A nova redação dada ao artigo 313, CPP pela Lei 12.403/11 alterou o critério de cabimento da prisão preventiva previsto no inciso I do citado dispositivo. Houve uma mutação de um critério qualitativo de pena (crimes dolosos apenados com reclusão) para um critério quantitativo de pena (crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos). Da mesma forma operou-se a mudança do artigo 322, CPP no que tange à possibilidade de arbitramento de fiança pela Autoridade Policial. Antes da Lei 12.403/11 o critério também era qualitativo. A Autoridade Policial somente poderia arbitrar fiança em infrações penais não apenadas com reclusão (prisão simples ou detenção). Agora o critério é quantitativo. A Autoridade Policial poderá arbitrar fiança em infrações cuja pena privativa de liberdade máxima não for superior a quatro anos.
Essa alteração legislativa remete ao campo da prisão preventiva e da fiança antiga discussão existente acerca da influência ou não do concurso de crimes (material ou formal) e dos casos de crime continuado, com suas somatórias e acréscimos de pena, quanto à determinação, em casos concretos dados, da possibilidade de decreto de preventiva e de arbitramento de fiança pela Autoridade Policial.
Neste trabalho pretende-se demonstrar como a doutrina e a jurisprudência têm reagido a essa problemática em casos semelhantes em que a lei adota o critério quantitativo de pena e, com isso, traçar uma possível tendência interpretativa que deverá ser aplicada aos novos ditames do artigo 313, I e 322, CPP.
A questão é simples: a lei estabelece uma quantidade de pena como critério para alguma finalidade penal e/ou processual penal. Uma infração tem pena em abstrato máxima que não supera aquele patamar, mas, no caso concreto, há concurso de crimes ou crime continuado e então, com o aumento respectivo ou a somatória (concurso material) o patamar exigido é atingido. Isso exerceria alguma influência ou deveria simplesmente ser considerado cada delito em separado com sua pena “in abstracto”?
Já é suficientemente pacificado que esses critérios quantitativos sofrem influências por causas de aumento e diminuição de pena, bem como qualificadoras e não se alteram com relação à mera presença de agravantes e atenuantes. [1] Resta, portanto, a solução quanto ao problema do concurso de crimes e da continuidade delitiva.
A Lei 9099/95 sempre adotou critérios quantitativos de pena para determinação do que sejam infrações de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a 2 anos – artigo 61) e para o estabelecimento dos ilícitos para os quais cabe o instituto da suspensão condicional do processo (pena mínima não superior a 1 ano – artigo 89). Quanto aos efeitos das causas de aumento e diminuição, bem como agravantes e atenuantes, já foram expostos. Agora deve-se avaliar como têm sido interpretados os efeitos do concurso de crimes e do crime continuado. Embora haja certa polêmica doutrinária e jurisprudencial, tem predominado a tese de que a presença de concurso de crimes ou crime continuado elevando o patamar quantitativo da pena retira “in casu” a qualidade de infração de menor potencial ou de infração para a qual cabe a suspensão condicional do processo. [2] Tal entendimento já é inclusive sumulado pelo STF e STJ. [3]
Outro caso que se relaciona ao problema estudado é o da inafiançabilidade dos crimes apenados com reclusão cuja pena mínima ultrapasse dois anos (artigo 323, I, CPP antes da Lei 12.403/11). Também, não sem que haja discussão doutrinário – jurisprudencial, tem prevalecido o pensamento de que se a somatória (concurso material) ou a exasperação (concurso formal ou crime continuado) elevar o patamar da pena mínima acima de dois anos, haveria inafiançabilidade. [4] Diverso não é o entendimento de Mossin, defendendo que tanto o concurso material, como o formal e a continuidade delitiva, ao aumentarem o patamar mínimo acima de dois anos, impedem a concessão de fiança. [5] Mesmo autores como Tourinho Filho [6] e Greco Filho [7], que discordam dessa interpretação, são obrigados a reconhecer que tanto STF como STJ adotam o entendimento acima exposto, inclusive com existência de súmula a respeito do assunto. [8]
Com essa dupla de exemplos entende-se suficientemente demonstrada a tendência doutrinário – jurisprudencial, embora não pacífica, de considerar a somatória e exasperação ocasionadas pelo concurso de crimes e pela continuidade delitiva como influenciadoras nos critérios quantitativos penais adotados pelo legislador, de modo a impedir ou possibilitar a aplicação de determinados institutos condicionados à quantidade de pena. Assim sendo, firma-se o prognóstico de que deverá prevalecer no futuro o entendimento de que em caso de concurso de crimes ou de crime continuado que faça o patamar máximo ultrapassar 4 anos, seja cabível a prisão preventiva com base no artigo 313, I, CPP (Lei 12.403/11). No mesmo diapasão tem –se que nessas situações a Autoridade Policial não poderá conceder fiança nos termos do artigo 322, CPP, conforme a Lei 12.403/11. Note-se que pela nova ordem processual erigida pela Lei 12.403/11 os patamares quantitativos são os mesmos para cabimento da preventiva e não cabimento da fiança pela Autoridade Policial (pena máxima superior a 4 anos), o que é coerente com o disposto no artigo 324, IV, CPP (nova redação) que estabelece ser proibida a fiança “quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva”. Nessa mesma toada, entende-se que causas de aumento ou diminuição de pena, bem como qualificadoras influenciarão no cabimento ou não da preventiva e da fiança. Assim também não exercerão influência as presenças de agravantes ou atenuantes, tal como se tem entendido em casos semelhantes. [9]
Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e na pós – graduação da Unisal e Membro do Grupo de pesquisa em bioética e biodireito do programa de mestrado da Unisal.
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