Concessionárias prestadoras de serviços públicos essenciais: análise da inviabilidade de submissão à Lei de Falências com base no leading case do Grupo rede Energia S.A.

Resumo: o artigo analisa a inviabilidade de submissão aos institutos da recuperação e falência regidos pela Lei nº 11.101/2005 por parte das empresas privadas contratas pela administração pública sob regime de concessão para a prestação de serviços. Essa análise é feita com base no processo de recuperação judicial do Grupo Rede Energia S.A, considerado o leading case no Brasil sobre a matéria objeto de estudo. O embasamento legal deste trabalho é feito por meio do comparativo de dispositivos legais da Lei nº 11.101/2005, da Lei nº 12.767/2012 (dispõe sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica)  e da Lei nº 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações). Além de ser feita uma análise principiológica sobre a inviabilidade, com base nos princípios da indisponibilidade do interesse público e da continuidade do serviço.

Palavras-chave: Serviços públicos essenciais. concessões. modalidade não concorrencial. continuidade do serviço.

Absctract: this article analyzes the impossibility of submitting to the institutes of recovery and bankruptcy governed by Law nº 11.101/2005 by private companies hired by the public administration under a concession regime for the provision of services. This analysis is based on the process of judicial reorganization of the Rede Energia SA Group, considered the leading case in Brazil on the subject matter of the study. The legal basis of this work is made through the comparison of legal provisions of Law nº 11.101/2005, Law nº 12.767/2012 (provides for the extinction of public electricity service concessions) and Law nº 8.666/1993 (Law General for Bids). In addition to a preliminary analysis of non-viability, based on the principles of unavailability of public interest and continuity of service.

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Keywords: Essential public services. Concessions. Non-competitive modality. Continuity of service.

 

Sumário: Introdução; 1. Serviços Públicos Essenciais; 1.1 O Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público e da Continuidade do Serviço; 1.2 Contratos de concessão na modalidade não concorrencial; 2. O Instituto da Recuperação Judicial na Lei n. 11.101/05; 2.1 Características e finalidades; 2.2 A possibilidade de aplicação do Instituto às concessionárias de serviços públicos essenciais; 2.3 Análise do precedente do Grupo Rede Energia S.A.; 2.3.1 A natureza jurídica do Grupo Rede; 2.3.2 Síntese do processo de Recuperação Judicial do Grupo Rede; 2.3.2.1 Intervenção da ANEEL; 3. Considerações acerca da Falência na Lei n. 11.101/05; 3.1 Características e finalidades; 3.2 A possibilidade de aplicação do Instituto às concessionárias de serviços públicos essenciais; Considerações Finais; Bibliografia.

 

Introdução

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado, por intermédio da Administração Pública, modificou sua forma de intervir na economia, deixando um pouco em segundo plano a figura do “Estado provedor”, característico do Estado Social para adquirir uma figura de agente normativo e regulador da atividade econômica, ante a nova economia de mercado que foi instaurada.

Em virtude dessas mudanças, e em observância às políticas públicas a serem implementadas, iniciou-se na década de 1990 um processo de desestatização da economia, mediante a privatização de empresas prestadoras de serviços públicos, a partir da privatização do setor de infraestrutura, área comumente operada pelo Estado, nos denominados serviços de utilidade pública com destaque para o setor de energia elétrica, transportes e telecomunicações.

Partindo desse contexto, tendo como foco os contratos de concessões de serviços públicos, com destaque para o setor dos serviços em que não há concorrência, como a exemplo do setor de energia elétrica, seja por inexigibilidade, seja por dispensa de licitação, analisaremos a necessidade da continuidade do serviço essencial como forma de garantia dos direitos dos usuários, não podendo vir a ser interrompido ante a sua natureza substancial para toda a sociedade.

E, em virtude do dever de observância ao Princípio da Continuidade do Serviço, teceremos comentários a respeito da possibilidade de incidência dos institutos da Recuperação Judicial/Extrajudicial e da Falência, regulamentados pela Lei n. 11.101/05 a partir da análise de precedente jurisprudencial, demonstrando a tendência de entendimento da Administração Pública a respeito do tema.

1. Serviços Públicos Essenciais

Por serviços públicos, entende Carvalho Filho como “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação da necessidades essenciais e secundárias da coletividade[1]. Para o Autor, os serviços públicos possuem dois sentidos fundamentais, um subjetivo referente aos órgãos do Estado e um objetivo, referente a atividade em si, prestada pela administração pública direta ou indireta[2].

E, para que tais serviços sejam dotados de efetividade, devem buscar garantir os interesses coletivos, ou seja, os direitos dos cidadãos, assegurados na Constituição Federal, atuando o Direito Administrativo como um mecanismo útil para sua efetivação. Trata-se neste momento, inicialmente, da necessidade de uma prestação positiva pelo Estado, a fim de garantir os direitos fundamentais de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), mas sem abrir mão, para isso, dos direitos inerentes a todas as demais gerações, tanto de primeira (direitos à nacionalidade, cidadania, propriedade, dentre outros), quanto de terceira (direitos transindividuais).

Os serviços observados neste trabalho, dizem respeito aos serviços de utilidade pública, que são aqueles diretamente destinados aos usuários, capazes de proporcionar a sua fruição de forma direta. Tais serviços, após o processo de desestatização da Administração Pública e das privatizações ocorridas, especialmente, na década de 90 do século passado, são prestados hoje por empresas do setor privado mediante contratos de concessões públicas, por meio de  delegação do Estado. Dentre eles, podemos citar o de fornecimento e abastecimento de energia domiciliar, fornecimento de gás, de água, dentre outros, conhecidos como serviços públicos de natureza essencial[3].

1.1 O Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público e da Continuidade do Serviço

 Os serviços públicos essenciais, em decorrência de sua natureza indispensável para o suprimento das necessidades fundamentais de vida de seus usuários, são dotados de certas peculiaridades na sua prestação. Isso porque trata-se de serviços que não podem vir a sofrer interrupções em sua prestação sob pena de comprometer seriamente as necessidades mais básicas dos indivíduos. Portanto, os prestadores de tais serviços possuem o dever de observância dos Princípios da Indisponibilidade e da Continuidade do Serviço Público, sob pena de comprometer seriamente a  finalidade maior de sua prestação, que é a de garantir serviços de qualidade com eficiência e eficácia.

Pelo Princípio da Indisponibilidade, como o próprio nome já diz, trata-se de direitos indisponíveis e não pertencentes nem à Administração nem aos executores dos serviços (estes últimos, como veremos no tópico seguinte, são, em regra, empresas privadas que executam os serviços mediante contrato de concessão, muitas vezes, submetidos ao regime excepcional de dispensa ou inexigibilidade de licitação). Tais direitos pertencem, em verdade, a toda a coletividade, sendo esta a verdadeira titular dos direitos e interesses públicos.

No que diz respeito ao Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos, busca-se assegurar o aspecto mais individualizado da coletividade, representando os interesses dos cidadãos que compõem um determinado Estado. Esse Princípio, como defende Carvalho Filho[4], guarda pertinência com o Princípio da Supremacia do Interesse Público, uma vez que ambos pretendem que a coletividade não venha a sofrer danos em razão de eventual privilégio a interesses particulares. Entretanto, assim como qualquer outro princípio, não possui um caráter absoluto, podendo vir a ser ponderado na prática, caráter excepcional, em casos, por exemplo, de necessidade de reparos técnicos ou da necessidade de realização de obras para melhoria dos serviços prestados.

Nos contratos de concessão (modalidade contratual objeto deste estudo), no qual a remuneração ocorre mediante tarifa, pagamento que se caracteriza como preço público com caráter negocial, admite-se a suspensão da prestação do serviço no caso de inadimplemento da tarifa pelo usuário, por exemplo, devendo ser restabelecido logo após a quitação dos débitos, como ocorre corriqueiramente nas prestações dos serviços de energia elétrica e uso de linha telefônica. Todavia, como analisaremos, existem situações em que há um limite prático para essa relativização do princípio da continuidade dos serviços públicos, limitando a própria Administração Pública e sua figura de Poder Concedente, ante situações práticas que impedem uma maior autonomia do Estado.

Essas limitações, como exemplificaremos aqui, ocorrem, por exemplo, no que diz respeito à submissão das concessionárias aos institutos da recuperação judicial e da falência, regulamentados pela Lei n. 11.101/05, que prevê de forma expressa a possibilidade da decretação da falência das concessionárias de serviços públicos em seu artigo 195. No entanto, como veremos, na prática, tais institutos tornam-se inviáveis de serem aplicados às concessionárias de serviços públicos essenciais na modalidade não concorrencial em decorrência da essencialidade do serviço e da limitação quantitativa de empresas capacitadas para executá-los.

1.2 Contratos de concessão na modalidade não concorrencial

Os contratos de concessão, via de regra, devem ser precedidos do procedimento de licitação pública, conforme disposto no art. 37, XXI da Constituição Federal. Entretanto, em situações excepcionais, admite-se a contratação de empresas para executar determinados serviços, fornecer produtos ou executar obra pública, submetidos a contratos de concessões sem o prévio procedimento licitatório. Estas hipóteses estão estabelecidas nos artigos 24 e 25 da Lei n. 8.666/93 que dispõe sobre as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos.

O artigo 24, XXII da Lei, elenca, dentre as possibilidades de dispensa de licitação, como sendo dispensável a licitação na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado. Já o artigo 25, caput, afirma ser inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição. Neste artigo, podemos enquadrar alguns serviços públicos de natureza essencial, a exemplo  do tratamento e abastecimento de água, da captação e tratamento de esgoto e lixo e das telecomunicações.

Embora o inciso XXII do artigo 24 estabelece o fornecimento e suprimento de energia elétrica e gás natural como hipótese de licitação, na prática, enquadra-se também no artigo 25, caput, uma vez que em determinados Estados do Brasil, não há mais de um grupo empresarial que forneça tais serviços.

Nas situações supramencionadas, em que apenas uma empresa ou grupo empresarial é capaz de fornecer produto ou executar determinado serviço, nos deparamos com a situação do fornecedor exclusivo,que nos faz remeter ao monopólio natural[5], o qual se instaura geralmente em situação de mercado na qual os investimentos necessários, como a exemplo do setor energético, são muitíssimo elevados quando comparado com os custos marginais associados à sua implementação, fundados em bens exclusivos, dificultando a livre concorrência.

2. O Instituto da Recuperação Judicial na Lei n. 11.101/05

2.1 Características e finalidades

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O instituto da recuperação judicial, conjuntamente com a recuperação extrajudicial e a falência, encontra-se regulamentado pela Lei n. 11.101 de 09 de fevereiro de 2005. Quanto aos seus objetivos, dispõe o artigo 47 da referida Lei:

“Art. 47 – “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dosinteresses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua  função social e o estímulo à atividade econômica”.

Em análise ao artigo supracitado, observa-se que a Lei de Recuperação e Falências  também visa preservar não apenas a empresa em crise[6], mas também a relação empregatícia dela para com seus funcionários e de toda uma cadeia de fornecedores que dela dependa, na tentativa de manter o mercado em um certo equilíbrio.

Durante o processamento da recuperação judicial, o devedor, a priori, não perde a administração da empresa (devendo-se, para isso, observar as exceções impostas pelo artigo 64). Por fim, em sendo concedida a recuperação judicial, dispõe o artigo 61 que “proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial“. Devendo-se atentar ao fato que poderá haver a convolação da recuperação em falência se o descumprimento do estabelecido no plano da recuperação se der dentro do prazo de dois anos após a concessão da recuperação.

2.2 A possibilidade de aplicação do Instituto às concessionárias de serviços públicos essenciais

Como será analisado no tópico seguinte, verifica-se a tendência da administração em não considerar a aplicação da recuperação judicial e extrajudicial às concessionárias de serviços essenciais nas situações em que for inviável a extinção da concessão, ante a necessidade de continuidade do serviço prestado. Em regra, ao observar-se a legislação em vigor no Ordenamento Jurídico Brasileiro, constata-se a inexistência de impedimento legal para a incidência do instituto da recuperação judicial (bem como a recuperação extrajudicial e a falência) para concessionárias de serviços públicos, desde que não se trate de empresa pública, sociedade de economia mista ou dos entes dispostos no inciso II do artigo 2º da Lei n. 11.101/2005, que dispõe:

“Art. 2o – “Esta Lei não se aplica a:

I – empresa pública e sociedade de economia mista;

II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio,entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores”.

Entretanto, em decorrência do precedente judicial do Grupo Rede Energia S.A., do qual também fazia parte as Centrais Elétricas do Pará – CELPA, que também veio a entrar em recuperação judicial, foi editada a medida provisória n. 577 de 29 de agosto de 2012 (convertida na Lei n. 12.767, de 27 de dezembro de 2012) proibindo a aplicação dos regimes de recuperação judicial e extrajudicial  às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica.

Dentre os serviços que se encontram em situação semelhante ao das empresas de energia elétrica, ou seja, atividades de grande monta em que não há licitação, destacamos as concessionárias prestadoras de serviços públicos de tratamento e abastecimento de água e de serviços de saneamento básico como captação e tratamento de esgoto e lixo. Todavia, esse tipo de serviço, hipótese de inexigibilidade de licitação em virtude de inviabilidade de competição (art. 25 da Lei n. 8.666/1993), na prática é exercido via de regra por sociedades de economia mista, a exemplo da COMPESA (Companhia Pernambucana de Saneamento.), SABESP(Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e CEDAE(Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro ), as quais, por força do artigo 2º, I da Lei n. 11.101/2005, já encontram-se excluídas da incidência de recuperação judicial, extrajudicial e falências.

Quanto às concessionárias de serviços públicos de fornecimento e abastecimento de energia elétrica, hipótese literal de dispensa de licitação (art. 24, XXII, Lei n. 8.666/1993), sofreram estas um processo intenso de privatização e tornaram-se, via de regra, sociedades anônimas de capital aberto, a exemplo da CELPA (Centrais Elétricas do Pará), antigamente controlada pela Grupo Rede Energia S.A., cujo processo de recuperação judicial ocorrido será, nos pontos pertinentes a este trabalho, analisado no tópico seguinte. E, as empresas privadas deste ramo de serviços, por superveniência da Lei n. 12.767/2012 não podem mais ser atingidas pelos institutos da Lei n. 11.101/2005.

Portanto, esse precedente, qual seja o da recuperação judicial do Grupo Rede Energia S.A. é um forte indicativo da intenção da administração pública em preservar os contratos de concessões quando tratar-se de hipótese de inexigibilidade ou dispensa de licitação, “protegendo” as concessionárias de institutos como o da recuperação e falências em situações de crise.

2.3 Análise do precedente do Grupo Rede Energia S.A.

Verifica-se a grande importância do estudo desse precedente uma vez que trata-se de um tema bastante atual no que diz respeito aos contratos de concessões entre o Estado e o setor privado para a prestação de serviços insubstituíveis e imprescindíveis para o ser humano, que são os serviços básicos. Além da grande crise que vem se alastrando pelo setor energético desde a época da recuperação judicial em análise e que se intensificou em boa parte do Brasil em 2015, repercutindo em aumentos nas contas de energia elétrica dos usuários do serviço em percentuais alarmantes e de difícil controle pela ANEEL, agência reguladora do setor.

