Resumo: Este artigo busca apresentar os fundamentos jurídicos favoráveis à possibilidade de concessão de tutela antecipada de ofício, em especial nos casos de manifesto propósito protelatório do réu.
Palavras-chave: tutela antecipada; iniciativa oficial; possibilidade.
Abstract: This article presents the legal basis favorable to the possibility of granting injunctive relief craft, especially in cases of manifest postponing purpose of the defendant.
Keywords: injuction; official initiative; possibility.
Sumário: Introdução; 1. Tutela antecipada: noções gerais; 2. É possível a concessão de tutela antecipada ex officio?; 3. Conclusão; Referências
Introdução
Partindo-se da premissa da fungibilidade das medidas cautelares e tutelas antecipadas, bem como do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sustenta-se a possibilidade de concessão de tutela antecipada de ofício pelo magistrado.
Os argumentos apresentados pela doutrina contrária ao posicionamento ora defendido serão analisados, e também superados, a fim de que se alcance um direito processual civil mais eficaz e justo.
1. Tutela antecipada: noções gerais
A Lei nº 8.952/94 trouxe diversas mudanças no Código de Processo Civil (CPC), introduzindo a tutela antecipada no sistema processual e aperfeiçoando as tutelas de urgência, em busca de uma maior efetividade e celeridade na prestação jurisdicional. Na realidade, pretendeu o legislador maior adequação às previsões constitucionais que asseguram o amplo acesso ao Poder Judiciário, tanto nas lesões como nas ameaças a direitos (artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal).
O instituto da tutela antecipada encontra guarida no texto do art. 273 do CPC, fruto da referida alteração legislativa, in verbis:
“Art. 273 – O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou;
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”
São, portanto, requisitos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela final: 1) a verossimilhança das alegações, constatada mediante prova inequívoca; e 2) haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação para a parte autora OU 3) fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Com efeito, o tempo exerce grande influência nos fatos jurídicos e, como não poderia deixar de ser, no curso do processo ele também é de extrema relevância, devendo a prestação jurisdicional ser sempre tempestiva, evitando qualquer tipo de perecimento do direito. A importância, portanto, da antecipação de tutela é clarividente, superando o paradigma das cautelares de apenas assegurar o resultado prático do processo, para alcançar a satisfação imediata do bem da vida pretendido.
2. É possível a concessão de tutela antecipada ex officio?
De acordo com a literalidade do artigo 273 CPC, a antecipação dos efeitos da tutela depende de requerimento da parte, razão pela qual grande parte da doutrina entende ser impossível a concessão ex officio. De fato, diversos doutrinadores[1] são contrários à concessão de ofício, utilizando como argumento princípios clássicos do processo, tais como o da demanda, da adstrição do juiz ao pedido e o princípio dispositivo, previstos nos artigos 2º e 128 do CPC.
Esta corrente sustenta ainda que, em sendo concedida a tutela antecipada, caso posteriormente a sentença seja de improcedência, havendo prejuízo à parte contrária, quem se beneficiou com a concessão e efetivação da medida terá o dever de indenizar com responsabilidade objetiva, nos termos do artigo 811 do CPC. Neste contexto, em sendo admitida a concessão de ofício, a parte autora não poderia ser responsabilizada porque não requereu, nem também o magistrado, que apenas responde em caso de dolo ou fraude, nos termos do artigo 133, inciso I do CPC. Neste sentido, podem-se citar os professores Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira[2]:
“Não parece ser possível a concessão ex officio, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei, não só em razão de uma interpretação sistemática da legislação processual, que se estrutura no princípio da congruência. A efetivação da tutela antecipada dá-se sob a responsabilidade objetiva do beneficiário da tutela, que deverá arcar com os prejuízos causados ao adversário, se for reformada a decisão. Assim, concedida ex officio, sem pedido da parte, quem arcaria com os prejuízos, se a decisão fosse revista? A parte que se beneficiou sem pedir a providência? É preciso que a parte requeira a concessão, exatamente porque, assim, conscientemente se coloca em uma situação em que assume o risco de ter de indenizar a outra parte, se restar vencida no processo.”
Por outro lado, frisando as semelhanças entre a tutela antecipada e a cautelar, espécies do gênero “tutelas de urgência”, que buscam, em última análise, assegurar a utilidade prática do provimento satisfativo, o professor Marcato[3] defende a possibilidade de concessão ex officio da tutela antecipada, invocando para tanto a aplicação do artigo 798 do Código de Processo Civil.
O instituto do artigo 273 do CPC concede, de forma antecipada, o provimento jurisdicional final ou seus efeitos, não podendo ser maior que o pedido formulado na petição inicial. Assim, a concessão da tutela antecipada – seja a requerimento da parte ou de ofício – nunca poderá ser mais abrangente que o pedido da parte autora, razão pela qual não há que se falar em ofensa ao princípio do dispositivo ou congruência.
Por outro lado, o artigo 273, §7º do CPC prevê a fungibilidade entre a tutela antecipada e a cautelar. Ora, se demonstrada a fungibilidade entre as tutelas cautelar e antecipatória, por expressa vontade do legislador, não há porque impedir o Juiz de exercer o poder-dever de dizer o direito aplicável em cada caso, em sua plenitude, inclusive ex officio.
No caso do artigo 273, inciso II do Código de Processo Civil, ou seja, quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, parte da doutrina afirma ser hipótese de “tutela antecipada da evidência”[4], ou seja, ao lado da probabilidade de existência do direito do autor, o réu abusa do direito de defesa, em situação semelhante ao da litigância de má-fé (artigos 17 e 18 do CPC).
Além dos argumentos acima mencionados, nesta situação, a concessão da tutela antecipada de ofício resta ainda mais cabível, tendo em vista que é dever do juiz prezar pela regularidade do andamento do processo e buscar ao máximo a efetividade, não podendo permitir que o abuso de um direito (no caso, do direito de defesa), sirva para prejudicar o exercício do direito da parte contrária.
Sobre os princípios da efetividade e da instrumentalidade, que inspiram o direito processual, em seus significados social e material, devem-se lembrar os ensinamentos de PORTANOVA[5]:
“O princípio da instrumentalidade mantém o processo preocupado com a lógica do procedimento e sua celeridade, mas também busca ser mais acessível, mais público e mais justo. (…) é princípio informativo que se impôs ao processualista brasileiro atento às particularidades de seu tempo. (…)
Pelo princípio da efetividade social, o processo abre amplo espaço para a crítica e para a prática contra um sistema que dá relevância ao individualismo, contra um Estado que não cumpre sua tarefa de agente da redistribuição de riquezas e contra uma parte que põe sua razão em direitos afrontosos ao interesse social. Ademais, o processo se torna capaz de, no caso concreto, pôr em questão o jogo do mercado, o favorecimento e privilégios a minorias, o exercício de direitos baseados em ilegítimas acumulações de riquezas e o lucro abusivo.”
4. Conclusão
Ante o exposto, fazendo-se uma interpretação sistemática do direito processual civil constitucional, percebe-se ser possível a concessão de tutela antecipada de ofício nos casos em que saltarem aos olhos os requisitos previstos no artigo 273 do CPC, especialmente nos casos em que restar configurado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Defensora Pública Federal. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE possui duas especializações e atualmente cursa mestrado em Direito na UFPE. Professora de cursos jurídicos
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