Resumo: O só fato de o empreendimento estar localizado em Unidade de Conservação não tem o condão determinar a competência para o licenciamento. A fixação da competência é orientada pelos critérios da grandeza dos impactos, ou seja, em função da extensão e intensidade das conseqüências do empreendimento, e da supletividade, devendo a autarquia licenciar quando o órgão ambiental competente – estadual ou municipal – não atue com o devido zelo (inépcia) ou mantenha-se omisso, inerte. A delegação nos processos de licenciamento concretiza-se por meio de convênio, por expressa previsão da Resolução CONAMA n° 237/97 e independe de aquiescência do ente delegado quando o delegante é seu superior hierárquico. Como não há relação de subordinação entre os órgãos integrantes do SISNAMA, que atuam em regime de cooperação, se o IBAMA pretende transferir o licenciamento para o órgão ambiental estadual, terá que fazê-lo por acordo de cooperação/convênio, ou por ato unilateral, a exemplo da portaria de delegação.
Palavras-chave: Licenciamento; Competência; Delegação.
Sumário: 1. Critérios para a divisão de competência entre os entes federados. 2. Outros critérios previstos na Resolução do CONAMA. 3. Delegação de competência em matéria de licenciamento. 4. Conclusões.
1. Divisão de competência entre os entes federados
A Lei Federal nº 6938/81 relaciona o licenciamento como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.
“Licenciamento Ambiental é “procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso” (Resolução CONAMA nº 237/97, art. 1º, inc. I).
O escopo do licenciamento é a compatibilização da proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico sustentável, com foco nos impactos ambientais da atividade/empreendimento, e não na titularidade dos bens afetados.
Na Constituição Federal o licenciamento está inserido dentre as competências comuns dos entes federados.
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.(…)
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;(…)
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)”. (g.n.)
Enquanto não editadas as Leis Complementares a que se refere o parágrafo único do art. 23, as entidades administrativas e os órgãos jurisdicionais devem se valer dos princípios constitucionais e das normas infraconstitucionais, em especial a Lei n° 6.938/1981, bem como dos atos normativos que regulam a matéria (Resolução n° 237/1997 do CONAMA), para solucionar questões relacionadas com a distribuição de competências materiais.
A fixação da competência para o licenciamento ambiental é orientada pelos critérios (a) da grandeza dos impactos, ou seja, em função da extensão e intensidade das conseqüências do empreendimento. Se capaz de ocasionar “significativo impacto ambiental” de “âmbito nacional ou regional” (sempre sujeitos a EIA/RIMA, conforme prevê o art. 225, §1°, IV, da CF) [1], caberá à autarquia federal a condução do procedimento; (b) da supletividade, devendo a autarquia licenciar quando o órgão ambiental competente – estadual ou municipal – não atue com o devido zelo (inépcia) ou mantenha-se omisso, inerte.
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente traz os referidos critérios:
“Lei 6938/81
“Art. 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)(…)
§ 4º – Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)” (g.n.).
A opção do legislador constituinte pela competência comum para a defesa do meio ambiente, bem como do legislador ordinário pela criação do SISNAMA, sinalizam a importância que se deu à proteção ambiental, tendo como decorrência a necessidade de cooperação de todos os entes federados, seus órgãos e entidades, na proteção e execução daqueles temas a que deu dignidade constitucional. Nesse aspecto, a fim de suprir eventual deficiência de certos estados e de grande parte dos municípios, que são em certas situações mais suscetíveis a influências externas, optou o legislador pela competência supletiva da União em relação aos demais entes da federação.
Cumprindo o comando constitucional, a Resolução 237 do CONAMA confere aos estados a competência residual em matéria de licenciamento, e atribui aos Municípios o dever de licenciar no caso de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local.
“Art. 6º – Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.” (g.n.).
Assim, verificar-se-á, inicialmente, em consonância com o critério da magnitude dos impactos, se este é meramente local, caso em que a competência será do órgão ambiental municipal.
2. Outros critérios previstos na Resolução do CONAMA
Ocorre que a citada Resolução disciplinou a matéria de modo diverso, relacionando outros critérios, a exemplo da dominialidade e da predominância do interesse, para definir a competência dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA.
“Art. 4º – Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:
I – localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União.
II – localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;
III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados;
IV – destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN;
V- bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.
§ 1º – O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.
§ 2º – O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências.”
(g.n.).
Embora o CONAMA tenha disciplinado a competência do IBAMA com base na natureza/titularidade do bem envolvido, é necessário que se faça uma interpretação conforme a Constituição, de modo a concluir que a titularidade não dispensa a caracterização do interesse regional ou nacional. Não obstante a localização da atividade já requerer de plano uma maior atenção e rigor na definição da competência, a amplitude do impacto deverá ser sempre sopesada.
O critério da titularidade não pode ser aplicado per si sob pena de virem à tona inúmeros conflitos. Imagine-se a situação em que uma atividade de impacto ambiental local (competência municipal) é realizada em um rio estadual (competência do estado-membro), dentro de uma unidade de conservação de domínio da União (competência do IBAMA).
A adoção desse critério inviabilizaria as atividades da autarquia federal, que teria que licenciar todos os empreendimentos, em toda a zona costeira, mesmo que de impactos meramente locais.
“ADMINISTRATIVO. CONSTRUÇÃO DE BARRACAS DE PRAIA. ORLA MARÍTIMA. SALVADOR. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. 1. A competência para a condução do licenciamento ambiental deve ser definida de acordo com o potencial dano do empreendimento e não segundo a propriedade da área em que serão realizadas as construções. 2. As obras de construção ou reforma de barracas na orla marítima de Salvador/BA, ainda que estejam localizadas em terreno de marinha, de propriedade da União, não atraem a competência exclusiva do IBAMA para conduzir o correspondente estudo de impacto ambiental, por não estar configurado impacto ambiental nacional ou regional. 3. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (AG 2007.01.00.000782-5/BA, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Rel.Acor. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Sexta Turma,DJ p.64 de 10/09/2007)”
Saliente-se que os conflitos entre entes federativos devem ser evitados pela adesão a regras legais e objetivas de divisão de competências. Assim, como nos termos da lei apenas o significativo impacto ambiental regional ou nacional permitirá ao IBAMA atuar como órgão licenciador, a abrangência do impacto é, atualmente, único critério viável, devendo ser aplicado até que o Poder Legislativo edite a lei complementar de que trata o parágrafo único do art. 23 da CR.
Cabe ainda mencionar que vige a regra da unicidade de órgão licenciador, ou seja, apenas um órgão tem competência para licenciar determinada obra/atividade. O empreendedor não pode ser obrigado a se submeter a licenciamentos perante diversos órgãos ambientais.
Também está vedada a fragmentação induzida do empreendimento de modo a reduzir sua área de influência e, assim, afastar a competência do IBAMA.
“Resolução 237
Art. 7º – Os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores” .
3. Delegação de competência em matéria de licenciamento
Competência é a função atribuída por lei a cada órgão ou autoridade, somente podendo ser alterada ou revogada também por lei. Caracteriza-se por ser irrenunciável, imprescritível, inderrogável e improrrogável.
É permitida a delegação de competência, ou seja, a transferência de atribuição da autoridade superior para o subordinado, assim como a avocação de competência, isto é, o chamamento de atribuição do subordinado pela autoridade superior.
As autoridades da Administração Pública transferem motivadamente atribuições decisórias a seus subordinados ou não subordinados, neste último caso condicionada à aceitação pelo delegado.
No que se refere ao SISNAMA e sua finalidade, tem-se que ele concretiza a articulação dos órgãos ambientais existentes e atuantes em todas as esferas da Administração Pública. Assim, não cabe aos Municípios e Estados pedirem autorização à União para exercerem o poder de polícia administrativa, para organizarem seus serviços administrativo-ambientais ou para utilizarem os instrumentos da política nacional do meio ambiente, entre os quais se inclui o licenciamento ambiental, mas pode a União delegar competência em matéria de licenciamento aos estados-membros e estes aos seus respectivos municípios.
A Resolução 237 do CONAMA regula a delegação do processo de licenciamento entre os órgãos integrantes do SISNAMA:
“Art. 4º – Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: (…)
§ 2º – O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências.”
“Art. 5º – Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
I – localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;
II – localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;
III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios;
IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio.
Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.
Art. 6º – Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.”
Vê-se que é possível ao IBAMA delegar aos estados-membros licenciamentos de atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional, ressalvada sua competência supletiva. Trata-se de poder discricionário do órgão ambiental federal.
O ato de delegação deve observar o contido na Lei de Processo Administrativo.
“L. 9784/1999.
“Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I – a edição de atos de caráter normativo;
II – a decisão de recursos administrativos;
III – as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.
§ 1o O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.
§ 2o O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.
§ 3o As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.
Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior.”
A delegação, para que tenha validade, necessita observar os requisitos de legalidade, formalidade e publicidade, além de ser motivada, publicada no diário oficial e formalizada pelo instrumento legal indicado em lei ou ato normativo específico.
Nos licenciamentos, a delegação se dá por meio de convênio, por expressa previsão da Resolução 237. Esse foi o instrumento escolhido pelo CONAMA porque haverá necessidade de delegante e delegado acordarem no que tange à transferência de atribuições.
A delegação independe de aquiescência tão-somente quando o ente delegante é superior hierárquico do delegado. Como não há essa subordinação entre os órgãos integrantes do SISNAMA, que atuam em regime de cooperação, se o IBAMA pretende transferir competência para o órgão ambiental estadual realizar o licenciamento, terá que fazê-lo por acordo de cooperação ou convênio.
Ressalte-se que o convênio de delegação de licenciamento não se confunde com o convênio de direito financeiro celebrado para viabilizar o repasse de recursos financeiros. Por meio desse instrumento visa-se apenas formalizar a delegação, especificando as matérias e os poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, bem como a duração e os objetivos da delegação.
4. Conclusões
Os empreendimentos de significativo impacto ambiental que produzam impactos diretos em mais de um estado devem ser licenciados pelo IBAMA em sua integralidade. É possível, todavia, que a autarquia delegue a tarefa de licenciar o empreendimento, desde que o faça motivadamente, por meio de convênio, termo de cooperação técnica ou portaria.
Nota:
[1] Impacto de âmbito nacional ou regional é aquele que vai além dos limites de um estado-membro, atingindo de forma direta dois ou mais estados.
Informações Sobre o Autor
Mariana Wolfenson Coutinho Brandão
Procuradora Federal em exercício no IBAMA-Sede. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola de Magistratura de Pernambuco – ESMAPE