Resumo: O presente artigo visa uma análise crítica das proposições as quais incidiram sobre o país no contexto neoliberal, refletindo sobre a organização das políticas sociais e sobre o mundo do trabalho. Busca apreender o desenvolvimento do Estado, em um primeiro momento, para, posteriormente refletir acerca dos desdobramentos ocasionados no Brasil nas décadas de 1990 e 2000.
Palavras-Chaves: Estado, Neoliberalismo, Mundo do Trabalho.
Abstract: This article aims to review the proposals which have affected the country in the neoliberal context, reflecting on the organization of social policies and the world of work. Search understanding the development of the state, at first, to then reflect upon the consequences incurred in Brazil in the 1990s and 2000.
Keywords: State, Neoliberalism, the World of Work.
1. CONJUNÇÕES NEOLIBERAIS NO DESENVOLVIMENTO ESTATAL
1.1 Retorno à Ciência Política: Maquiavel, Hobbes, Rousseau e Marx na formação do Estado Moderno.
A necessidade de análise das intervenções políticas e socioeconômicas para este artigo se faz mediada pelas íntimas relações existentes entre o desenvolvimento da política em seu âmbito e significação organizacional e de comando de determinado território, o que, por sua vez, tramita nas relações de poder existentes na construção e desenvolvimento das relações entre Estado, Capital e sociedade. Ao passo em que nos propomos em desenvolver a crítica ao modelo neoliberal, devemos, a priori, explicitar os acontecimentos determinantes para sua organização e para a construção das verdades que determinaram os rumos políticos, assim como sua sustentação durante os anos. Em Foucault (2010) temos que:
“Não se trata de colocar tudo num certo plano, que seria o do acontecimento, mas de considerar que existe todo um escalonamento de tipos de acontecimentos diferentes que não tem o mesmo alcance, a mesma amplitude cronológica, nem a mesma capacidade de produzir efeitos”. (FOUCAULT, 2010, p.5)
Deste modo, para relevância dos parâmetros de análise epistemológicos deste trabalho, utilizaremos a genealogia enquanto recurso provedor das inquietações e do desenvolvimento do artigo em si, partindo do princípio da investigação da “produção de verdades” (FOUCAULT, 2010) que se instituíram no tecido social ao longo dos séculos.
O neoliberalismo tem por origem o liberalismo clássico, o qual deriva das transformações no pensamento político dos séculos XVI à XIX. Sendo assim, enquanto caráter analítico, devemos compreender, primeiramente, o processo de transição encontrado na sociedade ao longo dos séculos, de modo a corroborar na formação do Estado Moderno, bem como nos novos padrões de regulamentação econômicas provenientes do capital.
Para discutirmos neste espaço a formação do Estado moderno e, em conseqüência, a teoria política moderna, tomaremos o materialismo histórico enquanto metodologia para compreendermos as causas motivadoras dos acontecimentos que transformariam as relações sociais.
A compreensão anterior da formação do poder, política ou Estado mantinha-se atrelada à perspectiva teológica, a qual fundara a concepção divina da hereditariedade e da nobreza, bem como da vassalagem e servidão. Esta concepção divina entraria em derrocada através de publicações contrárias, dotadas de razão crítica, como La Boétie (1987) (o qual veremos mais adiante) e Maquiavel (1979). Para este segundo, o Estado é fruto da relação dos homens em sua busca pelo poder, cabendo ao governante utilizar-se de sua virtú (habilidade, capacidade, dentre outras qualidades) para manter-se enquanto tal e conquistar novos espaços.
Em Maquiavel (1979) a estratégia e o comando são necessários para a continuidade do poder, tendo em vista que a virtú será a qualidade essencial de um príncipe, que saberá utilizar a fortuna (sorte) a seu favor quando assim necessário.
O desvelamento da natureza divina do Estado através da leitura de Maquiavel (1979), o qual evidencia que o Estado se forma mediante os conflitos existentes entre os grandes e o povo, fazendo-se necessário o governo de um príncipe virtuoso para manter a ordem, atendendo seu povo sem se submeter aos mesmos, possibilitou iniciarem-se os pensamentos acerca da formação do Estado através de outras perspectivas, como analisado por Hobbes (1978) e Rousseau (1979).
A compreensão de Hobbes (século XVII) (1978) sobre a sociedade revela dois princípios que seriam o direito de natureza (jus naturale) e a lei de natureza (lex naturale), sendo a primeira referente ao direito natural dos homens quanto à utilização de sua força e de seus sentidos para a continuidade de sua vida; o segundo, a lei de natureza, caracteriza-se enquanto regulador do direito de natureza, uma vez que constitui-se enquanto freio moral para a utilização indiscriminada da força e dos sentidos. Como os homens não conseguiriam manter uma ordem, uma harmonia, devido à supressão da lei de natureza, estes outorgariam a soberania para outrem, privando-se de sua liberdade proveniente de sua natureza, para manterem os direitos a vida e a paz. A formação da soberania seria legitimada, então, pela formação do Estado, o qual seria governado por um rei, uma assembléia democrática, ou mesmo uma aristocracia, desde que definido em sua formação os papéis políticos relativos a concentração do poder. Neste sentido, para Hobbes (1978) o Estado, enquanto construto político, legislaria sobre a vida dos homens, sob o intuito de manter a vida e a paz, mesmo que para isso seja necessário o uso da violência legal.
Em Rousseau (1979), no século XVIII, o Estado de Natureza perpassa um novo sentido, sendo ele a vida humana isolada, sobrevivendo dos recursos naturais dispostos, comunicando-se entre seus semelhantes através de uma linguagem primitiva. Contudo, a partir do momento em que um indivíduo cria para si uma propriedade, tem início os conflitos, sendo este momento caracterizado por Rousseau (1979) enquanto Estado de Sociedade. Este momento se assemelha ao Estado de Natureza hobbesiano, conforme visto acima. Para regulamentar a vida em sociedade, os homens realizam um pacto social o qual cedem seus direitos naturais a outrem, de modo a perpetuar a legalidade de determinadas ações e a garantia da ordem na sociedade. Sua maior diferenciação a Hobbes (1978) está contida na compreensão de que a soberania pertence ao povo, uma vez que este, consensualmente, outorga plenos direitos a um corpo político que legislará sobre a vida humana em sociedade, gerando, desta forma, a cidadania.
