Resumo: Em uma primeira plana, cuida destacar que o regime de terras públicas sofreu maciças mutações com o transcorrer da história, desde a descoberta do Brasil. Inicialmente, todas as terras pertencerem à Coroa Portuguesa, eis que se tratava de aquisição originária, consistente no direito de conquista, que vigorava à época. Sucessivamente, o domínio, de natureza estatal, passou ao Brasil-Império e ao Brasil-República. Com o advento da evolução do regime, diversas áreas públicas foram sendo, de maneira paulatina, transferidas a particulares, apesar de ocorrer de maneira desordenada e não serem os critérios adotados para a privatização de o domínio imobiliário ser muito bem conhecidos. Anote-se, por oportuno, que os instrumentos mais conhecidos foram as concessões de sesmaria e as concessões de data. Com efeito, tais concessões eram outorgadas a título gratuito. Saliente-se, ainda, que a transferência de terras públicas aos particulares poderia se efetivar por meio de compra e venda, doação, permuta e legitimação de posses.
Palavras-chaves: Terras Públicas. Terras Devolutas. Plataforma Continental.
Sumário: 1 Origens das Terras Públicas; 2 Terras Devolutas; 3 Plataforma Continental; 4 Terras Tradicionalmente ocupadas pelos Índios; 5 Terrenos Acrescidos; 6 Terrenos de Marinha; 7 Terrenos Reservados ou Marginais; 8 Ilhas; 9 Álveos Abandonados; 10 Faixa de Fronteira; 11 Vias e Logradouros Públicos
1 Origens das Terras Públicas
Em uma primeira plana, cuida destacar que o regime de terras públicas sofreu maciças mutações com o transcorrer da história, desde a descoberta do Brasil. Inicialmente, todas as terras pertencerem à Coroa Portuguesa, eis que se tratava de aquisição originária, consistente no direito de conquista, que vigorava à época. Como bem anota Hely Lopes Meirelles, “no Brasil todas as terras foram, originariamente, por pertencentes à Nação Portuguesa, por direito de conquista”[1]. Sucessivamente, o domínio, de natureza estatal, passou ao Brasil-Império e ao Brasil-República. Com o advento da evolução do regime, diversas áreas públicas foram sendo, de maneira paulatina, transferidas a particulares, apesar de ocorrer de maneira desordenada e não serem os critérios adotados para a privatização de o domínio imobiliário ser muito bem conhecidos.
Anote-se, por oportuno, que os instrumentos mais conhecidos foram as concessões de sesmaria e as concessões de data. A primeira era espécie de concessões era “assemelhadas à atual doação com encargos, outorgadas no sistema de capitanias hereditárias e, logo depois, pelos governadores gerais”[2]. Frise-se que os sesmeiros deveriam cumprir determinadas obrigações, dentre as quais o cultivo da terra[3]. As concessões de data, por sua vez, “era a doação que as Municipalidades faziam de terrenos das cidades e vilas para a edificação particular”[4]. Com efeito, tais concessões eram outorgadas a título gratuito. Saliente-se, ainda, que a transferência de terras públicas aos particulares poderia se efetivar por meio de compra e venda, doação, permuta e legitimação de posses.
Nesta esteira, a Lei Imperial Nº 601, de 18.09.1850[5], que dispõe sobre as terras devolutas do Império, foi responsável por traçar os aspectos conceituais de terras devolutas, exigindo que sua alienação se desse por venda, e não mais gratuitamente, salvo específicas áreas localizadas em zonas limítrofes com outros países, numa faixa de dez léguas, as quais poderiam ser concedidas gratuitamente. O aludido diploma foi responsável, ainda, por tratar da revalidação das concessões de sesmarias e outras do Governo geral e provincial; sobre a legitimação das posses, estabeleceu o comisso; e, instituiu o processo de discriminação das terras públicas das particulares[6]. “Não é, portanto, desarrazoada a regra segundo a qual toda terra, sem título de propriedade particular, se insere no domínio público”[7]. Quadra ponderar que a denominada Lei de Terras foi regulamentada pelo Decreto Imperial Nº. 1.318, de 30.11.1854[8], que foi responsável pela criação da Repartição Geral de Terras Públicas, bem como regulou a medição de terras públicas, a legitimação das particulares e a venda das terras públicas. Igualmente, o decreto ora aludido instituiu as terras reservadas e a faixa de fronteiras, bem como estabeleceu o regime de fiscalização das terras devolutas e regulou o registro paroquial.
