No dia 23 de junho de 2010 teve início a vigência da Lei nº 12.153/2009, que instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública nos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios.
Entre as inovações desta lei em relação às Leis nº 9.099/95 (Juizados da Justiça Estadual) e Lei nº 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais) destaca-se a ampliação dos poderes do conciliador.
A busca pela conciliação ou transação está entre os princípios e critérios que regem o procedimento dos Juizados Especiais, listados no art. 2º da Lei nº 9.099/95, e a atuação do conciliador e do juiz leigo visa a concretização daquele objetivo. Ainda, o CPC lista, entre os deveres do juiz, o de tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes (art. 125, IV).
A Lei nº 9.099/95 regulamenta as funções do conciliador em seu art. 7º:
“Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência.
Parágrafo único. Os Juízes leigos ficarão impedidos de exercer a advocacia perante os Juizados Especiais, enquanto no desempenho de suas funções”.
O juiz togado é o magistrado de carreira lotado no Juizado Especial, também designado como “juiz presidente” pela Lei nº 10.259/2001 (art. 18). Além dele, a norma classifica os conciliadores e juízes leigos como auxiliares da Justiça, ou seja, não integram o quadro de carreira do Judiciário (em decorrência do exercício da função, não havendo impedimento para que os próprios servidores sejam escolhidos como conciliadores).
Regulamentando o assunto, o Provimento nº 7/2010 do CNJ prevê, no parágrafo 3º de seu art. 7º, que “o exercício das funções de conciliador e de juiz leigo, considerado de relevante caráter público, sem vínculo empregatício ou estatutário, é temporário e pressupõe a capacitação prévia e continuada, por curso ministrado ou reconhecido pelo Tribunal de Justiça”. Merece destaque o dispositivo, desde que seja efetivamente implantado, especialmente se condicionado o ingresso no cargo à realização de curso específico prévio, oferecido ou reconhecido pelo TJ. Diante do caráter temporário das funções, do reduzido horário de trabalho, da natureza das funções e da possibilidade de seu desempenho ser voluntário, a norma esclarece que a função tem caráter público relevante, mas não gera vínculo (empregatício ou estatutário) com o Tribunal de Justiça. Nos termos do art. 59, IV, da Resolução nº 75/2009 do CNJ, considera-se como atividade jurídica, para comprovação em concurso público para ingresso na carreira da magistratura, o exercício da função de conciliador junto a Tribunais judiciais, Juizados Especiais, Varas especiais, anexos de Juizados Especiais ou de Varas judiciais, no mínimo por dezesseis horas mensais e durante um ano.
Ressalta-se que essas atividades são consideradas como tempo de atividade jurídica, para aproveitamento em concurso para ingresso na magistratura. Nos termos do Enunciado Administativo nº 3 do CNJ, “para os efeitos do art. 2º da Resolução 11, de 31/01/2006, considera-se atividade jurídica a atuação do bacharel em Direito como juiz leigo ou conciliador do Sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, desde que não inferior a 16 (dezesseis) horas mensais”.
O citado art. 7º diferencia conciliadores de juízes leigos, que podem atuar nos Juizados Especiais Cíveis da Justiça Estadual, buscando a conciliação ou a transação: (a) os conciliadores são, preferencialmente, bacharéis em Direito, com a função exclusiva de buscar a conciliação entre as partes; (b) já os juízes leigos só podem ser selecionados entre advogados com mais de cinco anos de experiência.
Entre as diferenças decorrentes das funções, destacam-se as seguintes: (a) os conciliadores só podem desempenhar a condução da audiência de conciliação, sob a orientação do juiz togado ou de juiz leigo (que não necessariamente devem estar presentes na sala de audiência), enquanto o juiz leigo pode realizar essa audiência independentemente de supervisão (art. 22 da Lei nº 9.099/95); (b) caso as partes optem pela instituição de juízo arbitral para resolver a questão, somente o juiz leigo pode ser escolhido para ser árbitro (parágrafo 2º do art. 24 da Lei nº 9.099/95); (c) o juiz leigo pode realizar a audiência de instrução, sob a supervisão do juiz togado (art. 37 da Lei nº 9.099/95); (d) e o juiz leigo pode proferir decisão sobre a controvérsia, submetendo-a ao juiz togado, que pode homologá-la, proferir outra em seu lugar, ou converter o julgamento em diligência, para a prática de atos ou a produção de provas (art. 40 da Lei nº 9.099/95). Assim, o juiz leigo pode praticar quaisquer atos no processo, com exceção daqueles inerentes ao poder decisório do juiz, o que inclui a homologação, por sentença, do acordo realizado pelas partes.
Salienta-se ainda que os JEF Cíveis têm somente conciliador, mas não juiz leigo (art. 18 da Lei nº 10.259/2001), enquanto os Juizados Especiais da Fazenda Pública podem ter conciliadores e juízes leigos (art. 15 da Lei nº 12.153/2009), da mesma forma que os Juizados Estaduais.
