Condições precárias em cadeias do ES


Mais uma vez, lamentavelmente, como noticiado recentemente em toda a imprensa nacional e local, o Estado do Espírito Santo é apontado como teimoso descumpridor dos direitos e garantias fundamentais afetos ao sistema prisional, no que diz respeito, principalmente, à dignidade da pessoa humana do preso e proibição de sua submissão a penas cruéis.


A aflitiva e conhecida situação do sistema prisional capixaba, agora posta em debate a nível nacional pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, mas revelada pela devotada mídia local por diversas vezes, não é acontecimento nunca visto aqui, apenas atinge seu catastrófico ápice. É constatação que atinge, novamente, seu ponto de insuportabilidade, de desespero mesmo. Desespero não só do preso, mas, também, de sua família que aguarda o esperado fim da pena imposta pelo Poder Judiciário, e, ainda, da sociedade, que deseja a melhor ressocialização possível para aquele que transgrediu o preceito da lei penal em determinado momento.


Este ponto da ressocialização do preso é inseparável da questão prisional. Ora, a pena não representa desterro, banimento. Mas, sim, a promessa do Estado, feita ao povo contribuinte dos tributos, de que num futuro devolverá o encarcerado para a sociedade apto à harmônica convivência social.


O encarceramento do preso, definitivamente, não representa sua eliminação.. Após o cumprimento de sua pena imposta o mesmo não será enviado para um continente perdido ou ilha inabitada. Retornará para sua casa, junto de sua família, em livre trânsito pela sua comunidade, voltará a freqüentar os mesmos lugares com seus amigos e conhecidos, constituirá nova família, e deverá lançar-se no mercado de trabalho. Esta é a idéia da lei de execução penal.


Assim, a apontada deficiência, grave, do sistema prisional é tema que deve suscitar profundas reflexões no administrador público e em toda a sociedade, a respeito do que fazer, ou o que corrigir, para que o cumprimento da pena se torne, efetivamente, em toda a sua extensão e integralidade, um momento para reeducação e reflexão do preso, para que não volte mais a delinqüir.


As condições subumanas das celas, a superlotação carcerária e a ausência efetiva e concreta de implementação de uma política de assistência educacional e social ao preso, devem desanimar toda e qualquer perspectiva de prevenção e repressão ao crime.


É que as cadeias estatais, desse modo, quando ausente o Poder Público em sua missão ressocializadora, tornam-se verdadeiros Estados soberanos. Onde são estabelecidas regras compulsórias de comportamento pelos próprios presos mais fortes ou grupos, que devem ser seguidas à risca por todos os mais fracos, sob pena de imposição de uma sanção preestabelecida, muitas vezes marcada pela crueldade.


Essas normas internas, ditadas pelos próprios presos mais influentes da cadeia, acabam por se constituir em autêntico e eficaz diploma costumeiro privado, paralelo à lei de execução penal e a todo o sistema legislativo brasileiro. As leis oficiais do país, na maioria das vezes, são intrusas nas celas, ou mesmo desconhecidas. Acabam por regular apenas a vida do preso nos autos do processo de execução, no papel, nos escaninhos dos fóruns, sem, em nenhum momento, ganhar vida própria, representando apenas e tão-somente a regra delimitadora do tempo de cumprimento da pena, do “tempo de tranca”.


Instituição primeira, importante e eficaz para reviravolta dessa situação de perplexidade e caos do sistema prisional, é a família do apenado. Esta é quem melhor, com mais exatidão e sinceridade, e, principalmente, com mais assiduidade, conhece os problemas e lamentos de seu ente querido no cárcere.


E a família do preso tem, sim, voz ativa e curativa junto ao Poder Judiciário. É na Defensoria Pública que esta encontrará porto seguro para a narração e recepção dos sofrimentos e dores do condenado, que agoniza.


A tradução do desespero e desabafo do preso, trazida pela sua família, para o vernáculo, para o “juridiquês”, para submissão da sua questão ao Poder Judiciário, para que sejam tomadas providências urgentes, é missão máxima e sublime da Defensoria Pública, voz dos pobres e hipossuficientes.


Mas, se acaso, como costumeiramente sói acontecer, a crise penitenciária vir acompanhada de deficiências institucionais na Defensoria Pública, como, p. ex., baixo quantitativo de defensores públicos, estrutura precária de trabalho e, inclusive, remuneração aviltante – anos-luz distante das demais carreiras jurídicas – que acaba sempre por promover a evasão de defensores, o caos definitivamente estará instalado.


Não se pode atribuir, desse modo, num primeiro momento, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público qualquer responsabilidade pelo silêncio e infortúnio das cadeias públicas, pela ausência de pedido e atendimento urgentes de providências solicitadas pelo apenado. Ora, o Poder Judiciário é órgão juridicamente “inerte”, que deve necessariamente ser provocado pelo jurisdicionado encarcerado. Quanto ao Ministério Público, este incansável e combativo personagem acusador, não cuida, constitucionalmente, de questões do indivíduo alheias ao direito positivado, das mazelas e infelicidades dos necessitados individualmente considerados. A preocupação maior do Ministério Público, por excelência, quase que se exaure na final condenação do réu, daí em diante a Constituição veda-lhe a defesa individualizada, o patrocínio judicial, da causa do preso necess itado. E, em tema de execução penal, a prática já demonstrou que a tutela coletiva dos encarcerados mostra-se fábula fantasiosa, verdadeira utopia, eis que sua liquidação é impraticável e imperceptível, devendo ceder à tutela individual (atomizada) levada a efeito pela Defensoria Pública, que, agora, também, encontra-se legitimidada para aqueles pleitos de massa (molecularizados).


Enfim, o duro questionamento que deve ser feito ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, para solução dos entraves e aflições do sistema prisional, é o que têm feito essas instituições para que a voz e apelos dos presos e de suas famílias cheguem efetivamente aos pouquíssimos defensores públicos existentes, e, outrossim, quando, finalmente, serão alforriadas as Defensorias Públicas Estaduais das Secretarias de Estado de Justiça, como diversas vezes já determinou o Supremo Tribunal Federal ao entoar a determinação de independência das Defensorias Públicas nos Estados.



Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público do Estado do Espírito Santo


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