2 Terras Devolutas
Inicialmente, denominam-se terras devolutas aquelas áreas que, conquanto integrando o patrimônio de pessoas federativas, não são empregadas para quaisquer finalidades públicas específicas. Neste sentido, Meirelles anota que “terras devolutas são todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer das entidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos específicos. São bens públicos ainda não utilizados pelos respectivos proprietários”[9]. Prima anotar que tais acepções encontram guarida na Lei Imperial Nº. 601/1850[10], notadamente em seu artigo 3º, §1º, ao regularizar o sistema dominial, distinguindo o público do privado. Por sua vez, o Decreto-Lei Nº 9.760, de 05 de Setembro de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências, acresce, em termos conceituais, que as terras devolutas são caracterizadas como as não aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, alcançando, ainda, as das faixas de fronteiras, conforme a redação apresentada no caput do artigo 5º[11] daquele.
Em outros termos, as terras devolutas são áreas sem utilização, nas quais não são desempenhadas qualquer serviço administrativo, ou seja, não apresentam qualquer serventia para o Poder Público. O termo devolutas tem sua origem no latim devolutu, cujo sentido é o de despenhar, precipitar, rolar de cima, afastar-se. Em razão do exposto, o termo devoluto passou a gozar de sentido de devolvido, adquirido por devolução, vago, desocupado. Desta feita, ao ser empregado em um sentido jurídico, as terras devolutas passaram a ser conceituadas como aquelas que se afastam do patrimônio das pessoas jurídicas públicas sem se incorporarem, por qualquer título, ao patrimônio de particulares. “As terras devolutas fazem parte do domínio terrestre da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, enquanto devolutas, não têm uso para serviços administrativos”[12].
Não é demais ponderar que as terras devolutas pertenciam a Nação, até que sobreviesse a proclamação da República; por meio da Constituição da República de 1891 foram transferidas aos Estados-membros, conforme disposição contida no artigo 64, e alguns destes as transpassaram, em parte, aos Municípios. A regra vigente é que as terras devolutas são pertencentes aos Estados, alcançando as terras devolutas não compreendidas entre as da União. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20, inciso II, atribuiu à União as “terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei”[13]. A conjugação dessas normas acena que apenas algumas terras devolutas continuaram sob o domínio da União, pertencendo aos Estados todas as demais.
É fácil denotar que pela forma como foram transferidas as propriedades, diversos conflitos surgiram. Com o escopo de trazer solução ao problema, foi editada a Lei Nº. 6.383, de 07 de Dezembro de 1976[14], que dispõe sobre o processo discriminatório de terras devolutas da União e dá outras providências, cujo escopo primitivo é o de definir as linhas demarcatórias do domínio público e privado. A ação contida no diploma legal suso mencionado “se inicia com o chamamento dos interessados para exibir seus títulos de propriedade e termina com o julgamento do domínio e subsequente demarcação para o registro”[15]. “A Ação Discriminatória é o procedimento judicial adequado para que o Estado comprove que as terras são devolutas, distinguindo-as das particulares”[16]. Cuida salientar que, em âmbito federal, a discriminação de terras é promovida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
3 Plataforma Continental
Ab initio, insta salientar que a plataforma continental abarca a extensão de áreas continentais sob o mar até a profundidade de cerca de duzentos metros, sendo considerados como bens da União os recursos naturais nela existentes, segundo previsão estabelecida na Constituição Federal de 1988[17]. Assinala-se que a plataforma continental compreende todo o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além de seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância, conforme estatui a Lei Nº. 8.617[18], de 04 de Janeiro de 1993, que dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências.
A importância do domínio sobre a plataforma continental deflui da necessidade de proteção dos recursos minerais e animais existentes nessa faixa. “Sobressai, portanto, relevante interesse econômico para o país. Por esse motivo é que a Constituição considerou bens públicos federais os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva”[19]. Saliente-se que sobre a plataforma continental o Brasil exerce direitos de soberania para efeitos de exploração e aproveitamento de seus recursos naturais, além de possuir o direito exclusivo de regulamentar a investigação cientifica marinha, a proteção e a preservação do meio ambiente marinho, bem como a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas e perfurações para quaisquer fins. De igual maneira, é reconhecido aos Estados o direito de colocar cabos e dutos na plataforma, mas os traçados dependerão do Governo Brasileiro, que poderá cominar condições para sua colocação.
4 Terras Tradicionalmente ocupadas pelos Índios
A Constituição Federal computa entre os bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, sendo tais áreas consideradas como as porções do território nacional necessárias à sobrevivência física e cultural das populações indígenas que as habitam, consoante dicção do artigo 231, §1º[20]. Com clareza solar, o dispositivo retromencionado demonstra o caráter protetivo em relação à população indígena, buscando-se, por conseguinte, resguardar seu habitat natural, de maneira que seja mantida sua tradição e costumes, assim como o prosseguimento de sua descendência genética, enquanto não são inseridos no processo de aculturação proveniente do meio civilizado. “Realmente, este dispositivo assegura aos índios a posse permanente das terras por eles habitadas e o usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes”[21].
Há que se reconhecer que as áreas tradicionalmente ocupadas por populações indígenas constituem bens públicos da União Federal, sendo, portanto, inalienáveis e indisponíveis, tal como os direitos sobre elas são imprescritíveis, sendo demarcáveis administrativamente. “Nessas áreas existe afetação a uma finalidade pública, qual seja, a de proteção a essa categoria social. Não é estritamente um serviço administrativo, mas há objetivo social perseguido pelo Poder Púbico”[22]. Desta feita, salta aos olhos que as terras em análise se afiguram como bens públicos enquadrados na categoria dos bens de uso especial. Neste passo, ressoado a visão em apreço, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 231, §6º, que:
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. [omissis]
§ 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé”[23].
No mais o vocábulo “índios” empregado no texto da Carta de Outubro é empregado em uma acepção plural, com o escopo de angarias a diferenciação dos aborígenes de numerosas etnias. O propósito maior é retratar uma diversidade indígena tanto interétnica quanto intra-étnica. Anotar se faz imprescindível que as terras que os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Trata-se da declaração de uma situação jurídica ativa preexistente, antecedente aos próprios diplomas legais que norteiam o Estado Brasileiro. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios[24].
A proteção das terras ocupadas por índios se consuma por meio de aspectos especiais, consistente na posse permanente das áreas pelos índios; o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela situadas; a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a indisponibilidade das terras; a nulidade dos efeitos jurídicos dos atos que objetivem a ocupação, o domínio e a posse das terras; e, a participação das populações indígenas nos resultados provenientes da lavra de riquezas minerais nas jazidas situadas nas respectivas áreas. No mais, não se pode olvidar que os índios se afiguram como parte essencial da realidade política e cultural brasileira, apresentando-se como um dos baluartes da formação da própria população nacional, ao passo que as terras indígenas constituem parte fundamental do território brasileiro, sendo bem da União Federal, não compartilhado com nenhuma outra entidade de direito público interno ou externo.
