Confidências de criminalistas (II)

Ao agradecer ao colega do Rio de Janeiro pela confidência e parabenizá-lo pela perí cia, chamou-me a atenção a sua reflexão final: “…Pelo nosso sistema o que importa é o que vai para o processo. Tenho que a verdade não é problema da defesa. A verdade é um problema da filosofia…”“. Os que militam na advocacia criminal sabem que, quando um delegado de polícia coloca na cabeça que alguém é autor de um crime e contagia o Ministério Público com suas premissas acusatórias, a defesa tem muito trabalho para impedir que um inocente seja processado e condenado. Se o caso ganhar alguma repercussão, quaisquer hipóteses de inocência levantadas pela defesa são publicamente ridicularizadas. Assim, ouso acrescentar que a verdade não tem sido “problema” nem da acusação nem de setores da mídia ou mesmo da sociedade, influenciada por ela, que, diante de um fato criminoso, brada: “Cadeia já!”. Se o “personagem” preso é realmente culpado, ao invés de ser um problema essencialmente da Justiça, acaba virando um problema dele e de seu advogado… Raridade, neste vale de lágrima s, um juiz ou tribunal proclamar que as “provas não são suficientes para uma condenação”, ainda que a defesa escreva incontáveis laudas demonstrando tecnicamente a fragilidade ou imprestabilidade delas.

No pouco apreço das autoridades pelos princípios normativos constitucionais e processuais penais, a polícia judiciária, diante da dúvida, indicia pessoas e o Ministério Público as denuncia. O juiz, na dúvida se recebe ou não a denúncia, acaba por recebê-la. Na sentença, muitos comodamente repetem o mesmo raciocínio e condenam, ainda que persista a dúvida, com rebuscados argumentos no sentido de “enriquecer provas tecnicamente imprestáveis. E os tribunais, não raro, acabam por referendar tais condenações. A preocupação se volta mais a que as coisas “pareçam certas” em detrimento do “serem certas” (paródia inversa: “à mulher de César não basta ser séria. Tem que parecê-lo”). Enfim, amigo do RJ, já que estamos falando em”‘busca da verdade”, inegável que a prova classicamente insuficiente sequer para indiciar alguém em um inquérito policial transformou-se em “prova boa” para uma condenação ou para mandar alguém a julgamento pelo júri…

Aqueles que exercem autoridade despoticamente, em primeiro lugar, têm certeza da impunidade, pois não temos em nosso sistema nenhuma tutela no manejo das normas processuais. Em segundo, e isto interessa para a psiquiatria, talvez pensem que em seus gabinetes e salas de audiências, com suas canetas e parcela de poder, estão lutando contra monstros e, assim, nem sentem que, em muitos casos se transformam no que eles próprios pensam que combatem.

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Aos injustiçados da República que ainda tenham estômago para tentar uma indenização, muitos anos após, se conseguirem a façanha de ganhar a questão, receberão míseras quantias e ainda em precatórios “esbulhatórios”. Este é o Brasil de 2008! Muitos escreveram e vamos continuar com nossas confidências…

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Elias Mattar Assad

 

Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas

 


 

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