativos. Daí porque não presentes as situações do artigo 273, do Código de Processo Civil. Cite-se e intimem-se as requeridas, por carta AR nos endereços indicados. Expeça-se o necessário. SJBV, 19 de MARÇO de 2009.


E como já antevemos, tal decisão fora posteriormente confirmada em Acórdão que julgou o agravo de instrumento nº N° 7.347.782-0, nos seguintes termos:


“TUTELA ANTECIPADA PARA LIMITAR DESCONTOS DE DÉBITOS DE PARCELAS DE EMPRÉSTIMOS A 3 0% DOS RENDIMENTOS DO AUTOR. DECISÃO MANTIDA. AUSENTES OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA TUTELA DE URGÊNCIA, VISTO QUE A MAIOR PARTE DOS DÉBITOS REFERE-SE A CONTRATOS DE CRÉDITO CONSIGNADO OBSERVADO O LIMITE DE 3 0% EM CADA CONTRATAÇÃO. ALEM DISSO. O AUTOR INTENTA TÃO SOMENTE OBSTAR DESCONTOS DE PARCELAS DE EMPRÉSTIMOS LIVREMENTE CONTRATADOS. INEXISTÊNCIA DE ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADES CONTRATUAIS. DESCONTOS VALIDOS, POR SEREM CONSEQÜÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. RECURSO DESPROVIDO.”


Pasmem, senhores, que salvo engano, o Tribunal de Justiça Bandeirante, por intermédio da sua 22ª turma, insuflado por um liberalismo extremo, anacrônico e caduco, está a nos dizer é que devemos nos esquecer do direito positivo, jogar na lata do lixo valores tão caros ao direito pós-moderno, como a dignidade humana, solidariedade, eticidade e a função social dos contratos para nos prostrar de joelhos diante do todo poderoso pacta sunt servanda. Absurdo!


Para não alongar o debate e evitando fugir do tema proposto nos limitaremos a confrontar os citados julgados com o texto da lei 10.820/90 o que, ad nauseam, será suficiente para demonstrar o equívoco e, por conseguinte, a exegese, que segundo nosso entendimento, deva ser dada ao dispositivo legal em questão.


Reparem que a assertiva lançada é no sentido de que nenhuma das dívidas contraídas quando consideradas em sua individualidade ultrapassa o limite de 30% dos vencimentos do mutuário e que, por isso, ele não faria jus à revisão dos contratos firmados de modo a adequá-los aos preceitos legais.


A nosso ver, os julgadores simplesmente se esqueceram que o espírito que deu azo à criação da norma em questão foi, senão, proteger aqueles que se encontram em situação de hipossuficiência face à volúpia por lucros das instituições financeiras, protegendo-os do “superendividamento”.


Entender que o objetivo da lei é somente vedar que o percentual limitador de 30% deva ser aplicado às dívidas contraídas de modo isolado e não sob o conjunto delas afigura-se não só como típico silogismo erístico como também em reles exercício de ingenuidade.


Encampando-se a tese defendida pelos preclaros julgadores seríamos levados a esdrúxula situação onde as instituições financeiras estariam obrigadas a respeitar o limite legal de 30% dos vencimentos disponíveis apenas em cada contrato de empréstimo consignado singularmente considerado e que, de outra banda, estariam liberadas a celebrar tantas avenças desta natureza quantas queira ainda que, os descontos mensais absorvam a integralidade dos rendimentos do consignatário. Se assim fosse, qual a serventia então da lei 10.820/03? Ao nosso sentir, e levando a cabo o parecer emitido nas decisões em análise, para absolutamente nada!


Ao que parece, tendo em conta os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil impressos no pórtico da constituição de 1988, além dos princípios inspiradores do Código de Defesa do Consumidor, a melhor hermenêutica seria no sentido de impingir à lei em tela a maior efetividade possível de modo a preferir-se sempre a interpretação que mais amplamente proteja os vulneráveis que ela pretende resguardar.


Além disso, o texto do artigo 1° da lei 10.820/03 ao possibilitar às instituições financeiras o desconto em folha de pagamento faz uso de termos como: “de empréstimos”, “financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil,” (grifamos).


Assim, a lei ao fazer uso do plural, em respeito à autonomia privada, está a possibilitar que o desconto em folha abarque tantos empréstimos quantos se queira contratar. Além disso, o artigo 2º, em seu inciso I, expressamente preceitua que: “a soma dos descontos referidos no art. 1o desta Lei não poderá exceder a trinta por cento da remuneração disponível, conforme definida em regulamento(…)” (grifamos).


À vista do que se disse, fica claro que uma singela interpretação gramatical, por mais árida que seja, seria mais suficiente para a solução hermenêutica tencionada e, para aqueles que ainda assim não ficarem convencidos que lancem mão dos critérios de ponderação, nos moldes propostos por ALEXY, e chegarão à inexorável conclusão que a dignidade humana e o solidarismo não podem ser sobrelevados pelo egoístico exercício da vontade expressa em um contrato.


3. O desrespeito a lei e a revisão dos contratos:


Conforme asseveramos acima, o já desbotado pacta sunt servanda que até o ocaso do século passado se plasmava em um valor quase inexpugnável em Direito Contratual, hodiernamente, deve ser analisado com cautela e não raras vezes mitigado. Mormente a partir do Novo Código Civil de 2002, que, em tempo, abandonou os ideários individualistas típicos da tradição liberal e que inebriavam o Código de Bevilaqua de egoísmo, para, em total consonância à exsurgente era pós-moderna, adotar um viés socializante.


Fique claro, que não é nossa intenção aqui, e tampouco foi a do legislador, professar a total abolição da segurança nas relações privadas. Não! Em verdade o que se tenciona ao se relativizar a empedernida força obrigatória dos contratos é viabilizar que princípios consagrados pela novel legislação, tais como os da função social dos contratos e boa fé objetiva, possam permear toda e qualquer avença que venham a ser celebrada encharcando-a de justiça e equidade.


Na vida prática não poucas vezes nos deparamos com situações onde os contratos de empréstimo consignado subscritos oneram a quase integralidade da remuneração dos mutuários que se vêem privados do mínimo indispensável à sobrevivência adequada e que, por conseguinte, passam a engrossam a fila dos miseráveis e descamisados que se empoleiram em praças e viadutos tingindo a paisagem urbana da sórdida nuança do descaso.


De fato, é impensável nesta quadra do pensamento jurídico ocidental, onde a dignidade da pessoa humana é alteada a valor axiológico máximo do ordenamento jurídico, e fundamento basilar do Estado Brasileiro grafado no pórtico da Constituição Cidadã em seu artigo 1°, inciso III, que se confira a um singelo contrato o condão de extirpar do ser humano aquilo que brilhantemente EDSON FACHIN nomeia de mínimo existencial.


Para melhor clareza das idéias vejamos o que diz a Desembargadora Gaucha JUDITH DOS SANTOS MOTTECY: “Embora a manutenção da dignidade em si mesma não seja quantificável, dependendo de inúmeras variáveis, o patamar aceitável de disponibilidade do salário para pagamento de parcelas contratuais deve ser aquele previsto na Lei 10.820/03, ou seja, 30% dos rendimentos, subtraídos os descontos obrigatórios. Tal patamar revela-se razoável e impede que o consumidor, por inúmeras razões, e ainda que não se trate de impossibilidade superveniente, mas de endividamento decorrente de inúmeras contratações, prescindíveis ou imprescindíveis, resulte privado do mínimo necessário para sobreviver, juntamente com sua família, de maneira digna. Evita-se, com isso, o superendividamento do consumidor, que merece pronta e adequada solução do Poder Judiciário, mediante cotejo da relação jurídica estabelecida e o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que o cumprimento daquela, tal como estipulado, não afronte o princípio basilar do Estado Democrático Brasileiro.”(…) (TJRS – apelação – JSM Nº 70028647659 2009/Cível)


É importante salientar que a legislação pátria não traz limites quanto ao número de empréstimos consignados que pode onerar a folha de pagamentos, o que, data vênia, configuraria ingerência estatal indevida e afronta visceral ao princípio da autonomia privada, mas se restringe a estabelecer a baliza de 30% do valor da remuneração percebida como percentual máximo de desconto.


Não custa repetir que a questão ora posta cinge-se à simples subsunção da situação fática ao texto legal de sorte que, o que deve ser defendido em sede de revisão de contrato não é inadimplemento do que se deve, mas sim, limitação e adequação das parcelas devidas a um patamar razoável que permita ao endividado e sua família uma vida digna. E convenhamos vida digna e superendividamento são irrefragavelmente imiscíveis.