5 Terrenos Acrescidos
Em termos conceituais, os terrenos acrescidos são os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimentos aos terrenos de marinha, consoante traz a lume o artigo 3º do Decreto-Lei Nº 9.760/1946[25]. “Os terrenos acrescidos também pertencem à União Federal, mencionados que estão no já citado art. 20, VII, da CF. Registre-se, porém que esse domínio depende de os acréscimo se terem agregados aos terrenos da marinha”[26]. Tal fato decorre da premissa que os aludidos terrenos se encontram sob o domínio federal, logo, também serão considerados como federais os terrenos que se encontrarem acrescidos àqueles. Cuida ponderar que se os acrescidos forem formados em terrenos situados às margens dos rios e lagos, poderão pertencer ao domínio público ou particular. Caso os acréscimos formados em águas comuns ou das correntes públicas de uso comum, pertencerão aos proprietários privados ribeirinhos. Por derradeiro, em sendo os acréscimos agregados em correntes águas públicas dominicais, serão considerados como bens públicos dominicais, excetos e estiverem servindo ao uso comum ou se pertencerem a particular.
6 Terrenos de Marinha
Considera-se, pois, terrenos de marinha as áreas que, banhadas pelas águas do mar ou pelos rios navegáveis, em sua foz, se estendem a distância de trinta e três (33) metros para a área terrestre, contados da linha preamar médio, conforme estabelece o Aviso Imperial de 12.07.1833. Os terrenos de marinha pertencem à União Federal, em razão de expresso mandamento constitucional, conforme estabelece o artigo 20, inciso VII[27], sendo justificado o domínio federal em virtude da necessidade de se promover a defesa e a segurança nacional. “Entretanto, algumas áreas dos terrenos de marinha se tornaram urbanas ou urbanizáveis por aquiescência do Governo Federal, passando a ser permitido o uso privado”[28]. Vale salientar que no que tange às construções e edificações particulares passam a incidir regulamentos e normas editadas pelos Estados e Municípios, os quais gozam de competência urbanística, conferida pela Carta de Outubro.
Em razão de tais áreas pertencerem à União, o uso por particulares é admitida, sendo adotado o regime da enfiteuse, pelo qual a União, na qualidade de senhorio do direito, transfere o domínio útil a particular, denominado de enfiteuta, tendo este, por via de consequência, a obrigação de pagar, anualmente, a importância a título de foro ou pensão, bem como efetuar o adimplemento, quando da transferência onerosa do domínio útil ou cessão de direitos por ato inter vivos, o laudêmio, quando o senhorio não exercer a preferência. Conquanto o Código Civil de 2002[29] tenha excluído a figura da enfiteuse dos direitos reais, o legislador estabeleceu a ressalva em relação aos terrenos de marinha, em ordem a que essa matéria seja regulamentada por lei especial.
O Decreto-Lei Nº 9.760/1946, além da enfiteuse, prevê a figura da ocupação para legitimar o uso de terras públicas federais, inclusive a dos terrenos de marinha, em favor daqueles que já estejam ocupando há determinado lapso temporal. Para tanto, o mencionado diploma prevê o cadastramento dos ocupantes no Serviço de Patrimônio da União (SPU) e o pagamento da taxa de ocupação. “O ato administrativa da ocupação, porém, é discricionário e precário, de modo que a União se precisar do imóvel, pode promover a sua desocupação sumária, sem que o ocupante tenha direito à permanência”[30]. Assinale-se que o direito à cobrança da taxa de ocupação pela União não é perpétuo, sendo que a lei dispõe que o crédito originado da receita patrimonial se submete à decadência no prazo de dez anos para a constituição do crédito, e à prescrição de cinco anos para sua exigência, contado o prazo a partir do lançamento.
7 Terrenos Reservados ou Marginais
Os terrenos reservados, também denominados de terrenos marginais, são as faixas de terras particulares, marginais dos rios, lagos ou canais públicos, na largura de quinze metros, contados desde a linha média das enchentes ordinárias, oneradas com a servidão de trânsito[31], cuja instituição se deu com a Lei Imperial Nº. 1.507, de 26.09.1867[32], e revigorada com o Código das Águas[33]. Trata-se de servidão pública ou administrativa, destinada unicamente a possibilitar a realização de obras ou serviços públicos pela Administração, no interesse da melhor utilização das águas, do aproveitamento das riquezas existentes e do seu policiamento. Com efeito, colhem-se os entendimentos jurisprudenciais que ventilam:
“Ementa: Administrativo. Embargos de divergência. Terrenos reservados. Margem de rio navegável. Art. 20 Constituição da República. Art. 11 do Decreto N.º 24.643/34 (Código de Águas). 1. Segundo o art. 11 do Código de Águas (Decreto n.º 24.643/34), os terrenos que margeiam os rios navegáveis são bens públicos dominicais, salvo se por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular. 2. Entretanto o artigo 20, III, da Constituição Federal de 1988 estabelece que são bens da União “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”. 3. Não prevalece sob a nova ordem constitucional o título e o domínio de natureza real reconhecido no regime constitucional anterior. 4. Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 995.290/SP/ Relator: Ministro Castro Meira/ Julgado em 11.11.2008/ Publicado no DJe em 04.12.2008) (grifou-se).