Contudo, temos de compreender que além da nobreza e dos súditos (cidadãos do Estado e súditos da lei instituída) sobrevinha uma classe a qual já a seu tempo acumulava riquezas, mas não possuía o poder tal qual instituído, tendo em vista que este mantinha-se arraigado à concepção da hereditariedade, do sangue nobre. Esta classe, a classe burguesa, necessitava de uma teoria capaz de legitimá-la, possibilitando a construçã-la, possibilitando a construç necessitava de uma teoria capaz de legitimar aorga plenos direitos a um corpo poliss dispostos, o de uma sociedade a qual os mesmos ocupassem espaço político determinante. Para tal, Locke, no final do século XVII e início do século XVIII, possibilitou a legitimação da classe burguesa sobrepujando a nobreza por intermédio da afirmação da propriedade privada enquanto direito natural dos homens, tendo em vista uma compreensão deste direito como sendo proveniente de uma determinação divina. Para compreendermos este momento histórico, se faz necessária a interpretação dada por Locke sobre tal questão: tendo Deus realizado a criação, esta seria sua propriedade, dada ao homem mediante o trabalho deste. Sendo assim, o direito a propriedade privada assumia uma posição estratégica frente à cosmovisão cristã à época, por razão da influência da igreja sobre a organização da sociedade política. A propriedade privada e seus detentores burgueses, então, seria superior à heriditariedade, ao sangue da nobreza, que não conquistou suas propriedades através do trabalho, configurando-os enquanto parasitas sociais.
Voltando ao Estado, a partir destes movimentos, fundamenta-se o Estado moderno, o qual preconizaria uma república, a partir das revoluções burguesas ocorridas na França, Inglaterra e Estados Unidos. Ressaltamos que o direito a propriedade privada, como determinado, possibilitaria a regulamentação própria do mercado e da economia, uma vez que o Estado passaria a administrar apenas as questões civis, tendendo a organizar-se em torno dos conflitos ocasionados no interior de seu bojo societário e da regulamentação léxica da vida humana em sociedade. Neste sentido, a organização do Estado encontraria sua divisão em esferas de poder, as quais seriam o poder executivo, o legislativo e o judiciário. O corpo burocrático seriam os funcionários do Estado, que desempenhariam o papel de realizarem as determinações organizacionais sancionadas pelo Estado à população.
Como nos afirma Chauí (2000) a passagem da monarquia para a república outorga os interesses burgueses e assolam a liberdade individual das massas populares, uma vez que o direito à propriedade nada tem a ver com a liberdade, uma vez que as relações econômicas são mediadas por uma classe de proprietários, os quais ensejam maiores lucros, podendo, com isto, acumular maiores propriedades, e assim sucessivamente. Neste princípio, torna-se impossível o aproveitamento das condições de cidadania estipuladas pela república, e as lutas por transformações sociais tem um enfoque baseado na democracia e na liberdade.
Sendo assim, as duas vias das revoluções são: a) burguesa liberal: pressupõe que a revolução é política, visando à tomada do poder e à instituição do Estado como república e órgão separado da sociedade civil; b) popular: revolução política e social, visando à criação de direitos e à instituição do poder democrático que garanta uma nova sociedade justa.
De modo a evitar os constantes conflitos entre burgueses e trabalhadores (proletários), a república liberal tende a permitir o avanço de determinados direitos, mantendo a ordem e inviabilizando o surgimento de novos conflitos revolucionários.
Adentramos, então, ao pensamento de Marx (1968). Marx procura desvelar o desenvolvimento da sociedade através do desenvolvimento dos modos de produção, o que, por sua vez, determinará sua filosofia enquanto materialista histórico-dialética. Partindo deste princípio, Marx (1968) tece a análise do desenvolvimento dos modos de produção primitivos até o surgimento do Estado, este denominado enquanto “comitê executivo da burguesia”. Seu pensamento eclode em meio ao processo de acirramento das lutas sociais pela conquista de direitos, e isto incide sobre sua compreensão dos desdobramentos societários a partir da divisão da sociedades em duas classes antagônicas: a primeira, o proletariado, força produtiva nos modos de produção capitalista, destituídos de sua capacidade crítica mediante o processo de alienação, determinados a venderem sua força de trabalho para obter os meios necessários à continuidade de suas trajetórias de vida, sendo expropriados do excedente de sua atividade laborativa mediante o processo de mais-valia; de outro, a burguesia, proprietária dos meios de produção e controladora das massas, empregando o proletariado em suas linhas de produção para a acumulação, organizadores de todo um complexo estatal cujo fim último seria o de possibilitar a acumulação e a continuidade do poder e do capital.
A análise extensiva de Marx (1968) sobre as categorias fundamentais do desenvolvimento do capital, bem como seu desvelamento, aufere sentido quando compreendemos a trajetória trilhada pelas sociedades sob luz do materialismo histórico. Conforme salientamos anteriormente, percebe-se o desenvolvimento da sociedade mediante variados fatores, os quais desencadeiam a formação do Estado moderno, retirando a autoridade do mesmo sobre a propriedade privada e usufruindo, a partir disto, da improbabilidade léxica do Estado reger sobre si quaisquer empecilhos para a acumulação.
Tomando a propriedade privada enquanto fim último do processo de desenvolvimento societário, temos que, ao empregar uma força produtiva em determinada linha de produção, em determinado meio de produção, seu empregador, o proprietário burguês, torna-se proprietário da categoria ontológica humana, qual seja o trabalho. A partir disto, então, toma sua vida, uma vez que a força produtiva necessita de seu trabalho, de sua atividade laborativa para dar continuidade a sua trajetória de vida.
O desenvolvimento da sociedade, ao passo em que encerra em si o desenvolvimento necessário para firmar as colunas necessárias à sustentação do capital, advém do processo de transformações sociais, as quais perpassam todo o pensamento acerca do contrato social, pois incide sobre a dominação, novamente, de poucos sobre muitos, resguardando maior posição que o Estado, o qual serviria para legitimar o capital, uma vez que não iria intervir na propriedade privada e nas relações econômicas.
Destarte, Marx (1968) denota que o Estado não é resultante de um contrato social, muito menos que a propriedade privada seja um direito natural. Ao contrário: sendo a história uma construção humana, todas as instituições e órgãos que compuseram e compõe a realidade tornam-se construtos humanos, não havendo Deus ou espírito (idéia) a qual fosse materializada. O sentido último do Estado seria a salvaguarda dos interesses de uma classe burguesa a qual conquistara seu espaço mediante esforços políticos.
A divisão da sociedade em duas classes antagônicas perpassa a compreensão da “questão social”, incidindo na dinâmica conflituosa entre os interesses coletivos e burgueses, que reflete sobre a sociedade de modo a: a) auferir na medida do possível as objetivações necessárias à continuidade do caráter sociometabólico do capital (MESZAROS, 2001) e b) resguardar a produção e acumulação inerente do processo de trabalho. Além disto, Marx (1968) salienta que o desenvolvimento da sociedade capitalista moderna permite o desenvolvimento, também, do capital, de modo a concatenar as classes trabalhadoras no envolvimento de suas forças produtivas e de seu sentido ideológico. Sendo assim, a dominação coincide tende a aumentar conforme a necessidade de expansão dos modos de produção capitalista, o que reflete seu caráter dialético, renovador.
Ao analisar a sociedade francesa parafraseando o 18 de Brumário de Napoleão Bonaparte com o processo desencadeado por seu sobrinho, Luiz Bonaparte, Marx (1968) utiliza-se do materialismo histórico para demonstrar como os acontecimentos fomentam construções meramente humanas em torno de um interesse comum: a dominação e o retorno ao Estado Monárquico. Entretanto, o interesse maior se encontrava no assentamento de solo fértil e protegido aos interesses burgueses, de modo a possibilitar a continuidade do sistema sociometabolico do capital. Temos de compreender que, neste sentido, por mais aparentemente democrática que seja uma sociedade capitalista, o Estado ainda assume sua função central enquanto “mero comitê executivo da burguesia”, tendo como base de sustentação as relações de poder existentes e a legislação sobre as parcelas populacionais não-burguesas.
O interesse, então, está inserido na garantia de melhores condições de sustentabilidade do capital, sendo que o Estado não interferiria nas relações econômicas existentes nas propriedades privadas. Os conflitos desencadeados a partir destas relações de produção, ainda que, em última instância, fossem possibilitadas as resolutividades à estes através dos órgãos públicos, não surtiria efeito positivo sobre o proletariado, diante de um Estado imbricado à uma classe dominante. Além do desenvolvimento histórico da sociedade de classes através das relações de produção, é interessante notar que o fomentar de uma autocracia burguesa (FERNANDES, 1968) reitera a ligação entre Estado e classe dominante, de modo a perpetuação da ideologia necessária à garantia da ordem econômica e social.
Marx (1968) distancia-se das conclusões contratualistas em que pensa-se o Estado como fruto de um contrato social previamente produzido de modo a suprimir as liberdades para a garantia do bem comum de um todo societário. Ao contrário, o Estado apenas se justifica em sua gênese pela íntima junção de interesses de uma classe dominante em relação ao estabelecimento de regras políticas e legais funcionais, de forma a outorgar um modo de produção capaz de manter a dominação necessária à acumulação. Baseando-se neste princípio, temos que o Estado não se encerra enquanto um contrato social ou mesmo enquanto fruto de um espírito (idéia), mas sim enquanto um construto meramente humano, tendencioso no sentido de manter a dominação de uns sobre os outros.
Assim, a solução de La Boétie (1987) torna-se inerente, uma vez que pensa-se a possibilidade de não aceitação à dominação. Contudo, esta dominação não mais encontra-se sobre a figura de um, mas encerra suas características em um sistema complexo, de regulamentações políticas, sociais e econômicas as quais incidem sobre a vida pública. Sendo assim, a não aceitação da servidão apenas é possível mediante uma luta coletiva, a formação de uma classe contrária à dominante, de modo a reivindicar demandas inerentes à classe, no sentido de uma construção de outro construto social, qual seja uma sociedade justa e coerente.
Em Marx (1968), percebe-se que a burguesia pertencente ao Estado francês, ao firmar-se no parlamento enquanto espaço político, perderia forças mediante a maioria proletária a qual poderia usurpar-lhe o poder. Sendo assim, desfaz-se do mesmo para que possa, enfim, constituir-se sem maiores problemas, uma vez que os espaços de discussão e transformação societárias são suplantados pelo Estado. Desta forma, Marx (1968) traduz um importante movimento histórico, o qual o Estado mostra-se imbricado à classe dominante, de modo a atender seus interesses, na garantia da continuidade da dominação.
A característica ditatorial do Estado francês bonapartista referencia a base teórica sob a construção das sociedades mediante os estudos elaborados pelos autores supracitados, uma vez que seu representante tenderia a servir o conjunto societário de forma a prevalecer às determinações sobre a propriedade privada. Desta forma, Marx (1968) vem afirmar, através da observação materialista histórica da sociedade francesa em seu desenvolvimento contínuo, que a relação política estabelecida na França bonapartista enfatizara a violência legal (exército) e a burocracia estatal, mas não impedira o conflito de classes existentes; ao contrário, protelou o desenvolvimento desta última de modo a salvaguardar os interesses de Estado. Ao realizar tal feito, o Estado bonapartista determinou seu produto no momento histórico em que a classe dominante da sociedade capitalista já não é capaz de manter seu domínio por meios constitucionais e parlamentares, e, ao mesmo tempo, a classe operária não é capaz de afirmar sua própria hegemonia.
O que Marx (1968) observava no Estado bonapartista era sua característica de mediador ostensivo entre as classes em luta, mas característica tal que não o deixava “suspenso no ar”. Ao final, a tarefa do Estado bonapartista foi garantir a segurança e a estabilidade da sociedade burguesa, tornando possível o rápido desenvolvimento do capitalismo, seguindo não apenas os interesses desta, mas os seus próprios, em um movimento de rápida expansão do capital (MILLIBAND in BOTTOMORE, 2001).
Deve-se notar, entretanto, que a conjuntura (utilizando-se do materialismo histórico enquanto método elucidativo sobre o fato em questão) francesa à época, permitiu com que as manifestações favoráveis ao avanço econômico partissem da classe burguesa em ascensão, que clamavam pelo desenvolvimento político, econômico e produtivo do país de modo que acompanhasse o desenvolvimento contínuo e acelerado das demais sociedades à época. É interessante ressaltar, ainda, que Marx (1968) compreendera o movimento realizado por Bonaparte, o qual intentava a atender a duas classes antagônicas em seu substrato, como possibilidade frustrada de amenizar os conflitos gerados pelo capital e por sua má administração estatal.
Em suas estratégias paralógicas, Bonaparte (Napoleão III, como se intitulava) possibilitou uma extensa estratificação social entre as classes, e, também, o avanço na acumulação, uma vez que consolidado um Estado forte e centralizado apresentava-se, por sua vez, o ânimo necessário aos investidores, fato tal que iria garantir a perpetuação do lucro em demasia. Este mesmo movimento, ainda, consolidaria um forte sentimento de nacionalismo entre os cidadão franceses, denominado chauvinismo, em analogia à Nicolas Chauvin, soldado do Primeiro Império Francês, notável à sociedade por seu patriotismo.
Em suma, o materialismo histórico o qual se propôs Marx (1968) em sua análise do Estado bonapartista, reflete os termos chaves utilizados no vocabulário marxista, como luta de classes, ditadura do proletariado, doutrina do Estado, dentre outras, mas o Estado ainda encontraria uma continuidade em seu desenvolvimento, como veremos.
1.2 Sinuosidades: Mundo do Trabalho e Neoliberalismo
Conforme Netto (1996):
“(…) o período histórico em que estamos situados marca-se por transformações societárias que afetam diretamente o conjunto da vida social e incidem fortemente sobre as profissões, suas áreas de intervenção, seus suportes de conhecimento e de implementação, suas funcionalidades”. (NETTO, 1996, p.87)
Desta forma, devemos destacar o mundo do trabalho e suas nuances nas questões relativas a seu desenvolvimento e, por conseguinte, suas implicações na vida social, levando em consideração que toda a transformação social, a partir da categorização do trabalho enquanto meio de subsistência à sociedade, relaciona-se de forma íntima às propensões sociais no limite das classes trabalhadoras, o que, de certa forma, traça o período histórico e revela novas possibilidades quanto à vida humana.
Autores como Habermas (1991 e 1992), Rifkin (1995) e Offe (1989) apontaram uma irrelevância da centralidade do trabalho na vida humana, tomada como centro das discussões na teoria crítica-marxista, tendo em vista a compreensão de que toda a atividade humana deve ser concebida como trabalho, seja por dispêndio de força física, seja por alocação da produtividade dos homens a outrem (venda da força de trabalho, neste caso).
Habermas (1991) aponta que o trabalho perde sua centralidade na medida em que a comunicação ganha sentido de maior importância para o desenvolvimento das relações sociais em uma determinada sociedade. Para o autor (HABERMAS, 1991), existem dois fatores fundamentais: a razão comunicativa, que dispõe a ação comunicativa, ou seja, a comunicação livre, racional e crítica enquanto alternativa à razão instrumental da razão iluminista que se mostra enclausurada pela lógica instrumental, que encobre a dominação (HABERMAS, 1991). Entretanto, as ressalvas de Habermas (1991) quanto à importância da razão comunicativa frente à razão denominada iluminista (ou seja, o trabalho propriamente dito) torna-se ineficaz, tendo em vista que a razão comunicativa, seu sistema de inter-relações e suas formas de reprodução ideológica, constituem-se enquanto trabalho abstrato: o ente humano, quando apropria-se da linguagem ou de outras formas de comunicação, exerce atividade intelectual, tal qual o homem que exerce atividade laborativa em transformação direta da natureza. Considerado neste ponto como chave para a compreensão da análise de Habermas (1991), pode-se dizer que mesmo tendo grande importância para o conjunto de relações sociais e reprodução ideológica em determinada sociedade, a razão comunicativa perde seu caráter de centralidade na vida humana, pois ainda sim é mediada por uma ontologia, qual seja, o trabalho.
