Resumo: O presente artigo aborda uma perspectiva principiológica relacionada à concessão de benefícios a presos, condenados ou provisórios, em condições desumanas nos estabelecimentos penais, transferindo-os para regime menos gravoso ou prisão domiciliar, no caso dos primeiros, e colocação em prisão domiciliar ou aplicação de medidas cautelares, no caso dos segundos, consubstanciado nos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana, objetivando a supra citada concessão de benefícios e a efetiva aplicação do princípio da humanização da pena e da intervenção penal mínima. Em que pese a Lei de Execuções Penais não vislumbrar tais concessões de benefícios, quando se tratar de presos condenados, e nem a Lei 12.403/11 não prevê a possibilidade de aplicação de medidas cautelares ou colocação em prisão domiciliar, quando se tratar de presos provisórios, quando tais presos estiverem em prisões com condições degradantes, pode-se o Poder Judiciário atuar através do Juiz efetivando o núcleo axiológico da Carta Maior, dignidade da pessoa humana, por meio, por exemplo, de procedimento administrativo determinando a interdição total da carceragem com fim último de se cumprir o quanto previsto nos arts. 66, inciso VIII e 88 c/c com o art. 104 da Lei 7.210/84. Também analisamos brevemente a história da pena de prisão, suas teorias, os princípios fundamentais, regimes de cumprimento e progressão e regressão da pena de prisão e, ainda, a análise jurisprudencial favorável à concessão de benefícios acima mencionada.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Pena de Prisão. Humanização. Estado Democrático de Direito.
Sumário: 1. Introdução; 2. A pena de prisão; 3. Condições desumanas nos estabelecimentos penais: transferência do preso para regime menos gravoso aplicação de medidas cautelares ou colocação em prisão domiciliar; 4. Análise jurisprudencial favorável à concessão de benefícios a presos condenados ou provisórios transferindo-os para regime menos gravoso aplicação de medidas cautelares ou colocação em prisão domiciliar; 5. Considerações finais.
1. Introdução
A Lei de Execução Penal não vislumbra a possibilidade da transferência de presos, condenados ou provisórios, em condições desumanas para regime menos gravoso ou prisão domiciliar quando se tratar de presos condenados, bem como a Lei 12.403/11 não prevê medidas cautelares ou prisão domiciliar quando se tratar de presos provisórios em condições degradantes de aprisionamento, o que nos parece ser ultrajante ao Estado Democrático de Direito, violando o núcleo axiológico da Constituição Federal, ou seja, o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.
Deve-se entender como prisões em condições desumanas aquelas que não possuem as mínimas condições de alimentação, higiene, sanitárias, saúde, ou seja, violem as disposições constitucionais, Tratados e Convenções Internacionais e normas infraconstitucionais, bem como a previsão legal dos artigos 41 e 88 da Lei de Execuções Penais, pois “há contradição insuportável em se condenar alguém com base na lei e, depois, negá-la no momento da execução da pena”[1].
Por tais razões, rompendo ideias legalistas, o presente estudo visa demonstrar a possibilidade de concessão de benefícios a presos, condenados ou provisórios, em condições desumanas, ou seja, transferência para regime menos gravoso ou prisão domiciliar, no caso dos presos condenados, e a colocação em prisão domiciliar ou aplicação de medidas cautelares, quando se tratar de presos provisórios, à luz dos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e do Estado Democrático de Direito.
2. A pena de prisão
A pena de prisão é a mais utilizada nas legislações contemporâneas, não obstante o consenso da precariedade e ineficiência do sistema prisional.
Pode-se dividir a pena de prisão em prisão perpétua e prisão temporária, no caso da primeira há vedação constitucional (art. 5º, XLVII, b) em nosso ordenamento jurídico. A pena de prisão originou-se de outras penas, ou seja, enquanto aguardavam o cumprimento, por exemplo, da pena de morte, desterro, galés etc.
Afirma Julio Fabbrini Mirabete:
“A pena de prisão teve sua origem nos mosteiros da Idade Média, como punição aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com que recolhessem às suas celas para se dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se assim com Deus” (MIRABETE, 2010, p. 235).
Para o autor acima citado, a pena de prisão tem sido muito combatida, pois se trata de instrumento de “degradação, destruidora da personalidade humana e incremento à criminalidade por imitação e contágio moral” (MIRABETE, 2010, p. 234).
No que se refere à execução das penas de prisão, são apontados pela doutrina três sistemas penitenciárias: o sistema de Filadélfia (pensilvânico, belga ou celular), o de Auburn e o sistema Progressivo (inglês ou irlandês).
No sistema da Filadélfia impõe-se o isolamento absoluto, sem trabalho ou visitas, recomendando a leitura da Bíblia. As prisões de Walnut Street Jail e a Eastern Penitenciary foram as primeiras a adotarem este sistema. Existiram muitas críticas no sentido de tal sistema não cumprir o papel de readaptação social do apenado através do isolamento face o seu rigor, consoante Mirabete (2010, p. 236).
No sistema auburniano, prepondera o isolamento noturno, entretanto, criaram trabalhos para os presos, primeiramente em suas celas e, depois, em comum. A principal característica deste sistema é a imposição de silêncio absoluto entre os presos, mesmo quando em grupos, sendo conhecido como silent system. Tal sistema foi denominado auburniano, pois foi construído na cidade de Auburn, New York, em 1818. Segundo Pimentel apud Mirabete (2010, p. 236), este sistema possui como ponto negativo a “regra desumana do silêncio”, originando-se “o costume dos presos se comunicarem com as mãos, formando uma espécie de alfabeto, prática que até hoje se observa nas prisões de segurança máxima, onde a disciplina é mais rígida”.
Por último, o sistema progressivo (inglês ou irlandês) originado na Inglaterra, século XIX, pelo capitão da Marinha Real, Alexander Maconochie. Nesse sistema são considerados a conduta e o trabalho do preso por meio de seu comportamento e aproveitamento (Mark sistem), sendo estabelecidos três períodos no cumprimento da pena. O primeiro, denominado de período de prova, com isolamento celular absoluto; o segundo, a permissão para o trabalho em comum, em silêncio, podendo surgir outros benefícios; e o último, o livramento condicional.
A prisão, para Foucault (2009, p. 218), possui inconvenientes “e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E entretanto não “vemos” o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”.
2.1 Breves linhas históricas
Nas palavras de Eugênio Raúl Zaffaroni e Edmundo Oliveira, “a prisão é velha como a memória do homem e, mesmo com o seu caráter aflitivo, ela continua a ser a panacéia penal a que se recorre em todo o mundo” (ZAFFARONI; OLIVEIRA, 2010, p. 437).
O aparecimento da prisão, segundo os autores supra, é algo que provêm da criação de casas de correção que tinham como finalidade a custódia de um grande número de bêbados, prostitutas, desocupados, dentre outros excluídos, que cresciam no Continente Europeu no século XVI (ZAFFARONI; OLIVEIRA, 2008, p. 53). Noticia a História que a primeira instituição prisional foi a “House of correction”, na Inglaterra, em Bridewell, Londres, em 1552 (Guimarães apud Geder Luiz Rocha Gomes, 2008, p. 54).
