Conflitos Sócio Ambientais na Área de Preservação Permanente da Lagos Formosa em Planaltina de Goiás-GO

Resumo: Este trabalho aborda conflitos socioambientais existentes na área de preservação permanente da Lagoa Formosa, situada na Área de Proteção Ambiental da Lagoa Formosa, na zonarural do município de Planaltina – GO, a 65 km de Brasília e 7 km da sede municipal. As águas da Lagoa servem ao abastecimento da população urbana e, por falta de um plano de ordenamento territorial do município, têm sua integridade ameaçada pela pressão crescente da ocupação antrópica em suas margens. Em desrespeito à legislação, fazendas, chácaras, complexos turísticos e loteamentos contaminam as águas da Lagoa, não somente com agrotóxicos oriundos da atividade agrícola intensiva, em que predomina a monocultura mecanizada da soja e do feijão, como também pela infiltração e transbordamento do esgoto armazenado em fossas residenciais construídas inadequadamente. Os conflitos sócio-ambientais na área de preservação permanente foram identificados a partir da interpretação de imagem LandSat, complementada por visitas de campo. Suas causas foram buscadas na história – passada e recente – da ocupação do entorno da Lagoa, com base em pesquisa  documental e entrevistas semi-estruturadas com personalidades da região. Para caracterizar os conflitos e seus atores, bem como coletar sugestões para a sua solução, foram aplicados questionários em uma amostra significativa de moradores do entorno da Lagoa. Como resultado, detectou-se que  a origem dos conflitos pode ser atribuída a falta de conhecimento da legislação ambiental, por 96% dos entrevistados, e dos limites da área de preservação permanente da Lagoa, por 90% deles; falta de fiscalização da área protegida por parte dos órgãos responsáveis pelo cumprimento da legislação ambiental; e a falta de oportunidade de participação da população nas decisões tomadas pelo poder público, no que se refere à conservação dos recursos naturais da região.

Palavras-chave: proteção ambiental, Goiás (estado); meio ambiente; conflito social.

1  Introdução

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Em todo o país, verifica-se uma série de dificuldades na aplicação da legislação que protege as áreas de preservação permanente às margens de corpos d’água e nascentes, seja por fatores políticos, seja por fatores técnicos. Isso porque não existe uma ação fiscalizadora preventiva e um direcionamento da ocupação do solo, por meio do planejamento territorial.

Após a consolidação da ocupação irregular de uma área de preservação permanente, torna-se quase sempre inviável, tanto social quanto economicamente, a sua desocupação. No entanto, em áreas não ocupadas ou em processo inicial de ocupação, seria possível que se fizesse respeitar a lei, caso houvesse vontade política para evitar parcelamentos irregulares em margens de corpos d’água e a conseqüente degradação do ambiente lacustre. A retirada da vegetação natural nas áreas de preservação permanente pode intensificar o processo de erosão e de nutrientes do solo.

Este trabalho, ao abordar conflitos socioambientais existentes na área de preservação permanente da Lagoa Formosa, pretende contribuir para uma mudança nos padrões de ocupação em suas margens. Tal mudança é importante, na medida em que as águas dessa Lagoa servem ao abastecimento da população urbana de Planaltina – GO e à recreação de contato primário, usos que pressupõem água de muito boa qualidade.

A disposição de resíduos sólidos a céu aberto, a descarga de águas pluviais e de fossas domésticas, o uso de fertilizantes e agrotóxicos em cultivos do entorno e a recepção de água de escoamento superficial contendo poluentes são alguns dos fatores apontados por Moraes (1990) como principais causadores da contaminação de cursos d’água. Às margens da Lagoa Formosa, em desrespeito à legislação, fazendas, chácaras, complexos turísticos e loteamentos contaminam as águas, não somente com agrotóxicos oriundos da atividade agrícola intensiva, em que predomina a monocultura mecanizada da soja e do feijão, como também pela infiltração e transbordamento do esgoto armazenado em fossas residenciais construídas inadequadamente.

2 Marco legal relacionado com o objeto de estudo-Legislação federal

A destruição da natureza é tão antiga quanto a existência da humanidade. No caso brasileiro, acontece desde o descobrimento do Brasil e sua colonização, tendo como fatores principais, o povoamento, a agricultura e a pecuária (PRADO JUNIOR, 1963).

Apesar da Legislação Brasileira, desde os tempos coloniais, preocupar-se com a proteção da natureza, especialmente no que se refere aos recursos pesqueiros e florestais, essa foi sempre uma preocupação setorial, em função de interesses econômicos imediatos, bastando lembrar que a exploração de madeira e de seus subprodutos, nos primeiros tempos, representava a base colonial e se constituía em monopólio da Coroa Portuguesa (INAGÊ, 2002).

O mesmo autor afirma que, mesmo depois da proclamação da independência, o espírito de exploração dos recursos naturais existentes manteve-se presente nas políticas públicas, protegendo interesses de setores ligados à Coroa Portuguesa que precisavam dos recursos naturais do Brasil. 

A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) dedica todo o Capítulo VI (Art. 225) ao meio ambiente, iniciado com uma afirmação que se encontra em perfeita sintonia com a definição de desenvolvimento sustentável, preconizada no Relatório da Comissão Brundtland (WCED, 1987), a saber: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações”.

Todavia, o marco de mudança na legislação ambiental brasileira veio a acontecer no início da década de 1990, com o advento da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (conhecida como ECO-92 ou Rio/92), onde os  conceitos de preservação e conservação do meio ambiente; gestão e planejamento e inserção ambiental; eficiência, efetividade e eficácia foram amplamente discutidos e aperfeiçoados.

– Áreas de preservação permanente

As Áreas de Preservação Permanente – APP são aquelas em que, mesmo em propriedades particulares, em razão de sua fragilidade, não é permitido o desmatamento, tendo em vista garantir a preservação dos recursos hídricos, da estabilidade geológica e da biodiversidade, bem como o bem estar das populações humanas (AGUIAR, 1999).

Além da fauna e flora, as APP visam a proteção do solo e da água, permitindo uma maior infiltração das águas de chuvas no solo e, consequentemente, contribuindo para a sustentação de nascentes e evitando o arraste de sedimentos e outros materiais sólidos que levam ao assoreamento dos corpos d’água.

A definição de área de preservação permanente está presente na legislação federal, pelo menos, desde a promulgação do Código Florestal de 1934, tendo sido mantida no Código Florestal de 1965, atualmente em vigor.Instituído pela Lei  4.771, de 15 de setembro de 1965 (BRASIL, 1965), o Código Florestal estabelece, em seu artigo 1º, o princípio de que “[…] as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e em especial esta Lei estabelecem”.

Além da vegetação anteriormente mencionada, o art. 3º permite que o Poder Público declare também outras áreas como de preservação permanente. Dessa forma, Estados e Municípios possuem delegação da Lei Federal para declarar formas de vegetação de seu interesse como protegidas. Esse mesmo artigo, em seu parágrafo I, permite ainda a suspensão total ou parcial de florestas de preservação permanente, com competente autorização do Poder Executivo Federal, desde que isso se faça necessário à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

O artigo 2º do Código Florestal define as áreas de proteção permanente, estabelecendo parâmetros para a sua delimitação, em diversas alíneas, conforme se segue:

“Art. 2º: Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

– ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:

. de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

. de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;

. de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

. de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

. de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

. ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios dá água naturais ou artificiais;

. nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura; [….]”

A Resolução CONAMA nº 303, de 20 de março de 2002 (CONAMA, 2002), em seu artigo 3º, supre uma falha constatada tanto na lei que institui o Código Florestal quanto nas leis que o atualizaram (Leis nº 7.511/86 e nº 7.803/89), que não estabelecem uma largura mínima para as faixas de preservação permanente ao redor de lagos, lagoas e reservatórios. Além disso, essa Resolução define como Reservas Ecológicas as florestas e demais formas de vegetação situadas: I – ao longo dos rios ou de qualquer corpo d’água em faixa marginal além do maior leito sazonal medida horizontalmente; e II – ao redor das lagoas, lagos ou reservatório d’água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal cuja largura mínima será de:

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

–   30 (trinta) metros para os que estejam situados em áreas urbanas;

–  100 (cem) metros para os que estejam situados em áreas rurais, exceto os corpos

   d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50

   (cinqüenta) metros;

–  100 (cem) metros para as represas hidrelétricas.

Observe-se que, no que tange a cursos d’água, as larguras das faixas respeitam as alterações determinadas pela Lei nº 7.803/89; entretanto, em relação a lagoas, lagos ou reservatórios, a Resolução inovou ao estabelecer larguras mínimas para as faixas marginais.

– Legislação do Estado de Goiás

A proteção dos recursos naturais está prevista na  Lei nº 12.596, de 14 de março de 1995 (GOIÁS, 1995), regulamentada pelo Decreto nº 4.593/95, que instituiu a Política Florestal do Estado de Goiás e dá outras providências, onde em seu artigo 1º – Fica reconhecido como Patrimônio Natural do Estado de Goiás o Bioma Cerrado, cujos integrantes são bens de interesse de todos os habitantes do Estado.

Outro instrumento importante na proteção dos corpos d’água do Estado de Goiás é a Lei nº 13.123, de 16 de julho de 1997, que estabeleceu a Política Estadual de Recursos Hídricos, cuja premissa básica é o uso sustentável da água, de modo que seja garantida a preservação do meio ambiente e dos recursos hídricos, e a conservação dos recursos ambientais para uso das gerações futuras (GOIÁS, 1997).

No que diz respeito à criação de áreas protegidas, constata-se um avanço significativo em Goiás, entre 1998 e 2002, quando a área ocupada por unidades de conservação passou de 1,13% para 4,48% da área total do Estado (GOIÁS,2002).

Dourojeanni (2001) ressalta que Goiás protege cerca de 3,67% de sua área na forma de Unidades de Uso Sustentável, principalmente Áreas de Proteção Ambiental – APA. Essa categoria de Unidade de Conservação vem sendo criada com muita freqüência no Estado devido a uma maior facilidade de implantação, dado que não exige desapropriação de terras. O autor afirma que pelo menos 30% dessas APAs deveriam ser preservadas no sentido estrito, de modo a garantir a sobrevivência de uma porcentagem mais elevada da biodiversidade.

-Legislação Municipal

O único instrumento legal editado por Planaltina-GO, com incidência direta sobre a área onde se localiza a Lagoa Formosa, é a Lei Municipal nº 5.943/2000, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 3.458/2001, que criou a Área de Proteção Ambiental da Lagoa Formosa. A poligonal dessa APA não se encontra definida e também não se verificam esforços para definir o seu conselho gestor e implementar plano de manejo, conforme previsto na Lei do SNUC (BRASIL, 2002).

Embora não mencione diretamente a área da Lagoa, o Plano Diretor do Município de Planaltina, elaborado em 2000, mas ainda não aprovado, traça as principais diretrizes para o desenvolvimento físico-territorial, econômico e cultural de todo o município, englobando tanto a área urbana quanto a área rural e procurando incorporar as propostas acordadas na Agenda 21 para o chamado desenvolvimento sustentável. Ele estabelece que “à área rural corresponde área destinada às atividades agropecuárias e de proteção ambiental, não sendo permitido parcelamento do solo para fins urbanos” (PREFEITURA MUNICIPAL DE PLANALTINA, 2000, p. 66).

Ressalte-se que a política fundiária mereceu um destaque especial no Plano Diretor, que  dedica a ela os seguintes tópicos: regulamentação da expansão urbana, uso e ocupação dos lotes, regularização fundiária, instituição do cadastro imobiliário urbano e rural e adequação dos mecanismos de controle de todos esses processos.

No Plano Diretor (Ibidem), uma das propostas pertinentes à questão ambiental que merece destaque é a criação de um Conselho de Desenvolvimento Sustentável-(CDS), órgão esse que teria caráter consultivo e deliberativo em questões relacionadas ao meio ambiente, no sentido de preservar, defender, recuperar e melhorar o meio ambiente.                         

-Conflitos socioambientais em áreas de preservação permanente

Ao se falar em conflitos socioambientais, podem ser reconhecidas diferentes formas de interação sociedade-meio ambiente, que compõem uma rede de relações e de interesses imediatos diversos, associados aos vários usos possíveis dos recursos ambientais, o que abre caminho para que a própria dinâmica desses conflitos seja entendida como fator de construção do desenvolvimento sustentável  (CUNHA 1996; CAPRA 1994).

Para Scotto e Limoncic (1997), conflitos socioambientais são formas de conflitos sociais entre interesses individuais e coletivos, envolvendo a relação natureza-sociedade. Assim, travam-se, em torno de problemas sócio-ambientais, confrontos entre atores sociais que defendem diferentes lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum, seguindo lógicas próprias para cada um deles.

Ainda para os mesmos autores, a área de interesse desse processo depende, essencialmente, de alguma forma de entendimento, de acordos entre as partes, com vistas a definir, por exemplo, o que é público e o que é privado, o que pode ser feito individualmente e o que deve ser respeitado pela coletividade.

No Brasil, ao longo das últimas décadas, ocorreram diversos conflitos ambientais resultantes de projeto e implantação de usinas hidrelétricas, manejo de bacias hidrográficas, exploração de petróleo, exploração de áreas de conservação ambiental, dentre outros (FRANÇA et al, 1987).

Os conflitos socioambientais são entendidos, tradicionalmente, como desentendimentos ou disputas pelo uso ou exploração dos recursos naturais e podem, então, ser considerados como decorrentes do choque de interesses entre o desenvolvimento econômico-social e a proteção ambiental. Assim, pode-se dizer que a tomada de consciência sobre a realidade dos conflitos socioambientais ocorreu a partir das discussões a respeito do desenvolvimento sustentável (WCED, 1987).

 Conflitos socioambientais podem ser considerados favoráveis ao desenvolvimento sustentável, pois a sua existência demonstra que diferentes setores da sociedade, com visões diversificadas, estão se contrapondo por buscar a satisfação de suas necessidades e a garantia de sua qualidade de vida, estando esta intimamente ligada à qualidade do meio ambiente (HIGHTON e ALVAREZ, 1995, p.25).

Segundo Capra (2004), na Conferência Rio/92 destacou-se que a resolução dos problemas socioambientais deveria acontecer de forma pacífica e, na Rio + 10, realizada em 2002, essa idéia foi complementada pela proposta de construção de uma sociedade humana eqüitativa e cuidadosa com as necessidades de todos.

Simon (1994) considera conflitos socioambientais as reações advindas de atores sociais a comportamentos que causam ou possam causar danos aos objetivos básicos da conservação da natureza. Tais comportamentos decorreriam das atividades antrópicas que afetam ou podem afetar o uso de um espaço protegido.

Conflitos socioambientais são definidos por Scotto&Limoncic (1997, p. 58) como aqueles “[…] que têm elementos da natureza como objeto e que expressam relações de tensão entre interesses coletivos e interesses privados. […] Em geral, eles se dão pelo uso ou apropriação de espaços e recursos coletivos por agentes econômicos particulares, pondo em jogo interesses que disputam o controle dos recursos naturais e o uso do meio ambiente comum, sejam esses conflitos implícitos ou explícitos”.

3   Metodologia

A Lagoa Formosa, objeto desta dissertação, localiza-se em área rural do município de Planaltina -GO, nas proximidades do Distrito Federal, a uma distância aproximada de 65 km de Brasília e 7 km da sede municipal.

Segundo IBGE (2004), o município de Planaltina-GO possui uma área de 2.539 km2 e, em 2005, sua população total foi estimada em 94.717 habitantes. Cerca de 95,7% dos habitantes viviam em área urbana, no ano 2000. Segundo Anjos (1990), o município de Planaltina apresenta rápida expansão de sua área urbana, que vem se caracterizando, primordialmente, pelo aumento do número de loteamentos nas proximidades da Lagoa Formosa. Com isso, o entorno da Lagoa apresenta um quadro de alteração progressiva das características do ecossistema terra-água, trazendo prejuízos ainda não dimensionados à flora e à fauna da região.

A Lagoa Formosa insere-se na Bacia do Rio Maranhão, onde predomina oclima  tropical – Aw (classificação de Köppen),  com  precipitação  variando entre 750-2000mm/ano, em média, caracterizado pela sazonalidade do regime de chuvas, inverno seco com duração de 4 a 5 meses, e verão chuvoso, com maior precipitação nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro. As altitudes variam entre 800 e 1.500m (RATTER et al., 1996).

A superfície aproximada da Lagoa Formosa é de 361,35 hectares (ANJOS; SILVA JÚNIOR, 2005). Assim como outras lagoas localizadas no Planalto Central do Brasil, esse corpo d’água desempenhou papel histórico importante por ter servido de orientação a bandeirantes, no século XVIII  tendo inclusive emprestado seu nome ao município vizinho de Formosa – GO, (TRIGO, 2000).

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

 Segundo Santana et al. (2005 apud EITEN, 1993), ao longo da Bacia predominam os solos hidromórficos, com vegetação de mata de galeria e ciliar, e nas outras áreas, latossolos vermelho-escuro e vermelho amarelo, que se desenvolvem em superfícies com relevo plano e levemente ondulado, ocupados por cerrado sensu stricto.

De acordo com informações orais de técnicos do técnicos do Departamento de Infra-estrutura e Obras da Prefeitura de Planaltina, a Lagoa apresentava cerca de 20 km de extensão, no sentido Norte-Sul, por volta de 1985, quando era utilizada para a prática de esportes aquáticos, como esqui e natação, e consideradas como sendo de ótima qualidade, embora não se encontrem dados de medição que confirmem essas informações.  O fato é que, em 1990, a Prefeitura de Planaltina – GO promoveu uma intervenção na saída das águas, no sentido norte-sul da Lagoa, com o objetivo de evitar um rebaixamento significativo da lâmina d’água .

Hoje, a extensão da Lagoa encontra-se reduzida a aproximadamente 13 km (GOOGLE MAPS, 2005). De acordo com Anjos & Silva Júnior (2005), a Lagoa é eutrófica, com presença considerável de fitoplâncton em seu interior, provavelmente devido à lixiviação de nutrientes oriundos da atividade agrícola, em que predomina a monocultura mecanizada da soja e do feijão. A bacia apresenta graves problemas de contaminação por poluentes, em decorrência do crescimento populacional do Distrito Federal e entorno.

A faixa de 100 metros no entorno da Lagoa, ,que de acordo com a Resolução CONAMA nº 303/02 constitui área de preservação permanente por estar a Lagoa situada em zona rural e possuir área de mais de 20 ha, encontra-se ameaçada por ocupação de características bastante distintas, a saber:

 a) na margem leste, predominam chácaras com área média de 12.000 m2, cujos proprietários são, em sua maioria, funcionários públicos de Brasília, que as utilizam exclusivamente para lazer;

b) na margem oeste, tradicionalmente ocupada por fazendas, ocorre um processo acelerado de fracionamento do solo, onde lotes cujo tamanho varia de 400 a600 m2podem ser adquiridos por valores bem acessíveis. Esses lotes são vendidos sem a mínima infra-estrutura necessária à moradia e em fragrante descumprimento à legislação que protege as margens de corpos d’água, a saber: o Código Florestal (Lei nº 7.551, de 15/09/65), que estabelece em seu artigo 2º os limites de preservação permanente de rios, lagos e lagoas; a Lei nº 7.802/89, que dispõe sobre parcelamento do solo; a Resolução CONANA nº 001/86, que dispõe sobre licenciamento ambiental; a Resolução CONAMA nº 010/88; o Decreto lei nº 9.760, de 26/08/46, que dispõe sobre os terrenos de Marinha; a legislação florestal do Estado de Goiás (Lei nº 12.595/95 e Decreto nº 4.539/95); e a Resolução CONAMA nº 302/01, que dispõe sobre parâmetros e definições de limites das áreas de preservação permanente.

A Lagoa encontra-se também inserida na Área de Proteção Ambiental da Lagoa Formosa, criada pela Lei Municipal nº 594.392/2000, que foi regulamentada pelo Decreto Municipal nº 3.458/2001. A criação da APA ocorreu após fortes pressões de organizações não-governamentais, moradores da região, proprietários de terras, agropecuaristas, bem como do Poder Executivo local, porém seus limites ainda não foram definidos.

Com a implantação recente de diversos loteamentos, a área da APA vem sofrendo  a retirada indiscriminada da vegetação natural, principalmente de cerrado e matas ciliares. Novaes et al. (1990) chamam a atenção para o rompimento do equilíbrio ecológico, pela intensificação da atuação das águas pluviais sobre o solo desnudo que acelera o processo de erosão que leva ao desenvolvimento de sulcos e ravinas, em virtude do fluxo concentrado, mas intermitente, da água, durante e logo após chuvas pesadas.

4 Material e Métodos

O trabalho foi realizado em duas etapas, complementares e inter-relacionadas, tendo envolvido levantamento de informações em fontes secundárias e primárias, conforme  detalhamento a seguir:

a) Identificação dos conflitos socioambientais, explícitos ou latentes, decorrentes da ocupação da área de preservação permanente da Lagoa Formosa, e caracterização dos mesmos como resultantes do não cumprimento da legislação destinada a proteger ecossistemas lacustres: Código Florestal, Decreto de criação da APA da Lagoa Formosa, Resoluções CONAMA e outros instrumentos legais. Nessa primeira etapa, foram seguidos os seguintes passos:

–  interpretação de imagens de satélite LANDSAT, resolução 15:15m, datadas de 2001, com a utilização do Software Envi, versão 3.1, inclusive com superposição de mapas com cobertura parcial da área, para mapeamento preliminar dos espaços ocupados por atividades antrópicas;

– trabalho de campo para verificação das atividades identificadas nas imagens e atualização dos usos do solo;

–  delimitação da área de preservação permanente da Lagoa (100 metros de largura), em imagem satélite de 2001, e marcação das áreas com potencial de conflito spcioambiental.

b) Investigação das causas dos conflitos e do posicionamento da população local em relação a eles

Conflitos de surgimento recente foram analisados a partir da aplicação de um questionário fechado,em amostra significativa dos ocupantes da área, com vistas a detectar não apenas as causas e possibilidades de desdobramento dos conflitos (p. ex.: desconhecimento da legislação, falta de alternativa de moradia), como também a visão de futuro dessas pessoas e as soluções que elas mesmas propõem para a situação em que se encontram.

O tamanho mínimo da amostra das pessoas que foram entrevistadas foi calculado pela metodologia de Barbetta (2001), conforme detalhado a seguir. O número de propriedades situadas na faixa de 100 metros ao redor da lagoa, num total de 212, foi identificado a partir da imagem Google Earth V 3.0 – 2005.

Cálculo da Amostra

Fórmula de Barbetta:

n = N1 x n0 / N1 + n0 , onde:

n  = Tamanho da amostra

N1 = Tamanho da população (número total de propriedades localizadas às margens da Lagoa Formosa)

n0   =  Primeira aproximação do tamanho da amostra

n0 = 1 / (E0)2 …  n0 = 1 / (0,1)2 …   n0 = 100, onde

E0 = Erro amostral tolerável, com aproximação de 90%, com grau satisfatório para este tipo de pesquisa.

Para a área de estudo, o tamanho mínimo da amostra das propriedades existentes às margens da Lagoa Formosa foi calculado da seguinte forma:

n0 =100

  N1 = 212

  n = N1 x n0 / N1 + n0         

  N = 212 x 100 / 212 + 100

N = 67,94 = 68 propriedades

Assim, a amostra para aplicação de questionários foi definida em 68 (sessenta e oito) propriedades, escolhidas aleatoriamente.

5 Resultados e Discussões

Uma identificação preliminar dos conflitos socioambientais existentes na área de preservação permanente da Lagoa Formosa foi feita a partir do mapa de uso da terra, elaborado por Santana et al (2005) para a bacia do Alto Maranhão.

Em amostra de 68 propriedades às margens da Lagoa, complementada por observações de campo, permitiu uma caracterização dos conflitos socioambientais que ocorrem no local, os quais envolvem, de um lado, proprietários rurais e complexos turísticos e, de outro, organizações não governamentais e a população residente em loteamentos próximos ou na própria cidade de Planaltina-GO, com reações contrárias freqüentes destes últimos atores.  Esses conflitos estão relacionados a:

– Privatização das margens da Lagoa, por parte de produtores rurais e empreendimentos de turismo, impedindo o acesso de moradores dos loteamentos e do município às praias e água da Lagoa. No caso dos empreendimentos de turismo, é cobrada uma taxa de utilização das instalações que varia de R$ 5,00 a R$ 25,00 por pessoa.

– Desmatamento e uso das terras localizadas na área de preservação permanente, por produtores rurais e empreendimentos turísticos, provocando assoreamento e comprometendo a manutenção do espelho d’água e, consequentemente, o abastecimento da cidade de Planaltina. 

– Invasão e ocupação irregular das margens da Lagoa com loteamentos de características urbanas.

– Poluição das águas por extravasamento e infiltração de esgoto acumulado em fossas construídas na APP e entorno, bem como por lixo acumulado, depositado pelos residentes.

Em função das exigências da Lei de Crimes Ambientais (BRASIL, 1998), a tendência é de aumento nas multas aplicadas por desrespeito à legislação ambiental. No que se refere ao desmatamento, existem diversos atores em situação de irregularidade: a) proprietários rurais que já derrubaram grande parte do cerrado que deveria ser protegido sob a forma de reserva legal e de área de preservação permanente; b) proprietários “informais”, que compraram áreas com acesso às águas da Lagoa e que têm promovido uma grande pressão sobre os órgãos ambientais e Prefeitura de Planaltina de Goiás, no sentido de obter a liberação de projetos de transformação de áreas rurais em urbanas, com o objetivo de promover o loteamento dessas áreas.

Recorde-se, também, a grande importância da Lagoa Formosa, por ser ela um dos principais formadores da bacia hidrográfica Araguaia -Tocantins. O desmatamento quase que total das margens está comprometendo o processo de alimentação e renovação das águas da Lagoa. Além disso, a ocupação irregular e desordenada de suas margens e entorno pode comprometer o abastecimento da população de Planaltina de Goiás, para o qual se utilizam as suas águas.

A partir da década de 1980, as margens da Lagoa começam a ser ocupadas com construções destinadas à moradia e/ou lazer, com degradação da área de preservação permanente e colocação de cercas, surgindo então conflitos entre diferentes atores sociais em torno do acesso e utilização dos recursos naturais.

  Esses conflitos são significativos e de caráter contínuo, de modo que sua resolução é de fundamental importância para a conservação da água e da biodiversidade, bem como para a democratização do acesso da população aos recursos naturais disponíveis na área. Suas causas históricas são detalhadas a seguir.

Desde a década de 1970, segundo informações verbais obtidas na Prefeitura Municipal, uma prática comum na região onde se localiza a Lagoa Formosa tem sido a conversão de áreas de cerrado em pastagens ou campos de cultivo agrícola (principalmente, milho, feijão e soja). Atualmente, com o crescimento desordenado da atividade agrícola, as áreas de plantio adentram a área de preservação permanente, em fragrante desrespeito à legislação.

Quanto ao conflito relacionado com a privatização das margens da Lagoa, sua causa reside no fato de a população não ter acesso irrestrito às praias e à água, o qual somente é possível mediante autorização dos proprietários das chácaras e fazendas ou pagamento de taxa de acesso aos três complexos turísticos – Sombra da Mangueiras, Recanto do Sabiá e Pousada da Lagoa –  instalados na área.

Cabe ressaltar que as construções irregulares nas áreas de preservação permanente, erguidas por inexistência ou omissão de fiscalização dos três níveis de Governo, têm sido comprometidas quando ocorrem cheias, com prejuízos significativos aos seus proprietários. A utilização dessas áreas para o plantio mecanizado de  soja,  milho  e  feijão,  além  do  já constatado  assoreamento com expressiva diminuição do espelho d’água, tambémpode estar promovendo a contaminação das águas da Lagoa pelo uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes, que são carreados pelas águas das chuvas. Todavia, como não é feito um monitoramento da qualidade da água da Lagoa, não existem evidências objetivas dessa possível contaminação.

Os atores e as causas dos conflitos socioambientais identificados

 Na área de estudo, pode-se enquadrar, na tipologia abaixo, os atores que desempenham papel significativo nos conflitos socioambientais afetos à área de preservação permanente da Lagoa Formosa:

Atores degradadores dos recursos naturais

–  Moradores às margens da Lagoa

-Complexos turísticos instalados às margens da Lagoa Formosa: Recanto do Sabiá; Lagoatur e Pousada Sombra das Mangueiras

–  Produtores Rurais

Denunciantes

 –  Organizações não governamentais

 –  Associação dos Moradores da Lagoa Formosa (informal)

Atores Omissos

–  Prefeitura Municipal de Planaltina – GO

–  SANEAGO  –  Saneamento de Goiás S. A.

–  CELG  –  Companhia Energética de Goiás

–  Polícia Florestal

–  IBAMA – Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

–  Agência Goiana do Meio Ambiente

– Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado de Goiás.

A análise dos dados obtidos por meio da aplicação de questionário em uma amostra de 68 pessoas residentes às margens da Lagoa, integrantes da categoria degradadores dos recursos naturais, permitiu a identificação das principais situações que estão na origem dos conflitos anteriormente mencionados.

A população entrevistada, que reside na área há pelo menos 3 anos, apresenta renda superior a 10 salários mínimos, em sua maior parte. Cerca de 30% dos residentes declararam possuir renda entre 5 e 10 salários mínimos. O grau de escolaridade desses atores é alto: nível superior e pós-graduação.  Todos eles declararam conhecer ou já ter ouvido falar de alguma lei ambiental.

Quando perguntados se sabiam que a Lagoa Formosa se encontra em uma APA, apenas 33% dos entrevistados responderam positivamente. O mesmo percentual foi encontrado para a pergunta: “- O Sr./Sra. conhece os limites da Área de Preservação Permanente da Lagoa?”.

Questionados quanto à sua percepção do processo de degradação que vem ocorrendo, nos últimos anos, às margens da Lagoa, 75% dos moradores declararam percebê-lo e quando estimulados a apontar os principais problemas ambientais que a atingem, em uma lista de oito opções, todos os residentes foram capazes de fazê-lo. Os problemas identificados, por ordem de importância, podem ser constatados, onde as construções às margens da Lagoa comparecem em segundo lugar, em ordem hierárquica, abaixo somente do lixo, que incomoda 100% dos moradores.

– Lixo acumulado em locais específicos ou espalhados nas margens da Lagoa- 100%

– Construções nas margens protegidas por lei, com aterros e destruição das matas ciliares- 60%

– Pesca predatória e caça indiscriminada por falta  de fiscalização doIbama- 60%

– Omissão da PrefeituraOmissão dos moradores- 30%

– Cursos que ensinassem o aproveitamento dos resíduos- 30%

– Orientações sobre as leis ambientais- 10%

– Orientações sobre como preservar o meio ambiente- 10%

Questionados quanto à sua participação em reuniões promovidas periodicamente pela administração da APA da Lagoa Formosa, 66% dos residentes declararam ter participado somente de uma reunião. Quanto às atividades que deveriam ser oferecidas pelo Escritório da APA, os entrevistados informaram que não participam das reuniões, pois não é feita uma  divulgação das mesmas.

Pelas respostas obtidas na aplicação do questionário, constata-se que, apesar do bom padrão de renda e instrução dos proprietários das margens da Lagoa, as origens dos conflitos socioambientais que afetam a sua área de preservação permanente, estão em:

– Falta de conhecimento dos limites da área de preservação permanente- 100%

– Falta de participação nas decisões tomadas, no que se refere à conservação dos recursos naturais- 100%

– Falta de orientações sobre como preservar o meio ambiente- 90%

– Falta de fiscalização por parte dos órgãos ambientais responsáveis pelo cumprimento da legislação ambiental- 80%

-Falta de maior participação da Prefeitura Municipal de Planaltina de Goiás- 70%

6   Conclusão

Os principais problemas ambientais identificados na área de preservação permanente da Lagoa Formosa, com potencial para causar conflitos entre os atores locais locais – proprietários, ONGs  e órgãos públicos – são os seguintes:

–  Lixo acumulado em locais específicos ou espalhado nas margens da Lagoa (sacos plásticos, garrafas);

–   Construções irregulares às margens da Lagoa, com aterros e destruição de matas ciliares; e

–   Pesca predatória e caça indiscriminada por falta de fiscalização do IBAMA.

Para os proprietários entrevistados, a causa desses problemas está em:

–  Falta de fiscalização;

–  Omissão da Prefeitura; e

–  Omissão dos próprios moradores.

As discussões sobre esses problemas têm sido limitadas a encontros esporádicos e/ou a situações motivadas por algum fato que evidencie um processo de poluição (por exemplo, acúmulo de resíduos nas margens) ou de degradação de habitat, devido ao uso de equipamentos de pesca (redes) fora das especificações definidas pelo IBAMA.

A situação da parte das margens da Lagoa ocupada por edificações unifamiliares pertencentes à classe média alta de Brasília e por empreendimentos de turismo dificilmente poderá ser revertida, no sentido de desocupação da área de preservação permanente. Além dos danos ao corpo d’água, essa situação está impedindo o uso da água para recreação e pesca, por parte da população local, que é instada a pagar para usufruir do direito de acesso a um bem de domínio público. O município perde sua biodiversidade, sem nem mesmo tê-la conhecido e avaliado, e também compromete sua fonte de abastecimento de água.

No médio prazo, os empreendimentos que começam a transformar áreas de cultivo e de cerrado em loteamentos de características urbanas (lotes de 450 m2), poderão transformar-se na principal causa de conflito socioambiental no entorno da Lagoa, apesar de os proprietários atuais ainda não perceberem essa situação como uma ameaça à conservação do corpo d’água e de sua própria qualidade de vida.

Como a pesquisa indicou que 66% dos entrevistados desconhecem o fato de estar ocupando uma área de preservação permanente, o primeiro passo para estancar ou reverter o processo de degradação, instalado na área da Lagoa, seria de caráter informativo e educativo. Mais do que a fiscalização e punição dos atores em situação irregular, seria a participação democrática o caminho mais adequado para se promoverem mudanças na situação atual.

7 Recomendações

Para que diminua a pressão da urbanização sobre as margens da Lagoa Formosa, é necessário que se estabeleça uma política de expansão urbana capaz de evitar que Planaltina continue crescendo de forma desordenada. O surgimento de novos loteamentos pode ser prevenido pela implementação do Plano Diretor, ainda não aprovado pela Câmara Municipal. Todavia, como vence em 2006 o prazo dado pelo Governo Federal para a implementação de planos diretores por municípios com mais de 20 mil habitantes em área urbana, é de se prever que essa carência seja resolvida em breve. Ressalte-se, porém, que o documento disponível classifica como rural a área da Lagoa e não contém alternativas para estancar o processo de urbanização que ali ocorre, atualmente.

Definição imediata de uma estrutura administrativa para a APA da Lagoa Formosa, dotando-a de um escritório com infra-estrutura; nomeação do gestor da APA e de um corpo técnico mínimo de três técnicos e um funcionário administrativo; e efetivação do Conselho Consultivo da APA, conforme estabelecido na Lei do SNUC, com representação paritária do poder público e da sociedade cível organizada, são as medidas mais imediatas demandadas para se promover uma mudança no quadro de degradação e desrespeito verificado na área. A primeira ação esperada dessa administração seria a elaboração do Plano de Manejo da APA, em processo participativo, de modo a comprometer todos os moradores com elaboração e posterior cumprimento do zoneamento implantado na área e a garantir que todas as partes envolvidas assumam, cada uma, a sua quota de responsabilidade pelo desenvolvimento sustentável da região.

O Plano de Manejo deve assegurar:

– Proteção permanente às margens da Lagoa e matas de galeria;

– Manutenção da faixa marginal de preservação permanente de 100 metros de largura;

– Escoamento adequado das águas pluviais;

Proteção da vegetação de Cerrado, evitando o surgimento de novos loteamentos ou parcelamento irregular do solo;

– Soluções de uso e ocupação do solo condizentes com a capacidade de suporte da área.

Desse modo, é necessário incorporar a dimensão ambiental ao processo de participação ampla e efetiva, com o desenvolvimento da percepção dos atores locais sobre questões pertinentes à preservação e conservação do meio ambiental, associada à compreensão das relações de causa-efeito que estão comprometendo o desenvolvimento futuro da área da Lagoa Formosa e do próprio município de Planaltina.

Os futuros moradores dos loteamentos de baixa renda, que se encontram em fase de implantação na área, são a parte mais fraca, quando se analisam os conflitos existentes. São também os mais afetados pela situação atual, por habitar um espaço que poderia ser mais digno, caso fosse esse o propósito dos agentes imobiliários. Mais do que réus ou culpados, esses atores são peça-chave do processo de mudança, merecendo por isso especial atenção e maiores cuidados, quando da elaboração de políticas públicas.

Ressalte-se também o papel preventivo e mitigador do Poder Público, que ali tem sido omisso ou até mesmo conivente com os interesses de especuladores de imóveis e políticos. Cabe a ele (IBAMA, Ministério Público, Agência Ambiental de Goiás, SEMARH-GO e Secretaria de Meio Ambiente de Planaltina-GO), em conjunto com a sociedade civil organizada, desenvolver ações de sensibilização e capacitação dos atores locais, de forma que desenvolvam a consciência da importância dessas áreas de preservação permanente para a conservação da biodiversidade e da água.

Da mesma forma, cabe a ele a implantação de uma política de fortalecimento das estruturas administrativas e a inserção de práticas de gestão compartilhada entre os diferentes níveis de Governo, de maneira que esses privilegiem efetivamente os pareceres técnicos sobre os impactos ambientais causados pelas ocupações irregulares e suas conseqüências para o meio ambiente, nas áreas de preservação permanente.

Em grande medida, a resolução de conflitos socioambientais passa, necessariamente, pela viabilização de práticas alternativas de utilização de recursos naturais, que sejam economicamente sustentáveis.

A sociedade civil organizada, em associações de moradores e outros tipos de organização não-governamental, tem um importante papel a cumprir, não só no sentido de realizar o debate, mas, sobretudo de imprimir uma nova perspectiva de aproximação e conciliação entre as temáticas urbano-rural-ambiental.

Por fim, espera-se que a pesquisa contribua para o entendimento de que existe a necessidade de se construir socialmente uma concepção de conservação baseada na compreensão do espaço da conservação como espaço de gestão das relações sócio-ambientais.

Para mitigar e reverter ações de não conformidade com a legislação e subsidiar o planejamento do uso do solo no entorno da Lagoa Formosa, sugere-se, em síntese:

-Criar um fórum permanente de discussão dos problemas de conservação da Lagoa Formosa, liderado pela sociedade civil  organizada, com participação de Instituições Governamentais de todos os níveis  (federal, estadual e municipal).

-Elaborar um cadastro atual dos proprietários estabelecidos no entorno da Lagoa Formosa.

-Divulgar os limites da área de proteção permanente da Lagoa Formosa.

-Elaborar o plano de manejo da APA da Lagoa Formosa em processo participativo.

Implementar o Plano Diretor do município de Planaltina-GO.

-Implantar um programa de conscientização ambiental na região, dando-se ênfase aos aspectos legais do uso dos recursos naturais, formação de agentes ambientais colaboradores e ocupação ordenada do solo, além de orientações a respeito de aproveitamento e reciclagem de resíduos.

Com vistas a contribuir para a solução dos problemas ambientais atualmente existentes na área de preservação permanente da Lagoa Formosa, recomenda-se, com base na pesquisa realizada:

–   Oferta de cursos pelo Escritório da APA da Lagoa Formosa, voltados para o aproveitamento de resíduos sólidos, como forma de geração de renda proporcionar aos moradores da região uma renda e, como conseqüência, de melhoria da qualidade de vida;

-Criação da Associação dos moradores permanentes do entorno da Lagoa Formosa

-Envolvimento do Ministério Público nas discussões, encaminhando cópia desta pesquisa.

-Disponibilização de cópia desta pesquisa para as instituições citadas nos levantamentos efetuados.

-Continuidade da pesquisa, com estudos de planejamento ambiental.

Referências
AGUILAR, Alejandra; PANIAGUA, Franklin; GARITA, Ana. Conflictos socio ambientales en América Latina: una visión desde la red mesoamericana de manejo de conflictos socio ambientales. I Reunión del Directivo del ProgramaConflicto y Colaboraciónenel Manejo de Recursos Naturales: programa de pequeñosfondos para investigaciónen América Latina, 1999,  San José. Documento para discusión. San José: Universidad para la Paz, 25 y 25 de noviembre  de 1999.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.  São Paulo: Saraiva, 1998.
______.Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.  Institui o novo Código Florestal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 set. 1965, p. 9529. Ret. 20 set. 1965, p. 9513.
______. Lei n° 7.511, de 07 de julho de 1986. Altera dispositivos da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o novo Código Florestal.
______. Lei n° 7.803, de 15 de julho de
CAPRA, Fritjof. Sabedoria Incomum. São Paulo:  Cultrix, 1994.
______.A teia da vida. São Paulo: Cultrix/Amana-Key, 2004.
CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução nº 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jun. 2002.
CUNHA, Sustentabilidade e poder local: a experiência de política ambiental em São Sebastião, costa norte de São Paulo. 1996. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
DOUROJEANNI, M. J. Áreas protegidas de América Latina en los albores del siglo XXI. In: Benjamin, A. H. (Coord.). Direito ambiental das áreas protegidas.  Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 42 -107.
FRANÇA, M .L. P.; COSTA; LOPES, M. F. R.. Contribuição para o conhecimento da pesca no Rio Guadiana, em particular no Baixo Guadiana. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação das Pescas, 2003  (Publicações Avulsas, nº11).
GOIÁS. Lei nº 13.123, de 16 de julho de 1997. Institui a Política Estadual de Recursos Hídricos.
______. Lei nº 12.596, de 14 de março de 1995. Regulamentada pelo Decreto nº 4.593/95, institui a Política Florestal do Estado de Goiás.
______. Lei nº  8.554, de 17 de outubro de
HIGHTON, Elena I.; ALVAREZ, Gladys S. Mediación para resolver conflictos. Buenos Aires: Ad Hoc, 1999.
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Cadastro técnico federal. Disponível em: <http//www.ibama.gov.br>.  Acesso em:  23 abr. 2004.
MORAES, A. C. R. Meio ambiente e ciências humanas. São Paulo: Hucitec, 1990.  p. 41.
MUNICIPIO DE PLANALTINA. Lei nº 594.302/2000, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 3.458/2001, cria a Área de Proteção Ambiental da Lagoa Formosa.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo (colônia). São Paulo: Brasiliense, 7ª ed., 1963.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PLANALTINA.  Plano diretor municipal, 2000.
RATTER, J.A.; BRIDGEWATER, S.; ATKISON, R.; RIBEIRO, J. F. Analisys of the floristic composition of the Brazilian Cerrado vegetation. II comparison of the woody vegetation of  98 areas. Edinburg Journal of Botany,  n. 53 (1996): 153-180
SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, 12., 2005, Goiânia. Anais…  São José dos Campos: INPE, 2005. pp. 1977-1987.
SCOTTO, G.; LIMONCIC, F. (Orgs).Conflitos sócio-ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: IBASE, 1997.
TRIGO. Viagem na memória: guia turístico das viagens e do turismo no Brasil.São Paulo: EditoraSenac, 2000.
WCED – WORLD COMMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our Common Future, 1987. Report.

Informações Sobre o Autor

Jose Carlos Guimarães Junior

Gestor de Políticas Públicas do Governo do Distrito Federal. Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental pela Universidade Católica de Brasilia-UCB. Escritor- 25 livros publicados


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico