Compreensão sobre princípios do Direito do Consumidor

O ineditismo do CDC foi ter identificado um sujeito de direitos especiais, o consumidor e, ainda ter construído um sistema de normas e princípios orgânicos para protegê-lo e efetivar seus direitos[1].

O CDC trata da realização de um direito fundamental (positivo) de proteção do Estado para o consumidor (art. 5º, XXXII da CF/1988). O consumidor foi identificado constitucionalmente (art. 48 ADCT) como agente a ser necessariamente protegido de forma especial (a chamada tutela diferenciada).

Entender os princípios consagrados pelo Código de Defesa do Consumidor é um dos pontos de partida para melhor compreensão de todo sistema protetivo dos vulneráveis negociais.

Afinal o CDC adotou um sistema aberto de proteção baseado em conceitos legais indeterminados[2] e construções vagas que possibilitam a melhor adequação aos casos concretos.

Realizando a confrontação principiológica entre o Código Civil Brasileiro vigente e o CDC percebemos que muitos de seus conceitos encontram raízes na Lei 8.078/1990. E, devido a essa aproximação entre esses dois diplomas legais, a doutrinadora Claudia Lima Marques, a partir da lição de Heideberg Erik Jayme[3] propôs o diálogo das fontes[4], onde se dá prevalência à coerência, a complementariedade e da subsidiariedade.

No plano conceitual os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

Enfim, os princípios são regras de conduta que norteiam o juiz na interpretação da norma, do ato ou negócio jurídico. Os princípios são vetores axiológicos e ideológicos e como regras estáticas que carecem de concreção se tornam indispensáveis para a aplicação do direito. E tem como função primordial auxiliar o julgador no preenchimento de lacunas. Também são aplicáveis de forma subsidiária e possuem incidência imediata.

Os princípios podem ser extraídos nos arts. 1º, 4º e 6º do CDC e, ainda existem outros princípios implícitos, como é o caso do princípio da boa-fé objetiva e, ainda a função social dos contratos.

O art. 1º do CDC acena com o princípio do protecionismo do consumidor e, por isto o CDC estabelece normas de ordem pública e de interesse social.

Sempre lembrando que a proteção dos consumidores é um dos fundamentos da ordem econômica[5] brasileira. Por ser de ordem pública a normatização do CDC, veio a Lei 12.291/2010[6] determinar como obrigatória a disponibilidade e exibição de um exemplar do CDC em todos os estabelecimentos comerciais do país, sob pena de multa no valor de R$ 1.064,10 (hum mil e sessenta e quatro reais e dez centavos).

O princípio do protecionismo do consumidor impõe que as regras do CDC não podem ser afastadas por convenção das partes, sob pena de nulidade absoluta. Nesse particular se erige como restrição a autonomia privada dos contratantes.

Aliás, o art. 51, inciso XV do CDC segundo o qual são nulas de pleno direito as cláusulas abusivas que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.  A segunda consequência é que caberá a intervenção do Ministério Público em questões envolvendo problemas de consumo.

O art. 82, inciso II do CDC enuncia que compete ao Ministério Público intervir nas ações em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou pela qualidade da parte, o que é justamente o caso das demandas de consumo.

A terceira consequência que pela relevância da prestação constante no CDC deve ser conhecida de ofício pelo juiz, a nulidade eventual cláusula abusiva[7].

De acordo com a realidade da sociedade de consumo, não há como afastar tal posição desfavorável do consumidor, principalmente se forem consideradas as revoluções pelas quais passaram as relações jurídicas e comerciais nas últimas décadas.

As desigualdades oriundas do liberalismo que não encontraram resposta cabal para a solução de problemas decorrentes da crise de relacionamento e de lesionamentos que sofrem os consumidores. Por isso, a necessidade de elaboração de lei protetiva própria, no caso a Lei 8.078/1990.

A vulnerabilidade do consumidor é resultante de presunção iure et iure, não aceitando declinação de prova em contrário, sob nenhuma hipótese. Sendo conceito diverso da hipossuficiência, pois todo consumidor é vulnerável, mas nem sempre é hipossuficiente. A vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo e não um elemento pressuposto, em regra. O elemento pressuposto corresponde à condição de consumidor.

Para a vulnerabilidade pouco importa a situação política social, econômica ou financeira da pessoa, bastando à condição de consumidor conforme o enquadramento dos arts. 2º e 3º do CDC.

O princípio da hipossuficiência do consumidor[8] é previsto no art. 6º inciso VIII, da Lei 8.078/1990, é condição fática e não jurídica diante do caso concreto. Pode ser técnica que corresponde ao desconhecimento em relação ao produto ou serviço adquirido, sendo perceptível na maioria dos casos.

Também leva em consideração a situação socioeconômica do consumidor perante o fornecedor. Igualmente se caracteriza quando há a situação jurídica em que o consumidor é impedido de conseguir prova que se tornaria indispensável para responsabilizar o fornecedor causador de dano verificado.

A hipossuficiência é um plus, um algo a mais que traz ao consumidor mais um benefício, qual seja a possibilidade de pleitear no campo judicial, a inversão do ônus da prova[9], conforme estatui o art. 6º, VIII do CDC.

A real importância do princípio da boa-fé objetiva justifica ser um dos princípios basilares da Política Nacional das Relações de Consumo[10] e busca a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e, compatibiliza com a proteção do consumidor com a necessidade do desenvolvimento econômico e tecnológico.

Assim a boa-fé contratual prevista no Código Civil relaciona-se diretamente com o art. 4º, inciso III do CDC confirmada pelo Enunciado 27 do CJF que informa: “na interpretação da cláusula geral[11] da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema e fatores metajurídicos[12]”.

Assim o enunciado reconhece o imperioso diálogo existente entre as duas leis numa feliz conexão legislativa. Como é notório, a boa-fé objetiva contemporânea é resultante de uma evolução do conceito que saiu do plano psicológico ou intencional (o da boa-fé subjetiva) para o plano concreto da atuação humana (boa-fé objetiva).

Cumpre assinalar que foi o jusnaturalismo e toda a influência católica e cristã que a boa-fé ganhou nova faceta mais relacionada com a conduta dos negociantes, sendo chamada de boa-fé objetiva.

Para Pufendorf[13] a boa-fé é uma regra histórica de comportamento. Então, partiu da subjetivação para a objetivação sendo consolidado pelas codificações privadas europeias.

E o Enunciado 26 do CJF confirma que a boa-fé vem a ser a exigência de um comportamento de lealdade dos participantes negociais em todas as fases da contratação.

A boa-fé[14] objetiva gera os deveres anexos ou laterais de conduta[15] que são inerentes a qualquer negócio, sem a necessidade de previsão no instrumento.

Entre estes deveres merecem destaque especial: o dever de cuidado, o dever de informar, o dever de respeito, o dever de lealdade, o dever de probidade, o dever de informar, o dever de transparência, o de agir honestamente e com razoabilidade.

Possui a boa-fé objetiva, três funções básicas: a) servir de fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual (função criadora); b) constituir causa limitadora do exercício antes lícito, hoje considerado abusivo (função limitadora); c) ser utilizada na concreção e interpretação dos contratos (função interpretativa).

Afinal, a boa-fé se traduz em ser cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, sendo tutelada em todas as relações sociais. Ancorando a noção de equilíbrio negocial. A violação da boa-fé objetiva importa em concreta violação contratual e enseja punições cíveis, administrativas e penais conforme o caso concreto.

O art. 9º do CDC valoriza a boa-fé objetiva ao prever o dever do prestador ou fornecedor de informar o consumidor quanto ao perigo ou nocividade do produto ou serviço que coloca no mercado, visando à proteção da sua saúde e da sua segurança[16].

É relevante frisar a existência da responsabilidade objetiva prevista nos arts. 12, 14 e 18 do CDC que trazem as consequências decorrentes da violação do dever, havendo ampliação de responsabilidade inclusive pela informação mal prestada.

Em relação aos meios de oferta, o CDC consagra normas conforme o seu art. 31 que impõe a necessidade de informações precisas quanto à essência, quantidade, qualidade do produto ou serviço. Também há a proibição da publicidade simulada, abusiva e enganosa conforme os arts. 36 e 37 do CDC.

No art. 39 do CDC estabelecer o conceito de abuso de direito como precursor da ilicitude do ato de consumo, em rol exemplificativo de situações, com a penalização civil de condutas que não obedeçam à boa-fé objetiva.

Ainda há os Enunciados 25 e 170 do CJF estabelecendo que o juiz deva aplicar e as partes devem respeitar a boa-fé objetiva nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.

O princípio da transparência ou da confiança[17] previsto no art. 4º, caput e do art. 6º, III do CDC que consolida a tutela da informação.

No mundo contemporâneo os juristas observaram o déficit de informação do Direito Privado e, ainda o alto poder da publicidade principalmente veiculada nos meios midiáticos. A informação no âmbito jurídico se desdobra no dever de informar e o direito de ser informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o produto ou serviço, e o segundo, com o consumidor vulnerável.

O amparo da informação já expresso no caput do art. 4º do CDC possibilita a aproximação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Com isso, há regras específicas para disciplinar a publicidade presentes nos arts. 30 e 38 do CDC.

Cabendo o cumprimento forçado do meio de oferta, por meio de tutela processual específica, nos termos dos arts. 35 e 84 do CDC.

O CDC é prova inconteste de que não se pode mais aceitar o contrato regido pela autonomia de vontade ilimitada e com sua força obrigatória – pacta sunt servanda[18]. A sociedade sob o domínio do capital deve rever os contratos notadamente os contratos de consumo.

A mitigação da obrigatoriedade da convenção principalmente na hipótese em que o negócio jurídico celebrado encerrar uma injustiça. A relativização do pacta sunt servanda é trazida principalmente pela função social do contrato. O principal objetivo da função social dos contratos é tentar equilibrar uma situação onde em geral o consumidor figura como vítima trivial das abusividades.

É princípio contratual de ordem pública conforme estatuiu o art. 2.035, parágrafo único do Código Civil de 2002, pelo qual o contrato deve ser necessariamente interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade. Resta expresso no art. 421 do C.C. e valoriza a finalidade coletiva dos contratos representando uma nítida limitação ao exercício da autonomia privada no campo contratual.

No CDC o princípio da função social é implícito mesmo sendo aplicável na revisão dos contratos de consumo fundada na teoria da base do negócio jurídico (Larenz) e da culpa in contrahendo (Ihering).

A função social do contrato constitui um regramento que tem tanto eficácia interna (entre os contratantes) quanto à eficácia externa (para além dos contratantes). Aprovou-se o Enunciado 21 do CJF que estabeleceu que a função social do contrato representa uma exceção do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, possibilitando a tutela externa do crédito[19], ou seja, a eficácia do contrato perante terceiros.

Exemplo desta aplicação existe a jurisprudência do STF que tem entendido que a vítima de um acidente de trânsito pode demandar diretamente a seguradora do culpado, mesmo não havendo uma relação contratual de fato entre eles. (Vide: STJ Resp 44.4716/BA, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11/05/2004, DJ 31/05/2004, p.300).

Nessa decisão se reconhece que a função social dos contratos está estribada no princípio da solidariedade social (art. 3º, inciso I da CF/1988) ampliando-se as responsabilidades, o que gera o dever de reparar por parte da seguradora, mesmo não tendo contrato assinado e firmado, formalmente com a vítima do acidente.

O CDC inseriu a regra de que mesmo uma simples onerosidade excessiva ao consumidor, decorrente de fato superveniente, poderá ensejar a chamada revisão contratual (art. 6º, inciso V).

É preciso conectar a eficácia interna da função social dos contratos com a conservação dos negócios jurídicos, sendo a extinção contratual tida como última medida. Como tendência em prol da conservação contratual nos socorre a teoria de adimplemento substancial ou substancial performance que é amplamente admitida pela doutrina e jurisprudência.

O Enunciado 261 do CJF/STJ aduz que: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.

Pela teoria do adimplemento substancial em hipótese em que a obrigação tiver sido quase toda cumprida, sendo a mora insignificante, não caberá a extinção do negócio mas apenas outros efeitos jurídicos visando sempre à manutenção da avença (Vide STJ Ag. Rg. 607406/RS, 4ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09/11/2004, p. 346); (STJ Resp 469577/SC, 4ª T. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 25/3/2003, DJ 05/05/2003, p.310).

Todo o contrato deve ser, em regra geral, mantido e conservado, sendo admitida a sua resolução ou revisão[20] somente quando no mundo fático, de modo a tornar insuportável a manutenção do relacionamento negocial.

A conservação contratual pode ser vista em razão do art. 51, segundo parágrafo do CDC que estabelece a vedação da nulidade automática de todo o negócio jurídico devido à presença de cláusulas abusivas. Pois a nulidade da cláusula abusiva não invalida todo o contrato exceto quando de sua ausência, decorrer um ônus excessivo a qualquer das partes.

Decretando-se a nulidade da cláusula desproporcional, mas mantendo-se todo o resto do negócio jurídico. A parte inútil do negócio jurídico geralmente prejudica a parte útil do negócio.

O princípio da equivalência negocial (art. 6º, inciso II do CDC) é garantido a igualdade de condições no momento da contratação ou de aperfeiçoamento da relação jurídica patrimonial. Reserva-se um tratamento isonômico a todos os consumidores.

 

Com o advento do CDC leciona Claudia Lima Marques, o contrato passa a ter equilíbrio, conteúdo ou equidade mais controlados, valorizando-se o sinalagma. Segundo Gernhuber, o sinalagma é elemento imanente estrutural dos contratos, é a dependência genética, condicionada e funcional de pelo menos duas prestações correspectivas, é o nexo final oriundo da vontade das partes, é moldado pela lei.

Sinalagma não significa apenas bilateralidade, mas sim, um modelo de organização de relações privadas. O papel preponderante sobre a vontade das partes, a impor uma maior boa-fé nas relações de mercado, conduz o ordenamento jurídico a controlar mais efetivamente este sinalagma e por consequência, o equilíbrio contratual[21].

Mas entre os consumidores podemos identificar os hipervulneráveis tais como idosos, portadores de necessidades especiais, crianças e adolescentes que merecem redobrada proteção.

Pelo princípio da equivalência negocial, assegura-se ao consumidor o direito de conhecer o produto ou o serviço que está adquirindo, de acordo com a ideia de plena liberdade de escolha e do dever anexo de informar.

O Decreto 4.680/2003 que regulamento o direito à informação, prevendo em seu art. 1º, o dever dos fornecedores de informar quanto os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham organismos geneticamente modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis.

O art. 10 do CDC veda a colocação de produto ou serviço que ofereça alto grau de nocividade à saúde e à segurança. E, nesse caso, há o dever geral de vigilância pós-contratual[22], um momento posterior ao aperfeiçoamento do contrato.

E, para algumas situações, os artigos 81 e 82 do CDC ainda preveem a possibilidade de defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos o que faz ser possível a proteção coletiva de consumidores.

Já o regramento básico que prevê a reparação integral dos danos que assegura aos consumidores as efetivas prevenção e reparação de todos os danos suportados, sejam estes materiais ou morais, individuais, coletivos ou difusos. Também faz jus receber por lucros cessantes.

O dano moral coletivo é modalidade de dano que atinge ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis.

Em sede jurisprudencial, superior o principal julgado que admitiu a reparação dos danos morais coletivos foi exarado pela Terceira Turma do STJ no famoso caso das pílulas de farinha. O referido tribunal decidiu por indenizar as mulheres que tomaram as referidas pílulas inócuas e vieram a engravidar, o que não estava planejado.

A indenização foi em face da Schering do Brasil, que fornecia o anticoncepcional chamado de Microvlar, presente da decisão numa apurada análise de extensão de dano em relação às consumidoras. (Vide STF, Resp 866 636/SP, 3ªT., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29/11/2007, DJ 06/12/2007, p.312).

Podemos deduzir três conclusões em face do retromencionado julgado, a saber: A primeira é que o PROCON[23] como entidade de defesa dos consumidores, com legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos com clara repercussão social.
A segunda conclusão é no sentido de que os danos morais podem ser coletivos e não apenas individuais, o que está evidente na leitura do art. 6º, inciso VI do CDC.

A terceira e derradeira conclusão é que as mulheres que engravidaram sofreram lesão à personalidade diante de uma situação não esperada e nem planejada.

Obviamente não é o nascimento do filho que a causa de dano moral, mas a frustração de uma opção pessoal. Sobre o dano difuso este pode ser visualizado como dano social principalmente pela diminuição de qualidade de vida.

Constata-se que tais prejuízos podem gerar repercussões gerais ou morais, o que os diferencia dos danos morais coletivos, pois os últimos são apenas extrapatrimoniais.

Os danos sociais são danos difusos e atingem pessoas indeterminadas ou indetermináveis, conforme os termos do art. 81, parágrafo único do CDC. Devendo ser instituído um fundo de proteção para indenizar de acordo com os direitos atingidos, ou mesmo para instituição de caridade, a critério do juiz.

Evidenciando a reparação de danos difusos e sociais temos o caso de sistema de loterias chamado “Toto bola” que gerou danos à sociedade. Uma vez fixada a indenização, os valores foram revertidos a favor do fundo gaúcho de proteção de consumidores (in TJRS Recurso Cível 71001281054 – 1ª Turma Recursal Cível. Rel. Des. Torres Hermann j. 12/07/2007).

Com intuito didático resumiremos que: Os danos morais coletivos atingem vários direitos da personalidade; direitos individuais homogêneos ou coletivos em sentido stricto (ocorrem vítimas determinadas ou determináveis). Nesse caso, a indenização é destinada para as próprias vítimas.

Danos sociais ou difusos causam rebaixamento no nível de vida da coletividade. As vítimas são indeterminadas e, a indenização é dirigida para um fundo de proteção ou instituição de caridade.

A perda de uma chance[24] está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, como expõem os doutrinadores, essa chance deve ser séria e real.

Buscando critérios objetivos para a aplicação da teoria, Sérgio Savi apud Tartuce e Neves lecionam que a perda da chance estará caracterizada quando da probabilidade da oportunidade for superior a cinquenta por cento[25].

Para bem ilustrar a prática, o TJRS já responsabilizou um hospital por morte de recém-nascido havendo a perda de chance de viver (TJRS, Processo 70013036678, Caxias do Sul, 10ª Cam. Cível, Juiz Rel. Luiz Ary Vessini de Lima, j. 22/12/2005).

Cogita-se também em perda de chance[26] de cura do paciente, pelo emprego de uma técnica mal sucedida pelo profissional da área de saúde (In: TJPR, Apelação Cível 0604589-4, Londrina, 10ª Cam. Cível, Rel. Juiz Convocado Vitor Roberto Silva, DJPR 25/3/2010, p.204).

Noutra ocasião, o tribunal gaúcho responsabilizou um curso preparatório para concursos públicos que assumiu o compromisso de transportar o aluno até o local da prova. Porém, houve atraso no transporte, o que gerou a perda da chance de disputa em concurso público, exsurgindo o dever de indenizar (TJRS, Processo 71000889238, Cruz Alta, Segunda Turma Recursal Cível, Juiz Rel. Clóvis Moacyr Mattana Ramos, j.07/06/2006).

Depois que superada a análise dos danos reparáveis na órbita das relações de consumo, o princípio da reparação integral de danos gera a responsabilidade objetiva[27] de fornecedores e prestadores como regra das relações consumeristas.

Tal responsabilidade independentemente de culpa[28] visa à facilitação das demandas em prol dos consumidores, representando tanto um aspecto material do acesso à justiça atendendo o consumidor padrão e o consumidor bystander.

Outro aspecto relevante é que havendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. (art. 7º do CDC).

Definitivamente a função social dos contratos constitui uma virada revolucionária no direito contratual brasileiro, remodelando a concepção do instituto de acordo com as tendências socializantes do Direito. Certos comandos relativos à proteção contratual do Código do Consumidor trazem essa ideia em moldes harmoniosos, mitigando a força obrigatória da convenção, sob a antiga premissa liberal, quando se apontava que o contrato fazia lei entre as partes.

Diante da sociedade atual o regramento mais adequado é contido no art. 46 do CDC segundo o qual os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Desta forma prestigiamos o princípio da transparência e ipso facto o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana que é fundamento da república brasileira e remodelou todo o direito privado brasileiro e que justifica a eticidade trazida pela prática de boa-fé em todas as fases da negociação bem como a função social dos contratos.

 

Referências:
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
DENSA, Roberta. Direito do Consumidor. Série Leituras Jurídicas – Provas e Concursos. Vol. 21. 6ª. Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Código Comentado e Jurisprudência. 6ª. Edição. Niterói: Editora Impetus, 2010.
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Hermann V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª. Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
OLIVEIRA, Katiane da Silva. A teoria da perda de uma chance: Nova vertente na responsabilidade civil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n.83,  Disponível: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8762&revista_caderno=7 Acesso em 25/06/2014.
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. Direito Material e Processual. Volume único. São Paulo: Editora Método, 2012.
 
Notas:
[1]  O CDC em vigor desde 11 de março de 1991 representou um dos esforços legislativos de maior sucesso, tornando-se modelo para a América Latina. O CDC ganhou maior ênfase quando da entrada em vigor do Código Civil brasileiro de 2002, pois seus princípios basilares são quase os mesmos. Quatro são os princípios do CDC que afetam diretamente o direito obrigacional pátrio: o princípio da vulnerabilidade, o da confiança, o da boa-fé e do equilíbrio contratual.

[2] Cláusulas gerais são normas portadoras de diretrizes indeterminadas e que não trazem expressamente uma solução jurídica. É norma inteiramente aberta. Sendo texto normativo que não estabelece a priori o significado do termo (pressuposto) tampouco as consequências jurídicas da norma (consequente). Sua ideia primordial é estabelecer uma pauta de valor a ser preenchida historicamente conforme as contingências históricas. É o caso da cláusula geral do devido processo legal. Por outro lado, conceito jurídico indeterminado ocorre quando as palavras ou expressões contidas numa norma são imprecisas, de modo que a dúvida encontra-se mesmo no significado das mesmas, mas não nas consequências legais de seu descumprimento. Um clássico exemplo está no parágrafo único do art.927 do C.C. que se refere a "atividade de risco". Concluindo, na cláusula geral a dúvida está no pressuposto (conteúdo) e no consequente (solução legal) ao passo que no conceito jurídico indeterminado a dúvida baseia-se somente no pressuposto (conteúdo), porém não no consequente (solução lega), posto que já esteja predefinida em lei.

[3] Em 1995, mestre H. E. Jayme ensinava que, diante do atual pluralismo pós-moderno de um direito com fontes legislativas plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre a s leis no mesmo ordenamento, como exigência para construção de um sistema jurídico eficiente e justo. Na adequada expressão do doutrinador o diálogo das fontes ou dialogue des sources permite a aplicação simultânea, coerente e coordenada de plúrimas fontes legislativas convergentes.

[4] São possíveis três tipos de diálogos entre o C.C. e o CDC: a) na aplicação simultânea das duas leis e, uma servir de base conceitual para a outra, é o chamado diálogo sistemático de coerência, especialmente quando uma lei é geral e a outra é especial; b) na aplicação coordenada das duas leis, onde uma lei pode complementar a aplicação da outra a depender do campo de aplicação no caso concreto é o chamado diálogo sistemático de complementariedade; c) há o diálogo de influências recíprocas sistemáticos, como no caso de possível redefinição do campo de aplicação de uma lei.

[5] No mesmo status do princípio da soberania nacional, da propriedade privada e da livre concorrência. O CDC consagra-se em ser uma lei principiológica baseada na mais avançada técnica legislativa com base em princípios e cláusulas gerais.

[6] Vide o inteiro teor: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12291.htm Só a guisa de sugestão, poderá o comerciante imprimir diretamente do site governamental o inteiro teor do CDC, conforme o link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. E, assim estará cumprindo a lei e estará isento de punições.

[7] São aquelas que colocam o consumidor em desvantagem nos contrato de consumidor. É abusiva a cláusula que: impossibilita, exonera ou atenua a responsabilização do fornecedor por vícios dos produtos e serviços; implica em renúncia de direito do consumidor; subtrai ao consumidor o direito de reembolso da quantia paga, nas hipóteses revistas no CDC; transfere responsabilidade do fornecedor para terceiros; estabelece a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor e contra o disposto no art. 6º, VIII; determina a utilização obrigatória de arbitragem; impõe representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor (cláusula mandato); deixa ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; permite ao fornecedor, direta ou indiretamente, variar o preço de maneira unilateral; autoriza o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; obriga o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; autoriza o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato após sua celebração; infringe ou possibilite a violação de normas ambientais. Está em desacordo com o sistema de proteção do consumidor; possibilita a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

[8] Anotaram Tartuce e Neves que a hipossuficiência pode ser técnica pelo desconhecimento em relação ao produto ou serviço adquirido, sendo esse traço caracterizador na maioria dos casos. Mas existe igualmente a hipossuficiência técnica que se refere às possibilidades técnicas para a parte comprovar suas alegações.

[9] A expressão "ônus da prova" sintetiza o problema de se saber quem responderá pela ausência de prova de determinado fato. Não se trata de regras que distribuem tarefas processuais (regra de conduta). Trata-se de regra de julgamento e de aplicação subsidiária, porquanto somente incidam se não houver prova do fato probando, que se reputa como não ocorrido. O ônus da prova é regra de juízo, ou seja, de julgamento, cabendo ao juiz quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e deste não se desincumbiu. O sistema não determina quem deva fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso não se produza a referida prova.

[10] Há corrente doutrinária defendida por adeptos como Clóvis do Couto e Silva, Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Antunes Varela que defende que a omissão legislativa não impede a aplicação dos princípios gerais do Direito. A boa-fé como princípio geral do direito poderia exercer função similar à da cláusula geral, não havendo necessidade dela estar prevista no ordenamento jurídico para impedir comportamentos contrários a seus preceitos, nem para existir a possibilidade de reprimi-los. A função das cláusulas gerais seria a de facilitar a sistematização das decisões judiciais, bem como o seu controle. Portanto, a inserção explícita da boa-fé como cláusula geral do sistema foi de fundamental importância para permitir a abertura e a mobilidade do ordenamento jurídico, sendo prestigiada como vetor interpretativo das relações obrigacionais.

[11] Ensina Fredie Didier Jr. que a distinção entre cláusula geral e conceito jurídico indeterminado é bem sutil; ambos pertencem ao gênero conceito vago. No conceito jurídico indeterminado, o legislador não confere ao juiz competência para criar o efeito jurídico do fato cuja hipótese de incidência é composta por termos indeterminados; na cláusula geral, além da hipótese de incidência ser composta por termos indeterminados, é conferida ao magistrado a tarefa de criar o efeito jurídico decorrente da verificação da ocorrência daquela hipótese normativa. Rodrigo Mazzei, citado por Didier, explica que: “Havendo identidade quanto à vagueza legislativa intencional, determinando que o Judiciário faça a devida integração sobre a moldura fixada, a cláusula geral demandará do julgador mais esforço intelectivo. Isso porque, em tal espécie legislativa, o magistrado, (1) além de preencher o vácuo que corresponde uma abstração (indeterminação proposital) no conteúdo na norma, é (2) compelido também a fixar a consequência jurídica correlata e respectiva ao preenchimento anterior. No conceito jurídico indeterminado, o labor é mais reduzido, pois, como simples enunciação abstrata, o julgador, após efetuar o preenchimento valorativo, já estará apto a julgar de acordo com a consequência previamente estipulada em texto legal”. (In: DIDIER, F. Curso de Direito Processual Civil, Salvador, Ed. Jus Podivm, volume 1, p. 67.)

[12] O limite entre o jurídico e não jurídico é de apuração discutível.  A concepção positivista legalista traçou nítida e rígida linha separando o jurídico do não jurídico. E, para tanto amputou boa parte do direito. A concepção problemática só valora juridicamente ou juridiciza os fatores no memento em que é necessário solucionar certo caso. Portanto, se opõe à distinção prévia entre o jurídico e não jurídico. O fato tem valor e os fatores desse valor serão apreciados juridicamente. O conceito de fins sociais ou de bem comum é passível de enchimento com material eminentemente político e de variação equivalente à diferença existente entre os programas e a ideologia dos partidos políticos de direita e os de esquerda, pois ambos visam ao bem comum e aos fins sociais.

[13] Samuel Pufendorf (1632-1694) foi um jurista alemão. Ao tornar-se nobre ao ser elevado a barão, poucos meses antes da sua morte em 1684, o seu nome passou a ser Samuel von Pufendorf. Foi um dos expoentes da corrente jusnaturalista e do transpersonalismo, tendo sua obra influenciado de forma duradoura o ensino do Direito na maioria da Europa, com destaque para os países de tradição católica, entre os quais Portugal, onde as suas obras foram adotadas como autênticos manuais na Universidade de Coimbra. Pufendorf foi um teórico da guerra justa. No campo do direito público, ensinou que a vontade do Estado é a soma das vontades individuais que o constituem e que tal associação explica o Estado. Nesta concepção a priori, Pufendorf demonstrou ser um precursor de Rousseau e do contrato social.

[14] No Brasil foi o Código Comercial brasileiro de 1850 a primeira lei a disciplinar a boa-fé objetiva e em seu art. 131, primeiro parágrafo trazia a aplicação como vetor interpretativo dos contratos. Infelizmente tal dispositivo não teve o devido respaldo doutrinário e nem jurisprudencial, sendo provável motivo do descaso o eminente espírito liberal da época. O Código Civil de 1916 como descendente direto da dogmática oitocentista apesar de prever a boa-fé em alguns de seus dispositivos, só a tratou em sua acepção subjetiva e particularmente voltada para os direitos reais. Foi o Código Civil de 2002 que definitivamente institui a cláusula geral de boa-fé em seu art. 422 e que passou a reger todo o direito obrigacional brasileiro.

[15] São considerados deveres anexos, entre outros: dever de cuidado em relação à outra parte negocial; dever de respeito; Dever de proteção; dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio; dever de cooperação ou colaboração; dever de lealdade e probidade; dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão. Tais deveres laterais não são orientados ao cumprimento do dever principal da prestação, seu papel é auxiliar a realização positiva do fim da relação obrigacional, principalmente protegendo as pessoas envolvidas ou os bens da outra parte da relação contra os riscos de danos concomitantes. Tanto é assim que tais deveres laterais podem mesmo existir de forma independente à prestação principal, podendo ainda ser pré ou pós-contratuais ou se estender a terceiros (é o que a doutrina alemã chama de contratos com eficácia em relação a terceiros).

[16] Os vícios do produto são anormalidades "de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciada" (art. 18, CDC). Tais vícios normalmente são cobertos pela garantia do fabricante, de forma que no prazo estipulado na garantia o consumidor poderá tentar saná-los à parte da esfera jurídica.  Não conseguindo e findo o prazo, inicia-se a contagem do lapso decadencial de noventa dias para reclamar judicialmente pelos vícios, conforme previsto no art. 26, inc. II, do Código de Defesa do Consumidor. Pela definição legal do art. 18 CDC o vício do produto é uma anormalidade referente à qualidade ou quantidade do produto que, acrescenta a doutrina, não acarreta prejuízo à integridade física do consumidor. O defeito, por sua vez, é composto pela soma do vício mais um fator externo, resultando em acidente que atinge a segurança física do consumidor.

[17] Vivenciamos um mundo globalizado em que a tecnologia caminha cada vez mais rápida para dar circulação às informações com maior velocidade estando difundida nos mais variados meios de comunicação que a massificam com maior intensidade, fazendo com que a informação passe a ter uma relevância jurídica antes não reconhecida. O princípio da transparência consagra que o consumidor tem o direito de ser informado sobre todos os aspectos de serviço ou produto exposto ao consumo, traduzindo assim no princípio da informação. Havendo omissão de informação relevante ao consumidor em cláusula contratual, prevalece a interpretação do art. 47 do CDC, que retrata que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira, mas favorável ao consumidor.

[18] TJ-MG – 3073732 MG 2.0000.00.307373-2/000(1) (TJ-MG) Data de publicação: 28/06/2000
Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO IRRESTRITA DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. INOCORRÊNCIA. PARADIGMA CONTRATUAL INADEQUADO PARA OS TEMPOS DE CONTRATAÇÃO DE MASSA. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL CARACTERIZADO. NECESSIDADE DE O JULGADOR ESTAR ATENTO ÀS MUDANÇAS SOCIAIS, JURÍDICAS E ECONÔMICAS.  RESCISÃO CONTRATUAL PERMITIDA. ONEROSIDADE NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, INCISO V, DO CODECON E ART. 170 , INCISO V ,  DA CF . Se estivéssemos no século passado, período em que, em tese, as partes dispunham de um certo equilíbrio contratual, seria válida a aplicação irrestrita dos princípios da autonomia da vontade do pacta sunt servanda, da liberdade contratual e igualdade contratual, todavia, na atual conjuntura, em que prevalecem a desigualdade e o desequilíbrio contratual, a utilização, de maneira indiscriminada  e absoluta, daqueles princípios está a merecer ponderações e restrições do julgador. No mundo contemporâneo, em que a regra é a contratação de massa, fica difícil querer se utilizar do paradigma contratual clássico, que se baseava na aceitação unânime e absoluta dos princípios da autonomia da vontade, do pacta sunt servanda, da igualdade contratual e da liberdade contratual, para solucionar os problemas contratuais modernos, pois, sabe-se que, quase sempre, a aplicação daquele paradigma faz com que as decisões judiciais se tornem injustas, inúteis e ineficazes para os consumidores. Assim, em que pesem os argumentos da apelante, em favor da força obrigatória dos contratos, sabe-se que a doutrina e jurisprudência vêm admitindo, com base no art. 6º, inciso V, do Codecon, que, nos casos em que o cumprimento do contrato se apresente excessivamente oneroso para o consumidor, poderá o Judiciário, a pedido da parte, revisar o contrato, inclusive permitindo-se até a sua rescisão. No caso dos autos, a apelada deixou de pagar as prestações em decorrência de necessidade econômica, tornando-se inadimplente.

[19] O conceito de tutela externa do crédito deve muito à contribuição doutrinária de Antônio Junqueira de Azevedo. Na perspectiva da função social e da boa-fé objetiva, posto que a relação obrigacional vincule as próprias partes, terceiros não devem atuar de forma ilícita ou improba, interferindo indevidamente na execução jurídico alheio. Cogita-se então que a obrigação tenha mais que mera eficácia interna (gerando direitos e deveres para as partes) e tendo a eficácia externa, que imporia ao terceiro um dever de respeito, sob pena de responsabilidade civil. A professora Judith Martins Costa em interessante artigo exemplificou invocando o famoso caso envolvendo o caso do cantor Zeca Pagodinho que havia firmado contrato publicitário em favor de certa cervejaria, e, segundo noticiado pela autora, intrometeu-se nesta relação negocial outra famosa fabricante de cervejas, que o convenceu a fazer nova campanha publicitária, obliquamente prejudicial à primeira. (Vide ainda: Martins-Costa, Judith, in "Zeca Pagodinho, a razão cínica e o novo Código Civil brasileiro", disponível no: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI4218,101048Zeca+Pagodinho+a+razao+cinica+e+o+novo+Codigo+Civil+Brasileiro).

[20] Prevê o primeiro parágrafo do art. 18 do CDC que, não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias pelo fornecedor, pode o consumidor ingressar em juízo para o exercício das opções dadas pela norma. A lei consumerista concede ao fornecedor o direito de sanar o problema em trinta dias da sua reclamação.  Trata-se de um direito fundamental do fornecedor de produtos. E, o prazo tem natureza decadencial, caducando o direito ao final do transcurso do tempo.

[21] A boa-fé objetiva se desdobra em supressio que significa a supressão ou renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. Ao mesmo tempo em que ocorre a supressão surge um direito a favor do devedor, por meio da surrectio (é direito decorrente de efetividade social, de acordo com os costumes). Tu quoque significa que um contratante que violou uma norma jurídica não poderá, sem a caracterização do abuso de direito por quebra da boa-fé, aproveitar-se dessa situação anteriormente criada pelo desrespeito. A exceptio doli é conceituada como sendo a defesa do réu contra ações dolosas, contrárias à boa-fé.   Nesse contexto a boa-fé objetiva é utilizada como defesa sendo relevante função reativa, conforme leciona José Fernando Simão. É constante no art. 476 do Código Civil, a exceptio non adimpleti contractus. Venire contra factum proprium, determinada pessoa não poderá exercer direito próprio contrariando comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva. Tem relação com a teoria dos atos próprios bem desenvolvida pelo doutrinador espanhol Luís Díez-Picazo. O duty to mitigate the loss ou o dever de mitigar o dano ou perdas, que fora aprovado com o Enunciado 169 do CJF/STJ.

[22] O art. 4º do CDC é um dos mais importantes dispositivos, sendo norma principiológica que ganhou eficácia e aplicação na pós-modernidade. Traça norma narrativa cuja comunicação se confirma como valor máximo, com a valorização do tempo nas relações humanas e para garantir a proteção dos mais fracos e dos grupos que a lei quer beneficiar.  Afinal a comunicação é o método legitimador, a ética e a filosofia são discursivas.

[23] Interessante consignar que existe o "Expressinho" que é um setor do Procon-RJ onde atuam funcionários preparados para orientar e atender da melhor forma o consumidor. Os representantes das empresas do grupo Itaú, Cartões Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Oi, Telemar, Claro, Light, Sky e Planos de Saúde ficam sob a supervisão de nossos advogados atendendo as demandas que lhe são apresentadas. O PROCON é órgão do Poder Executivo municipal ou estadual destinado à proteção e defesa dos direitos e interesses dos consumidores. É este órgão que mantém contato mais direto com os cidadãos e seus pleitos, podendo ser estadual, municipal ou do Distrito Federal. Cumpre-lhe basicamente as funções de acompanhamento e fiscalização das relações de consumo ocorridas entre fornecedores e consumidores. O PROCON tem poderes legais para convocar o fornecedor a comparecer em audiência, com data e hora agendadas, tanto para a busca de acordo ou, se for o caso, prosseguimento do processo administrativo.
 

[24] Pode-se considerar caso notável o apreciado pelo STJ em março de 2006, em que a autora teve frustrada a chance de ganhar o premio máximo de R$ 1 milhão no programa “Show do milhão”, em virtude da formulação de uma pergunta imprecisa. O voto do ministro relator Fernando Gonçalves reafirmou entendimento favorável à aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. A ementa do acórdão está assim escrita: “Recurso Especial. Indenização. Impropriedade de pergunta formulada em programa de televisão. Perda da oportunidade. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido”.

[25] Importante ressaltar que os critérios de fixação e avaliação demonstrados podem sofrer variações na jurisprudência, a partir da análise do caso concreto. Outro ponto controvertido na doutrina e jurisprudência é com a relação natureza jurídica da responsabilidade civil por perda de uma chance. A doutrina divide-se basicamente em quatro correntes, a saber: a) danos emergentes; b) lucro cessante; c) dano moral e d) terceiro gênero ou categoria autônoma. Os tribunais brasileiros embora utilizando a teoria não tenha tratado de forma uniforme a questão.

[26] A nova vertente na responsabilidade civil prevê a possibilidade de reparação pela perda de uma chance, admitindo o ressarcimento pela perda da oportunidade de conquistar determinada vantagem ou evitar certo prejuízo. A teoria perte d’une chance surgiu na França na década de sessenta do século passado e foi bastante difundida na Itália. No Brasil, a adoção da responsabilidade civil baseada na perda de uma chance é relativamente nova. Seu estudo e aplicação ficam a cargo da doutrina e da jurisprudência, uma vez que o Código Civil de 2002 não fez menção a esta. Definiu o ilustre autor Sergio Cavalieri Filho: "Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda".

[27] Uma conclusão conceitual é relevante quando afirmamos a obrigação de meio gera responsabilidade subjetiva, enquanto a de resultado acarreta a responsabilidade objetiva ou culpa presumida. No caso brasileiro, parece decorrer da evolução a respeito do contrato de transporte, desde o Decreto-lei 2.681, de 1912, que trata da responsabilidade das empresas de estradas de ferro e que passou a ser aplicada por analogia a todos os tipos de transporte. A citada culpa presumida das transportadoras, havendo evolução para a responsabilidade sem culpa ou objetiva. Diante da cláusula de incolumidade presente no transporte, relativa a uma obrigação de resultado de levar a pessoa ou mercadoria até o destino com segurança, a afirmação que relaciona a obrigação de resultado à responsabilidade sem culpa ganhou força no cenário brasileiro.

[28] O CDC ao adotar como premissa geral de responsabilidade objetiva, quebrando a regra da responsabilidade subjetiva prevista pelo Código Civil de 2002 fundada na culpa lato sensu, que inclui o dolo e a culpa stricto sensu (desrespeito ao dever preexistente, seja este legal, contratual ou social). Todavia, a responsabilidade objetiva do CDC é quebrada em relação aos profissionais liberais que prestam serviço, vez que somente respondem mediante a prova de culpa (responsabilidade subjetiva) ex vi o art. 14, quarto parágrafo do CDC.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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