Sobre o tema vejamos o que leciona a professora CLÁUDIA LIMA MARQUES: “O superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com Fisco, oriunda de delitos e de alimentos). Este estado é um fenômeno social e jurídico, a necessitar algum tipo de saída ou solução pelo Direito do Consumidor, a exemplo do que aconteceu com a falência e concordata no Direito da Empresa, seja o parcelamento, os prazos de graça, a redução dos montantes, dos juros, das taxas, e todas as demais soluções possíveis para que possa pagar ou adimplir todas ou quase todas as suas dívidas, frente a todos os credores, fortes e fracos, com garantias ou não. Estas soluções, que vão desde a informação e o controle da publicidade, direito de arrependimento, para prevenir o superendividamento, assim como para tratá-lo são fruto dos deveres de informação, cuidado e principalmente de cooperação e lealdade oriundas da boa-fé para evitar a ruína do parceiro (exceção da ruina), que seria esta sua “morte civil”, exclusão do mercado de consumo ou sua “falência” civil com o superendividamento. (…)


Desde 1995, alerto que este fenômeno instala-se também em países emergentes e que o Direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa, principalmente se devemos distinguir superendividamento de pobreza em nosso país. A massificação do acesso ao crédito, que se observa nos últimos 5 (cinco) anos – basta citar os novos 50 milhões de clientes bancários! -, a forte privatização dos serviços essenciais e públicos, agora acessíveis a todos, com qualquer orçamento, mas dentro das duras regras do mercado, a nova publicidade agressiva sobre crédito popular, a nova força dos meios de comunicação de massa e a tendência de abuso impensado do crédito facilitado e ilimitado no tempo e nos valores, inclusive com descontos em folha e de aposentados, pode levar o consumidor e sua família a um estado de superendividamento. Como explicamos antes é uma crise de solvabilidade e de liquidez, que facilmente resulta em exclusão total do mercado de consumo, parecendo uma nova espécie de “morte civile”, a “morte do homo economicus”(…) (Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor, ano 14, n. 56, outubro-dezembro de 2005, pp. 12 e 14/15.)


Sobre o desconto em folha prossegue a ilustre discípula de ERIK JAYME: “Note-se que os tribunais faz pouco consideraram o desconto em folha como possível, mas desconsideraram uma prática que existe na França e que me parece importante aqui mencionar: assim como para os funcionários públicos há que se reservar também para o consumidor um mínimo existencial para viver durante aquele mês, assim no caso de desconto este deve conhecer um limite. O outro aspecto importante é que há uma responsabilidade do Banco ou financeira ao conceder o crédito, que é um dever de informar, de aconselhar o cliente e não de se aproveitar de sua torpeza, analfabetismo ou situação de necessidade.”(idem p. 49 ut 50)


Por tudo o que se disse, quer estejamos perante um único contrato ou mesmo de vários, que individualmente ou somados, ultrapassem o limite de rendimentos traçados pela lei, impõe-se que o judiciário uma vez provocado não anule tais avenças, mas, em respeito ao princípio da conservação dos contratos, reajuste as parcelas, adequando-as aos limites permitidos e, assim fazendo, não só cumprirá a legislação pátria, mas também, e não poucas vezes, resgatará a dignidade humana perdida sob o fluxo da fria aura que brota como transpiração nas paredes dos bancos ou que é subtraída por aqueles para quem direito e moral são coisas inconciliáveis.


 


Referências:

AFONSO, Luís Eduardo. CÃMARA GOUVEIA, Fernando Henrique. Empréstimo Consignado para Aposentados e Pensionistas do INSS: um Estudo Exploratório coma Utilização de Princípios de Matemática Atuarial. Disponível na internet em: http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos82008/197.pdf . Acesso em 30/09/2009.

Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito – Avaliação de 5 anos do Projeto de Juros e Spread Bancário. Disponível na internet em http://www.bcb.gov.br/Pec/spread/port/economia_bancaria_e_credito.pdf . Acesso em 30/09/2009

Folha Online – Empréstimo consignado cresce 30% e chega a quase R$ 100 bi – Disponível na internet em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u630769.shtml. Acesso em 28/10/2009.

Jornal Conversa Pessoal – Secretaria de Recursos Humanos do Senado Federal -Ano VII – Número 75 – fevereiro – 2007

MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor, ano 14, n. 56, outubro-dezembro de 2005, pp. 12 e 14/15.

O Economista – Conselho Nacional da Previdência reduz juros do crédito consignado para aposentados – Disponível na internet em http://www.oeconomista.com.br/conselho-nacional-da-previdencia-reduz-juros-do-credito-consignado-para-aposentados/. Acesso em 30/09/2009.


Informações Sobre o Autor

Fabrício Renê Cardoso de Pádua

Advogado especialista em Direito Público


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