Concurso de pessoas

Sumário: 1. Introdução; 2. Teorias sobre o concurso de pessoas; 2.a. Teoria monista (unitária ou igualitária) da participação; 2.b. Teoria dualista ou dualística; 2.c. Teoria pluralista; 3. Causalidade física e psíquica; 4. Requisitos do concurso de pessoas; 4.a. Pluralidade de participantes e de condutas; 4.b. Relevância causal da conduta; 4.c. Vínculo subjetivo; 4.e. Identidade fato; 5. Autoria; 5.a. Teoria unitária de autor ou do autor único; 5.b. Teoria restritiva de autor ou Conceito restritiva de autor; 5.b.1. Teoria objetivo-formal; 5.b.2. Teoria objetivo-material; 5.c. Teoria extensiva de autor ou conceito extensivo de autor; 5.d. Teoria subjetiva da participação; 5.e. Teoria do domínio do fato; 6. Autoria mediata; 7. Co-autoria; 8. Participação em sentido estrito; 8.a. Formas de participação; 8.a.1. Instigação; 8.a.2. Cumplicidade; 8.a.3. Participação em cadeia; 8.a.4). Participação sucessiva; 8.b. Fundamentos da punibilidade da participação; 8.b.1. Teoria da participação na culpabilidade; 8.b.2. Teoria do favorecimento ou da causação; 8.c. Princípio da acessoriedade na participação; 8.c.1. Teoria da acessoriedade mínima; 8.c.2. Teoria da acessoriedade limitada; 8.c. 3. Teoria da acessoriedade extrema; 9. Concurso em crime culposo; 10. Concurso de pessoas em crimes omissivos; 11. Autoria colateral; 12. Multidão delinqüente; 13. Participação impunível; 14. Punibilidade do concurso de pessoas; 14.a. Participação de menor importância; 14.b Cooperação dolosa distinta; 15. Circunstâncias incomunicáveis.

 

1. Introdução

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Malgrado a maioria dos tipos contidos na parte especial do Código Penal referir-se a fatos praticáveis por uma só pessoa, freqüentemente o que se vê é a associação de dois ou mais agentes concorrendo para a execução de um evento criminoso. Deste consórcio resulta o concurso de delinqüentes, também conhecido como concurso de pessoas, concurso de agentes, co-autoria ou participação.

O Código Penal de 1940 estabelecia em seu art. 25, sobre a rubrica “pena da co-autoria” que, quem, de qualquer modo, concorresse para o crime incidia nas penas a ele cominadas, procurando desta forma, resolver a questão do concurso de pessoas partindo da teoria da equivalência dos antecedentes adotada para a apuração do nexo de causalidade, igualando assim, todos os antecedentes causais do crime, sem distinção de tratamento entre os vários integrantes da empresa criminosa.

É forçoso reconhecer, todavia, que quando se reúne varias pessoas num consórcio para a prática delituosa, nem todos os integrantes colaboram de maneira equânime para o resultado final, não sendo justo, portanto, o tratamento dado pelo legislador, posto que, independentemente da importância da colaboração que deu cada um no crime, todos sofriam a mesma penalidade.

O código penal de 1.969, consciente de que a expressão co-autoria não podia designar o concurso eventual de delinqüentes, de vez que é apenas uma espécie do gênero “co-delinqüência”, utilizou-se da terminologia concurso de agentes, abrangendo também assim, a participação que é a outra espécie de concurso.

Não obstante o código Penal de 1969 se quer ter entrado em vigor, ainda assim, a expressão concurso de agentes foi severamente criticada, posto que a doutrina da época entendia que o termo, por ser muito abrangente, incluía, também, os fenômenos naturais que provocavam resultados naturalísticos, sendo em função disso, rejeitado pelo legislador por ocasião da reforma penal de 1984, que preferiu, acertadamente a nosso ver, o termo concurso de pessoas.

O concurso de pessoas, na precisa definição de Mirabete, “é a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal” [1]

Essa união de esforços, com o objetivo de praticar uma infração penal, traz consigo problemas de diferenciação das diversas modalidades de delinqüência coletiva, de vez que pode apresentar-se, nas formas de concurso necessário, co-autoria, participação, autoria colateral etc.

O concurso necessário oriundo dos crimes plurisubjetivos, por sua natureza intrínseca, só pode ser praticado por duas ou mais pessoas, logo, não oferece dificuldade, pelo fato de que todos são autores, ou melhor, todos são co-autores uns dos outros.

Essas dificuldades, entretanto, se apresentam nos crimes passíveis de serem praticados por uma única pessoa, ou seja, nos crimes unissubjetivos, posto que essa união, em casos tais, dá origem ao chamado concurso eventual de pessoas de que nos ocuparemos no presente ensaio.

2. Teorias sobre o concurso de pessoas

Conforme bem delineado ficou, tem-se o concurso de pessoas quando, para o cometimento de uma mesma infração penal, se verifica a união de duas ou mais pessoas. O problema que se tem discutido arduamente é se, nesses casos, a conduta praticada em concurso constitui um ou vários delitos. Nessa esteira várias são as teorias que procuram resolver o complexo problema da co-delinqüência, ou, como preferem alguns, da criminalidade coletiva. São elas: Teoria Monista, Teoria Dualista e Teoria Pluralista.

2.a). Teoria monista (unitária ou igualitária) da participação

Pela teoria Monista, o crime, ainda que praticado por várias pessoas em colaboração, continua único, indivisível. Assim, todo aquele que concorre para o crime, causa-o na sua totalidade e por ele responde integralmente, de vez que o crime é o resultado da conduta de cada um e de todos indistintamente. Não se distinguindo, portanto, entre as várias categorias de pessoas, autor, partícipe, instigador, cúmplice etc. Todos são considerados autores ou co-autores do crime.

Esta foi a teoria adotada pelo Código Penal de 1940 ao estatuir no seu art. 25 que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”. Essa concepção, conforme já se disse, parte da teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado, donde se deduz que toda a pessoa que contribui para a sua produção o causa em sua totalidade e, portanto, por ele deve responder integralmente.

Por uma questão de política criminal, houve por bem o legislador, em estabelecer que todos os participantes do crime são autores dele, evitando, assim, uma série de questões que poderiam, naturalmente, decorrer das definições de autores, partícipes, participação necessária, auxilio necessário, auxilio secundário etc.

A crítica que se verificou acerca da teoria Monista derivou tanto da dificuldade de se estabelecer a realidade da equivalência das condições quanto das dificuldades em se aplicar a lei, posto que, apesar de adotar a teoria Unitária, contemplou ela algumas exceções nas causas de agravação e de atenuação da pena.

A reforma penal de 1984, ao estabelecer no art. 29 que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, da o entender que continua agasalhando a teoria Igualitária, posto que, a par da lei anterior, dispôs haver um só crime e que todos por ele respondem. Todavia, sensível as constantes críticas e, sobretudo a decisões manifestamente injustas em face da teoria monista, o legislador andou bem ao procurar regras precisas para abrandar seus rigores distinguindo a punibilidade de autoria e participação.

Para Raúl Zaffaroni, o fato do art.29 estabelecer que “quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade“, não pode ser entendido que todos os que concorrem para o crime são autores, e sim, que todos os que concorrem têm, em princípio, a mesma pena estabelecida para o autor. [2].

Com efeito, essa afirmação do Mestre Argentino encontra guarida na primeira parte do § 2º do mesmo dispositivo onde está asseverado que “Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste”.

Ora, se num concurso de pessoas o próprio código prevê a possibilidade de algum dos concorrentes ter querido participar de um crime menos grave do que o que efetivamente foi praticado pelos demais, está claro que não se pode admitir de forma simplista que adotou a teoria monista.

Parece-nos que, neste aspecto, a razão está com Cezar Roberto Bitencourt, para quem a reforma penal de 1984 “adotou, como regra, a teoria monista, determinando que todos os integrantes de uma infração penal incidem nas sanções de um único e mesmo crime e, como exceção, a concepção dualista, mitigada, distinguindo a atuação de autores e partícipes, permitindo uma efetiva dosagem de pena de acordo com a efetiva participação e eficácia causal da conduta de cada partícipe, na mediada da culpabilidade perfeitamente individualizada. Na verdade, continua o mestre, os parágrafos do art. 29 aproximaram a teoria monista da teoria dualística ao determinar a punibilidade diferenciada da participação”. [3]

2.b). Teoria dualista (ou dualística)

Consoante esta teoria, nos casos de condutas delituosas praticadas em concurso existem dois crimes: um para aqueles que realizam o verbo, a atividade principal ou a conduta típica propriamente dita emoldurada no ordenamento jurídico, ditos autores e outro para aqueles que desenvolvem uma atividade secundária no evento delituoso sem conformar a sua conduta com a figura nuclear descrita no tipo objetivo, são os ditos partícipes.

Existe no crime uma ação principal praticada pelo autor que executa o verbo da figura típica e uma ação secundária, portanto acessória, que é praticada pelos partícipes que são as pessoas que integram o plano criminoso, instigam ou auxiliam o autor a cometer o delito sem, contudo, desenvolver um comportamento central, executivamente típico.

2.c). Teoria pluralista

Por esta teoria, a pluralidade de agentes corresponde um real concurso de ações distintas e, por conseguinte, uma pluralidade de delitos. Assim, cada participante contribui com uma conduta própria, com um elemento psicológico próprio existindo, pois, tantos crimes quantos forem os participantes do fato delituoso. Cada agente envolvido comete um crime próprio, autônomo.

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A maior falha apontada para esta teoria, reside no fato de que as condutas de cada um dos envolvidos no crime não são e nem podem ser consideradas autônomas de vez que convergem para uma ação única com objetivo e resultado comum.

3. Causalidade física e psíquica

Na questão das condutas delituosas praticadas em concurso a causalidade psíquica e tão importante quanto a causalidade física. A decisão comum para o fato significa a convergência de idéias, de consciência e vontade para a sua realização.

A solução para o intricado caso do concurso de pessoas está intimamente ligada à teoria adotada com relação ao nexo de causalidade. Como o Direito Penal pátrio adotou a teoria da equivalência das condições, não distinguindo causa de condição, a causalidade Física vinha desfrutando de importância maior na solução dos problemas relacionados com a co-delinqüência.

Com o passar do tempo, entretanto, verificou-se que a causalidade física ou a contribuição causal física, mostrou-se importante, necessária mas insuficiente para aperfeiçoar o instituto, posto que era apenas um fragmento do complexo problema do concurso de pessoas que, para aperfeiçoar-se, exigia também o linhame subjetivo.

Com a constatação da imprescindibilidade do elemento subjetivo, traduzido na vontade e consciência de participar da obra comum, verificou-se que o concurso de pessoas pode ocorrer desde a ideação até a consumação do delito, respondendo por ele, na medida de sua culpabilidade, é claro, tanto o que ajudou a planejá-lo, o que instigou, o que forneceu os meios materiais necessários e o que atuou na sua execução e consumação.

Portanto, há que se ter em mente que o concurso de pessoas compreende não só a contribuição causal puramente objetiva, mas também a contribuição subjetiva, que em determinados casos, como se disse, é tão importante quanto a contribuição material para a consumação do delito.

Não obstante prescindir de acordo prévio, para configurar o concurso eventual de pessoas é necessário, além da causalidade material, também, a adesão consciente e voluntária tanto na ação comum como, também, no resultado final pretendido pelo autor principal.

Logo, inexistindo o nexo causal ou o linhame subjetivo, qualquer dos dois, não há falar-se em concurso eventual de pessoas. Assim, para aclarar um pouco mais, cita-se como exemplo o criado que objetivando favorecer a prática de um furto na casa do seu patrão, deixa a porta da frente aberta, mas o ladrão, usando uma chave falsa, pratica o furto entrando pela porta dos fundos; ou, então, o mesmo criado, por negligência, deixa aberta a porta da casa durante a noite, favorecendo, inconscientemente a prática de um furto.

No primeiro caso, a sua conduta de nada serviu ao autor do furto, posto que não teve eficácia causal. Já no segundo, a conduta do criado teve eficácia causal, mas faltou, contudo, o elemento subjetivo, de vez que não aderiu voluntária e conscientemente a ação do marginal, não sendo, portanto, puníveis, em nenhum dos casos, a conduta do criado.

4. Requisitos do concurso de pessoas

A co-delinqüência, nos dias atuais, tem se mostrado cada vez mais freqüente. Seja porque a divisão dos trabalhos facilita e garante o êxito no empreendimento criminoso, seja para garantir a impunidade, seja para satisfazer a todos com o produto do crime, seja para satisfazer outros interesses pessoais dos meliantes, o fato é que está presente e os seus problemas tem sido objeto de penoso estudo, no sentido de dotar os interpretes e aplicadores do Direito de mecanismos seguros com os quais possam contar para uma aplicação justa e eficaz da pena ao caso concreto.

Conforme foi dito no tópico anterior, para que se configure o concurso eventual de pessoas é absolutamente indispensável a existência de elementos de natureza objetivas e subjetiva. Não obstante, é necessário, também, para que se configure a co-delinqüência eventual em estudo, a existência de alguns outros requisitos que lhes complementam e aperfeiçoa. São eles:

4.a) Pluralidade de participantes e de condutas

Esse é o principal requisito do concurso de pessoas. Malgrado todos os participantes de um evento criminoso, contribuir livre e espontaneamente para o seu resultado, não fazem, necessariamente da mesma forma, nas mesmas condições e nem com a mesma importância. Para Esther Ferraz, enquanto alguns praticam o fato material típico, representado pelo verbo núcleo do tipo, outros limitam-se a instigar, induzir, auxiliar moral ou materialmente o executor ou executores praticando atos que, em si mesmos, seriam atípicos. [4]. Todavia, por obra da norma de extensão do concurso prevista no Caput do art. 29 do CP, a participação de cada um e de todos contribui causalmente para a perfeição do resultado, razão pela qual, todos respondem pelo mesmo crime.

4.b) Relevância causal da conduta

Em se tratando de várias condutas, é indispensável do ponto de vista objetivo que haja, evidentemente, o nexo de causalidade entre cada uma delas e o resultado criminoso. Caso a conduta típica ou atípica de cada participante não integre a corrente causal determinante do resultado, será ela por si só irrelevante, como no exemplo do criado que deixou a porta da frente aberta e o ladrão furtou pelas portas dos fundos, ou seja, a conduta não será capaz de aperfeiçoar o concurso. Conclui-se, por óbvio, que nem todo comportamento caracteriza a participação, posto que precisa ter eficácia causal provocando, facilitando ou estimulando a realização da conduta principal.

4.c) Vínculo subjetivo

Há que existir, também, para que o concurso eventual de pessoas possa se aperfeiçoar, a consciência entre os vários integrantes de que cooperam numa ação comum. Não basta, portanto, o agente atuar com dolo (ou culpa), é necessário, pois, que haja uma relação subjetiva entre os participantes da empresa criminosa, caso contrário as várias condutas se tornarão isoladas e autônomas.

Não há crime, pois, no exemplo do criado que, por negligencia, deixou a porta aberta durante a noite, favorecendo, inconscientemente a prática do furto. A ausência do vinculo psicológico desnaturou o concurso, fazendo com que sua conduta se tornasse desvinculada do fato e, em função disso, não fosse atingida pela norma de extensão do art.29 do CP.

Claro está, pois, que somente a adesão voluntária objetiva (nexo causal) e subjetiva (linhame psicológico) à atividade criminosa de outrem, visando a realização de um fim comum, cria e estabelece efetivamente a co-delinqüência, responsabilizando os participantes pelas conseqüências do resultado criminoso.

É bom esclarecer, todavia, que o simples conhecimento da realização de uma infração penal ou mesmo a concordância psicológica caracterizam, no máximo, “conivência” que não é punível, a título de participação, se não constituir, pelo menos, alguma forma de contribuição causal, ou, então, constituir, por si mesma, uma infração típica. [5]

Deve haver, portanto, uma participação consciente e voluntária no fato, mas não é indispensável o acordo prévio de vontade para a existência do concurso de pessoas. A adesão tem que ser antes ou durante a execução do crime, nunca posterior, posto que, neste caso, pode caracterizar o favorecimento pessoal ou real previsto nos art. 348 e 349 do CP, mas nunca o concurso de pessoas.

4.d). Identidade de fato

Como último requisito para se configurar o concurso de pessoas, é necessário, em face da teoria monista adotada pelo CP, que a infração praticada pelos concorrentes seja única. É necessário, pois, que todos atuem conjugando os esforços com vistas a consecução de um mesmo objetivo, ou melhor, de um mesmo crime.

5. Autoria

A relação do sujeito ativo com a conduta descrita pelo legislador no tipo penal, como regras gerais que abrangem todas as modalidades da co-delinqüência, pode ocorrer sob as formas de autoria ou de participação. No tocante a autoria, é pacifico o entendimento de que ela não se restringe a quem prática pessoal e diretamente o fato devendo, pois, incluir, também, aquele que serve de outrem como instrumento para realizar a figura típica como no caso da autoria mediata.

Assim, consoante a melhor doutrina, autoria pode ser individual se o autor pessoalmente realiza todas as etapas do fato típico; pode ser mediata se o autor a pratica utilizando-se de outra pessoa como instrumento; pode ser coletiva ou em forma de co-autoria se vários autores conjuntamente realizam todas as características do fato típico; pode ocorrer, ainda que excepcionalmente em forma de autoria colateral, quando vários autores, sem que um saiba dos outros, realiza a mesma figura típica.

É possível, ainda, que mais de uma pessoa, de forma voluntária e consciente, sem praticar os atos descritos na figura típica, coopere para a sua realização, quer induzindo, quer instigando ou auxiliando o seu autor ou autores. Diante de todas estas possibilidades, várias são as teorias que buscam diferenciar autoria de participação.

5.a). Teoria unitária de autor ou do autor único.

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Autor é quem produz qualquer contribuição causal para a realização do tipo legal. Essa é a definição de autor fornecida pela mais antiga das teorias que se preocupou em estudar a relação do sujeito ativo com o fato, a teoria unitária de autor.

Conforme se infere do conceito, essa teoria ignora completamente a importância de se estabelecer uma diferenciação entre autor e partícipe; defende, pois, que as contribuições objetivas e subjetivas entre os diversos autores, constituem matéria de aplicação da pena como medida da culpabilidade individual, nada tendo a ver com o tipo de injusto.

Juarez Cirino dos Santos, ao pontuar as vantagens da teoria unitária de autor, explica sua influência residual na legislação contemporânea, citando como exemplo a sua adoção pelo caput art. 29 do CP Brasileiro. Segundo ele “se toda contribuição causal para o resultado típico significa autoria, então não existe lacuna de punibilidade; se as diferenças de contribuição subjetiva e objetiva são consideradas na pena como expressão da culpabilidade pessoal, então a sansão penal aparece com íntima correlação com a personalidade do autor; enfim, se não existe diferença entre autores e partícipes então, a aplicação do direito penal ao caso concreto é bastante simplificada”. [6]

Se por um lado esta teoria apresenta como vantagens a facilidade de aplicação da lei penal ao caso concreto, traz por outro lado, o grave inconveniente de considerar qualquer contribuição causal como autoria, nivelando, assim, todos os sujeitos envolvidos na ação típica, sem considerar, como já se disse, a importância e as diferenças entre as contribuições de caráter objetivo e subjetivo que cada um deu para a lesão do bem jurídico.

Conforme se observa, por trás da aparente simplicidade da teoria unitária de autor existe uma gama exacerbada de injustiças, posto que, por obra do óbvio, não se pode afirmar e muito menos aceitar, que todo aquele que de alguma forma contribuir para o delito é seu autor.

Zaffaroni, em suas críticas a teoria de autor único, é bem mais contundente. Segundo ele, por elementares razões sistemáticas, não se pode afirmar, como pretende a simplista teoria do “autor único”, que todo causador é autor, porque não ficaria em pé nenhum dos princípios básicos do direito penal, e porque se iria cair no ridículo de considerar autor a quem não apresenta caracteres típicos nem mesmo caracteres naturais para sê-lo: o farmacêutico que entrega substância abortiva seria autor de auto aborto.  Isto determina a necessidade inafastável de se distinguir entre autores e partícipes. [7].

Conforme se verifica, o maior contra senso desta teoria é o nivelamento entre todos os participantes, fazendo com que sujeitos sem qualificação para tal, possa ser autor (co-autor) de delitos especiais, como por exemplo, para não repetir o auto aborto empregado por Zaffaroni, a co-autoria no crime de falso testemunho que é, também, um delito de mão própria.

5.b). Teoria restritiva de autor ou conceito restritiva de autor

A primeira tentativa de distinguir cientificamente autor e partícipe com base em critérios objetivo – formal da ação típica, foi o conceito restritivo de autor. Para essa teoria é autor aquele que reúne caracteres ônticos e típicos para sê-lo, ao passo que a cumplicidade e a instigação são formas de extensão da punibilidade, de vez que, por não integrar a figura típica, constituiria comportamento impunível.

Para Zaffaroni, entretanto, essa é a teoria que se impõe a luz do Código Penal brasileiro, porque de outro modo não se explica a razão pela qual a lei se ocupa dos partícipes no § 1º e 2º do art.29, de forma especial, visto que a ser certo o conceito extensivo, a previsão estaria sobrando. [8].

Por obra do obvio, praticar a conduta descrita no tipo é, certamente, diferente de favorecer ou contribuir atipicamente para a sua realização, logo, infere-se daí que autoria e participação devem ser distinguida também por critérios objetivos.

Em função disso, o conceito restritivo de autor, por si só, não serve pra definir com absoluta propriedade a autoria nem a participação, necessitando, pois, segundo Jescheck, ser complementada por uma teoria objetiva da participação, a qual assumiria dois aspectos distintos:

5.b.1). Teoria objetivo-formal

Essa teoria, sem desprezar ou negar a importância da causalidade, destaca a importância das características exteriores do agir, ou seja, a conformidade da conduta com a descrição típica do fato. Nessa linha, define autor como sendo aquele cuja ação se amolda a descrição típica e como partícipe aquele que contribui de qualquer modo para a consumação do fato, mas de forma acessória, secundária e, portanto, com uma contribuição menos importante do que a do autor.

Posteriormente verificou-se que esta teoria, por seu apego exacerbado a descrição legal do tipo, ao definir autor, mostrou-se insuficiente para esse desiderato, posto que os tipos, nem sempre, descrevem o injusto da ação com clareza, dificultando, sobretudo, nos crimes materiais, a distinção entre autor e partícipe.

5.b.2). Teoria objetivo-material

Na tentativa de suprir as deficiências do conceito restritivo de autor, visto que a teoria formal-objetiva por si só não foi suficiente, ante a dificuldade de distinguir autor e partícipe com base na conduta e na sua descrição típica, a teoria objetivo-material procurou fazê-lo com base na maior perigosidade que deve caracterizar a ação do autor em relação a ação do partícipe.

Conforme de depreende dos critérios diferenciadores, essa teoria, a exemplo da objetivo-formal, também não levou em consideração os elementos subjetivos, naufragando-se pouco tempo depois, em função das dificuldades práticas de distinguir causas e condições e, causas mais ou menos importante, que eram os critérios utilizados para estabelecer a maior perigosidade do autor e a menor perigosidade do partícipe, levando a doutrina alemã a abandoná-la para adotar o conceito restritivo de autor sobre o critério formal – objetivo.

Ainda assim, apesar de distinguir autoria de participação, para Cezar Roberto Bitencourt, a teoria restritiva de autor, mesmo complementada com a teoria objetiva da participação não contempla a figura do autor mediato e, eventualmente, casos de co-autoria em que não haja uma contribuição importante. [9]

5.c). Teoria extensiva de autor ou conceito extensivo de autor

O conceito extensivo de autor tem como fundamento dogmático a teoria da equivalência das condições. Portanto, é autor todo aquele que contribui com alguma causa para o resultado. Assim, instigador e cúmplice são igualmente autores, já que essa teoria não distingue a importância da contribuição causal de cada um no evento.

Para essa teoria, é interessante assinalar, que os partícipes são autores e, portanto, as normas a seu respeito, são causas de atenuação da pena. Assim, os preceitos especiais sobre a participação, que apregoa pena diferenciada para instigadores e cúmplices, constitui apenas causa de restrição ou limitação da punibilidade, mas todos, indistintamente, são autores.

Em função disso Zaffaroni, apregoa: “se pretendemos fundar a autoria na causalidade, todo aquele que traz alguma contribuição é autor e não há maneira de distinguir objetivamente autor de partícipe. Portanto, essa teoria deve ser rejeitada porque se a participação é uma forma de atenuar a pena da autoria, não pode ser partícipe quem não preencha os requisitos para ser autor”. [10]

Como se vê, a diferença entre autoria e participação, que a própria lei reconhece e que está na realidade das coisas, posto que não são conceitos criados pelo Direito Penal, não existe em face da teoria da equivalência das condições, necessitando, portanto, ser buscado através de um critério subjetivo.

5.d). Teoria subjetiva da participação

Objetivando solucionar o problema, da teoria extensiva de autor, surgiu a teoria subjetiva da participação, a qual identifica autor e partícipe pelo critério da vontade. Assim, a autoria pressupõe a contribuição causal realizada com vontade de autor, ou seja, pelo agente que quer o fato como seu, como próprio, agindo, portanto, com “animus auctoris”, independente de realizar ou não ação típica. Já a participação pressupõe a contribuição causal realizada com vontade de partícipe agindo, portanto, com “animus socci”. O partícipe é aquele que tem o fato como alheio.

Essa teoria traz a absurda situação de que, aquele que executa um homicídio querendo-o como alheio não é autor e sim partícipe. Algo semelhante poderia ocorrer com o crime de falso testemunho que, apesar de ser de mão própria, o seu verdadeiro autor poderia ser condenado como partícipe por praticá-lo não querendo como próprio. Por razões óbvias, essa teoria, também deve ser rechaçada.

5.e). Teoria do domínio do fato

A teoria do domínio do fato, também chamada de teoria objetiva-material ou objetivo-subjetiva, surgiu e 1939 com o finalismo de Welzel, mas foi desenvolvida e aperfeiçoada por Roxin. Parte da premissa de que as teorias objetivas ou somente subjetivas não oferecem critérios seguros para distinguir autor e partícipe do fato Punível.

Partindo do conceito restritivo de autor, uma vez que vincula o conceito de autor a ação descrita no tipo penal e, também, da teoria subjetiva de autor, já que incorpora a vontade como energia produtora do evento típico, define autor do fato como sendo não só o que executa a ação típica, mas também aquele que se utiliza outrem, como instrumento, para a prática da infração penal.

O pressuposto básico desta teoria é o fato de que o autor domina a realização do fato típico controlando a continuidade ou a paralisação da ação delituosa, enquanto que o partícipe não dispõe de poderes sobre a continuidade ou paralisação da ação típica.

Segundo Juarez Cirino dos Santos, a teoria do domínio do fato parece adequada para definir todas as formas de realização ou de contribuição para a realização do fato típico compreendidas sob a forma de autoria e de participação: 1) autoria (a) direta, como forma de realização pessoal do fato típico, (b) mediata, como utilização de outrem para a realização do fato típico e, (c) coletiva, como decisão comum e realização comum do fato típico; 2) participação como contribuição acessória em fato principal doloso de outrem, sob as formas (a) de instigação, como determinação dolosa a fato principal doloso de outrem e (b) de cumplicidade, como ajuda dolosa a fato principal doloso de outrem. [11]

Essa teoria exige, entretanto, que nos caso de autoria mediata o agente, obrigatoriamente, deve reunir todos os elementos que o tipo exige em relação ao autor, assim fica resguardado a impossibilidade de pessoas sem características para tal se tornar autora de crimes próprios e, até mesmo, de mãos próprias como ocorre no caso da teoria unitária de autor.

É oportuno consignar, todavia, que a teoria do domínio do fato tem sua aplicação restrita aos crimes dolosos em face do conceito restritivo de autor que adotou. Ademais, não se pode olvidar que, somente nos crimes dolosos se pode falar em domínio final do fato, até porque, a principal característica dos crimes culposos é exatamente a perda desse domínio.

Para solucionar o problema a doutrina alemã tem trabalhado com dois conceitos distintos: para os crimes dolosos aplica-se o conceito restritivo de autor fundamentado na teoria do domínio do fato e, para os delitos culposos, vem utilizando o conceito unitário de autor que não distingue autoria de participação. [12]

A exposição de motivos reconhece que o legislador optou por introduzir nos dois parágrafos do art. 29 do CP, regras precisas de distinção entre autoria e participação, com escopo de eliminar as inúmeras reclamações por parte da doutrina em face de decisões injustas.

Para Juarez Cirino dos Santos, autoria e participação devem ser estudadas de acordo com os postulados da teoria do domínio do fato, generalizada na literatura contemporânea como critério de definição de autor e de partícipe. [13]

6. Autoria mediata

Como já se disse, autor não é apenas o que realiza diretamente a ação típica descrita na lei, mas quem consegue a execução através de pessoa que atua sem culpabilidade. Zaffaroni define autor mediato com sendo aquele que se vale de um terceiro que age sem dolo, que age atipicamente ou que age justificadamente, para praticar a figura típica.

Originariamente a autoria mediata surgiu com a finalidade de preencher as lacunas que ocorriam com o emprego da teoria da acessoriedade extrema da participação; depois, mesmo com a consagração da teoria da acessoriedade limitada, ainda assim, a autoria mediata não perdeu a importância, mantendo-se a sua prioridade diante da participação em sentido estrito.

Como a principal característica da autoria mediata é a utilização de terceiros como instrumento que realiza a ação típica em posição de subordinação ao controle do autor mediato, pode se afirmar que não há autoria mediata nos casos: (a) em que o terceiro utilizado não é instrumento e sim autor plenamente responsável, (b) nos crimes de mão de própria, (c) nos crimes especiais próprios que exigem autores com qualificação especial e, por fim, (d) nos crimes culposos em razão de não existir a vontade construtora do acontecimento.

Por outro lado pode-se afirmar que as principais hipóteses de autoria mediata decorrem: (a) de erro, (b) de coação irresistível, (c) do emprego de pessoas inimputáveis e, (d) nos casos do emprego de terceiro que age justificadamente sob o amparado de um excludente de criminalidade provocada deliberadamente pelo autor mediato.

7. Co-autoria

O fenômeno da co-autoria, também conhecido como autoria coletiva, pode ser definido como sendo a realização em conjunto por mais de uma pessoa da mesma infração. É, no dizer de Juarez Cirino dos Santos, o domínio comum do tipo de injusto mediante divisão do trabalho entre os co-autores. [14] Co-autor é quem executa, juntamente com outras pessoas, a ação ou omissão que configura o delito, razão pela qual se pode afirmar como Mirabete, que co-autoria é, em última análise, a própria autoria. [15] Funda-se ela sob o principio da divisão do trabalho, é por isso que cada um responde pelo todo.

Cabe por oportuno asseverar, que na autoria coletiva, já que todos aderem de forma consciente à realização do comportamento típico, não é necessário que todos pratiquem o mesmo ato executivo basta, pois, que a contribuição de cada um seja considerada importante para a realização do tipo. Cada um desempenha uma função fundamental na consecução do objetivo comum, por isso que, ausente a relação de acessoriedade, só resta uma imediata imputação recíproca, com todos respondendo integralmente pelo delito.

8. Participação em sentido estrito

O instituto da participação foi inserido na reforma da parte geral do Código Penal de 1.940 através da lei 7.209/84 que, dobrando-se aos eloqüentes reclames da doutrina, em face de inúmeras decisões reconhecidamente injustas, acrescentou na parte final do art. 29 e nos seus dois parágrafos, regras que permitem distinguir com precisão a autoria da participação.

A participação em sentido estrito, como espécie do gênero concurso de pessoas, é a intervenção ciente e voluntária em um fato alheio, o que faz pressupor a existência de um fato principal. O partícipe realiza uma atividade secundaria que contribui, estimula ou favorece a execução da conduta proibida. Não pratica a conduta descrita no preceito primário da norma penal. Dá-se, portanto, a participação quando o agente, mesmo não praticando a conduta principal, concorre de qualquer modo para a realização do crime, seja induzindo, seja instigando ou auxiliando secundariamente o autor.

Trata-se, pois, de uma contribuição que não tem conteúdo de injusto próprio, assumindo, portanto, o conteúdo de injusto do fato principal. Essa dependência se dá em razão da teoria da acessoriedade limitada da participação, ou seja, a participação, por ser acessória, para que adquire relevância jurídica é indispensável que o autor ou co-autores, pelo menos, iniciem a execução da infração penal, caso contrário a conduta do partícipe não é atingida pela norma de extensão do artigo 29 do CP.

8.a). Formas de participação

Várias são as formas de participar intervindo em um fato alheio: Ajuste, determinação, instigação, chefia, organização, auxilio material, auxilio moral cumplicidade, adesão sem acordo prévio etc. A doutrina, todavia, tem considerado apenas duas formas de participação: instigação e cumplicidade, de vez que as demais delas fazem parte.

8.a.1) Instigação

Instigar é, segundo a melhor doutrina, agir sobre a vontade do autor, acoroçoando, estimulando potencializando ou reforçando a idéia já existente. Pode ocorrer também quando o partícipe induz o autor tomando a iniciativa intelectual suscitando nele uma idéia até então inexistente. Constitui, portanto, incutir na mente do autor principal o propósito criminoso quando a idéia de praticar o crime não existe.

Essa forma de instigação é também conhecida como determinação porque o partícipe provoca a decisão do fato mediante a influência psicológica que exerce sobre o autor.

Deve a instigação, todavia, ser dirigida a determinado crime, ficando excluída, pois, da participação, a incitação genérica a pratica de infrações penais que, se realizada publicamente, poderá configurar a apologia ao crime, mas nunca a participação.

Como o conteúdo da instigação parece-nos traduzir em ação, posto que se materializa na influência que o partícipe exerce sobre o psiquismo do autor com vistas a realizar o fato definido como crime, é forçoso concluir pela exclusão da possibilidade de haver instigação por omissão.

8.a.2). Cumplicidade

Cúmplice é aquele que presta auxilio material ao crime exteriorizando a conduta através de um comportamento ativo, que pode se efetivar, por exemplo, através do empréstimo da arma para a prática do crime, do empréstimo de um veículo para facilitar a fuga do autor ou autores etc.

Necessário se faz consignar, que a cumplicidade pode perfeitamente se dá através da omissão, nos casos em que o partícipe tem o dever genérico de agir como no caso do criado que deixa a porta do armazém aberta propositadamente para facilita a ação do autor do furto.

Para que seja configurada a participação, é necessário, como já foi dito alhures, que haja por parte do partícipe, a consciência de que está participando na ação dolosa de outrem e que a sua contribuição tenha efetivamente eficácia causal. Trata-se do nexo material e nexo psicológico.

8.a.3). Participação em cadeia

Ocorre a chamada participação em cadeia ou participação da participação quando se incita a instigar, se incita à cumplicidade, ou seja, quando se é cúmplice da instigação ou cúmplice da cumplicidade. Assim, ocorre a participação em cadeia, quando se instiga alguém a instigar outro a cometer um crime; quando se conserta a arma que o outro vai entregar ao autor para que a use na prática do crime.

Em todos os casos citados a tipificação da participação em cadeia, dependerá, de que o autor, ao menos, tente a execução do crime e não de que o outro partícipe tente a participação, até porque a tipicidade desta depende, em última análise, de que o autor inicie o injusto.

8.a.4). Participação sucessiva

Existem ainda, além dos casos de participação em cadeia, os casos de participação sucessiva. É o que se poderia chamar, pela semelhança com a autoria colateral, de participação colateral. Ocorre quando um partícipe instiga o autor ao cometimento de determinado crime e, o outro partícipe, sem saber da atuação do primeiro, também instiga o mesmo autor ao cometimento dom mesmo crime. Ex.: “A” instiga “B” a matar “C” e, “D”, sem saber da atuação de “A”, também, instiga “B” a matar “C”.

Por obra do obvio, como nos demais casos, a ação dos participes só terá relevância jurídica se o fato principal chegou, pelo menos, a ser tentado. É preciso deixar claro, entretanto, que a participação do participe sucessivo só terá relevância se a sua atuação foi, de fato, decisivo para a decisão do autor.

8.b). Fundamentos da punibilidade da participação

Infere-se do disposto no art. 29, que todos: autores, co-autores e partícipes, incidem nas penas cominadas ao crime principal. Exceção é feita aos casos em que o partícipe ou partícipes aderiram a participação em crime menos grave.

Malgrado a reforma penal manter a teoria unitária no caput do art. 29, adota, entretanto, nos seus parágrafos 1º e 2º, o conceito restritivo de autor deixando perfeitamente delineada a distinção entre autor e partícipe.

A participação de menor importância referida no parágrafo 1º, diz respeito única e exclusivamente ao partícipe e não ao co-autor, porque este, independentemente da maior ou menor importância da conduta, participa diretamente na execução do crime propriamente dito. O tratamento a ele dispensado está no caput do art. 29 onde assevera que a sua pena obedecerá aos limites abstratos previstos para o tipo penal infringido, podendo variar de acordo com a sua maior ou menor culpabilidade. Logo, não existe participação de menor importância ao co-autor e sim culpabilidade maior ou menor, conforme o caso.

Em se tratando de partícipe, a possibilidade de sua participação no crime ser com atividade de menor importância que o autor ou co-autores, levou o legislador a estabelecer uma causa geral de diminuição de pena para a participação de menor importância, ao contrário da lei anterior que previa apenas uma atenuante genérica no inciso II do art. 48.

Trata-se, todavia, no dizer de Mirabete, de uma redução facultativa da pena podendo o juiz deixar de aplicá-la mesmo convencido da pouca importância da contribuição causal para o delito, nos casos em que, mesmo emprestando um modesto e desnecessário auxilio, revele o partícipe, uma vontade dirigida ao delito em intensidade semelhante a dos demais sujeitos, circunstancia em que pode autorizar um juízo de equiparação no plano da culpabilidade. [16].

A conduta do partícipe no concurso de pessoas, conforme já se disse, em si mesma não é tipificada, só sendo punível em razão da norma de extensão contida no “caput” do art. 29. Duas são as teorias que procuram explicar o fundamento da Punibilidade da participação através desta norma integradora:

8.b.1) Teoria da participação na culpabilidade

Para essa teoria, o partícipe deve ser punido porquanto atua gravemente sobre o autor, instigando, induzindo, corrompendo, convertendo ou contribuindo para que ele se torne um delinqüente culpável e merecedor de pena.

Essa teoria peca porque a culpabilidade é pessoal de cada participante, não depende da culpabilidade dos demais, por tanto, o fato de alguém ser inculpável é algo que só diz respeito a ele.

Como se isso não fosse suficiente, o motivo determinante para o afastamento dessa teoria está no fato de que, com a consagração da acessoriedade limitada, a conduta do partícipe se aperfeiçoa com a tipicidade e a antijuridicidade da conduta, sendo desnecessário o exame da influência da participação na culpabilidade do autor.

8.b.2) Teoria do favorecimento ou da causação

No fato do partícipe favorecer ou induzir o autor a praticar uma conduta socialmente danosa e intolerável reside o fundamento da sua punibilidade para esta teoria.

O partícipe deve ser punido não porque contribui na ação mas porque com sua ação ou omissão colabora para que o crime seja cometido. O desvalor da ação do partícipe está, exatamente, em causar ou favorecer a lesão não justificada de um bem jurídico por parte do autor, sendo indiferente se este agiu ou não culpavelmente, porque a sua vontade estava voltada para a ocorrência do fato principal.

É a teoria dominante na Alemanha e na Espanha e acolhe integralmente a formula da teoria da acessoriedade Limitada da participação que, na verdade, também e a teoria predominante no Brasil. [17]

8.c). Princípio da acessoriedade na participação

Que a participação é uma ação secundária que adere a uma ação principal, a doutrina é praticamente unânime nos dias atuais; agora, quanto a sua natureza acessória existe sérias controvérsia. Várias são as teorias que procuram delimitar o alcance da acessoriedade da participação num evento criminoso, destacando-se dentre elas as seguintes:

8.c.1). Teoria da acessoriedade mínima

Segundo essa teoria, para se punir a participação basta que ela esteja ligada a uma conduta típica, não sendo relevante a sua juridicidade. Isso equivale a dizer que uma ação justificada para o autor, constitui crime para o partícipe.

Assim, aquele que induzir o autor a matar em legítima defesa será condenado como partícipe do crime de homicídio, enquanto o autor será absolvido pela excludente de antijuridicidade. [18]

8.c.2). Teoria da acessoriedade limitada

Essa teoria, diferentemente da anterior, exige que, para se punir a participação, a ação principal seja, obrigatoriamente, típica e antijurídica. Significa, pois, que a participação é acessória da ação principal até certo ponto, posto que não exige que o autor seja culpável. Para esta teria o fato é comum, mas a culpabilidade é individual.

Portanto, a punição da participação só depende do caráter antijurídico da ação principal, podendo ocorrer impunidade nos casos em que a doutrina tem denominado de provocação de uma situação de legitima defesa, quando o instigador induz um terceiro a agredir alguém que sabe estar armado, o qual reage e, em legitima defesa, elimina o agressor instigado que o instigador queria eliminar.

Neste caso, o fato da ação principal estar justificada para o autor (não sendo antijurídica), desnatura, pelos postulados da teoria da acessoriedade Limitada, o caráter da participação, ficando o instigador impune.

Para a doutrina alemã, o instigador tem o domínio do fato da ação justificada do executor e, por contas disso, a solução seria a sua punição como autor mediato do homicídio. Os agentes foram utilizados com instrumento para satisfazer a sua vontade.

8.c. 3). Teoria da acessoriedade extrema

Para esta teoria, a relevância jurídica da participação está atrelada a uma conduta principal que dever ser típica, antijurídica e culpável excetuando-se, somente, as circunstancias agravantes e atenuantes da pena. Assim, se o autor da ação principal agisse em erro de proibição, fosse inimputável ou, por qualquer outro motivo, fosse inculpável, o partícipe ficaria impune. Neste caso, a acessoriedade da participação seria absoluta, ou seja, estaria condiciona a punibilidade do autor da ação principal.

Esta teoria vigorou na Alemanha até 1943. Hoje só é defendida pelos adeptos da teoria causal da ação, porquanto, para eles, dolo e culpa integram a culpabilidade.

9. Concurso em crime culposo

A doutrina alemã não admite o concurso em crime culposo sob o fundamento de que qualquer contribuição na causa produtora de um resultado não desejado caracteriza, em si mesmo, a autoria. Apregoa a doutrina alemã, sob a influencia dos ensinamentos de Welzel e Jescheck entre outros, que quando ocorre a cooperação imprudente de vários autores, a contribuição de cada um deve ser avaliada separadamente, pois cada um será autor acessório. [19] Este posicionamento da doutrina alemã se dá em razão de que o direito Germânico adotou a teoria do domínio do fato e, por obra do óbvio, nos crimes negligentes, não se têm o domínio do fato.

Há muito se pacificou na doutrina brasileira a possibilidade de concurso em crime culposo, ficando rechaçado, contudo, a participação. No concurso em crime culposo não existe o nexo subjetivo no “querer” a realização do resultado que por negligencia se sobressai; existe, contudo o vinculo subjetivo e voluntário no “querer” realizar a conduta conjuntamente. Os co-autores, agindo sem o dever objetivo de cuidado, mesmo sem querer, da causa ao resultado.

O concurso de agentes no crime culposo difere literalmente daquele do ilícito doloso, pois se funda apenas na colaboração da causa e não do resultado que sobrevém involuntariamente. Daí a conclusão de que todo aquele que causa culposamente o resultado é seu autor, não se podendo falar, portanto, na participação em crime culposo.

Conforme se pode observar, no delito negligente, os agentes cooperam na causa, sempre, com uma conduta típica em razão da inobservância do dever de cuidado objetivo, logo, só podem ser co-autores, porque a conduta do partícipe se caracteriza por ser, em si mesma, penalmente irrelevante.

10. Concurso de pessoas em crimes omissivos

Cezar Roberto Bitencourt, lembra que não se pode confundir participação em crime omissivo com participação por omissão em crimes comissivos. [20] A participação no crime omissivo ocorre normalmente através de uma ação positiva do partícipe que leva o autor descumprir uma ordem tipificada como crime omissivo. É o caso, por exemplo, do partícipe que instiga o devedor da pensão alimentícia a não efetuar pagamento determinado na ordem judicial. Já o funcionário do mercado que deixa o caixa aberto propositadamente para facilitar o furto é partícipe, com sua ação omissiva, de um crime comissivo. Interessante observar, conforme se extrai dos dois exemplos, que, do mesmo modo que os crimes comissivos admitem a participação por omissão, os crimes omissivos admitem a participação por ação.

Com emérita propriedade ensina Bustos Ramires que é impossível, entretanto, a participação omissiva em crimes omissivos, na modalidade de instigação, de vez que não se pode instigar através da omissão pela absoluta falta de eficácia causal dessa inatividade.

É preciso consignar por oportuno, que nos casos em que o agente tem igualmente o dever de agir, não será ele partícipe e sim autor ou, como ensina Cezar Roberto Bitencourt, caso haja a consciência de anuir a omissão de outrem, co-autor, já que o vínculo subjetivo caracterizador da unidade delitual tem o mesmo efeito tanto nas ações ativas quando nas ações passivas.

Observe que se duas pessoas, deixarem de prestar socorro uma pessoa gravemente ferida, podendo fazê-lo, sem risco pessoal, praticarão individualmente o crime de omissão de socorro. Agora, se nas mesmas condições, de comum acordo deixam de prestarem serão co-autoras do crime de omissão de socorro.

Malgrado ser controverso, parte da doutrina admite ser possível, também, a participação, nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão mesmo nos caso em que o partícipe não tem o dever jurídico de agir, até porque se tivesse, seria igualmente autor ou co-autor no caso de resolução em conjunto.

É, pois, perfeitamente possível que uma pessoa que não está obrigada ao comando da norma, instigue o garante a não impedir a ocorrência do resultado. Neste caso, a atividade do “não garante” foi acessória, secundarias, mas contribuiu moralmente para a resolução criminosa do “garante”, que por ter o domínio do fato e estar obrigado pela norma é autor.

O instigador que não tinha o domínio do fato e nem estava obrigado pela norma, contribuiu mas não cometeu crime autônomo, por que a tipicidade de sua ação só pode ser encontrada através da norma de extensão que regula a conduta do partícipe.

11. Autoria Colateral

Há a autoria colateral quando duas ou mais pessoas, agindo sem qualquer vínculo subjetivo, portanto, sem que uma saiba da outra, praticam condutas convergentes objetivando a prática da mesma infração penal.

Alguns a identificam como co-autoria lateral ou imprópria. Ocorre, por exemplo, quando duas pessoas, pretendendo matar a mesma vítima, postam-se de emboscada, ignorando cada uma a intenção da outra e atiram na vítima ao mesmo tempo vindo a vitima a falecer. Nesse caso não há concurso de pessoas, mas sim autoria colateral.

A autoria colateral nada mais é do que o agir conjuntamente de várias pessoas, sem reciprocidade consensual, num mesmo empreendimento criminoso. Tem como elemento caracterizador a ausência de vínculo subjetivo entre os intervenientes. Entretanto, não é a adesão a resolução criminosa que não existe, mas sim o dolo dos participantes individualmente considerado que estabelece os limites da responsabilidade jurídico penal dos autores.

Nesse aspecto a diferença prática que existe entre a co-autoria e a autoria colateral é marcante. Se duas pessoas se colocam de tocaia, sem que um saiba da existência da outra, e ambas, ao mesmo tempo, disparam matando a vitima, cada um responderá individualmente pelo crime cometido. Já se existisse o vinculo subjetivo, responderiam como co-autores do crime de homicídio qualificado.

A diferença se apresenta no fato de que, havendo a co-autoria, se torna indiferente saber quem foi o autor do disparo letal, vez que os dois responderão pelo crime consumado. Já havendo a autoria colateral é indispensável saber quem foi o autor do disparo fatal porque só ele responderá pelo crime consumando, o outro responderá pelo crime tentado.

Por outro lado, se no mesmo exemplo não for possível precisar quem foi o autor do disparo que matou a vítima, estar-se-á diante de um caso de autoria incerta, que não se confunde com autoria desconhecida, porque nesta não se sabe quem praticou a ação enquanto que, naquela, sabe-se quem praticou a ação, mas, não se sabe quem produziu o resultado, levando os dois, em face do princípio “in dúbio pro reo” a condenação pelo crime tentado.

12. Multidão delinqüente

Fora dos casos de associação criminosa, pode ocorrer que, eventualmente, uma multidão, em situação ou momento de elevado furor, perde o senso da razão, o respeito as leis e passa agir em desacordo com os padrões éticos e morais, cometendo graves crimes, como é caso de linchamentos, saques, depredações etc.

Essa forma incomum de concurso de pessoas, apesar da ação desordenada e as circunstancias normalmente traumática em que ocorre, não afasta a existência do vínculo psicológico entre os integrantes da multidão.

Assim, nos exemplos anteriores, todos responderão por homicídio, roubo e dano, devendo ser apurado durante a instrução criminal a maior ou menor participação de cada um. Aqueles que agiram sob a influencia de multidão em tumultuo poderão ter suas penas atenuadas nos termos do art. 65, III, “e” do CP. Já os que promoveram, organizaram, lideraram  a pratica criminosa ou dirigiram a prática dos demais, terão a pena agravada nos termos do art. 62. “I” do CP.

13. Participação impunível

A participação, materializada na contribuição dolosa a fato principal doloso de outrem, por não ter conteúdo de injusto próprio, assume o conteúdo de injusto do fato principal, ficando a sua tipificação condicionada a que este seja, pelo menos, tentado. É o principio da acessoriedade Limitada, acolhido pelo art. 31 do CP que faz com que a participação fique limitada ao tipo de injusto principal.

Ressalta-se, todavia, que, além dessa dependência, a participação para se aperfeiçoar depende, também, da sua eficácia causal e da consciência e vontade de participar na ação comum.

Com efeito, pelo mandamento do art. 31, a participação num crime que não chegou a ser iniciado não teve eficácia causal e, sem ela, na há que se falar em participação criminosa. Logo, nessas circunstancias, a participação, como atividade acessória que é, em qualquer de suas formas não será punível, a menos é que, por si só, se enquadre na ressalva do dispositivo, como crimes autônomos como é o caso da formação de quadrilha e da incitação ao crime.

Ora, se num concurso de pessoas o próprio código prevê a possibilidade de algum dos concorrentes ter querido participar de um crime menos grave do que o que efetivamente foi praticado pelos demais, está claro que não se pode admitir de forma simplista que adotou a teoria monista.

Parece-nos que, neste aspecto

14. Punibilidade do concurso de pessoas

As dificuldades apresentadas nos casos da delinqüência coletiva sempre pairaram na individualização da conduta de cada um dos integrantes da empresa crimina. Já foi axaustivamente falado que, embora num concurso de pessoas todos contribuam para a consecução de um fim comum, as condutas praticadas pelos colaboradores não são e nem podem ser, consideradas equânimes.

Se assim fosse, não haveria dificuldade aos aplicadores do direito. Bastaria apenar igualitariamente a todos os integrantes da empresa criminosa, que se estaria fazendo justiça.

Ocorre que, como é cediço, na prática isso não se verifica. Para se fazer justiça, é necessário que cada um seja apenado na medida certa da sua culpabilidade, ou seja, na medida daquilo que individualmente contribuiu para o delito, até porque, a culpabilidade só vai até onde o dolo do agente for, caso contrário estaria se contemplando a odiosa responsabilidade objetiva há muito banida do direito penal brasileiro.

A reforma penal de 1.984, atenta a tudo isso, dispôs no art. 29 do CP que todos: autores, co-autores e partícipes, incidem nas penas cominadas ao crime praticado, ficando ressalvado no caso destes últimos terem queridos praticar crime menos grave, quando então se aplica a pena deste.

Observa-se que a reforma manteve a teoria monista más adotou, entretanto, a teoria restritiva de autor fazendo, assim, perfeita distinção entre autor e partícipe os quais, apesar de abstratamente incorrem na mesma pena, no plano da concreção ela sofrerá variações segundo a culpabilidade de cada um.

A nós quer parecer que o citado dispositivo tem relevância apenas para tipificar a conduta do partícipe, porque, a conduta daquele que intervém materialmente na execução do crime (co-autor), já está tipificada na norma incriminadora violada. Logo, por ser uma norma de extensão, o art. 29 só é indispensável para a punibilidade do partícipe, porque sem ele, a sua conduta seria irrelevante para o direito penal ou, em última análise, se enquadraria em tipo autônomo, mas nunca naquele que voluntariamente aderiu.

14.a). Participação de menor importância

Preceitua o § 1º do artigo 29 do CP, uma redução facultativa da pena entre um sexto a um terço, se a participação for de menor importância, deixando, entretanto, a cargo da doutrina definir o que seria participação de menor importância.

Está claro que a redação do citado artigo se refere a atuação do partícipe e não do co-autor, porque este atua no núcleo da figura típica, portanto, ainda que tenha dado contribuição menor, atuou diretamente na execução do delito.

Não pode ser considerada participação de menor importância os caso em que a instigação e a cumplicidade foram determinantes para o crime. Induvidosamente há caso em o autor tem a idéia, tem os meios e lhe falta muito pouco para decidir. Há, também, entretanto, casos em que a decisão do autor está muito mais distante e o trabalho do autor tem de ser muito mais demorado, constante e até insidioso. Trata-se, pois, a infração de menor importância, no dizer de Zaffaroni, de uma questão de grau, que o julgador deve estabelecer em cada um dos casos concretos. [21]

14.b) Cooperação dolosa distinta

Conforme já se demonstrou, a doutrina moderna considera que a participação é acessória de um fato principal, o que pode resultar, nos caso de instigação ou induzimento que o resultado produzido pelo autor seja diverso daquele pretendido pelo partícipe. O crime efetivamente praticado pelo autor principal não é o mesmo que o partícipe aderiu, logo, o conteúdo do elemento subjetivo do partícipe é diferente do crime praticado. Por exemplo, “A” determina a “B”, que de uma surra em “C”. por razões pessoais, “B” aproveita o ensejo e mata “C”, excedendo na execução do mandato. Antes da reforma Penal inserida pela Lei 7.209/84, os dois responderiam pelo delito de homicídio.

Para regular os casos de cooperação dolosa distinta ou, Como preferem alguns, os casos de desvio subjetivo de condutas, como no exemplo citado, de vez que as decisões em casos tais eram severamente criticadas, porquanto reconhecidamente injustas, o legislador ao reformar a Parte Geral do CP dispôs no § 2.º do art. 29 que “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a metade, na hipótese de se ter sido previsível o resultado mais grave”.

Conforme se observa, o desvio subjetivo de condutas passou a ter tratamento adequado e justo. No exemplo anterior, a reforma leva a punição de “A” pelo crime de lesões corporais por ser o crime que efetivamente queria, podendo, entretanto, a pena ser aumentada de até a metade se o homicídio era previsível. O concorrente só responde de acordo com o quis, segundo o seu dolo e não de acordo o dolo do autor.

Apesar da aparente solução nos casos de participação dolosa distinta, a reforma apresentou uma verdadeira “vexata quaestio” nos casos de participação em crimes com dolo no antecedente e culpa no conseqüente, ou seja, nos crimes preterdolosos, como no caso da lesão corporal seguida de morte.

O contra senso é exposto inteligentemente pelo professor Damásio de Jesus. Segundo ele, pela disposição da parte especial, o autor que,  querendo produzir lesões corporais, acaba causando a morte, mesmo não a desejando, responde pelo delito de lesões corporais seguida de morte. Já o partícipe, nas mesmas circunstâncias, segunda a norma em exame, responderá pelo delito de lesões corporais. Se o crime mais grave for previsível sua pena será aumentada até a metade. O contra-senso está no fato de que o autor ou co-autor do crime receberia uma pena mínima de quatro anos e, o partícipe, três meses de detenção, que, no caso de ser aumentado da metade chegaria a quatro meses e meio. [22]

Conclui-se, em face disse, que a reforma deu tratamento justo ao partícipe nos casos de cooperação dolosa distinta quando o resultado diverso for doloso, criou, contudo, um contra-senso nos casos de participação dolosa distinta em crimes preterdolosos, posto que o partícipe fica praticamente impune.

15. Circunstancias incomunicáveis

Um dos mais tormentosos problemas da responsabilidade penal tem sido a comunicabilidade ou incomunicabilidade das circunstâncias que envolvem autor e crime.

O art. 30 do CP dispõe que, “não se comunicam as circunstancias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementar do crime”.

Para Cezar Roberto Bitencourt, essa redação dada pela reforma de 1984 pode ter ampliado esse conflito ao incluir as circunstancias de caráter pessoal distinguindo-as das circunstancias. [23]

Circunstancias são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas circundam o fato sem integrar a figura típica, contribuindo, entretanto, para aumentar ou diminuir a sua gravidade. Podem ser objetivas e subjetivas. Objetivas são as que dizem respeito ao fato, a qualidade e condições da vitima ao tempo, lugar, modo e meio de execução do crime. Subjetivas as que se referem aos agentes, as suas qualidades, estado, parentesco, motivo do crime etc.

Elementares são dados, fatos, elementos e condições que integram determinadas figuras típicas, cuja supressão faz desaparecer ou modificar o crime, transformando-o em outra figura típica.

Tais circunstâncias e condições, quando não constituem elementares do crime, pertencem exclusivamente ao agente que as tem como atribuo logo, não se comunicam. Cada um responde pelo crime de acordo com sua circunstancias e condições pessoais.

Nos casos de constituírem circunstâncias elementares do crime principal, as condições e circunstancias de caráter pessoal, comunicam-se dos autores aos partícipes mas não dos partícipes aos autores por ser a participação acessória da autoria.

 

Notas
[1] Mirabete, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral- Volume I. São Paulo: Atlas, 2ª Ed. 1986, p.223.
[2] Zaffaroni, Eugenio Raul e Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral – São Paulo: Revista dos Tribunais, 4º Ed. 2002, p. 665.
[3] Bitencourt, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral – Volume I. São Paulo: Saraiva, 7ª Ed. 2002, p. 378.
[4] Ferraz, Esther de Figueiredo. A Co-delinqüência no Moderno Direito Penal brasileiro. São Paulo, Bushatsky, 1976, p.25.
[5] Bitencourt, Cezar Roberto. Ob. Cit. p. 381.
[6] Santos, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato punível. Curitiba: Fórum, 3º Ed., 2004, p. 273.
[7] Zaffaroni, Eugenio Raul e Pierangeli, José Henrique. Ob. Cit. p. 665.
[8] Zaffaroni, Eugenio Raul e Pierangeli, José Henrique. Ob. Cit. p 666.
[9] Bitencourt, Cezar Roberto. Ob. Cit. p. 383.
[10] Zaffaroni, Eugenio Raul e Pierangeli, José Henrique. Ob. Cit. p 664.
[11] Santos, Juarez Cirino dos. Ob. Cit. P.276.
[12] Jescheck, H, H Tratado de Derecho penal. Tradu. Mir puig e Muñoz conde, Barcelona: Bosh, 1981p 897.
[13] Santos, Juarez Cirino dos. Ob. Cit. P.276.
[14] Santos, Juarez Cirino dos. Ob. Cit. P.282.
[15]  Mirabete, Júlio Fabbrini. Manual, ob. Cit. 228.
[16] Mirabete, Julio Fabbrini. Ob. Cit. P.235-6
[17] BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit. P. 392
[18] Jesus, Damásio Evangelista de. Ob. Cit. P. 359
[19] Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Ob. Cit. P. 940
[20] BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit. P. 395
[21] Zaffaroni, Eugenio Raúl, Pierangeli, José Henrrique. ob. Cit. 697
[22] JESUS, Damásio Evangelista de. Curso sobre a reforma penal: São Paulo, Saraiva, 1985, p. 91-2.
[23] Bitencourt, Cezar Roberto. Ob. Cit. P. 402
 
Referências bibliográficas
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Informações Sobre o Autor

 

Osmar Lino Farias

 

Ten. Cel da PMMT, Professor, Especializando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes-RJ

 


 

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