– Meus filhos, quero lhes comunicar uma coisa.
– Pelo jeito é alguma coisa boa, mamãe, pois estás muito feliz!
– Pois é, depois de tanto tempo vivendo sozinha – sozinha não, na companhia de vocês –, agora encontrei um novo amor, e nós vamos nos casar!
– Que bom mamãe, mas quem é o felizardo?
– Bem, é um rapaz jovem, bonito e carinhoso. Ele só não é rico, ou melhor… Ele é pobre, não tem patrimônio, mas é um homem trabalhador. O nome dele é Leonardo, mas… É pura coincidência!
– Ótimo, mamãe, afinal durante todos esses anos tu só trabalhaste, só te preocupaste conosco, sempre fez tudo para nada nos faltar.
– Pois é, fiz tudo na vida para garantir a vocês uma vida boa. Por isso trabalhei sem cessar. Consegui comprar este apartamento, temos uma casinha na praia e, claro, um belo carro para mim e um carrinho para cada um de vocês. Também tive a preocupação de comprar um apartamento para cada um de vocês. Está tudo no meu nome, mas, quando eu morrer, vocês não terão maiores preocupações, ao menos terão onde morar. Aliás, nada de mais justo: afinal, vocês sempre me ajudaram a fazer economia. Só assim consegui amealhar um razoável patrimônio, que é todo de vocês!
– Nossa, mãe, para que falar em morte, nós estamos falando em vida, em amor, em casamento! Nós estamos todos muito felizes, e queremos que tu sejas muito feliz. Tudo que é bom para ti é também bom para nós.
– Olhem, ele vai morar aqui em casa, vou fazer uma reforma, nada muito grande, mas também isso vai valorizar nossa casa, que, afinal, é de vocês!
– Mãe, nós te amamos tanto e só queremos te ver feliz!
– Essa também é a minha maior preocupação, mas agora queria pensar um pouco em mim e achei a pessoa certa.
– Mãe, já que tu vais casar, qual o regime de bens que vocês vão escolher?
– Ora, mana, só porque tu estudas Direito já vem com essas coisas…
– É que nesse semestre estou estudando Direito das Sucessões e parece que algumas coisas mudaram!
– Não, te acalma, ela tem razão, é uma preocupação justa. Mas já pensei nisso. Vamos casar pelo regime da comunhão parcial de bens. É até mais simples, não precisa fazer pacto antenupcial.
– Pois é, mãe, só que o meu professor disse que tem um artigo do Código Civil, o 1.829, que no inciso I diz que, a quem casar nesse regime de bens e já tiver filhos e algum patrimônio, o cônjuge terá direito igual ao dos filhos.
– Mas, o que é isso, minha filha? Não estou entendendo.
– É o seguinte, se tu casas e – cruz credo! – morres antes do marido, uma parte de todos os bens que adquiriste antes do casamento vai ficar para ele.
– Como assim?
– Olha, mãe, como somos dois filhos, todos os bens que compraste até agora vão ser divididos em três. Cada um de nós fica com a terça parte, e uma parte igual ficará para o teu novo marido.
– Como assim?! Esses bens que comprei, eu comprei pensando em vocês, para garantir o futuro de vocês. Aliás, contei com o sacrifício também de vocês. Assim, quero que fiquem só para vocês. Mas não é só o que for comprado depois do casamento que será metade de cada um? Não é assim? Não é o que se chama de direito de meação?
– Não, mãe, era assim. Mas agora no novo Código existe o tal de direito de concorrência; e o cônjuge ganha a mesma coisa que os filhos.
– Ihhh… Mãe, mas a coisa está ficando um pouco complicada, não é?
– Não pode ser assim! Bem… se for assim, então quero fazer um pacto antenupcial, pois não quero que vocês fiquem prejudicados. Olha, já que tu estudas Direito, diga-me, qual o regime de bens que eu e o Leonardo temos que adotar?
– Pois é, mãe, não sei…
– Como não sabes? Tu és uma ótima aluna! A Faculdade é tão cara e tu não sabes?
– Não, mãe, não é que eu não saiba a matéria: é que não existe nenhum regime de bens que possa atender a essa tua vontade…
– Mas, como assim? Nossa! Estou ficando tão nervosa…
– Mãe, te acalma! O negócio é o seguinte. Agora, quando as pessoas casam e morre um dos dois, o outro fica com parte da herança. Vou explicar melhor: se tu morreres, uma parte vai ficar para o Leonardo. Só que, quando ele morrer, esses bens que ele herdou de ti não vão ficar para nós, vão para os herdeiros dele, ou para os filhos dele, ou para a nova mulher dele, ou para os sobrinhos dele. Nunca vão voltar pra nós.
– Mas os filhos não são os primeiros da ordem hereditária? Depois não vêm os avós de vocês? Não é só quando alguém não tem descendente e ascendente que o cônjuge herda?
– Pois é, era assim, agora não é mais. Mesmo quem tem filhos, mesmo quem tem pais, o viúvo ou a viúva herdam. É o que se chama direito de concorrência. Vocês estão entendendo?
– Não!!!!
– Bem, agora existe o direito de concorrência. É uma novidade que ninguém estava esperando. A lei criou esse direito em favor do cônjuge, mas estabeleceu algumas exceções, isto é, em alguns casos a lei tira o direito do cônjuge.
– Então me diga logo qual é esse regime, porque é esse que vou adotar!
– Pois é, mãe, não tem nenhum!!!
– Como assim?! Tem ou não tem?
– Mãe, sinto muito. As exceções são as seguintes. A lei afasta o direito de concorrência, quando os cônjuges casam no regime da comunhão de bens. Só que nessa hipótese o cônjuge de qualquer forma vai ficar com a metade de todo o patrimônio. Todos os bens vão ser divididos, e a meação do cônjuge sobrevivente é sobre a totalidade dos bens.
– Não, esse regime não me serve!
– Também a lei afasta a comunhão quando um dos cônjuges tiver mais de 60 anos.
– Mas esse não é o nosso caso: afinal de contas, o Leonardo ainda é um gato e eu não sou de se jogar fora!
– Pois é, então não existe nenhum regime que possa ser adotado por pacto antenupcial. Os outros regimes – o da separação de bens e esse novo, que ninguém entende direito, o chamado regime da participação final de aqüestos – em todos eles está assegurado o direito de o cônjuge concorrer. A lei não inclui esses regimes entre as exceções ao direito de concorrência.
– Mas, será que não há nenhuma solução?
– Pois é, mãe, pelo que todo mundo está dizendo, o Leonardo não concorreria conosco se a senhora não tivesse nenhum bem.
– Nossa! Vou ter que vender meus bens todos? Então, para casar com ele, eu não posso ter nenhum bem? Mas, como vão ficar vocês?
– Só tem uma solução: tu e ele viverem em união estável. Aí, sim, ele não herdará nada. Ele vai receber só a metade do que for comprado depois do casamento. E somente sobre esse patrimônio é que ele terá direito de concorrência. Pelo visto, é melhor não casar, não é, mãe?
– Mas, eu queria tanto… sonho com isso há tanto tempo!
– Bom, então o jeito é esperar e casar quando um de vocês já tiver 60 anos, pois aí o regime será o da separação legal dos bens, e ele não receberá nada.
– Mas ainda faltam 10 anos para eu chegar aos 60 anos… Então, só os idosos podem casar? Antes disso, quem tem a fortuna de ter filhos maravilhosos, como os meus, e ter trabalhado uma vida inteira não pode casar? Será que eu não posso ser completamente feliz? Será que, só porque tenho filhos, não posso ter bens? Se tenho bens e filhos, não posso casar e garantir o futuro de meus filhos? Será que só vou poder casar depois de me tornar uma “idosa”, pelo que diz o Estatuto do Idoso?
– É isso aí. E, mesmo assim, há quem ache inconstitucional essa tal separação obrigatória. Portanto, o melhor mesmo é não casar.
– Mãe, e o que vamos fazer com o champanhe que coloquei no freezer para comemorarmos o teu casamento?
Informações Sobre o Autor
Maria Berenice Dias
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM