Compensação de débitos tributários com créditos representados por precatórios


Regulamentando o disposto nos parágrafos 9º e 10, do art. 100, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009, a Lei nº 12.431, de 27 de junho de 2011, dispôs em seu art. 30 e seguintes adiante transcritos sobre a compensação de débitos de tributos de competência impositiva da União com os créditos provenientes de precatórios.


“Art. 30. A compensação de débitos perante a Fazenda Pública Federal com créditos provenientes de precatórios, na forma prevista nos §§ 9o e 10 do art. 100 da Constituição Federal, observará o disposto nesta Lei.


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§ 1º Para efeitos da compensação de que trata o caput, serão considerados os débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa da União, incluídos os débitos parcelados.


§ 2º O disposto no § 1o não se aplica a débitos cuja exigibilidade esteja suspensa, ressalvado o parcelamento, ou cuja execução esteja suspensa em virtude do recebimento de embargos do devedor com efeito suspensivo, ou em virtude de outra espécie de contestação judicial que confira efeito suspensivo à execução.


§ 3º A Fazenda Pública Federal, antes da requisição do precatório ao Tribunal, será intimada para responder, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre eventual existência de débitos do autor da ação, cujos valores poderão ser abatidos a título de compensação.


§ 4º A intimação de que trata o § 3o será dirigida ao órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica devedora do precatório na ação de execução e será feita por mandado, que conterá os dados do beneficiário do precatório, em especial o nome e a respectiva inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).


§ 5º A informação prestada pela Fazenda Pública Federal deverá conter os dados necessários para identificação dos débitos a serem compensados e para atualização dos valores pela contadoria judicial.


§ 6º Somente poderão ser objeto da compensação de que trata este artigo os créditos e os débitos oriundos da mesma pessoa jurídica devedora do precatório.


Art. 31. Recebida a informação de que trata o § 3º do art. 30 desta Lei, o juiz intimará o beneficiário do precatório para se manifestar em 15 (quinze) dias.


§ 1º A impugnação do beneficiário deverá vir acompanhada de documentos que comprovem de plano suas alegações e poderá versar exclusivamente sobre:


I – erro aritmético do valor do débito a ser compensado;


II – suspensão da exigibilidade do débito, ressalvado o parcelamento;


III – suspensão da execução, em virtude do recebimento de embargos do devedor com efeito suspensivo ou em virtude de outra espécie de contestação judicial que confira efeito suspensivo à execução; ou


IV – extinção do débito.


§ 2º Outras exceções somente poderão ser arguidas pelo beneficiário em ação autônoma.


Art. 32. Apresentada a impugnação pelo beneficiário do precatório, o juiz intimará, pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, o órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica devedora do precatório na ação de execução, para manifestação em 30 (trinta) dias.


Art. 33. O juiz proferirá decisão em 10 (dez) dias, restringindo-se a identificar eventuais débitos que não poderão ser compensados, o montante que deverá ser submetido ao abatimento e o valor líquido do precatório.


Parágrafo único. O cálculo do juízo deverá considerar as deduções tributárias que serão retidas pela instituição financeira.


Art. 34. Da decisão mencionada no art. 33 desta Lei, caberá agravo de instrumento.


§ 1º O agravo de instrumento terá efeito suspensivo e impedirá a requisição do precatório ao Tribunal até o seu trânsito em julgado.


§ 2º O agravante, no prazo de 3 (três) dias, requererá juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso.


§ 3º O agravante, no prazo de 3 (três) dias, informará o cumprimento do disposto no § 2o ao Tribunal, sob pena de inadmissibilidade do agravo de instrumento.


Art. 35. Antes do trânsito em julgado da decisão mencionada no art. 34 desta Lei, somente será admissível a requisição ao Tribunal de precatório relativo à parte incontroversa da compensação.


Art. 36. A compensação operar-se-á no momento em que a decisão judicial que a determinou transitar em julgado, ficando sob condição resolutória de ulterior disponibilização financeira do precatório.


§ 1º A Fazenda Pública Federal será intimada do trânsito em julgado da decisão que determinar a compensação, com remessa dos autos, para fins de registro.


§ 2º No prazo de 30 (trinta) dias, a Fazenda Pública Federal devolverá os autos instruídos com os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação referentes aos débitos compensados.


§ 3º Recebidos os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação pelo juízo, este intimará o beneficiário, informando os registros de compensação efetuados pela Fazenda Pública Federal.


§ 4º Em caso de débitos parcelados, a compensação parcial implicará a quitação das parcelas, sucessivamente:


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I – na ordem crescente da data de vencimento das prestações vencidas; e


II – na ordem decrescente da data de vencimento das prestações vincendas.


§ 5º Transitada em julgado a decisão que determinou a compensação, os atos de cobrança dos débitos ficam suspensos até que haja disponibilização financeira do precatório, sendo cabível a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa.


§ 6º Os efeitos financeiros da compensação, para fins de repasses e transferências constitucionais, somente ocorrerão no momento da disponibilização financeira do precatório.


§ 7º Entende-se por disponibilização financeira do precatório o ingresso de recursos nos cofres da União decorrente dos recolhimentos de que trata o § 4o do art. 39.


§ 8º Os valores informados, submetidos ao abatimento, serão atualizados até a data do trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a compensação, nos termos da legislação que rege a cobrança dos créditos da Fazenda Pública Federal.


Art. 37. A requisição do precatório pelo juiz ao Tribunal conterá informações acerca do valor integral do débito da Fazenda Pública Federal, do valor deferido para compensação, dos dados para preenchimento dos documentos de arrecadação e do valor líquido a ser pago ao credor do precatório, observado o disposto no parágrafo único do art. 33.


Art. 38. O precatório será expedido pelo Tribunal em seu valor integral, contendo, para enquadramento no fluxo orçamentário da Fazenda Pública Federal, informações sobre os valores destinados à compensação, os valores a serem pagos ao beneficiário e os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação.


Art. 39. O precatório será corrigido na forma prevista no § 12 do art. 100 da Constituição Federal.


§ 1º A partir do trânsito em julgado da decisão judicial que determinar a compensação, os débitos compensados serão atualizados na forma do caput.


§ 2º O valor bruto do precatório será depositado integralmente na instituição financeira responsável pelo pagamento.


§ 3º O Tribunal respectivo, por ocasião da remessa dos valores do precatório à instituição financeira, atualizará os valores correspondentes aos débitos compensados, conforme critérios previstos no § 1o, e remeterá os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação à instituição financeira juntamente com o comprovante da transferência do numerário integral do precatório.


§ 4º Ao receber os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação de que trata o § 3o, a instituição financeira efetuará sua quitação em até 24 (vinte e quatro) horas.


§ 5º Após a disponibilização financeira do precatório, caberá restituição administrativa ao beneficiário de valores compensados a maior.


Art. 40. Recebidas pelo juízo as informações de quitação dos débitos compensados, o órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica devedora do precatório na ação de execução será intimado pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, para registro da extinção definitiva dos débitos.


Art. 41. Em caso de cancelamento do precatório, será intimada a Fazenda Pública Federal para dar prosseguimento aos atos de cobrança.


§ 1º Em se tratando de débitos parcelados, uma vez cancelado o precatório, o parcelamento será reconsolidado para pagamento no prazo restante do parcelamento original, respeitado o valor da parcela mínima, se houver.


§ 2º Se o cancelamento do precatório ocorrer após a quitação dos débitos compensados, o Tribunal solicitará à entidade arrecadadora a devolução dos valores à conta do Tribunal.


Art. 42. Somente será objeto do parcelamento de que trata o art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) o valor líquido do precatório a ser pago ao beneficiário, após abatimento dos valores compensados com os créditos da Fazenda Pública Federal e das correspondentes retenções tributárias.


Parágrafo único. Os débitos compensados serão quitados integralmente, de imediato, na forma do § 4o do art. 39.


Art. 43. O precatório federal de titularidade do devedor, inclusive aquele expedido anteriormente à Emenda Constitucional no 62, de 9 de dezembro de 2009, poderá ser utilizado, nos termos do art. 7o da Lei no 11.941, de 27 de maio de 2009, para amortizar a dívida consolidada.”


Passemos a comentar alguns desses dispositivos para se ter uma visão panorâmica da matéria objeto deste artigo.


Da modalidade sui generis de compensação


Apesar da proclamada auto-aplicação dessa compensação unilateral sui generis prevista no § 9º, do art. 100, da CF, introduzida pela EC nº 62/2009, foi aprovada e sancionada a Lei nº 12.431/2011 que disciplina o procedimento para operar-se a compensação. A compensação de ofício baseada em informações unilaterais do fisco, prevista na Constituição Federal, era inexequível. Mesmo regulamentada, essa compensação continua ofendendo o princípio constitucional do contraditório e ampla defesa como mais adiante veremos.


Cumpre observar, outrossim, que a lei sob comento tem aplicação exclusivamente no âmbito da União, podendo os Estados e Municípios editar leis próprias a respeito.


Da natureza dos débitos objetos de compensação


O § 1º do art. 30 inclui no âmbito da compensação débitos de qualquer natureza, desde que líquidos e certos, inscritos ou não na dívida ativa da União neles incluídos os débitos parcelados. São excluídos da compensação os débitos com exigibilidade suspensa por ato judicial ou administrativo (§ 2º).


Ora, essa compensação forçada dos débitos parcelados desrespeita o ato jurídico perfeito, protegido por cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF). Nem mesmo a Emenda Constitucional poderá afrontar o ato jurídico perfeito. Nesse particular, o § 9º, do art. 100, da CF, acrescido pela EC nº 62/2009, que dá suporte ao dispositivo legal sob comento, padece do vício de inconstitucionalidade por contrariar o núcleo protegido por cláusulas pétreas.


Se o fisco acena com a possibilidade de pagamento parcelado do débito tributário, atendidos os requisitos da lei, e se o contribuinte consegue demonstrar o cumprimento desses requisitos e tem o seu débito consolidado para pagamento em parcelas mensais fica caracterizado o ato jurídico perfeito, tornando aquele ato insusceptível de modificação unilateral pelo fisco. O rompimento do acordo de parcelamento por inadimplência do devedor é outra coisa.


Por isso, a compensação de débitos parcelados só pode ser entendida como faculdade do contribuinte como, aliás, está expresso no art. 43 da lei sob exame.


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Sumário do procedimento da compensação


Antes da requisição do precatório ao Tribunal a Fazenda será intimada a informar, em 30 dias, sobre a existência de eventuais débitos do autor da ação, para fins de compensação (art. 30, § 3º).


Informado pelo fisco o montante do débito a ser compensado (art. 31) poderá o precatorista apresentar impugnação, conforme dispõe seus § 1º, porém, versando exclusivamente sobre:


“I – erro aritmético do valor a ser compensado;


II – suspensão da exigibilidade do crédito, ressalvado o parcelamento;


III – suspensão da execução, em virtude do recebimento de embargos do devedor com efeito suspensivo ou em virtude de outra espécie de contestação judicial que confira efeito suspensivo à execução; ou


IV – extinção do crédito.”


Nos termos do § 2º, outras exceções só podem ser arguidas em ação autônoma.


Como se vê, há uma limitação do âmbito de defesa do contribuinte. Na realidade,  a lei só permite argüir inexatidão aritmética que, a rigor, nem era preciso mencionar, e a extinção do crédito. A suspensão da exigibilidade já é fator de impedimento à compensação nos termos do § 2º, do art. 30. E a suspensão da execução por ordem judicial, por si só, é impeditivo de compensação que implica pagamento do tributos sob discussão.


Sabe-se que o fisco costuma manter na inscrição da dívida ativa créditos tributários prescritos há mais de dez anos. Jamais tomou qualquer iniciativa em dar baixa a esses créditos atingidos pela prescrição. O mesmo acontece nas execuções fiscais paralisadas por longos anos sem que ninguém requeira o reconhecimento da prescrição intercorrente. Logo, é presumível que a Fazenda irá incluir na compensação débitos prescritos. Como proceder nesse caso? Cabe ao interessado argüir a extinção do débito na forma do inciso IV, pois a prescrição é causa extintiva do crédito tributário (art. 156, V, do CTN). É preciso dar interpretação ampla ao inciso IV, do § 1º, do art. 31 da lei sob comento não se atendo à hipótese usual de extinção do crédito tributário pelo pagamento.


Com a manifestação da Fazenda o juiz proferirá decisão em 10 dias (art. 33) cabendo recurso de agravo dessa decisão com efeito suspensivo (art. 34, § 1º). Opera-se a compensação no momento em que a decisão judicial transitar em julgado (art. 36), sem prejuízo de o tribunal expedir precatório relativo à parte incontroversa da compensação (art. 35).


Como se vê, o procedimento não assegura o exercício pleno do contraditório e ampla defesa. Prova disso é o § 2º, do art. 31 que assegura ao precatorista outros meios de defesa em ação autônoma. Só que isso não assegura o contraditório e ampla defesa previamente à compensação. E o texto constitucional prescreve que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, da CF). Uma vez operada a compensação, eventual vitória do precatorista na ação autônoma sujeitará o demandante vitorioso à expedição de novo precatório, igualmente precedido das medidas previstas na lei sob comento, instaurando-se um círculo vicioso.


A Lei 12.431/2011contém, ainda, inúmeras normas burocráticas, inclusive, as de natureza financeira para fins de repasses e transferências constitucionais trazendo matérias absolutamente estranhas ao cumprimento da decisão condenatória da Fazenda, tudo conspirando contra a agilização do cumprimento do precatório. Outrossim, os prazos relativamente exíguos para processamento e decisão acerca da compensação, previstos na lei sob exame, não representam, por si sós, garantia de rápida ultimação do acerto de contas entre as partes envolvidas. Se os prazos fossem respeitados por todos, a justiça seria bem mais ágil, independentemente de constantes e incessantes inovações legislativas para combater a morosidade do Judiciário. Existem problemas que a lei não pode resolver. A morosidade é um deles.


Considerações finais


É lamentável que o precatório, forma de pagamento da condenação judicial pela Fazenda, que já é moroso pela própria natureza, venha sendo utilizado para discussão de matérias estranhas ao processo de conhecimento que lhe deu origem. Como isso veio no bojo da Emenda Constitucional que decretou a terceira moratória, conhecida como emenda do calote, pode-se dizer que houve, na verdade, um duplo calote aumentando o prazo de cumprimento da decisão condenatória para muito além do prazo máximo fixado para pagamento de precatórios.


 No processo de conhecimento a Fazenda vem protelando o trânsito em julgado com interposição de “n” recursos cabíveis ou incabíveis ao ponto de ser conhecida como a maior gladiadora forense. Sabe-se que o poder público é responsável por 77% dos processos judiciais em andamento, na condição e autor, e, de 69% na condição de réu. Mesmo antes do advento dessa lei sob comento a Fazenda criava “n” obstáculos à expedição do precatório procedendo à impugnação sistemática das contas apresentadas, não raras vezes, rediscutindo matéria acobertada pela coisa julgada.


Expedido o precatório, após cansativas discussões, ocorre a não inclusão orçamentária ou o desvio das verbas consignadas ao Judiciário. Resultado disso é o acúmulo de precatórios impagáveis à espera de nova moratória constitucional. Alguns governantes, seguros da impunidade, planejam o desvio sistemático das verbas orçamentárias pertencentes ao Judiciário, por expressa determinação constitucional (§ 6º, do art. 100, da CF).


Agora, a Emenda 62/2009 decretou, além da moratória de 15 anos para pagamento de precatórios, uma espécie de moratória na expedição do precatório. Credores em débito para com a Fazenda deverão enfrentar uma nova fila: a fila para lograr a expedição de seu precatório.


É tempo de o legislador (constituinte e ordinário) cuidar para que a Fazenda Pública valha-se exclusivamente da lei de regência da matéria para cobrança de sua dívida ativa, abstendo-se da edição de normas da espécie, bem como eliminando do ordenamento jurídico instrumentos de coação indireta (sanções políticas), na verdade, condenados por nada menos que três Sumulas do STF.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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