A atuação dos conciliadores não se restringe aos Juizados Especiais, permitindo o CPC que o juiz, no rito sumário, seja auxiliado por conciliador, nas audiências de conciliação (parágrafo 1º do art. 277).
Nos Juizados Especiais Federais, o art. 18 da Lei nº 10.259/2001 limita o período de atuação dos conciliadores (o que não há nas demais leis), podendo haver prorrogação do prazo: “(…) O Juiz presidente do Juizado designará os conciliadores pelo período de dois anos, admitida a recondução. O exercício dessas funções será gratuito, assegurados os direitos e prerrogativas do jurado (art. 437 do Código de Processo Penal)”.
A Lei nº 12.153/2009 igualmente regulamenta a designação de conciliadores para os Juizados Especiais da Fazenda Pública, e suas atribuições:
“Art. 15. Serão designados, na forma da legislação dos Estados e do Distrito Federal, conciliadores e juízes leigos dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, observadas as atribuições previstas nos arts. 22, 37 e 40 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
§ 1o Os conciliadores e juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de 2 (dois) anos de experiência.
§ 2o Os juízes leigos ficarão impedidos de exercer a advocacia perante todos os Juizados Especiais da Fazenda Pública instalados em território nacional, enquanto no desempenho de suas funções”.
Do mesmo modo que a Lei nº 9.099/95, há possibilidade expressa de designação de conciliadores e juízes leigos, sendo aplicáveis as normas daquela que tratam de sua atuação. As diferenças estão em duas regras incidentes somente sobre os juízes leigos: podem ser escolhidos entre advogados com pelo menos dois anos de experiência (reduzindo o prazo de cinco anos exigido pela Lei nº 9.099/95), e a atuação como juiz leigo impede o advogado de atuar em qualquer Juizado Especial da Fazenda Pública, em todo o Brasil (ao contrário da Lei nº 9.099/95, cuja redação deficiente pode levar à interpretação de que o impedimento se limita ao Juizado em que atua).
O art. 16 da Lei nº 12.153/2009 amplia os poderes até então concedidos ao conciliador:
“Art. 16. Cabe ao conciliador, sob a supervisão do juiz, conduzir a audiência de conciliação.
§ 1o Poderá o conciliador, para fins de encaminhamento da composição amigável, ouvir as partes e testemunhas sobre os contornos fáticos da controvérsia.
§ 2o Não obtida a conciliação, caberá ao juiz presidir a instrução do processo, podendo dispensar novos depoimentos, se entender suficientes para o julgamento da causa os esclarecimentos já constantes dos autos, e não houver impugnação das partes”.
A principal inovação não é a possibilidade de delegação dos atos de instrução (oitiva das partes e suas testemunhas), que, como visto, já podia ser realizada pelo juiz leigo, nos Juizados Estaduais. O diferencial está na possibilidade de o conciliador praticar esses atos instrutórios.
Dois pontos merecem destaque nesse dispositivo: (a) o conciliador continua permitido a conduzir somente a audiência de conciliação, porém, poderá nesse ato ouvir os litigantes e suas testemunhas; (b) na sequência, não obtida a conciliação, compete exclusivamente ao juiz conduzir o prosseguimento da audiência, e sua instrução (e, eventualmente, o julgamento), com a possibilidade de dispensar a nova oitiva, desde que presentes dois requisitos: o juiz entenda que aquela realizada pelo conciliador é suficiente para a instrução e o julgamento da causa, e nenhum dos litigantes impugne a colheita dos depoimentos.
Há, assim, considerável diferença entre o art. 16 da Lei nº 12.153/2009 e o art. 37 da Lei nº 9.099/95: enquanto este permite genericamente ao juiz leigo a condução da instrução (podendo, desse modo, praticar qualquer ato instrutório, inclusive realizar a audiência de instrução), a nova lei possibilita ao conciliador somente a condução da audiência de conciliação, na qual poderá (ou seja, trata-se de uma faculdade, a critério do juiz, e não uma atribuição obrigatória da função) ouvir as partes e testemunhas, acerca dos contornos fáticos da controvérsia (expressão que não diferencia em nada das utilizadas pelo CPC sobre a prova oral), para fins de encaminhamento da composição amigável (ou seja, em princípio a tomada da prova oral pelo conciliador tem como objetivo a conciliação, e não a instrução do processo)[1].
Informações Sobre o Autor
Oscar Valente Cardoso
Juiz Federal Substituto na 4ª Região. Mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC. Especialista em Direito Público, em Direito Constitucional, em Direito Processual Civil e em Comércio Internacional. Autor do livro “Juizados Especiais da Fazenda Pública (Comentários à Lei nº 12.153/2009)”, publicado pela Editora Dialética.