2.3.1 A natureza jurídica do Grupo Rede

O Grupo Rede Energia compunha-se como uma sociedade anônima de capital aberto, brasileira, com sede na cidade São Paulo – SP, controlada pela Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema S.A, de capital fechado e que à época também se encontrava em recuperação judicial. O Grupo Rede é uma holding, na qual geralmente eram consolidadas nela as informações financeiras das empresas por ela controladas direta e indiretamente.

As empresas que normalmente estavam consolidadas na companhia eram representadas por nove distribuidoras de energia elétrica, uma geradora, uma encarregada de comercializar a energia, uma prestadora de serviços, uma empresa de bioenergia e duas outras holdings. No momento em que estava em recuperação judicial, o Grupo Rede Energia S.A. possuía o controle acionário das Centrais Elétricas do Pará -CELPA, sociedade anônima de capital aberto, que também veio a iniciar processo de Recuperação Judicial.

2.3.2 Síntese do processo de Recuperação Judicial do Grupo Rede

Inicialmente, verificou-se o pedido de Recuperação Judicial da Centrais Elétricas do Pará – CELPA. No processo de recuperação da CELPA, em Decisão Interlocutória[7] n. 20120207015134 da 13 Vara Cível de Belém do Pará, o magistrado verificou a inconstitucionalidade formal da Medida Provisória n. 577, por ausência dos pressupostos de relevância e urgência para sua edição conforme previsto no artigo 62,caput, da Constituição Federal de 1988. Decisão esta que veio a ser agravada, e a medida provisória foi, posteriormente, convertida em Lei, o que não impedindo, entretanto, o trâmite do processo de recuperação judicial da CELPA e das demais concessionárias integrantes do Grupo Rede Energia que também vieram a entrar em processo de recuperação judicial.

O processo de recuperação foi iniciado em 20 de fevereiro de 2012 após a aprovação do Plano de Recuperação Judicial em Assembléia Geral de Credores em 1º de setembro de 2012, sendo homologado pelo juízo competente na mesma data. Após o trâmite legal e a aprovação do plano, com as ressalvas e análise da Agencia Nacional de Energia Elétrica -ANEEL, foi prolatada sentença homologatória supramencionada.

Já o Grupo Rede Energia S.A, holding da qual fazia parte a CELPA, propôs em juízo pedido de recuperação judicial no processo de n. 0067341-20.2012.8.26.0100 na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo (SP)  e tiveram seus pedidos deferidos em 19 de dezembro de 2012 com a aprovação do Plano de Recuperação[8] nos termos da Lei n. 11.101/05.

2.3.2.1 Intervenção da ANEEL

No processo de recuperação judicial do Grupo Rede Energia S.A., destaca-se a intervenção da ANEEL, agência reguladora que controla o setor elétrico, instituída pela Lei n. 9.427 de 26 de dezembro de 1996. A ANEEL, após o acolhimento judicial do pedido de recuperação judicial do Grupo Rede Energia S.A., havia, por intermédio do Poder Executivo, elaborado a medida provisória n. 577 de 29 de agosto de 2012, objetivando intervir em concessionárias de serviços públicos de distribuição de energia elétrica integrantes do Grupo Rede. Tal intervenção teve como objetivos a defesa do interesse público, a preservação do serviço adequado aos consumidores e a gestão dos negócios das concessionárias, designando interventores com plenos poderes de gestão e administração sobre as operações e os ativos das empresas do Grupo.

A edição da Medida Provisória  ocorreu em momento posterior ao início do processo de recuperação judicial da CELPA, demonstrando-se, assim, o notório interesse da Administração Pública em impedir a possibilidade de submissão do Grupo Rede Energia S.A. ao processo de recuperação judicial (e evitar, também, uma possível decretação de falência) do Grupo Rede em virtude de se tratar de empresas concessionárias de serviços públicos essenciais na modalidade não concorrencial, contratadas através de dispensa de licitação em virtude da inviabilidade de competição. Apesar das empresas do Grupo Rede, a exemplo da CELPA, distribuidora de energia do grupo, serem devedoras a época do pedido de recuperação judicial  no ano de 2012 de montante que superava o valor de um bilhão de reais, a ANEEL interveio no pedido de recuperação judicial alegando sua impossibilidade por necessidade de defesa do interesse público e a preservação do serviço adequado aos consumidores.

3. Considerações acerca da Falência na Lei n. 11.101/05

3.1 Características e finalidades

No que diz respeito ao instituto da falência, o artigo 75, caput, da Lei n. 11.101/05 afirma que a falência visa a promover o afastamento do devedor de suas atividades, com o intuito de preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens do estabelecimento empresarial, incluindo os ativos e recursos produtivos, inclusive os bens intangíveis. A decretação da falência, de acordo com os incisos do artigo 97 da Lei n. 11.101/05, pode ser requerida pelo próprio devedor, pelo cônjuge sobrevivente, por qualquer herdeiro do devedor, por qualquer credor ou por cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade. Ficando o falido, após a decretação da falência, inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial até sentença que extinga suas obrigações para com os credores.

O jurista pernambucano André Santa Cruz, conceitua a falência em face dos devedores insolventes como “uma execução especial, na qual todos os credores deverão ser reunidos em um único processo, para a execução conjunta do devedor (…) em obediência ao princípio da par condicio creditorum, segundo o qual deve ser dado aos credores tratamento isonômico”[9]. Isso porque quando o ativo do devedor for insuficiente para a satisfação do seu passivo, caracterizando a insolvência, a execução individual tornar-se-ia injusta, tendo em vista que nem todos os credores conseguiriam o ressarcimento devido dos seus créditos. No mesmo sentido, Elisabete Vido: “a falência é uma execução coletiva que tem por finalidade liquidar o passivo (dívidas) a partir da realização (venda) do patrimônio da empresa, respeitando-se a par condicio creditorum”[10].

3.2 A possibilidade de aplicação do Instituto às concessionárias de serviços públicos essenciais

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Quanto à possibilidade de decretação da falência de empresas concessionárias de serviços públicos, deve-se atentar para a legislação em vigor. As vedações para a submissão ao instituto da falência são as mesmas para a recuperação, conforme estabelecido no artigo 2º da Lei n. 11.101/2005. Quanto à Lei n. 12.767/2012 referente às companhias de energia elétrica, restringe-se a impossibilidade de incidência apenas da recuperação judicial e extrajudicial de forma expressa, uma vez que a lei entrou em vigor em decorrência do processo de recuperação do Grupo Rede Energia S.A, vejamos:

“Art. 18 –  “Não se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica os regimes de recuperação judicial e extrajudicial previstos na  Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, salvo posteriormente à extinção da concessão“. Grifo nosso.

No que tange aos contratos de concessões, a Lei n. 11.101/2005 expressamente possibilita a incidência do instituto da falência para as concessionárias:

Art. 195 – “A decretação da falência das concessionárias de serviços públicos implica extinção da concessão, na forma da lei”.

À luz das disposições normativas acima referidas e da interpretação sistemática entre elas, constatamos que há vedação legal à incidência dos institutos tanto da falência quanto da recuperação judicial e extrajudicial às concessionárias de serviços públicos essenciais contratadas na modalidade não concorrencial, seja em decorrência de inexigibilidade  ou de dispensa de licitação. Ante a essencialidade do serviço e a escassez de empresas capacitadas para prestá-los com certa eficiência, acreditamos que, na prática, não se mostra viável a incidência do instituto da falência para tais casos.

Por não haver precedente de falências no Brasil acerca da matéria e em decorrência da proteção atribuída às concessionárias do setor de energia elétrica pela Lei n. 12.767/2012 após o precedente de recuperação judicial da holding  Grupo Rede Energia S.A., composta por concessionárias prestadoras de serviços públicos essenciais na modalidade não concorrencial (contratadas através de dispensa de licitação, com base no artigo 24, XXII da Lei n. 8.666/93), a exemplo das Centrais Elétricas do Pará – CELPA, entendemos ser nesse sentido o a atuação da Administração Pública.

Além do que, em função dos próprios Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, as situações fáticas indicam a não submissão de tais empresas ao instituto da falência, devendo o Estado, em parceria com o setor privado, buscar outros mecanismos para a solução da crise financeira, política ou econômica que comprometam a empresa e, por conseqüência, os serviços públicos por ela prestados, em cumprimento ao dever de manter em níveis consideráveis de qualidade a prestação de serviços básicos de natureza essencial para todos os cidadãos.

Considerações Finais

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e as mudanças econômicas que envolveram o seu processo legislativo, o Estado, modificando a sua forma de intervir na economia e adquiriu uma figura de agente normativo e regulador da atividade econômica. A partir disso, verificou-se o início de um procedimento de desestatização da economia, mediante a privatização de empresas executoras de serviços públicos. Intensificou-se, assim, as relações jurídicas entre a Administração e as empresas privadas, com destaque para os contratos de permissão e concessão para a prestação de serviços públicos essenciais, regulamentados pela Lei n. 8.987/95.

Nesse contexto, em virtude de suas peculiaridades, destacamos os contratos de concessão que não se submetem ao sistema de concorrência, em virtude das previsões legais de casos de inexigibilidade ou de dispensa de licitação. Uma vez que esta modalidade contratual caracteriza-se pela necessidade de um maior equilíbrio entre o poder econômico exercido pelas concessionárias e o poder regulamentar do Estado exercido através de suas agências reguladoras. E, afim de constatar essa necessidade de equilíbrio na relação entre o setor público e o privado, analisamos o precedente de recuperação judicial do Grupo Rede Energia S.A., também com o objetivo de trazer uma maior compreensão sobre a possibilidade de incidência dos institutos trazidos pela Lei n. 11.101/05 aos contratos de concessões dotados das peculiaridades aqui analisadas.

Em consonância com os princípios fundamentais garantidores de uma prestação de serviço verdadeiramente eficaz, destacamos os Princípios da Continuidade do Serviço Público, da Indisponibilidade do Interesse Público, da Razoabilidade e da Proporcionalidade, a partir dos quais, aliados à análise de situações fáticas, verificamos a inviabilidade de submissão das concessionárias de serviços públicos essenciais na modalidade não concorrencial aos institutos da Lei n. 11.101/05.

Com a entrada em vigor da Lei n. 12.767/2012, houve a manifestação do entendimento da Administração Pública de não incidência do instituto da recuperação judicial e extrajudicial para concessionárias de serviços públicos essenciais enquanto estiver em vigor o contrato de concessão(art. 195). Isso porque, embora a lei restrinja a impossibilidade de aplicação da Lei n. 11.101/2005 apenas para as concessionárias referentes ao setor de energia elétrica, entende-se que tal limitação tenha ocorrido em virtude do processamento de recuperação judicial do Grupo Rede Energia S.A., tendo sido editada Medida Provisória (n. 577/2012) a qual foi convertida em lei para não perder eficácia (art. 62, §§ 3º e 12 da Constituição Federal). Desta feita, tratou-se de uma medida emergencial em decorrência do precedente, fato que demonstra o interesse do Estado em preservar tais concessões, principalmente quando não houver concorrência, em se tratando de casos de inexigibilidade ou dispensa de licitação (art. 24 e 25 da Lei n. 8.666/1993).

Portanto, nas relações entre o Estado e as empresas privadas prestadoras de serviços públicos essenciais, objeto de estudo deste trabalho, confirma-se o dever de observância de fatores que vão além da questão estritamente jurídica/contratual envolvendo o setor público e privado para que, deste modo, seja possível desenvolver-se mecanismos que possam melhorar a qualidade dos serviços prestados através de uma relação de maior parceria entre ambos. Objetivando sempre como foco a finalidade principal dos contratos de serviços públicos, sobretudo, os de natureza essencial, os quais visam além da garantia do bem estar social, o suprimento de necessidades básicas dos cidadãos, a partir de uma prestação de serviços verdadeiramente efetivos à população, capaz de garantir a concretização de seus direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal.

 

Referências
CARVALHO FILHO, JOSÉ DOS SANTOS. Manual de Direito Administrativo. 25 ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
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DiLORENZO, Thomas. O mito do monopólio natural. Traduzido por Leandro Roque. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1309>. Acessado em: 06/09/2015.
Informações extraídas sobre o processo de Recuperação do Grupo Rede em: <<http://www.enfoque.com.br/infocias/arq_infocias_Assembleia/377548.pdf>> Acesso em: 06/09/2015.
Plano de Recuperação do Grupo Rede Energia S.A. Disponível na internet em:  <http://www.b2i.cc/Document/1592/144923.pdf>. Acessado em: 26/09/2015.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado.3ª ed. São Paulo: Método,2013, p. 619.
VIDO, Elisabete.Curso de Direito Empresarial. 4ª ed. São Paulo: RT, 2015, p. 389.
Notas
[1] CARVALHO FILHO, JOSÉ DOS SANTOS. Manual de Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 321.
[2] Idem. Ibidem, p. 318.
[3] Por serviços públicos essenciais entende-se como aqueles indispensáveis para o convívio em sociedade, ou seja, elementares para suprir as necessidades básicas do homem moderno. A Lei nº 7.783/89, elenca nos incisos do artigo 10 quais serviços ou atividades são qualificados como essenciais.
[4] Cf.: CARVALHO FILHO, JOSÉ DOS SANTOS. Manual de Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 35.
[5] Thomas DiLorenzo (professor de economia no Loyola College, em Maryland, Estados Unidos), em artigo publicado no IMB (Instituto Ludwig von Mises Brasil), faz uma crítica pertinente e bem fundamentada quanto à teoria do monopólio natural, a qual não possuiria lugar em economias modernas do século XXI. Isso porque tratar-se-ia de uma ficção jurídica criada no século XIX para defender privilégios monopolísticos da época, não cabível nos dias de hoje, ainda que se fale em serviços essenciais. Cf.: <<http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1309>>. Acessado em: 21/07/2015.
[6] Como leciona Fábio Ulhoa, a crise da empresa poderá ser econômica, financeira ou patrimonial. Segundo o autor, normalmente uma desencadeia a outra. Por crise econômica entende o autor que esta deve ser entendida como a retratação considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária, podendo ser generalizada, segmentada ou atingir especificamente uma empresa. Por crise financeira entende como aquela que ocorre quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos, caracterizando-se como a crise de liquidez. E, por fim, a crise patrimonial, a qual, para Ulhoa, é a própria insolvência, ou seja, a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo. Cf.: COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 56/57.
[7]Conteúdo  da Decisão Interlocutória possível de ser observado em sua íntegra em: <http://www.tjpa.jus.br/CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=12007>. Acessado em: 26/09/2015.
[8]Plano de Recuperação Judicial possível de ser acessado na íntegra em: <http://www.b2i.cc/Document/1592/144923.pdf>. Acessado em: 26/09/2015.
[9]RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado.3ª ed. São Paulo: Método,2013, p. 619.
[10] VIDO, Elisabete.Curso de Direito Empresarial. 4ª ed. São Paulo: RT, 2015, p. 389.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Fernando Henrique Franco de Aquino

 

Pós-Graduando em Direito Contratual pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Bacharel em Direito pela UFPE no ano de 2016 com parte do Bacharelado realizado na Universidade de Salamanca Espanha – USAL. Advogado

 


 

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