“Ementa: Administrativo. Processual Civil. Ação de indenização por desapropriação indireta. Terrenos reservados à margem de rio. Ausência de título de domínio particular. Propriedade pública. […] 3. Segundo o Código de Águas, os terrenos reservados às margens de correntes e lagos navegáveis (a) são bens públicos dominicais, exceto se estiverem destinados ao uso comum ou por algum título legítimo pertencerem ao domínio particular; (b) pertencem aos Estados se, por algum título, não forem de domínio federal, municipal ou particular; e (c) vão até a distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o ponto médio das enchentes ordinárias (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, arts. 11, 14 e 31). 4. "As margens dos rios navegáveis são domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização" (Súmula 479/STF). Portanto, sem título de domínio concedido pelo Poder Público, não tem o particular direito a indenização dessas áreas, no caso de desapropriação. Precedentes. 5. Recurso especial a que se nega provimento”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ REsp 775.476/SP/ Relator: Ministro Teori Albino Zavascki/ Julgado em 04.11.2008/ Publicado no DJe em 12.11.2008) (sublinhou-se).
Consoante leciona Meirelles[34], tal servidão não tem sido compreendida corretamente por muitos juristas brasileiros, já que a consideram como transferência da propriedade particular para o domínio público. Resta patente o equívoco, pois as terras particulares atingidas por essa servidão administrativa não passaram para o domínio da Administração Pública, nem ficaram impedidas de serem utilizadas por seus respectivos proprietários, desde que nelas não sejam erigidas construções ou quaisquer outras obras que inviabilizem o uso normal das águas públicas ou mesmo obstem o policiamento pelos agentes da Administração. O fito exclusivo do instituto em comento é assegurar que as margens dos rios navegáveis estejam livres e desimpedidas para que a Administração Pública possa exercer o competente policiamento através de seus agentes. Em razão disso, quando há desapropriação, o ente estatal está obrigado a indenizar, inclusive, as terras reservadas. Consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “em desapropriação, os terrenos marginais aos rios, de propriedade particular, são indenizáveis”[35]. Ademais, admitir situação contrária seria legitimar o confisco arbitrário por parte do Estado, o que é, expressamente, vedado no Texto Constitucional.
No mais, considerando que se trata de uma servidão, a sua incidência recai sobre domínio alheio. Ao lado disso, sendo uma servidão pública, por óbvio, só incide sobre a propriedade privada, eis que não há justificativa para que a Administração institua servidão sobre seus próprios bens. Nesta senda, quando estabelecida, limita-se a tão somente o uso a benefício de futuras obras e serviços públicos que carecem de terrenos marginais para a sua realização. Outra ressalva que deve ser feita está adstrita ao fato das áreas reservadas não se destinarem ao trânsito ou à utilização por particulares. Tal fato decorre da premissa que a reserva é instituída para obras e serviços públicos e para o trânsito dos agentes da Administração no desempenho de suas funções.
8 Ilhas
Em um primeiro comentário, as ilhas são as elevações de terra acima da lâmina da água e por esta cerca em toda a sua extensão. Quadra ponderar que as ilhas dos rios e lagos públicos interiores são pertencentes aos Estados-membros, ao passo que as ilhas localizadas em rios e lagos limítrofes com Estados estrangeiros são da União. “Essa reserva das ilhas das zonas limítrofes para a União importa reconhecimento de que as demais, das águas públicas interiores, permanecem no domínio dos Estados-membros”[36], guardando semelhança com as terras devolutas que lhes foram transmitidas, quando da promulgação da Constituição da República de 1891. As ilhas marítimas são classificadas em costeiras e oceânicas, sendo que essas são aquelas que se encontram afastadas da costa e não tem qualquer relação com o relevo continental ou com a plataforma submarina; já aquelas são as que resultam do relevo continental ou da plataforma submarina, ou seja, resultam do próprio relevo continental[37].
Cuida ponderar que as ilhas costeiras, por estarem localizadas no mar territorial, sempre foram consideradas domínio da União, eis que o mar e tudo o que nele se encontra é bem federal. “As ilhas oceânicas sujeitas à Soberania Nacional, ou sobre as quais o Brasil manifeste interesse de ocupação, foram oficialmente integradas ao patrimônio da União com a Constituição/67 […], conquanto seu domínio sobre elas jamais tenha sido contestado pelos Estados-membros”[38]. Por derradeiro, imprescindível se faz evidenciar que foram transferidas ao domínio dos Municípios as ilhas oceânicas e costeiras em que suas sedes estejam localizadas, exceto se forem afetadas pelo serviço público ou mesmo unidade ambiental federal. “Destarte, não será da União, mas sim do Município, a área em que estiver localizada a sua sede, situando-se fora de seu domínio, no entanto, as áreas que constituem unidade ambiental de proteção da União e aquelas nas quais estiver sendo executado serviço público federal”[39].
9 Álveos Abandonados
Em termos essencialmente conceituais, pode-se apresentar álveo como “a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto”, como bem arrazoa o art. 9º do Código das Águas[40]. Desta feita, considera-se ocorrente o álveo abandonado (alveo derelictus) quando há um permanente e total abandono do fluxo das águas em um leito, pertencente a propriedade particular, ou seja, rio considerado não navegável. Segundo o magistério de Meirelles, “o álveo abandona pelas águas públicas passa a pertencer aos proprietários ribeirinhos das respectivas margens, sem que tenham direito a indenização alguma os donos dos terrenos por onde a corrente abrir novo curso”[41]. Entretanto, se a mudança do leito primitivo for decorrente de obra estruturada pelo Poder Público, o antigo álveo passará a lhe pertencer. Neste sentido, colaciona-se o paradigmático aresto, que acena:
“Ementa: Águas. Código (Decreto nº 24.643/34). Rio. Mudança da corrente (álveo abandonado). Indenização prévia (desnecessidade, no caso). Propriedade (pública). 1. De uso comum do povo, o rio é bem público (Cód. Civil, art. 66, I). 2. No caso de mudança da corrente pública pela força das águas ou da natureza, o álveo abandonado é regido pelo disposto no art. 26 do Cód. de Águas. 3. Mas, no caso de mudança da corrente pública por obra do homem, o leito velho, ou o álveo abandonado pertence ao órgão público (atribui-se "a propriedade do leito velho a entidade que, autorizada por lei, abriu para o rio um leito novo"). Cód. de Águas, art. 27. 4. Em tal caso de desvio artificial do leito, a acessão independe do prévio pagamento de eventuais indenizações. Conforme o acórdão estadual, "Não é premissa dessa aquisição que o poder público indenize previamente o proprietário do novo álveo". 5. Recurso especial pela alínea a (alegação de ofensa aos arts. 26 e 27), de que a 3ª Turma não conheceu”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 20.762/SP/ Relator: Ministro Nilson Naves/ Julgado em 15.02.2000/ Publicado no DJ em 07.08.2000, p. 103) (grifou-se).
No mais, entende-se por álveo a faixa de terra ocupada pelas águas de um rio ou lago. Trata-se do leito das águas perenes, ou seja, aquelas que fluem durante todo o ano, que não chegam a secar, mas tão somente diminui o volume caudal. Enquanto coberto pelas águas, o álveo segue a condição das mesmas; abandonado, acede aos terrenos marginais, ou passa a integrar bem pertencente do Poder Público, conforme o caso concreto. Com efeito, cuida trazer à colação que “constituição de álveo abandonado a justificar a manutenção de declaração de propriedade ao Município suscitante. Aplicabilidade do art. 27 do Decreto nº 24.643/34 (Código de Águas), sic: "[…] o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita"[42].
10 Faixa de Fronteira
Faixa de fronteira, em uma acepção conceitual, é a área de cento e cinquenta quilômetros de largura, que corre paralelamente à linha terrestre demarcatória da divisa entre o território nacional e os países estrangeiros, sendo considerada como imprescindível para se promover a defesa do território nacional. “Nessa faixa as alienações e as construções ficam sujeitas às limitações impostas pelos regulamentos militares e leis de defesa do Estado, notadamente o Dec.-lei 3.437, de 17.7.41, que dispõe sobre zonas fortificadas e atividades vedadas nessas regiões e nos arredores de fortalezas”[43]. São considerados como pertencentes à União os terrenos das fortificações, bem como as construções bélicas necessárias. “A faixa de fronteira não é somente um bem imóvel da União, mas uma área de domínio sob constante vigilância e alvo de políticas governamentais específicas relacionadas, sobretudo, às questões de segurança pública e soberania nacional”[44].
Em relação às terras devolutas, situadas nessas faixas, e concedidas pelo Estado a terceiros, a transferência está limitada ao uso, permanecendo, pois, o domínio com a União, mesmo que tolerante esta com os possuidores. Dever-se salientar que, consoante a inspiração do Texto Constitucional, as terras devolutas são apenas as indispensáveis à defesa das fronteiras e que só ensejam a transferência do uso, sendo que com as demais tal limitação não prospera, as quais podem ser transferidas, desde que observadas as disposições legais. Com esteio em tal ponderação, é inteiramente ilegítimo que o Estado-membro ou Município se arvore de sua titularidade e promove a transferência das áreas a particulares.
A hipótese ora mencionada constitui como alienação a non domino, cujo consectário é a declaração de nulidade do negócio jurídico. Qualquer alienação ou oneração de terras situadas na faixa de fronteira, sem a observância dos requisitos legais e constitucionais, é "nula de pleno direito", como diz a Lei 6.634/79, especialmente se o negócio imobiliário foi celebrado por entidades estaduais destituídas de domínio. A alienação pelo Estado a particulares de terras supostamente situadas em faixa de fronteira não gera, apenas, prejuízo de ordem material ao patrimônio público da União, mas ofende, sobretudo, princípios maiores da Constituição Federal, relacionados à defesa do território e à soberania nacional. Em tal situação, o particular prejudicado tem direito à reparação dos prejuízos ocasionados pelo alienante, sendo possível, para tanto, o ajuizamento da competente ação de indenização. Neste sentido, colacionam-se paradigmáticos julgados do Supremo Tribunal Federal, que firmam entendimento que:
“Ementa: Terras devolutas de fronteiras. Nulidade da venda pelo estado. Membro. Usucapião do Decreto-Lei 9.760/46. Inaplicabilidade da Lei 2.437/55. I – As terras situadas nas faixas ao longo das fronteiras nacionais, na largura prevista na Lei 601/1850 e Decreto. 1318/1854, em princípio, são do domínio da União, não sendo válidas as vendas delas feitas por Estados-membros, aos particulares, ressalvadas as exceções do art. 5º, do Decreto Lei nº 9.760/1.946. II – Os bens públicos imóveis da União não podem ser adquiridos por usucapião (C.C., art. 67; Dec. 22.785/33; Decreto Lei 9.760/46, art. 200) ressalvados os casos de "praescriptio longis simi temporis", a de 40 anos consumada antes de 1.917, e os do art. 5º, "e", do Decreto Lei 9.760/46. III- A lei 2.437/55, como disposição geral, não alterou o prazo de 20 anos da disposição especial do art. 5º, "e", do decreto Lei nº 9.760/46.(Introd. ao C.C art. 2º, § 2º).” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ Ação Cível Originária Nº 132/MT/ Relator: Ministro Aliomar Baleeiro/ Julgado em 04.04.1973) (sublinhou-se).
“Ementa: Faixa de Fronteira – 1) Terras devolutas nelas situadas. São bens dominicais da União (Const. Fed., artigo 34, II; Lei nº. 2.597, de 12.9.55, artigo 2º). 2) – As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Estados anteriormente à vigente Constituição, devem ser interpretadas como legitimidade e uso, mas não a transferência do domínio de tais terras, em virtude da manifesta tolerância da União, e de expresso reconhecimento da legislação federal. 3) – O Estado concedente de tais terras é parte legítima para rescindir os contratos de concessão de terras devolutas por ele celebrados, bem como para promover o cancelamento de sua transcrição no Registro de Imóveis.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ Embargos no Recurso Extraordinário Nº 52.331/PR/ Relator: Ministro Evandro Lins/ Julgado em 30.03.1964).
As restrições e as condições de uso e de alienação de terras alocadas nessas faixas de fronteira são disciplinadas pela Lei N° 6.634/1979. Por sua vez, a Lei N° 9.871/1999 estabeleceu o lapso temporal de dois anos para que os detentores de títulos, ainda não ratificados, de alienação ou concessão de terras feitas pelo Estado na faixa de fronteira, requeiram a competente ratificação junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Após o decurso do lapso assinalado, ou não sendo possível a ratificação, o diploma legal prevê a possibilidade de declaração da nulidade do título, por meio de ato motivado, com ciência ao interessado e publicação do ato no Diário Oficial, tal como o cancelamento dos correspondentes registros e consequente registro do imóvel em nome da União no competente Registro de Imóveis[45].
11 Vias e Logradouros Públicos
As terras ocupadas com as vias e logradouros públicos são pertencentes às Administrações que os construíram, sendo que mencionadas áreas podem ser bens de uso comum do povo ou bens de uso especial. “Estradas há que, embora de domínio público, são reservadas a determinadas utilizações ou a certos tipos de veículos, tendo em vista sua destinação ou seu revestimento”[46]; noutras estradas o uso é pago, por meio de tarifa de pedágio ou rodágio; em outras, o trânsito é estabelecido em conformidade com o horário ou a tonelagem máxima, o que as caracterizam como verdadeiro instrumento administrativo, de uso especial, sem que sobrevenha a generalização das utilizações do passado, que as estabelecem como bens de uso comum de todos. Ademais, as mesmas ponderações têm assento para os terrenos ocupados pelas estradas de ferro.
As estradas de rodagem compreendem, além da faixa de terra ocupada com o revestimento da pista, os acostamentos e as faixas de arborização, que são áreas pertencentes ao domínio público da entidade que as erige, afigurando-se como verdadeiros elementos integrantes da via pública. Essas áreas são originariamente do Poder Público que as utiliza como rodovia ou são transferidas através dos meios comuns de alienação ou, ainda, integradas ao domínio público, de maneira excepcional, por destinação, que as torna impassíveis de reivindicação por seus proprietários primitivos. A aludida transferência por destinação decorre do fato da transformação da propriedade privada em via pública sem oportuna oposição do particular, independentemente de qualquer transcrição ou formalidade administrativa. Todavia, nada impede que o particular busque a justa indenização do dano provocado pelo Poder Público por essa desapropriação indireta.
As estradas de ferro, em razão do regime administrativo adotado pelo Brasil, tanto podem pertencer ao domínio público de qualquer das entidades estatais como de propriedade particular, exploradas mediante concessão federal ou estadual. Por um corolário de simetria, as terras ocupadas pelas vias férreas seguem a natureza da estrada a que se destinam. Oportunamente, as vias e áreas de metrô são bens do domínio público, de uso especial, pertencentes à entidade titular do serviço metroviário e sujeitas ao regime administrativo afixado na Lei Nº 6.149/1974, inclusive no que toca à sua segurança.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES