Cada vez que leio e releio o texto da Lei nº 15.889, de 6 de novembro de 2013 que majorou os valores unitários do metro quadrado da construção e do terreno e ao mesmo tempo redesenhou os limites geográficos das 1ª e 2ª subdivisões da zona urbana da Capital convenço-me da total absurdeza dessa lei inútil como adiante se verá.
O art. 1º dessa lei substituiu os valores unitários de milhares de construções e de lotes de terrenos inseridos nas 1.555 quadras, por sua vez, localizadas nos 310 setores que compõem a zona urbana do município de São Paulo (SQL).
Esses valores unitários foram originariamente aprovados pela Lei nº 10.235, de 16 de dezembro de 1986, conhecida como lei de Planta Genérica de Valores (PGV), após criteriosa avaliação dos imóveis tendo em vista os elementos constantes do seu art. 2º, in verbis:
“Os valores unitários de metro quadrado de construção e de terreno serão determinados em função dos seguintes elementos, tomados em conjunto ou separadamente:
I – preços correntes das transações e das ofertas à venda no mercado imobiliário;
II – custos de reprodução;
III – locações correntes:
IV – características da região em que se situa o imóvel;
V – outros dados informativos tecnicamente reconhecidos.
Parágrafo único. Os valores unitários, definidos como valores médios para os locais e construções serão atribuídos:
I – a faces de quadras, a quadras ou quarteirões a logradouros ou a regiões determinadas, relativamente aos terrenos;
II – a cada um dos padrões previstos para os tipos de edificação indicados na Tabela V, relativamente às construções.”
Pois bem, o art. 1º da Lei nº 15.889/13 substituiu, da noite para o dia, os valores unitários de milhares de prédios e de terrenos criteriosamente apurados segundo as normas retroapontadas por outros constantes dos anexos I e III referidos nesse art. 1º. Ninguém sabe como foram apurados esses novos valores unitários.
A justificativa do Prefeito que acompanhou o projeto de lei remetido à Câmara Municipal limita-se a informar que os aludidos valores foram aprovados pelo Conselho Municipal de Valores Imobiliários, um órgão completamente desconhecido nos meios científicos e sem a menor tradição na área de avaliação imobiliária. Contudo, aprovar não é o mesmo que apurar. Quem afinal apurou esses novos valores exorbitantes? A mensagem do Executivo não aponta e nem se descobre.
Porém, basta a simples leitura do art. 9º da lei para se concluir que se trata de apuração entre aspas. Os novos valores unitários resultaram de manipulações casuísticas sem a menor preocupação com os elementos que integram o processo de apuração dos valores unitários que ao teor do art. 2º da Lei nº 10.235/86 devem ser levados em conta obrigatoriamente. A avaliação imobiliária deve obedecer ao critério da lei. Não se pode sacar do bolso de colete o valor unitário da construção ou do terreno como se fez no caso sob exame.
Não sendo possível obter com base nesses unitários díspares e desuniformes um valor venal justo, coerente e isonômico para milhares de imóveis distribuídos dentre os 310 setores que abrigam 1.555 quadras a solução encontrada pelo legislador foi a de limitar a majoração do IPTU para o exercício de 2014 a 20% e a 35% do IPTU lançado para o exercício de 2013, respectivamente para imóveis residenciais e imóveis não residenciais e aqueles não edificados. A partir do exercício de 2015 em diante os aumentos do IPTU ficam limitados a 10% e 15%, do imposto do exercício anterior, respectivamente, para imóveis residenciais, e não residenciais e terrenos. Como não há um limite temporal para aplicação dessa forma de majoração haverá um aumento em cascata do valor do IPTU incorporando em cada exercício os aumentos dos exercícios anteriores. Aqui reside o absurdo maior da lei impugnada.
Assiste razão à mídia que apelidou essa lei como sendo lei que aumenta o IPTU em 20% e em 35% para imóveis residenciais e não residenciais e terrenos, respectivamente.
Na verdade, essa tresloucada lei majora de forma aleatória os valores unitários de metro quadrado da construção e do terreno que irão possibilitar o cálculo do valor venal de cada imóvel em concreto. Porém, como próprio legislador não confia nesses novos valores unitários, mesmo porque ele não sabe como foram apurados, resolveu tomar como base de majoração do IPTU ao longo dos exercícios o valor cobrado neste exercício de 2013, mediante a aplicação de percentuais previstos no art. 9º da lei hostilizada.
Só que essa forma de calcular o valor do IPTU discrepa da determinação contida na lei de regência do imposto, precisamente, nos artigos 7º, 8º e 27 da Lei nº 6.989/66 que prescrevem a aplicação das alíquotas de 1% e de 1,5% sobre o valor venal dos imóveis residenciais e imóveis não residenciais e terrenos, respectivamente. Pelo critério preconizado pelo art. 9º da amalucada lei o valor venal e a alíquota deixam de ter relevância jurídica. Pelo novo critério a base de cálculo passa a ser o valor do imposto lançado no exercício imediatamente anterior, e a alíquota será a de 20% ou 35% para o exercício de 2014 e de 10% ou 15% a partir do exercício de 2015 em diante, de forma indefinida no tempo, provocando aumentos em cascata a cada exercício.
Resta claro que a alteração de um dos elementos estruturais do fato gerador do IPTU, no caso, o elemento quantitativo (base de cálculo e alíquota) desnatura esse imposto.
Em outras palavras, o IPTU deixa de ser aquele previsto no art. 32 e seguintes do Código Tributário Nacional e instituído pelos art. 2º e seguintes da Lei municipal de nº 6.989/66 com as alterações posteriores.
Estamos diante, portanto, de um imposto inteiramente novo, sem previsão constitucional. E imposto inominado somente a União pode instituir, assim mesmo com as limitações previstas no inciso I, do art. 154 da CF.
Daí a inconstitucionalidade e inutilidade dessa nova lei desprezada pelo próprio legislador que, diante de confusos e obscuros valores unitários introduzidos por critérios desconhecidos, resolveu adotar como base de cálculo do IPTU a partir de 2014 o valor atual do imposto apurado com fundamento em critério técnico transparente, previsto no art. 2º da Lei nº 10.235/96.
Por essas e outras razões eu, o Dr. Ives Gandra e o Dr. Gastão de Toledo protocolamos no dia 22 último junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a Ação Direta de Inconstitucionalidade impugnando os arts. 1º, 3º, 4º, 5º e 9º da Lei nº 15.889/13 representando, respectivamente, a Fiesp, as entidades filiadas a Fecomércio e a Associação Comercial de São Paulo reunindo ao todo 28 entidades.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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