Ainda para os autores acima citados, a pena privativa de liberdade se justificava em virtude das penas capitais e as corporais não serem mais utilizadas uma vez que não conseguiam refletir o senso de justiça que era aclamado pela sociedade da época, já que não eram capazes de garantir o controle do crime, além do aspecto religioso, que pretendia a redenção do criminoso. Havia, também, o aspecto econômico, pois a prisão surgiu em uma época de crise econômica no mundo ocidental no qual existiam desemprego e escassez de bens, consistindo a mão de obra dos presos em força-trabalho barata e a prisão um meio de controle social contrário aos movimentos reivindicatórios de direitos e políticas públicas (Guimarães apud Geder Luiz Rocha Gomes, 2008, p. 54).
A pena de prisão tem sua origem de forma remota, tanto que se considera mais antiga que a História da Humanidade. Sendo assim, segundo Cezar Roberto Bitencourt, deve-se separar cronologicamente para não cometer erros (BITENCOURT, 2008, p. 439).
Assim como Cesare Beccaria, Cezar Roberto Bitencourt aduz que a pena de prisão tanto na Antiguidade quanto nos fins do século XVIII, servia apenas para preservar fisicamente os delinquentes para serem julgados. Naquela época, tinham-se as penas de morte, mutilações e infamantes, ou seja, a prisão era considerada uma “antessala” de suplícios, onde se utilizava as torturas para se obter a verdade (BECCARIA, 2005, p. 104) (BITENCOURT, 2008, p. 440). Diz ainda Bitencourt que “durante vários séculos, a prisão serviu de depósito – contenção e custódia – da pessoa física do réu, que esperava, geralmente em condições subumanas, a celebração de sua execução” (BITENCOURT, 2008, p. 441).
Ainda na Antiguidade, aduz Geder Luiz Rocha Gomes, que a pena possuía fundamentação divina, buscando, portanto, a satisfação da divindade, ou seja, a pena possuía um sentido diferente daquele da vingança privada, pois sendo o sacrifício uma forma de punir atribuída à divindade que estava acima de todos, operando a purgação dos pecados dos criminosos (GOMES, 2008, p. 34).
Impende frisar que, as mais antigas prisões de que se tem notícia histórica, segundo Américo Ribeiro Araújo citado por Romeu Falconi são as seguintes (ARAUJO apud FALCONI, 1998, p. 54):
a) O Labirinto de Creta refere-se ao período de Minóico e Médio, 2.000 e 1.600 a.C., tendo em vista a forma arquitetônica representada pelos palácios de Cnossos[2], no qual possuía plantas labirínticas ao redor de um pátio central;
b) As Latomias são as antigas construções de Siracusa (Scília) as quais se tornaram prisões durante o governo de Dionísio (405 a 368 a.C);
c) O Ergastulum, na Antiguidade Romana, onde eram depositados os escravos condenados ao trabalho forçado para o Estado;
d) A Marmetina, segundo o acima citado autor, a mais antiga das prisões romanas, seguida pela Tuliana construída por Túlio Hostílio, terceiro rei de Roma. Todavia, para Bernaldo de Quiros apud Romeu Falconi, a mais antiga prisão romana foi a Tuliana e não a Marmetina tendo em seguida sido a Claudina edificada por Ápio Cláudio, ficando, no entanto, aquela, Marmetina, em terceiro lugar;
e) A Torre de Londres construída durante a dominação normanda, consta que ficaram alojadas nesta prisão personagens da história Inglesa, como Ana Bolena, Catarina de Howard e Thomas Morus;
f) A Bastilha de Paris, edificada em 1383 e destruída pelo povo em 14 de julho de 1789, sendo considerado o maior marco da humanização da Humanidade;
g) Por fim, cita ainda o mencionado autor, Oubliettes, de origem francesa; o Castelo de Chilon, na Suíça; o Castelo de Spielberg, na Áustria; as Setes Torres de Constantinopla e a Torre de São Julião, em Lisboa.
Já na Idade Média, segundo Bitencourt, não se tem a pena privativa de liberdade. Porém, tem-se “um claro domínio do direito germânico. A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo, e a morte constituem o espetáculo favorito das multidões desse período histórico”. Por conseguinte, surgem as penas eclesiásticas e de Estado. Nestas só poderiam ser recolhidos “os inimigos do poder que tivessem cometido delitos de traição ou adversários políticos dos governantes” (BITENCOURT, 2008, p. 442).
Segundo Cezar Roberto Bitencourt citando Hilde Kaufmann, a pena privativa de liberdade surge como desenvolvimento de uma sociedade orientada a obter a felicidade, oriunda do pensamento calvinista cristão (KAUFMANN apud BITENCOURT, 2008, p. 443).
Ademais, para Geder Luiz Rocha Gomes, esta ideia não alterou a noção da pena como um meio de satisfazer a divindade, pois os suplícios, que permitiam a salvação da alma do delinquente, confundindo as ideias de crime com pecado e de pecador com criminoso, ainda eram impostos (GOMES, 2008, p. 36). A Igreja e o Estado, inclusive, se misturaram de tal forma que o cristianismo se ampliou entre os períodos dos séculos XIII e XV, permitindo a inquisição[3].
Ainda segundo o referido autor, Santo Agostinho (354-430) citado por Geder Luiz Rocha Gomes traz a noção de que a pena é um meio para o arrependimento que precede o juízo final, bem como a proporcionalidade entre a pena e a infração (GOMES apud AGOSTINHO, 2008, p. 36). Já Geder Luiz Rocha Gomes citando Santo Tomaz de Aquino defendia o pensamento da representatividade da autoridade divina na Terra por meio da autoridade civil, o qual era o responsável pela imposição do castigo (GOMES apud AQUINO, 2008, p. 36). E, ainda, a pena teria um caráter intimidador, pois traria a ideia de que o temor imposto aos homens os tornariam imunes à ação danosa do crime. Assim sendo, Santo Tomaz de Aquino tinha uma visão retributiva da pena, tendo este e Santo Agostinho o foco de que a justiça divina era representada pela autoridade civil.
Na Idade Moderna a pobreza se espalha em toda a Europa propiciando a marginalização daqueles que não tinham condições mínimas de subsistência, bem como um aumento da criminalidade nos fins do século XVII e início do século XVIII (BITENCOURT, 2008, p. 443).
Nos fins do século XVI inicia-se uma enorme transformação no desenvolvimento das penas privativas de liberdade, ou seja, “criação e construção de prisões organizadas para correção dos apenados” (BITENCOURT, 2008, p. 444).
Ainda na Idade Moderna, para Geder Luiz Rocha Gomes, Thomas More (1478 – 1535) defendia a ideia de penas alternativas como prestação de serviço à comunidade para aqueles crimes considerados não violentos, bem como a benesse da liberdade no caso de bom comportamento e defendia, também, que o Estado criasse estímulos ao criminoso para que este tivesse interesse em cumprir a pena que lhe foi imposta (GOMES, 2008, p. 37).
Aduz ainda o autor acima citado que a partir da obra de Cesare Beccaria (1764), Dos delitos e das penas, com base nas ideias de Russeau, surge uma nova concepção sobre o destino da pena (GOMES, 2008, p. 37).
Para Beccaria, filósofo italiano, citado por Geder Gomes, a pena de morte deveria ser abolida, pois a considerava ineficaz e cruel, e, ainda, aduzia que “o abrandamento das penas era atitude indispensável à sua noção de justiça” (GOMES apud BECCARIA, 2008, p. 39). Tendo, também, defendido um direito penal separado da tortura, livre de paixão, aplicado de forma proporcional no que se refere à punição e ao crime praticado, bem como firmado na responsabilidade subjetiva e individual. Nesse período, foram estabelecidos os princípios da legalidade, anterioridade da lei penal, proporcionalidade, pessoalidade, entre outros.
Tendo, inclusive, após as ideias iluministas, aparecido um movimento denominado Escolas Penais que teve como primeira escola a Escola Clássica, liderada por Francesco Carrara (1805 – 1888), a qual pregava uma punição humanizada. E depois no final do século XIX o movimento denominado Positivismo Criminológico, surgindo, assim, a Escola Positiva a qual aduzia ser o criminoso um “insensível moral e afetivo, atávico, semelhante aos selvagens primitivos” (GOMES, 2008, p. 40). Ressalte-se que para esta Escola todos os deliquentes, independentemente do sexo e da idade e, ainda, da capacidade mental, deveriam ser penalizados a fim de proteger a sociedade que se antepõe ao indivíduo, segundo o citado autor (GOMES, 2008, p.40).
Posteriormente as estas Escolas, Clássica e Positiva, surge, por fim, a Escola Crítica ou também chamada de Escola Eclética que busca conciliar o que estabelece as Escolas anteriores e aprimorando tais estudos, segundo Bitencourt citado por Geder Luiz Rocha Gomes (GOMES apud BITENCOURT, 2008, p. 41). Tendo a ideia de crime um fenômeno social e individual. Já em relação à pena, esta tem a finalidade de defender a sociedade, consubstanciado no seu caráter aflitivo e distinto da medida de segurança.
Após breve retrospectiva histórica da pena, faz-se necessário citarmos as teorias da pena que fundamentam e objetivam sua finalidade.
2.2 As teorias sobre a finalidade da pena
Nas palavras do doutrinador Fernando Capez, o conceito de pena deve ser entendido como uma sanção que possui caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em razão da execução de uma sentença ao condenado pela prática de uma infração penal, que tem fundamento na restrição ou privação de um bem jurídico devidamente tutelado, cuja “finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade” (CAPEZ, 2007, p. 358).
Hoje, há duas principais vertentes de orientação político-criminal que se propõe analisar os fundamentos e as finalidades da pena, são as chamadas teorias legitimadoras e teorias deslegitimadoras, (GOMES, 2008, p. 44).
As teorias deslegitimadoras da pena fundamentam-se nas correntes político-criminais através do abolicionismo penal liderado por Louk Hulsman, Nils Christie, Sebastian Scheerer e outros, os quais buscam defender a ideia da substituição pura e simples do direito penal por outros modelos de controle que solucionem os conflitos sociais de forma menos gravosa e traumática e mais econômica e eficiente, segundo o autor supra (GOMES, 2008, p. 44).
Já as teorias legitimadoras ou justificadoras, segundo o autor acima citado, são aquelas que buscam uma intervenção penal legítima e adequada. São, portanto, as teorias absolutas ou retributivas, as teorias prevencionistas ou relativas e as teorias mistas ou ecléticas, as quais defendem não ser possível rejeitar a aplicação do direito penal para a solução dos conflitos sociais (GOMES, 2008, p. 45).
A teoria absoluta ou da retribuição da pena, segundo Marcelo André de Azevedo, é entendida como uma retribuição justa pela prática de um delito. Entende-se que o delinquente deve receber um castigo como forma de retribuição pelo mal causado, realizando, assim, a justiça (AZEVEDO, 2010, p. 216 – 218). Para esta teoria, a pena não tem o fim socialmente útil, como a prevenção de delitos, mas apenas de castigar o criminoso.
As teorias relativas ou prevencionistas entendem que a pena tem a finalidade de prevenir delitos através da proteção do bem juridicamente tutelado, dividindo-se em prevenção geral (negativa e positiva) e prevenção especial (negativa e positiva). A prevenção geral tem como finalidade intimidar a sociedade, buscando evitar o aparecimento de criminosos a qual se subdivide em prevenção geral negativa, que no entendimento de Feuerbach o Direito Penal tem o condão de dar uma solução à criminalidade, tratando-se, portanto, em uma coação psicológica para evitar o crime e em prevenção geral positiva (integradora ou estabilizadora), esta está relacionada à afirmação positiva do Direito Penal. Esta versão eticizante (Wezel) alega que a lei penal ressalta alguns valores ético-sociais e a atitude de respeito à vigência da norma, fazendo, portanto, uma integração com a sociedade. Já na versão sistêmica (Jakobs), a pena teria um aspecto de reforçar a confiança da sociedade na legislação penal vigente. Percebe-se que esta versão sistêmica possui uma linha tênue com a teoria retribucionista de Hegel, conforme Marcelo André de Azevedo (AZEVEDO, 2010, p. 217).
No que se refere à prevenção especial, ainda o autor acima citado (2010, p. 217), esta se dirige ao criminoso com o fim último de ressocializá-lo e reeducá-lo. A pena tem por finalidade, neste sentido, de impedir que o agente infrator volte a delinquir, se subdividindo, também, em duas vertentes: prevenção especial positiva e negativa. Na prevenção especial positiva, a pena só é importante por ser um meio de ressocialização do condenado. Já na prevenção especial negativa, a carcerização será aplicada quando outros meios menos lesivos não forem eficazes para a ressocialização do apenado.
No tocante à teoria mista ou eclética, unificadora ou unitária, é, segundo Marcelo André Azevedo, a tentativa de conciliar as teorias absolutas com as teorias relativas (AZEVEDO, 2010, p. 218).
2.3 Princípios fundamentais
A pena de prisão no Brasil possui base principiológica na Carta Política e nas legislações infraconstitucionais, iniciando-se a partir do princípio da legalidade estrita ou da reserva legal insculpido no art. 5°, XXXIX da CF e art. 1° do CP: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (nullum crimen, nulla poena sine praevia lege).
Já o princípio da aplicação da lei mais favorável é a previsão legal da extra-atividade da lei penal mais benéfica (CF, art. 5°, XL, e CP, art. 2°), possibilitando, assim, a retroatividade (aplicação da lei penal a fato ocorrido antes de sua vigência) ou a ultra-atividade (aplicação da lei penal após a sua revogação), salvo a hipótese de não terem sido esgotadas as consequências jurídicas do fato.
Há, também, o princípio da individualização da pena (CF, art. 5°, XLVI, 1ª parte, e art. 59 do CP). Com base nos ensinamentos de Marcelo André Azevedo (2010, p. 219), há três momentos da individualização da pena: a) cominação legal (pena abstrata). Nesse momento, o legislador define a pena mínima e a máxima utilizando-se de critérios de necessidade e adequação; b) aplicação judicial (pena concreta). Já neste caso, o Estado-Juiz fixará a pena de acordo com as circunstâncias referentes ao fato, ao agente e à vítima; c) execução penal, a qual tem como fim efetivar as disposições da sentença ou da decisão criminal e oferecer condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (LEP, art. 1°)[4].
O princípio da humanidade está consubstanciado no princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, nenhuma pena poderá atentar contra a dignidade humana independentemente, por óbvio, quem seja o delinquente e que crime tenha cometido.
Sendo assim, a pena privativa de liberdade que contribuiu para eliminar as penas aflitivas, os castigos corporais, as mutilações, etc. em nada contribui com a sua finalidade de recuperação do deliquente. Não obstante, ter a legislação constitucional vedado penas de morte, caráter perpétuo, trabalhos forçados, de banimentos e cruéis.
Para Julio Fabbrini Mirabete, as “deficiências intrínsecas do encarceramento, como a superpopulação, os atentados sexuais, a falta de ensino e de profissionalização e a carência de funcionários especializados” traduz a impossibilidade de ressocialização do homem (MIRABETE, 2010, p. 238).
Nos termos do art. 5°, XLV, CF: nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido, é a previsão do princípio da pessoalidade ou personalidade ou intranscendência da pena.
Já o princípio da suficiência da pena traduz a hipótese do magistrado estabelecer a espécie de pena e sua quantidade de acordo sua necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime (art. 59, CP).
Por último, não menos importante, o princípio da proporcionalidade da pena o qual para ser compreendido faz-se necessário subdividi-lo, conforme Marcelo André Azevedo: a) sub-princípio da necessidade: “a pena privativa de liberdade deve ser aplicada de forma subsidiária”, ou seja, nos casos em que as demais penas não forem suficientes; b) sub-princípio da adequação: “a pena deve ser adequada (apta) para alcançar os fins (prevenção e retribuição)”; 3) sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito: “os meios utilizados para a consecução dos fins não devem extrapolar os limites do tolerável” (AZEVEDO, 2010, p. 219) Assim sendo, deve haver uma proporcionalidade da pena com a gravidade do delito praticado.
2.4 A pena privativa de liberdade no Brasil
A pena privativa de liberdade é uma das espécies de sanção penal, assim como a medida de segurança. Para Marcelo André Azevedo, há penas corporais as quais “atingem a integridade corporal do criminoso, podendo ser supressivas (pena de morte) ou aflitivas (tortura, lapidação, açoites, mutilações)” (AZEVEDO, 2010, p. 220).
Não obstante, atualmente, conforme previsão do texto constitucional, art. 5°, XLVII, não haverá penas: a) de morte; salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.
Há, ainda, segundo o autor acima mencionado (2010, p. 220), penas restritivas de liberdade que “suprimem a liberdade temporariamente ou de forma perpétua. Penas privativas e restritivas de direitos nas quais há exclusão ou limitação de determinados direitos”. E, por último, penas pecuniárias que são “restrições ou absorções patrimoniais, como a multa e o confisco”.
Segundo a Constituição Federal em seu art. 5°, XLVI: a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.
O Código Penal, art. 32 prevê: “As penas são: I – privativas de liberdade; II – restritivas de direitos; III – de multa”.
A Lei das Contravenções Penais (DL n° 3.688/1941) tem como penas principais: I – prisão simples; II – multa (art. 5°).
O Código Penal em seu art. 33 caput dispõe as duas espécies de penas privativas de liberdade, como sendo a de reclusão e de detenção. Impende frisar que, segundo Marcelo André Azevedo, “não há diferença ontológica entre reclusão e detenção, de sorte que a doutrina critica a postura legislativa de diferenciar as penas privativas de liberdade”[5] (AZEVEDO, 2010, p. 221).
2.4.1 Regimes de cumprimento da pena
O juiz fixará, de acordo o critério trifásico previsto no art. 68 do CP, a pena-base, nos moldes do art. 59 deste mesmo diploma legal, bem como considerará as circunstâncias atenuantes e agravantes (arts. 61 a 67 do CP) e por fim, as causas de diminuição e de aumento, previstas na parte geral e na parte especial do Código Penal e nas legislações especiais.
Neste sentido, vale destacar o art. 59 do Código Penal, por sua indispensabilidade para que possa ser encontrada a pena-base, e, por conseguinte, os demais cálculos relativos às duas fases seguintes:
“Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e as consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I) – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II) – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III) – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV) – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”
Verifica-se, pois, que o juiz deverá ao aplicar a pena ao condenado, determinar o regime inicial a ser cumprido, fechado, semiaberto ou aberto, conforme inciso III do art. 59 do CP.
O art. 33, §1° do Código Penal dispõe três espécies de regimes: a) regime fechado (§1°, alínea a): “a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média”; b) regime semiaberto (§1°, alínea b): “a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar”; c) regime aberto (§1° alínea c): “a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado”.
No entanto, devem-se distinguir os estabelecimentos penais, no que se refere a cada espécie de regime, tendo a Lei de Execução Penal disposto que a penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão em regime fechado (art. 87, LEP[6]). Já a Colônia Agrícola, Industrial ou Similar, destina-se ao cumprimento da pena em regime semiaberto (art. 91, LEP[7]). Quanto à Casa do Albergado, destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana (art. 93, LEP[8]).
Por outro lado, a própria legislação prevê a possibilidade de prisão domiciliar. Esta, segundo Fernando Capez, é “relativa ao cumprimento de pena imposta por decisão transitada em julgado. (…) hipóteses em que o condenado em regime aberto pode recolher-se em sua própria residência, em vez da Casa do Albergado” (CAPEZ, 2007, p. 382). Ademais, a Lei de Execução Penal prevê tal hipótese em seu art. 117 referindo-se ao preso condenado. No entanto, a Lei 12.403/11 deu nova redação aos arts. 317 e 318 e parágrafo único do Código de Processo Penal, dispondo quando será cabível a prisão domiciliar para presos provisórios, senão vejamos:
“Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. (grifo nosso)
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I – maior de 80 (oitenta) anos; (grifo nosso)
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; (grifo nosso)
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV – gestante a partir do 7° (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco;
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”
Sendo assim, verifica-se a flagrante violação dos princípios constitucionais da individualização da pena e da isonomia, bem como do princípio da presunção de inocência, pois a acima mencionada lei possui tratamento prejudicial ao preso provisório, sendo mais severa em relação à Lei de Execução Penal quando do cabimento da prisão domiciliar para presos condenados.
2.4.2 Progressão e regressão de regimes
O §2° do art. 33 do Código Penal prevê que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado. Para Rogério Greco (2008, p. 511), “a progressão é um misto de tempo mínimo de cumprimento de pena (critério objetivo) com o mérito do condenado (critério subjetivo)”. O art. 112 da LEP[9], critério objetivo, dispõe que a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior.
Será concedido o benefício da progressão de regime para crimes comuns após iniciado o cumprimento da pena no regime estabelecido na sentença, desde que tenha cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e o mérito do condenado recomendar tal progressão. E para crimes hediondos não cabia a progressão, ao passo que deveria ser cumprida integralmente em regime fechado, nos termos do art. 2º, §1º da Lei nº 8.072/90, em sua redação original.
Contudo, com o advento da lei 11.464/07, o STJ editou a Súmula 471:
“Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional”.
Desta forma, os crimes hediondos praticados antes da Lei n. 11.464/07 a progressão ocorrerá com o cumprimento de um sexto da pena aplicada, ao passo que se o crime for praticado após a Lei n. 11.464/07, o condenado terá direito à progressão com dois quintos, se primário, ou três quintos se for reincidente.
Neste mesmo sentido, deve-se observar para efeitos de progressão de regime a Súmula Vinculante 26 do STF e a Súmula 439 do STJ:
“Súmula Vinculante 26 do STF – “para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2° da Lei 8.072/90, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.
Súmula 439 do STJ – “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”.
O critério subjetivo é a última parte do citado artigo, ou seja, bom comportamento carcerário comprovado pelo diretor do estabelecimento.
A lei não exige o exame criminológico, contudo pode o magistrado, querendo, determinar a sua realização, desde que devidamente fundamentados os motivos, é o entendimento do STJ em sua Súmula 439.
No que tange a regressão, esta tem sua previsão legal no art. 118 da Lei de Execução Penal, a execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I – praticar fato definido como crime doloso ou falta grave, e, II – sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (art. 111). Além disso, o condenado será transferido do regime aberto se frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.
3. Condições desumanas nos estabelecimentos penais: transferência do preso para regime menos gravoso, aplicação de medidas cautelares ou colocação em prisão domiciliar
As condições desumanas em que se encontram os encarcerados traduzem a realidade de um sistema prisional caótico, humilhante, odioso, desonrante, inadequado, ilegítimo, ilegal e, quiçá, imoral. Sim, imoral, pois, quando num Estado Democrático de Direito se vislumbra prisão em contêiner, como no julgado HC n° 142.513 – ES fere de morte a dignidade da pessoa humana e por que não, a moral. E esta entendida como alma, espírito gera dano irreparável (MORA, 1978, p. 284).
Pois, segundo Ronald Dworkin citado por Ingo Wolfgang Sarlet:
“A dignidade possui tanto uma voz ativa quanto uma voz passiva e que ambas encontram-se conectadas, de tal sorte que é no valor intrínseco (na santidade e inviolabilidade) da vida humana (de todo e qualquer ser humano) que encontramos a explicação para o fato de que mesmo aquele que perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la (sua dignidade) considerada e respeitada”. (DWORKIN apud SARLET, 2011, p. 571)
De acordo com as palavras de Ronald Dworkin, percebe-se que independentemente de ter o agente infrator uma conduta reprovável, não se pode admitir que este seja tratado de forma desumana ou ainda como “coisa” quando aprisionado em um contêiner por exemplo. Além do mais, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é uma forma de limitar o poder público e, ainda, é dever deste assegurá-la.
Consoante o doutrinador Eugenio Raul Zaffaroni, “o inimigo do direito penal” trata-se de um poder “mascarado” que ao coisificar o agente infrator o transforma em um “inimigo perigoso”, separando-o ou eliminando-o, desconsiderando-o como pessoa, como ser humano o que nos parece ser uma desproporcionalidade, senão vejamos (ZAFFARONI, 2007, p. 18 e 19):
“En rigor, casi todo el derecho pena del siglo XX, en la medida en que teorizó admitiendo que algunos seres humanos son peligrosos y sólo por eso deben ser segregados o eliminados, los cosificó sin decirlo, y con ello los dejó de considerar personas, lo que oculto con racionalizaciones, (…).”
“Es inevitable que, en cuanto el estado procede de esa manera, porque detrás de la máscara cree encontrar a su enemigo, le arrebata la máscara y con ello, automáticamente lo elimina de su teatro (o de su carnaval, según los casos).”
Para Maria Lúcia Karam, a pena privativa de liberdade se revela como: danosa, enganosa, violenta, dolorosa e inútil sofrimento e em suas palavras nos ensina (KARAM, 2009, p. 15 – 16):
“Para romper com essa monstruosa opção, para afastar a hipocrisia e a insensibilidade, é preciso, em primeiro lugar, tentar compreender o significado da privação da liberdade. É preciso conduzir nosso olhar, nossa imaginação, nossos sentimentos, para dentro dos muros das prisões, esforçando-nos por imaginar a infinita dor das pessoas que sofrem a pena, esforçando-nos para deixar de lado a indiferença, os preconceitos, as abstratas ideias que privilegiam a “ordem”, a “segurança”, a “defesa da sociedade”, ideias que, esquecendo-se da igualdade originária entre todos os indivíduos, dividem-nos entre “cidadãos de bem” e “criminosos”, nefastas ideias que fazem acreditar na ilusão cruel de que, para se ter tranquilidade e segurança, seria necessário colocar mais e mais pessoas atrás de grades e muros.” (grifos nosso)
Outrossim, percebe-se que as prisões se revelam demasiadamente desnecessárias e ineficazes para a ressocialização do apenado. Não se pode vislumbrar outra concepção das prisões desumanas e repugnantes em que se encontram vários presos de nosso sistema prisional, senão uma desonrosa violação do princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
O saudoso Ministro Evandro Lins e Silva citado por Maria Lúcia Karam, apontou a insensibilidade do poder punitivo concretizado na pena privativa de liberdade, senão vejamos (LINS E SILVA apud KARAM, 2009, p. 14):
“Prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonharam os nossos antepassados? Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que quando entrou. E o estigma da prisão? Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os.”
Para Maria Lúcia Karam citando Louk Hulsman:
“Gostaríamos que quem causou um dano ou um prejuízo sentisse remorsos, pesar, compaixão por aquele a quem fez mal. Mas, como esperar que tais sentimentos possam nascer no coração de um homem esmagado por um castigo desmedido, que não compreende, que não aceita e não pode assimilar? Como este homem incompreendido, desprezado, massacrado, poderá refletir sobre as consequências de seu ato na vida da pessoa que atingiu? […] Para o encarcerado, o sofrimento da prisão é o preço a ser pago por um ato que uma justiça fria colocou numa balança desumana. E, quando sair da prisão, terá pago um preço tão alto que, mais do que se sentir quites, muitas vezes acabará por abrigar novos sentimentos de ódio e agressividade. […] O sistema penal endurece o condenado, jogando-o contra a ‘ordem social’ na qual pretende reintroduzi-lo” (HULSMAN apud KARAM, 2009, p. 23 – 24).
Assim, a concessão de benefícios a presos, condenados ou provisórios, em condições desumanas, transferindo-os para regime menos gravoso ou prisão domiciliar, no caso dos presos condenados, e prisão domiciliar ou aplicação de medidas cautelares, no caso dos presos provisórios, mesmo aqueles de elevada periculosidade, à luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana traduz a condição fundamental deste princípio, transcendendo de tal forma a “condição de único ser do mundo capaz de amar” (COMPARATO, 2011, p. 03).
Conforme Maria Lúcia Karam, “Esforçar-nos para imaginar a infinita dor das pessoas que sofrem a pena de prisão”, é atividade impossível de se realizar, pois se trata de algo de difícil alcance para as pessoas que se encontram longe das verdades que estão dentro do cárcere desumano, danoso, violento, doloroso e inútil (KARAM, 2009, p. 15 -16).
3.1 Intervenção penal mínima do Estado e a humanização da pena
Em que pese a garantia processual individual se inserir no contexto do garantismo, não quer dizer que o seu conceito possa ser sintetizado a um conjunto de garantias em favor do réu no processo penal. Consubstanciado a este garantismo, há as limitações do Direito Penal e do Processo Penal que, por outro lado, não significa dizer que a intervenção penal não esteja sendo considerada no ambiente garantista.
Desta feita, a Constituição Federal, essencialmente garantista, determina a proteção penal dos direitos fundamentais, não havendo, portanto, nenhuma incompatibilidade entre intervenção penal e garantismo, quando houver justificação da condenação criminal em observância do devido processo penal constitucional e do dever de fundamentação das decisões judiciais.
Assim sendo, o princípio da intervenção penal mínima, ou ultima ratio, é, segundo Rogério Greco, “o responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito Penal”, (…) bem como “a fazer com que ocorra a chamada descriminalização” (GRECO, 2008, p. 49).
Deve-se, portanto, observar que ao encarcerar pessoas em condições desumanas viola, também, o princípio constitucional da mínima intervenção penal, pois se deve atentar quanto à adequada sanção para sua reintegração social, deve-se, de igual modo, ser observado quando os presos, condenados ou provisórios, estiverem em prisões com condições tão odiosas que se revelam, por sua vez, uma sanção cruel e desumana no que tange à necessária proteção dos bens juridicamente tutelados, tendo em vista que estes não são devidamente respeitados quando aqueles se encontram em prisões com condições mínimas ou nenhuma de higiene, alimentação e sanitária.
Neste caso, caberá ao Poder Judiciário, órgão aplicador das normas jurídicas ao caso concreto, com a devida ponderação, elaboradas pelo Poder Legislativo, bem como aos demais órgãos do Estado garantir a não violação das normas e princípios constitucionais, pois o Poder Judiciário é a garantia da lei, e se assim não o for ninguém mais o será no Estado Democrático de Direito.
Vale registrar algumas experiências sobre o cumprimento da pena privativa de liberdade que se revelam relativamente satisfatórias como é o caso do projeto Novos Rumos na Execução Penal[10] desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, utilizando o método da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC).
A APAC, Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, é uma alternativa para humanizar o sistema prisional, tendo sido incentivada sua criação e expansão pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, objetivando a recuperação do condenado e sua reinserção ao convívio social sem perder a finalidade punitiva da pena.
Segundo o Desembargador Joaquim Alves de Andrade, Coordenador do Projeto Novos Rumos na Execução Penal, “recuperado o infrator, protegida está a sociedade, prevenindo-se o surgimento de novas vítimas”[11].
Vale mencionar que o método APAC é implantado no regime fechado, no regime semiaberto e no regime aberto, bem como acompanhamento para aqueles que se encontram em livramento condicional, caso necessite.
Assim sendo, a humanização da pena é algo que deve ser buscado para que a pena tenha a função precípua de ressocialização. E projetos como este, demonstram ser possível a humanização na execução penal no qual atinge 90% de recuperação do condenado[12].
3.2 Princípio constitucional do Estado democrático de direito
A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, conforme caput do artigo 1°, bem como prevê em seu artigo 3° e incisos os objetivos fundamentais entre os quais: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O Estado Democrático de Direito significa, segundo o doutrinador Alexandre de Moraes, que o Estado está subordinado às normas democráticas, como eleições livres, periódicas e pelo povo, e, ainda, o respeito do Poder Público aos direitos e garantias fundamentais (MORAES, 2008, p. 06). É, pois, a previsão no caput do artigo 1° da Constituição da República Federativa do Brasil que adotou o princípio democrático em afirmar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Deste princípio, Estado Democrático de Direito, surgem vários outros princípios, como o da dignidade humana que por sua vez deriva vários princípios penais, como: legalidade, intervenção mínima, humanidade e outros (CF, art. 1°, III).
Neste diapasão, consoante Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (MELLO, 1994, p. 451).” (grifo nosso)
A não observância nos princípios constitucionais gera grave violação, devendo ser a justiça aplicada de forma plena e não apenas formal.
Para Luigi Ferrajoli, a legitimidade do Estado se funda:
“unicamente en las funciones de tutela de la vida y los restantes derechos fundamentales; de suerte que, conforme a ello, um estado que mata, que tortura, que humilla e um ciundadano no sólo perde cualquier legitimidade, sino que contradice su razón de ser, poniéndose al nível de los mismos delincuentes” (FERRAJOLI, 2001, p. 395).
Quando o Estado permite que seres humanos sejam encarcerados ou que permaneçam em prisões com condições desumanas, perde sua legitimidade de punir, negando no momento da execução penal os direitos do preso (condições prisionais), “algo intolerável, beirando a hipocrisia”[13].
Acrescenta o Des. Amilton Bueno de Carvalho[14]:
“Todos, absolutamente todos, sabemos que o Estado é violador dos direitos da população carcerária. Todos, absolutamente todos, sabemos das condições prisionais. E mesmo assim confirmamos o sofrimento gótico que alcança os apenados. […].
É momento (tardio, talvez) de dar um basta. Ou seja, de se cumprir integralmente a legalidade (não apenas naquilo que prejudica o cidadão). Não se trata de se pregar anomia, mas sim de cumprir com a lei.”
Por fim, ao transferir o preso, condenado ou provisório, de prisão com condições desumanas para regime menos rigoroso ou prisão domiciliar, no caso de presos condenados, ou, colocação em prisão domiciliar ou aplicação de medidas cautelares, no caso de presos provisórios, materializa a aplicabilidade do princípio do Estado Democrático de Direito, pois não se pode sonegar direitos aos cidadãos, seja ele quem for.
3.3 Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana está relacionada à qualidade inerente e distintiva de cada ser que merece respeito e consideração do Estado, comprometendo-se um conjunto de direitos e deveres fundamentais que assevera à pessoa contra todo e qualquer ato de caráter degradante e desumano, garantindo as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de permitir e promover a sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em partilha com os demais seres humanos.
Para Ricardo Maurício Freire Soares, “o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser compreendido em sua dimensão histórico-cultural”. A cultura entendida como algo construído pelo o homem por força de um sistema de valores com o fim de atentar para seus interesses e finalidades o qual pertence à cultura humana, ou seja, verificando-se, assim, que o princípio da dignidade da pessoa humana é constituído de “um sentido de conteúdo valorativo” (SOARES, 2010, p. 129).
Assim sendo, Miguel Reale citado por Ricardo Maurício Freire Soares ao desenvolver a sua teoria tridimensional do Direito, concebe a ideia do “valor da dignidade como fundamento concreto do direito justo” (REALE apud SOARES, 2010, p. 129) .
Para Reale, “o fundamento último que o Direito tem em comum com a Moral e com todas as ciências normativas deve ser procurado na dignidade intrínseca da própria vida humana” (REALE, 1972, p. 275). Sendo, portanto, o homem um ser racional com o fim natural de viver em sociedade e realizar seus objetivos.
Por conseguinte, vale destacar que o homem representa um valor o qual é entendido segundo Reale:
“[…] a pessoa humana constitui o valor-fonte de todos os valores. A partir desse valor-fonte, torna-se possível alcançar o fundamento peculiar do Direito, remetendo ao valor-fim próprio do Direito que é a justiça, entendida não como virtude, mas em sentido objetivo como justo, como uma ordem que a virtude justiça visa a realizar” (REALE, 1972, p. 275).
Neste sentido, o Direito se expande tendo em vista que os homens são desiguais e almejam a igualdade, buscando a felicidade, ou seja, próprio da dignidade da pessoa humana como ser racional e social. Sendo assim, “a ideia de Justiça liga-se, de maneira imediata e necessária, à ideia de pessoa humana, pelo que o Direito, da mesma forma que a Moral, figura como uma ordem social de relações entre pessoas” (SOARES, 2010, p. 130 e 131).
Aduz, ainda o autor, que a definição de justiça não é o mais importante – “dependente sempre da cosmovisão dominante em cada época histórica –, mas sim o seu processo experiencial através do tempo, visando a realizar cada vez mais o valor dignidade da pessoa humana, valor-fonte de todos os demais valores jurídicos”. Deve, portanto, a justiça ser entendida como valor-meio, servindo aos demais valores em virtude da dignidade da pessoa humana que é o valor-fim do ordenamento jurídico.
O conceito do que venha ser dignidade da pessoa humana ainda está em construção, entrementes, entende a doutrina nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
“A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva de cada ser que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado, comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (SARLET, 2002, p. 60).
Para Gilmar Ferreira Mendes citando Peter Häberle, a cláusula da dignidade da pessoa humana prevista no art. 1°, 1, da Lei Fundamental da Alemanha, não se trata de uma peculiaridade desta Constituição, mas sim um “tema típico” e atual em muitos Estados Constitucionais e fazem parte da “Família das Nações” (HÄBERLE apud MENDES, 2008, p. 152).
Afirma, ainda, Peter Häberle citado por Gilmar Ferreira Mendes que no direito internacional encontra-se em vários documentos referência à dignidade humana, como na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e no Estatuto da Unesco, valor este que traduz manifestação de desagravo às violações ocorridas na Segunda Guerra Mundial (HÄBERLE apud MENDES, 2008, p. 152 e 153).
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet citando Carlos Ayres Brito:
“o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana decola do pressuposto de que todo ser humano é um microcosmo. Um Universo em si mesmo. Um ser absolutamente único, na medida em que, se é parte de um todo, é também um todo à parte; isto é, se toda pessoa natural é parte de algo (o corpo social), é ao mesmo tempo um algo à parte” (BRITO apud SARLET, 2011, p. 569). (grifos do autor)
Assim sendo, a ideia de dignidade humana a qual deve ser entendida como algo que transcende a dignidade da pessoa em relação à sua individualidade. Ademais, a dignidade da pessoa humana deve ser compreendida como a dignidade que lhe é atribuída, “cada ser humano é único e como tal titular de direitos próprios e indisponíveis”, (SARLET, 2011, p. 569).
Por outro lado, assevera o autor acima citado que ao se falar em dignidade, logo se fala em direitos e deveres humanos e fundamentais num contexto intersubjetivo o qual implica numa obrigação de respeito pela pessoa.
Ademais, observa-se que o Supremo Tribunal Federal tem especialmente recorrido ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana como fundamento essencial para solucionar discussões que lhe são direcionadas, demonstrando sua consagração no direito brasileiro, pois na dúvida deverá o intérprete, seja em relação aos interesses, direitos e valores, preferir in dubio pro dignitate.
4. Análise jurisprudencial favorável à concessão de benefícios a presos, condenados ou provisórios, transferindo-os para regime menos gravoso, aplicação de medidas cautelares ou colocação em prisão domiciliar
A Jurisprudência pátria tem entendido que o Estado não pode se omitir de sua responsabilidade no que se refere ao cumprimento da Lei de Execução Penal e à obediência aos princípios do Estado Democrático de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
Desta feita, faz-se necessário trazer à baila decisões favoráveis à concessão de benefícios a presos, condenados ou provisórios, independentemente do delito que cometera, em condições desumanas (sem condições mínimas de higiene, superlotação, por exemplo), ou seja, transferindo-os para regime menos gravoso ou prisão domiciliar, quando se tratar de presos condenados, e prisão domiciliar ou aplicação de medidas cautelares quando se tratar de presos provisórios.
E é neste sentido que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, através do julgado n° 70044760734, Rel. Des. Ícaro Carvalho do Bem Osório[15], decide quando se depara com situações repugnantes no que se refere às condições desumanas em que se encontram os presos, condenados ou provisórios, em nosso sistema prisional, senão vejamos:
“(…) o artigo 117 da Lei de Execuções Penal não é taxativo quanto às situações capazes de autorizar a prisão domiciliar como forma de cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto e até semiaberto, mesmo que a Lei de Execução Penal não preveja como hipótese para a prisão domiciliar a inexistência, ou interdição de Casa de Albergado no foro da execução, (…).”
Não se pode entender de outra forma senão aplicar efetivamente o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e do Estado Democrático de Direito.
Completa ainda o citado Julgador[16]:
“[…] as precariedades dos estabelecimentos geram condições subumanas para os detentos, devido à superlotação e inercia daqueles órgãos que deveriam sanar tal problema. […] Além disso, não se trata de violar a coisa julgada, desrespeitar o disposto em lei federal ou de promover a insegurança, de vez que o fato gerador é a inobservância, pelo Poder Executivo, de direitos fundamentais dos segregados que estão aos seus cuidados – sobretudo a dignidade da pessoa humana –, o que faz ser imperativo ao Poder Judiciário, forte no sistema de freios e contrapesos – que a Constituição adota, porque democrático e de direito o Estado – atuar de modo a corrigir-lhes as faltas, com vistas ao equilíbrio e ao alcance dos fins sociais a que referido sistema almeja, adotando as medidas necessárias à restauração dos direitos violados.”
Ademais, deverá o condenado ser recolhido somente em estabelecimento prisional adequado e que atenda rigorosamente aos requisitos impostos pela lei (Lei de Execução Penal), pois não pode ser o reeducando punido cruelmente pela falta de interesse do Estado em solucionar o caos carcerário.
Neste mesmo sentir, o Juiz de Direito da Vara Crime, Júri, Execuções Penais, Infância e Juventude da Comarca de Eunápolis, Bahia, Otaviano Andrade de Souza Sobrinho, em Procedimento Administrativo n° 0001947-85.2010.805.0079, decretou a interdição total da carceragem da Cadeia Pública daquela Comarca, com base nos arts. 66, inciso VIII e 88 c/c com o art. 104 da Lei 7.210/84, pois não cumpria as exigências mínimas da Lei de Execução Penal, interditando no sentido de não mais permitir o recolhimento de presos naquela carceragem até que sejam realizadas as adaptações necessárias para a devida adequação aos requisitos estabelecidos naquela Lei, sob pena de multa diária, por cada detento que for recolhido em desobediência a referida interdição[17].
Desta feita, a determinação supra citada é a materialização da atuação do Poder Judiciário, efetivando o núcleo axiológico da Carta Política, ou seja, princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Cabe mencionar, também, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, julgado HC 21.973-RN, Ministro Felix Fischer[18]:
“Se o caótico sistema prisional não possui meios para manter o detento em estabelecimento apropriado, é de se autorizar, excepcionalmente, que a pena seja cumprida em regime mais benéfico, in casu, o domiciliar. O que é inadmissível, é impor aos apenados, […], o cumprimento da pena em estabelecimento incompatível, por falta de vagas em estabelecimento adequado.” (grifos do autor)
Para o Ministro acima citado, trata-se de constrangimento ilegal permitir que apenado cumpra pena em estabelecimento prisional inadequado.
É ilegal e ilegítimo o cumprimento da pena de prisão em condições desumanas, pois é assim entendido pelo o Ministro Nilson Naves no julgado HC n° 142.513-ES[19], o qual foi impetrado contra prisão preventiva que era cumprida em um contêiner, tendo sido concedido benefício de prisão domiciliar, afirmando: “É despreziva e chocante! Não é que a prisão ou as prisões desse tipo sejam ilegais, são manifestamente ilegais. Ilegais e ilegítimas.”
Da mesma forma, o Ministro Og Fernandes ao se referir à prisão preventiva acima mencionada no Estado do Espírito Santo[20]: “Essa é a decisão mais constrangida que dou na minha história, porque é absurdo que isso possa existir como solução ao problema penitenciário”.
Impende frisar que para o Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto[21]:
“O fato de o paciente estar condenado por delito tipificado como hediondo não enseja, por si só, uma proibição objetiva incondicional à concessão de prisão domiciliar, pois a dignidade da pessoa humana, (…), sempre será preponderante, dada a condição de princípio fundamental da República (art. 1°, inciso III, da CF/88)”. (grifo nosso)
De igual modo, o Supremo Tribunal Federal, em Repercussão Geral[22] no Recurso Extraordinário 641.320 Rio Grande do Sul, tendo como Ministro Relator Gilmar Mendes, reconheceu a possibilidade do cumprimento de pena em regime menos gravoso, em face da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal.
No Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, contra o qual o Órgão Ministerial interpôs o acima mencionado Recurso Extraordinário, foi determinado ao condenado o cumprimento da pena privativa de liberdade em prisão domiciliar enquanto não houver vaga em estabelecimento prisional que atenda aos requisitos da Lei de Execuções Penais, demonstrando-se grande “relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa”[23].
Assim sendo, pode-se observar que há vasta jurisprudência no sentido de conceder transferência ao preso, condenado ou provisório, de prisões com condições desumanas, não observância dos requisitos dispostos na LEP[24], para regime menos gravoso ou prisão domiciliar, no caso dos primeiros, e prisão domiciliar ou aplicação de medidas cautelares no caso dos segundos à luz dos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, da Dignidade da Pessoa Humana, da Legalidade e da Humanização da Pena.
5. Considerações finais
A pena de prisão é considerada por vários doutrinadores como a mais dura e violenta de todas as intervenções do Estado, quando este não aplica a pena de morte, sobre o indivíduo.
De outra banda, a pena é uma ferramenta essencial e característica da legislação penal, concretizando o direito de punir do Estado.
Todavia, não poderá o Estado sob o manto do ius puniendi encarcerar o agente infrator a qualquer custo, pois cabe também a esse cumprir determinações legais imprescindíveis e indispensáveis para limitar seu poder punitivo.
A República Federativa do Brasil constitui-se como Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CRFB). Sendo assim, é imperiosa a necessidade de respeitar a sua Constituição Federal para que não haja violações.
O Estado ao aprisionar aquele que cometera conduta tipificada no Código Penal deverá, efetivamente, cumprir as disposições contidas na Carta Política e nas legislações infraconstitucionais, tratados e convenções internacionais, sob pena de violá-los.
As condições subumanas em que se encontram as penitenciárias brasileiras são consideradas um ultraje ao Estado Democrático de Direito, pois é a omissão do Poder Executivo que provoca a situação caótica e desumana que estas se encontram.
O fato de ter o apenado cometido conduta reprovável pela sociedade e pelo o Estado não o transforma em monstro e não poderá ser submetido a tratamento tão desonroso, odioso e desumano.
Fato é que prisões com condições tão repugnantes demonstram a desídia do Estado em solucionar o problema carcerário, bem como tem se mostrado pela jurisprudência pátria ser um constrangimento ilegal[25].
Ademais, a concessão de benefícios a presos, condenados ou provisórios, em condições desumanas, transferindo-os para regime menos gravoso ou prisão domiciliar, quando se referir a presos condenados, e prisão domiciliar ou aplicação de medidas cautelares, quando se referir a presos provisórios, tem se mostrado a possibilidade de materializar o principio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana com o fim último de ressocializar o condenado.
No estudo em epígrafe, buscando compreender as possibilidades de concessão de benefícios a presos, condenados ou provisórios, a legislação não vislumbra hipóteses de transferência para regime menos gravoso ou prisão domiciliar, ou, ainda, aplicação de medidas cautelares quando se tratar de condições precárias de encarceramento.
Entrementes, não pode o Magistrado, no caso concreto, agir de forma legalista, pois, por outro lado, estará sendo omisso quanto à aplicabilidade de princípios constitucionais norteadores do Estado Democrático de Direito.
Vale ressaltar como bem diz Maria Berenice Dias (2007, p. 37): “que a ausência de lei não quer dizer ausência de direito”.
Cabe, também, ao Estado-Juiz zelar pela a aplicação da Carta Maior e das legislações infraconstitucionais, bem como a observância das condições mínimas da carceragem, conforme requisitos dispostos na Lei de Execução Penal.
Ademais, considera-se a citada concessão de prisão domiciliar um certo risco, porque esta não é fiscalizada. Porém, deve ser observado que não caberá ao infrator pagar um preço tão caro pela negligência do Estado.
Vale mencionar o que diz Maria Lucia Karam para compreender a privação de liberdade: “É preciso conduzir nosso olhar, nossa imaginação, nossos sentimentos, para dentro dos muros das prisões” (KARAM, 2009, p. 15 – 16). Assim sendo, ao tentar imaginarmos o que é uma pena de prisão, veremos, se possível for, que se trata de uma monstruosa pena que em nada transforma o ser humano que ali se encontra.
Por estas razões, é legal e legítima a concessão de benefícios a presos, condenados ou provisórios, em condições desumanas, transferindo-os para regime menos gravoso ou prisão domiciliar, no caso dos primeiros, e colocação em prisão domiciliar ou aplicação de medidas cautelares, no caso dos segundos, à luz dos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e do Estado Democrático de Direito, pois numa nação justa e solidária não se pode compreender e aceitar que haja prisões com condições tão repugnantes, que haja uma verdadeira autofagia.
Informações Sobre o Autor
Marisa Marques Santos Ferreira Fonseca
Graduada em Direito pela UNESULBAHIA – Faculdades Integradas do Extremo Sul da Bahia – Eunápolis-BA. Servidora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia