Competição: uma incoerência no ensino da mediação

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Resumo: O presente artigo tem como objetivo suscitar reflexões sobre a prática da competição de mediação no processo de aprendizado e de treinamento do futuro mediador, bem como ponderar a compatibilidade da competição com o método autocompositivo de resolução de conflito, qual seja a mediação. Para tanto, foram realizadas consultas a obras bibliográficas e a textos publicados em sítios da Internet. A análise final é que a mediação é a competição são antagônicas nas suas crenças. O breve estudo tem importância pelo fato de incentivar a avaliação da atividade pedagógica escolhida para o ensino formativo do mediador se coerente com o sentido da mediação.

Palavras-chave: Ensino. Competição. Mediação.

Abstract: The purpose of this article is to reflect on a practice of mediation competition without learning process and training of the future mediator, as well as to consider the compatibility of competition with the method of conflict compatibility, such as mediation. For this purpose, consultations were carried out on bibliographical works and texts published on the Internet. The final analysis is that mediation is competition are antagonistic in their beliefs. The study is important because it encourages an evaluation of the pedagogical activity left to the formative education of the mediator if coherent with the sense of mediation.

Keywords: Teaching. Competition. Mediation.

¨Para ensinar há uma formalidade a cumprir – saber¨. Eça de Queirós

DESEMVOLVIMENTO

Quando se fala em mediação, uma pergunta que não precisa ser feita é se as pessoas querem ser ouvidas, compreendidas e aceitas. Em especial, se tratar de situações conflitivas. Aliás, todos queremos isso a todo momento.

Acerca disso uma indagação que se apresenta quando da formação de mediadores de conflito é: como ensinar para o escutar, o compreender e o aceitar o outro? Ou seja, como preparar mediadores? A resposta é tão importante quanto o questionamento. Porque leva a uma total modificação da cultura do adversarial para um novo modelo de sociedade: colaborativa-cooperativa.

Eis o motivo, muito pertinente, de se manter o distanciamento dos interesses individualistas de toda ordem, especialmente o mercadológico.

Qualquer processo formativo em mediação assentado em paradigmas voltados a ganhos próprios e em que cada um defende a sua posição, proporciona a fragmentada educabilidade do mediador; que em meio a sua missão, encontra-se o auxiliar pessoas a transformar suas histórias em algo melhor.

Preparar mediadores requer um cuidado pedagógico, até mesmo emocional e psicológico para que haja verdadeira capacitação em mediação, posto que ¨um dos objetivos iniciais do mediador será o de ajudar as pessoas a compreender que colaboração significa laboração conjunta em prol da resolução de questões de interesse comum, permitindo o resgate da fluidez na interação, (…)¨ (Pelajo, 2015).

Feito isso, a compreensão dimensional do potencial da mediação para a resolução e administração de conflitos, alcança o melhor do ser humano na construção da cultura do não litígio. Isso porque a essência do método autocompositivo reside em possibilitar um encontro consigo mesmo e com o outro em harmonia na busca da melhor solução, mesmo com diferenças.

A mediação então permite que os conflitantes possam “imaginar-se no lugar do outro, perguntar-se quais são suas esperanças e seus temores, e considerar a situação do ponto de vista dele – se estamos dispostos a esse esforço¨. (MATTHIEU, 2016). Ou seja, a mediação aproxima pessoas no significado do humano, porque descondicionados do conflito caminham para convivência pacificada.

No universo da mediação, a visão de mundo do mediador é de colaboração, de solidariedade, onde todos podem sair daquela situação conflituosa de maneira serena; sem perdas. Esse estado de paz resulta do cuidado, que ¨é uma atitude que comporta dois sentidos totalmente interligados: atenção e dedicação ao outro. A pessoa que sabe cuidar está atenta às necessidades dos outros¨ (BRUSTOLIN, 2010). O mediador é um pacificador comprometido com a qualidade de vida do seu semelhante.

A educação do mediador envolve a aquisição de conhecimento técnico e de técnicas, mas também a apreensão de valores a partir das influências no ambiente de ensino, que consolidam a consciência do agir, do pensar e do jeito de ser para a mediação.

Essas atitudes e consciência devem ser internalizadas no momento da formação do mediador, para a garantia da pureza no ato de mediar

Isso significa que a proposta pedagógica para o ensino da mediação, por natureza, não comporta atividades formativas dentro do escopo adversarial, em especial a competição. Em se instalar qualquer forma de privilégio de técnica – fazendo competição – perder-se-á o sentido maior da mediação que são AS PESSOAS! 

O mediador deve ser um profissional empático e o mais neutro que conseguir, posto que entre estudiosos é sabido que a imparcialidade total não existe.  O necessário é que esteja o mediador sensibilizado à percepção dos reais interesses, respeitando e dando a devida atenção aos sentimentos dos mediandos, conduzindo as questões atinentes à demanda.

Essas são as principais ferramentas no tratamento da situação conflituosa, porque oferece a oportunidade para separar as pessoas do conflito e abrir caminho para a resolução e ou a administração do problema a partir daí.

 A mediação é assim concebida, e qualquer movimento para além desse limite, não é mediação.

A mediação objetiva o estabelecimento ou o reestabelecimento da comunicação e tem o acordo como consequência. Portanto, o mediador bem orientado, saberá manipular as técnicas apropriadas à mediação de modo a conduzir primeiro ao diálogo e depois ao rumo para o acordo.

O sentido da mediação, portanto, abraça o colaborar e o cooperar, que são ações adversas do competir. A mediação orientada na atmosfera de disputa, serve a confusões e a distorções do método autocompositivo. Posto que a competição se fundamenta na luta, na rivalidade, no ir em oposição ao outro, ou seja, na postura antagônica.

Competidor é adversário.

 Mesmo não significando inimizade, competir é concorrer com vista a superar o outro. Na perspectiva da competição, a pessoa é obstáculo ou via para a conquista de algo dentro do interesse do eu.  Por isso, a competição tem força para levar o mediador a tomar sua posição uma afirmação de si mesmo: o foco na vitória, no pódio. O intuito à ambição para o aperfeiçoamento do desempenho profissional é mérito, que se difere da ambição por um prêmio por si e para si: o alcance do acordo.  Vê-se que a competição não serve à mediação, porque opostas em suas crenças: na competição o ¨eu¨, na mediação o ¨nós¨. A competição é de encontro. A mediação é ao encontro.

O argumento de que a competição contribui para a educação colaborativa e não adversarial e que conscientiza à empatia, contradiz a própria competição, que tem forma de contenda, de guerra por uma ocupação, de luta por algo, de litígio. A competição é ¨impessoal¨.

O respeito e o cuidado entre competidores, significa boa-fé e não ausência da orientação à concorrência. A competição é um momento em que se acentua sentimentos de rivalidades. E isso não interessa à mediação por não comportar atividades de incentivo à disputa, que restam destituídas da consideração ao significado e à importância dos valores e das razões na relação entre os envolvidos.

Numa situação conflitiva, as pessoas tendem a superar ou revidar: aprendizado advindo da reação à competitividade nas interações de vida. Vê-se, então, o desserviço do exercício da competição no preparo do mediador, tanto para os competidores como para a plateia, que também toma partido. Julga. Escolhe o interesse de um em detrimento do outro.

Na mediação, acolhe-se. O mediador não tem lado.

Parece, então, importante ressaltar que a competição inserida na formação do mediador contamina não só o ato de mediar, como também pode fazer resistente o próprio mediador quando da oportunidade de transigir com seus conflitantes, porque instruído para competir, ou seja, para resistir ao outro.

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Certo é que acordos podem ser alcançados com a aplicação de técnicas dentro de um processo de diálogo não imbuído nas emoções e nos valores enraizados em cada um, ou seja, centrado no problema. Mas não é essa a proposta da mediação dentro de qualquer situação relacional: a eficácia se concretizado o acordo. Sendo este o único ou o sentido maior do ato, tem-se que falar em outro método de resolução de conflito, diferente da mediação.

A qualificação do mediador quando desatenta ou avessa com a filosofia pacificadora da mediação, representa equívoco didático-pedagógico, que coloca em dúvida o sucesso do procedimento para a pacificação social e para a disseminação da cultura da paz, porque reduzida à mera aplicação técnica no desempenho da função.

 O mediador desse modo instruído – dentro de uma abordagem competitiva-, pode ser induzido a perceber a sessão de mediação do ponto de vista dele para ele mesmo, porque assim foi treinado no memento da sua formação. A competição estimula respostas concentradas no individualismo, porque o trabalho é firmado no ganho de um e na perda do outro, o que confronta a mediação. Assim ambientado, o mediador deixa de produzir o melhor de si no auxílio à transformação interna da pessoa para um ser humano não conflitivo. Perde-se o sentido maior da mediação.

Portanto, atividades de cunho adversarial podem prejudicar de modo considerável a relação do mediador ao lidar com os sentimentos dos outros, já que estimulado a desconsiderá-los. Isso afeta a disposição para a neutralidade, que tem na essência evitar preferências no ato de mediar. Princípio basilar da mediação. O mediador pouco neutro passa a ser um desequilíbrio de forças no processo de mediação.

 Desse modo, corre-se o risco de elementos diversos ou secundários à mediação serem agregados ao procedimento, como estratégia, no intuito do convencimento das partes a transigir. Nesse ponto, o dialogo mediado estará afastado dos sentimentos, interesses, necessidades e questões reais das partes. Estará afastada a mediação.

A questão aqui posta se divide em considerar o ensino para a atuação em mediação como um bem à adequada instrução e educação do mediador ou como um bem constituído a outros interesses. E é notável a consequência prática dessa distinção metodológica: a primeira acolhe a formação no significado da mediação; a segunda não.

 A mentalidade para o ensinar mediadores é denunciada pelas atividades pedagógicas desenvolvidas, que quando consubstanciada na valorização da concorrência ou da disputa, ou seja, na competição, é de conteúdo subliminar do ¨cada um por si¨. E isso contribui para o enfraquecimento da percepção de laços de união e de empatia entre as pessoas, que são bases da medição.  

Assim, quando se é treinado a ter oponentes, mais difícil é ver colaboradores ou cooperadores, inclusive na assistência à interação entre mediandos. Mais difícil é diagnosticar possibilidades para o entendimento.

Não há que se discutir que a preparação do mediador é um dos momentos mais importantes para a mediação. A disposições internas do mediador dependem também dos estímulos recebidos quando da sua formação. E por isso, não pode a pedagogia ser conflitiva com os princípios e objetivos pertinentes à mediação. Do contrário, é alienadora.

E é claro que para o ensino da mediação, tem-se uma grande variedade de atividades pedagógicas que estimulem e despertem MEDIADORES.

CONSIDERAÇÕES

É contraditório educar ao mesmo tempo para a cooperação e para a disputa com interesse no desenvolvimento de habilidades e atitudes para o exercício da mediação.

Atividades educativas voltadas ao preparo do mediador devem ser comprometidas com a formação de indivíduo pacificador e colaborador, por bom senso, posto que na essência da mediação está o estabelecimento da interação harmoniosa e colaborativa.     

O sentido da mediação abrange o afastar e o desestimular do ânimo à concorrência, à rivalidade. Isso implica dizer que a boa qualificação do mediador prescinde de atividade competitiva por objeto contrário e objetivo conflituoso ao da mediação.

A competição como ferramenta para ensinar, aprender ou treinar o método autocompositivo da medição é um contrassenso mesmo como atividade lúdica.

 

Referências
ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha. A mediação no novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 232.
BRUSTOLIN, Leomar Antônio (org). Bioética, cuidar da vida e do meio ambiente. São Paulo: Paulus,2010, p.9.
MATTHIEU Ricard, A Revolução do Altruísmo; Editora Palas Athena 2016; p. 61.  
TORRES, Patrícia Lupion. L. Algumas vias para entretecer o pensar e o agir. 1. ed. SENAR-PR: Curitiba, v. 1. 2007.
VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e Prática da Mediação. Paraná: Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, 1998
http://camarb.com.br/competicao-de-mediacao/. Acesso: 10 out. 2017.
https://www.uniceub.br/noticias/noticias-institucionais/2o-semestre-2017/iii-competicao-regional-centro-oeste-de-arbitragem-e-i-competicao-regional-centro-oeste-de-media. Acesso: 12 out. 2017.
http://www.cnj.jus.br/265-acoes-e-programas/programas-de-a-a-z/movimento-pela-conciliacao/78641-competicao-nacional-de-mediacao. Acesso: 18 out. 2017.

Informações Sobre o Autor

Shirlei Lins Conceição

Advogada especialista e mediadora judicial e extrajudicial


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