Por sua vez Méda (2009), em entrevista realizada pelo IHU[1], afirma a importância do trabalho na vida social:
“O trabalho é muito importante na identidade dos indivíduos modernos. Ele se tornou o fato social total ao longo dos dois últimos séculos. Uma pesquisa recente que realizamos na Europa (…) evidenciou que as expectativas sobre o trabalho são imensas. As pessoas buscam não somente uma renda, mas também um lugar na sociedade, uma possibilidade de se realizar. E, evidentemente, o trabalho tomou este espaço não somente no funcionamento das sociedades em geral, mas também na vida de cada um”. (MÉDA, 2009)
Como podemos observar, a autora (MÉDA, 2009) relaciona a importância do trabalho para a construção da identidade humana, não somente por sua capacidade de reprodução sócio-metabólica capitalista, mas também pela atribuição de sentido conferida à mesma. Quando exerce determinada atividade laborativa, os indivíduos visualizam as possibilidades sociais a eles inerentes pelo fato de estarem ocupando determinado cargo, função ou posição, o que nos faz retornar à discussão quanto ao papel das estruturas de classes sociais no mundo do trabalho. Para Santos (2002):
“(…) A parte crítica da tipologia de localizações de classes encontra-se nas diferenciações entre os não-proprietários dos meios de produção, ou seja, nas divisões internas entre assalariados, atribuídas à operação dos mecanismos de exploração não capitalistas e de dominação dentro da produção, estruturalmente subordinados à exploração baseada nos ativos de meios de produção. A idéia de múltiplas explorações permite pensar a existência de localizações contraditórias de classes, que podem ser simultaneamente exploradas por um mecanismo e exploradas por outro mecanismo”. (SANTOS, 2002, p.49)
Santos (2002), ao afirmar o “problema” da divisão interna entre assalariados, expõe as questões subjetivas do trabalho: mesmo sendo dominado, tal qual os demais trabalhadores, àquele indivíduo que sustenta maior grau em posições de trabalho desfrutaria de uma identidade atribuída socialmente melhor. Isto nos remete à questão do ego trazido pelo trabalho e seu desenvolvimento social: quanto melhor o posto de trabalho, mais reconhecido se torna seu executor, indiferente de este estar tão subjugado quanto os demais trabalhadores pela lógica sistêmica do grande capital, no que diz respeito à exploração através da apropriação do excedente produtivo (mais-valia), que determina o crescimento lucrativo dos órgãos empregatícios em seus diversos níveis (empresas, serviços, dentre outros).
Para Lukács (1980):
“Somente o trabalho tem na sua natureza ontológica um caráter claramente transitório. Ele é, em sua natureza, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto com a natureza inorgânica (…), quanto com a orgânica, inter-relação (…) que se caracteriza acima de tudo pela passagem do homem que trabalha, partindo do ser puramente biológico ao ser social (…). Todas as determinações que (…) estão presentes na essência do que é novo no ser social estão contidas in nuce no trabalho. O trabalho, portanto, pode ser visto como um fenômeno originário, como modelo, protoforma do ser social (…)”. (LUKÁCS, 1980, IV-V)[2]
Ora, tendo como referência o trabalho enquanto fenômeno originário, podemos dizer que o ente humano se realiza e se constrói através do trabalho, em suas relações de trabalho. Entretanto, quando nos referenciamos ao trabalho, devemos ter clareza de que toda a ação humana está impregnada do trabalho, pois como percebido em Marx (1996) toda a ação humana constitui-se de trabalho. Compreendido desta forma, o trabalho assume centralidade na vida humana, principalmente quando das transformações societárias que caracterizaram a venda da força de trabalho dos homens a outros homens, formando a subclasse emprego. Como já definido anteriormente[3], o emprego se caracteriza pela comercialização da produtividade humana. Diante disto, tem-se que, na conjuntura sócio-econômica atual, o emprego avalia o ser humano. Podemos afirmar certamente que o emprego define o status social, as condições de compra, a educação, dentre outras determinantes da vida pública necessários para o desenvolvimento humano (SANTOS, 2002).
Todavia, autores como Heller (1981) tendem a afirmar que “Lukács introduz o paradigma da produção como se fosse simplesmente a conseqüência do paradigma do trabalho, o que não é” (1981, p.122), sendo este o motivo pelo qual a ontologia do ser social “resulta ser uma tentativa incoerente e auto-contraditória de replasmar o marxismo com base no paradigma do trabalho” (HELLER, 1981, p.122). Abstraindo desta crítica à Lukács, temos a teoria lukácsiana posta à prova: conforme Heller (1981, p.113) apud Lessa (1996),
“O paradigma da produção constitui a intersubjetividade como mera expressão do desenvolvimento de uma força quase-natural; o paradigma do trabalho constitui a intersubjetividade a partir dos atos individuais de posição teleológica. O primeiro é um positivismo historicizado, o segundo um cartesianismo materialista” (HELLER, 1981, p.113).
Lessa (1996) tende a afirmar o oposto, ressaltando que o equívoco de Heller (1981) reside justamente na desconsideração da categoria de reprodução social, que situa-se entre a categoria do trabalho e o conjunto da práxis humano-social, enquanto mediadora das relações advindas destas duas categorias citadas. Desta forma, acredita-se que faltou a Heller (1981) o cuidado analítico quanto ao rigor necessário para a compreensão das temáticas propostas por Lukács, referentes à ontologia do ser social. Esta discussão é necessária neste espaço para analisarmos cuidadosamente as diversas compreensões acerca do trabalho: o desvelamento da dicotomia entre fim do trabalho e continuidade do trabalho, ou mesmo da centralidade do trabalho para a descentralização do trabalho se fazem necessários quando a discussão perpassa o vasto material publicado a respeito do tema (trabalho), o que suscita a explanação teórica para que seja possível compreender as demais classificações que veremos a seguir.
O que todos os autores que afirmam o fim do trabalho discutem, gira em torno de uma sociedade pós-trabalho, ou seja, uma sociedade em que o trabalho vivo seria substituído pelo trabalho morto, ao passo em que a tecnologia avança frente à flexibilização da acumulação capitalista e fazendo jus ao desenvolvimento de novas formas de relações sociais, como visto a internet, entre outros. Como podemos observar, todos os autores do pós-trabalho provêm sua crítica da autora Arendt (1981), que discursa a respeito da liberdade humana, alcançada somente quando todas as formas de controle fossem deixadas para trás incluindo, neste bojo, a prática laborativa.
Segundo a autora supracitada (ARENDT, 1981), a ação é a característica do homem na condição de homem, característica esta que tem o poder de fazer com que o indivíduo se integre à esfera pública, de fazer com que o mesmo revele seu substrato e inicie novas relações sociais. O homem, enquanto age, deixa de ser escravo das necessidades, deixa para trás o trabalho, para finalmente ser livre. Agindo o homem livre, desvincula-se do reino doméstico, o oikos[4] e entra na polis[5], no espaço político. A própria ação é a liberdade e, por conseqüência, só se é livre enquanto nos espaços públicos. A autora coloca ainda a questão da a-politização como método de domesticagem humana, através da atividade laborativa.
Toda esta indagação torna-se pertinente para o germe da consciência da descentralização do trabalho enquanto categoria fundamental para a vida humana. O leitor pode perceber, depois de percorrido os campos descritos no capítulo anterior sobre trabalho e emprego, que Arendt (1981), ao afirmar ser o trabalho uma escravidão, compreende-o enquanto emprego, enquanto força produtiva comercializada, em troca de salário, como forma de manter a subsistência humana, de modo a determinar a prisão do indivíduo ao sistema capitalista de produção, alimentando ainda mais a opressão para com as classes trabalhadoras a níveis material, econômico, social e político.
Tendo em vista este equívoco de interpretação, temos que as prédicas utilizadas pela autora (ARENDT, 1981) substanciaram a inquietação teórica de autores como Heller, Offe, Rifkin e Habermas, levando em consideração a efervescência trazida ao mundo pelo processo de transformação societária ocasionada pela terceira revolução no mundo do trabalho, qual seja a revolução técnico-científica.
Na década de 1980, em um processo autônomo de reestruturação do sistema capitalista[6], o nível tecnológico alcançado exerceu papel fundamental na reestruturação econômico-organizacional. O desenvolvimento dessas tecnologias contribuiu para a formação de meios de inovação, dentro dos quais as aplicações interagem em processo de “tentativa e erro”, exigindo a concentração espacial dos núcleos tecnológicos de empresas e instituições, com uma rede auxiliar de fornecedores e capital de risco como apoio (SANTOS, 1994).
A grande característica[7] da terceira revolução industrial está no fato de a mesma pressupor ao imaginário a reestruturação do trabalho como sendo não mais humano, mas sim atividade atribuída às máquinas. Desta forma, mudanças introduzidas nos contextos de trabalho, sobretudo, no período discutido (década de 1980) até então, têm sido interpretadas por teóricos como Gorz (1982), Offe (1989), Habermas (1987, 1988) e Kurz (2002) como indícios de que a atividade laboral perdeu sua centralidade na organização da sociabilidade e, portanto, deixou de ser percebida “(…) como atividade ordenadora e fundadora das identidades coletivas”, perdendo sua “dimensão subjetiva”, “enquanto categoria constituinte e constituidora dos modos de agir, sentir e pensar, enfim, de uma conduta moral socialmente reconhecida”. (ORGANISTA, 2006, p.11).
Entre essas mudanças, duas merecem ser destacadas, tendo em vista as múltiplas interpretações que suscitam: o incremento intensivo de tecnologia nos contextos produtivos e a conseqüente redução dos postos de trabalho regulamentados e regidos pelo assalariamento. Ou seja, com a introdução maciça de tecnologias nos contextos laborais, os postos de trabalho têm diminuído, gerando a redução do operariado industrial tradicional e o aumento das atividades informais, além do incremento do setor de serviços e do aprofundamento do desemprego estrutural. (CASTELLS, 2000).
Embora os teóricos do “fim do trabalho” apresentem algumas diferenças nas suas teses centrais, não há divergências fundamentais naquilo que concerne à essência de suas idéias, nem nos equívocos que contêm. Ao confundirem trabalho e emprego, ou seja, ao identificarem duas categorias totalmente distintas, eles deixam de perceber que a primeira é “ineliminável da existência humana”, enquanto a segunda, “é uma construção histórica” (ORGANISTA, 2006, p. 10). Esta segunda, enquanto construção histórica determina a condição humana na sociedade, pois é a partir da venda da força de trabalho que é permitido ao ente humano as possibilidades de continuidade de sua biovia e da concretização de sua sustentabilidade.
Portanto, é interessante ressaltar a ironia de Negri e Hardt, quando concluíram que existem aqueles que conseguem “excluir o trabalho da esfera teórica, mas não podem, em todo caso, excluí-lo da realidade” (apud ANTUNES, 2000, p. 130).
Quando ratificados os temas propostos pelos autores supracitados, as características inerentes do processo de transformação ocasionado pela terceira revolução industrial, incidem diretamente no ideário societário, no que diz respeito ao processo de continuidade capitalista, sendo este o movimento neoliberal. O neoliberalismo inicia suas atividades já na década de 1970, no Chile, quando da aproximação entre a Universidade de Chicago e a Universidade Católica chilena, propondo ser o neoliberalismo um novo modelo de regulamentação sócio-econômico. A partir da experiência desastrosa ocorrida no país em questão, Estados Unidos e Inglaterra tomam a iniciativa de implementação do regime em seus governos, fazendo com que toda a esfera econômica mundial se rendesse às práticas neoliberais, tendo em vista a maximização dos lucros através de empresas multinacionais que monopolizaram a indústria (BELLO, 2002).
Anderson (1995) aponta que:
“O ideário do neoliberalismo havia sempre incluído, como componente central, o anticomunismo mais intransigente de todas as correntes capitalistas do pós-guerra. O novo combate contra o império do mal (…) inevitavelmente fortaleceu o poder de atração do neoliberalismo político, consolidando o predomínio da nova direita na Europa e na América do Norte. Os anos 80 viram o triunfo mais ou menos incontrastado da ideologia neoliberal nesta região do capitalismo avançado”. (ANDERSON, 1995, p.12)
Temos, então, que a ideologia neoliberal serviu como funcionalidade ao próprio neoliberalismo, tomada enquanto a aceitação das transformações vigentes. Estas transformações as quais nos remetemos, dizem respeito aos reajustes estatais, ou seja, às privatizações de empresas do Estado, do poder público, desta vez transferidas, em grande parte, para capitais estrangeiros, os quais ratificam seus lucros através da extorção da força de trabalho humana, na compensação de salários irrisórios a um conjunto cada vez menor de trabalhadores. A oferta de emprego diminui, enquanto que, por sua vez, cresce o exército industrial de reserva, onde cada vez mais trabalhadores inserem-se em um jogo de oferta e procura. Por sua vez, legitimado por tal situação, os empregos oferecem menores salários, fazendo com que o poder de compra ou mesmo a capacidade de existência dos indivíduos inseridos no sistema neoliberal diminua, realizando um enfraquecimento dos movimentos sindicais, pois à medida em que a classe trabalhadora adere à causa trabalhista, seus empregos são colocados à fogo, podendo ceder lugar à outros milhões de trabalhadores que esperam ansiosamente por vagas no mercado de trabalho.
Este complexo de transformações citados acima refletem sobre a divisão sexual do trabalho: antes a família, tendo em seu modelo clássico o pai, que exerce atividade laborativa para o sustento da casa, e a mãe, que mantinha seu papel de educadora e guardiã da família, agora finda-se para dar lugar à subsistência humana – com salários enfraquecidos, homens e mulheres unem-se nas atividades laborais, traçando o novo perfil do mundo do trabalho, caracterizado pela aceitação do todo societário nas esferas produtivas. Este todo societário não exclui crianças e adolescentes, uma vez que, segundo os dados levantados pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD – 2007), 1,2 milhão de crianças e adolescentes encontram-se em situação de trabalho.
Estas são as principais transformações trazidas pelo neoliberalismo ao mundo do trabalho. Ora, se analisássemos pela lógica capitalista, quaisquer meios justificariam os fins lucrativos, independentemente se os mesmos envolvessem a degradação da natureza ou mesmo dos indivíduos: o passo mais importante evidencia-se quando da aquisição de maiores ganhos.
Os autores que citamos, que discutem um adeus ao trabalho, foram claramente iludidos por um período de catarse histórico-social mundial: queda do muro de Berlim, crescimento do grande capital, ruptura com modelos tradicionais de acumulação, aumento do capital variável, introdução da microeletrônica nos processos de trabalho, superávit de informações, especulações e previsões sobre a cibernética, entre outros. Cabe citar neste momento, em nível de conhecimento, que na década de 1980, teóricos renomados da informática (advindos em sua totalidade do Massachusetts Institute of Technology – MIT), como o estadunidense Ray Kurzweil, realizavam palestras com previsões a respeito de um futuro próximo, aonde máquinas não iriam “simplesmente” superar a humanidade em inteligência, como também iriam alterar irrevogavelmente o sentido do que significa “ser humano” (KURZWEIL, 2005).
O que temos, então, é que os teóricos da sociologia influenciaram-se, primordialmente, pela concepção de liberdade de Arendt (1981); em conseguinte, pela corrente filosófica francesa pós-estruturalista, que propunha uma análise da subjetividade humana a partir de formas simbólicas, como a linguagem, o poder, entre outros[8]; pelas previsões da efervescente ciência tecnológica (KURZWEIL, 2005); pelas transformações sócio-econômicas, como a crise do petróleo (1973), a implementação do neoliberalismo (1979 e 1981, nos Estados Unidos e na Inglaterra, respectivamente); pela tendência neo-marxista (trazida à tona por Foucault) e pelos rebatimentos de todo este complexo reunido, e historicamente produzido, fundando a ideologia capitalista do final do milênio, a pós-modernidade (GRENZ, 2008).
Retomando a questão concernente ao mundo do trabalho, as transformações pertinentes ao mesmo implicam em fatores que são apontados por Anderson (1995), como o agravo da desigualdade social (ANDERSON, 1995, p.18), aumentando a pobreza e a exclusão. Trazendo para o Brasil, temos uma forte influência na vida pública e político-nacional, quando da trajetória contraditória percorrida pelo país entre as décadas de 1980 e 1990 do século XX. Retomemos, então, uma breve análise histórica brasileira.
1.2.1 Neoliberalismo no Brasil e suas nuances
A globalização deve ser analisada sob a perspectiva do capitalismo e da diminuição dos espaços econômicos de um determinado Estado Nação o qual irá formular com outros a necessidade de acordos economicamente viáveis à sua continuidade. Desta forma, o pano de fundo das prerrogativas advindas da globalização são, necessariamente, determianntes advindas do sistema capitalista, o qual, por sua vez, é denominado capitalismo tardio no Brasil, devido à seu desenvolvimento posterior aos países desenvolvidos.
Devemos salientar, então, que o neoliberalismo, vertente atual e hegemônica do modo de produção capitalista, ascende a partir da implementação do ideário produzido pela Escola de Chicago e implementado no Chile de Pinochet com o apoio da Universidade Católica daquele país. A partir da implementação, na década de 1970, o fracasso fora iminente e, mesmo assim, o modelo neoliberal de regulação socioeconômica não deixara de ser implementado na Inglaterra de Tatcher (a qual Mészáros denomina de “dama de ferro” – MÉSZÁROS, 2001) e nos Estados Unidos de Reagan, ao final da década de 1970 e no primeiro lustro da década de 1980.
Apesar da crise neoliberal nos setores sociais e previdenciários, o capitalismo tardio ganha solo fértil em terras brasileiras, de modo a ser iniciado no governo Collor e garantir sua continuidade nos governos subseqüentes. Como nos aponta Ianni (2003), por meio da influência sobre governos ou por dentro dos aparelhos estatais, grandes corporações estabelecem objetivos e diretrizes que se sobrepõem à sociedade civil, não apenas no que se refere às políticas econômico-financeiras, mas, também, sobre a seguridade social de modo a desestabilizar a dinâmica das políticas sociais públicas, uma vez quedado o financiamento destas por meio do aparelho de governo, como visto na década de 1990 e explicitado por Ianni (2003).
Diante de tal cenário, a dinâmica da globalização encarrega-se de possibilitar aberturas de mercado às organizações multilaterais e às corporações transnacionais, fomentando uma hegemonia de mercado a qual se desenvolverá mediante ações estratégicas políticas, econômicas e ideológicas. Neste sentido, cabe ressaltar que a política externa, em muito, contribuiu para que os valores do grande capital fossem mantidos, porquanto que se mantivessem os sistemas e órgãos de financiamento, bem como o apoio da economia estrangeira. Uma vez conseguido tal feito através da política externa, a ascensão econômica de um país estaria determinada, uma vez que se transformaria em lócus de produção ativo, o que, por sua vez, fortaleceria e movimentaria a economia nacional.
Vale ressaltar que um dos frutos do desenvolvimento econômico dos Estados Nações sob intermédio de uma política globalizada fez aumentar a volatilidade do capital financeiro, fato o qual não permite o controle sobre o valor da moeda ou mesmo sobre o nível das taxas de juros, como nos aponta Siqueira (2002).
A globalização (ou mundialização) tem por fim último realizar uma aproximação dos países, seja através do intercâmbio cultural, ou mesmo econômico (blocos econômicos e acordos de exportação). As referências deste ao neoliberalismo estão centradas nos fatores economicistas, que gerariam as preponderâncias necessárias para a consecução do modelo de economia a ser estudado neste trabalho.
Voltando ao neoliberalismo, a escola austríaca produziu extensa e ardorosa teorização sobre a “necessidade” de se romper com o modelo keynesiano a fim de manter a economia que estaria seguindo seu curso natural (ou, a mão invisível de Smith em seu A riqueza das Nações) proporcionando melhor utilização do lócus do bem-estar na sociedade.
Esta perspectiva seria amplamente difundida pela escola de Chicago e seu representante maior, Milton Friedman, o qual rechaçava as idéias do New Deal de Roseevelt, que prezaram pela intervenção do Estado na economia, na década de 1930. Esta política recessiva (para Friedman e seus discípulos da escola de Chicago) estaria realizando uma extensão do processo conhecido como a grande depressão de 1929, nos EUA.
Subsequentemente, duas crises vieram a abalar as estruturas organizacionais da economia mundial, a crise do petróleo de 1973 e o constante colapso economicista causado pelo endividamento dos países em desenvolvimento, frente aos empréstimos para a realização de políticas desenvolvimentistas.
No Chile de Pinochet, as incursões neoliberais promovidas por convênio entre a Universidade Católica do Chile e a Escola de Chicago (COMBLIN, 2001) proporcionaram ao mundo a contemplação daquilo que viria a ser o desmantelamento estatal, em relação as políticas públicas e à crescente pauperização da população e das regulamentações trabalhistas.
Posterior a este reflexo negativo, têm-se então a adoção do ideário neoliberalista pelo governo Inglês, sob égide de Margarth Tatcher, a dama de ferro, corroborando para a implementação vilipendiosa do regimento economicista referido aos Estados Unidos e, na década de 1990, ao Brasil. Com a promulgação da Constituição de 1988 consagrou-se o entendimento de política social como um conjunto integrado de ações ofertadas como direito do cidadão e dever do Estado.
A partir de então as políticas de saúde, previdência e assistência social foram instituídas, integrando o tripé da Seguridade Social Brasileira, combinando um modelo de seguro, voltado para a proteção social dos trabalhadores contratados formalmente e um modelo assistencial, direcionado aos destituídos de vínculos trabalhistas (COUTO, 2008).
Nesta mesma Carta foram definidos os princípios que organizam a seguridade social, a saber: universalidade na cobertura e no atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais; irredutibilidade do valor dos benefícios; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; equidade na forma de participação do custeio; diversidade das bases de financiamento e caráter democrático e descentralizado da administração (COUTO, 2008).
Porém, ainda que a institucionalização do sistema de proteção social brasileiro representasse um avanço para a sociedade brasileira, introduzindo novos parâmetros para a organização das políticas e ampliando os direitos, ela encontrou diversas barreiras erguidas em torno dos princípios neoliberais. Estes como já descritos pregam o distanciamento do Estado e sua não interferência na economia levando o Estado a uma indefinição quanto ao enfrentamento das diversas expressões da questão social (COUTO, 2008). A consagração de um novo patamar de relação entre o Estado e a sociedade, deu-se em um contexto, que Soares (2000) esclarece como de:
“(…) esgotamento do Estado Desenvolvimentista, cujo padrão se baseava no tripé Estado-capital estrangeiro-capital nacional, com surtos de crescimento e desenvolvimento que possibilitavam os movimentos de fuga par à frente, em que se acomodavam os diversos interesses dominantes” (SOARES, 2000, p. 35).
Neste caso, o Estado envolto em uma crise financeira, sem controle da moeda, e das finanças, vivendo um processo de redução dos investimentos públicos e ausência de políticas de investimento e em um contexto de grave crise econômica (mundial e nacional), afastou-se de funções essenciais liberando “o livre jogo do mercado” (SOARES, 2000, p.39). Esta realidade impulsionou, entre outras, a proposta de privatização das empresas estatais, contribuindo para a redução do setor público, para o reordenamento das funções estatais, integrando um amplo projeto de Reforma do Estado.
A falsa compreensão de uma deficiência da máquina burocrática estatal em trazer resultados de qualidade (que comprovem eficácia e eficiência de suas ações) na implementação de suas políticas criou uma espécie de rejeição social em relação aos seus serviços o que fortaleceu ainda mais a lógica privatista na oferta de serviços sociais.
Assim, o Estado foi se configurando como Estado Mínimo, reduzindo os gastos sociais e se responsabilizando pela oferta de alguns serviços básicos (saúde, educação fundamental, etc.) e criação de uma infra-estrutura que desse suporte ao desenvolvimento (SOARES, 2000).
Netto (1996), ao discutir sobre as transformações societárias, que ocorrem, desde os anos 1970, marcando também os anos 1980 e 1990, em todo o mundo capitalista, afirma que o esgotamento de um padrão de acumulação rígido trouxe como alternativa “outro regime de acumulação, flexível, que implica, necessariamente, um correspondente modo de regulação” (NETTO, 1996, p.91). É fato que a flexibilização corresponde às necessidades históricas do capital para continuidade de sua ampliação.
Deste modo, entende-se a potencialização do processo de financeirização das economias, a existência de uma forma de produção difusa (em que os pólos produtivos espalham-se pelos diversos países), a organização dos países em blocos supranacionais (União Européia, NAFTA, etc.) que reforçam a possibilidade de lucros extraordinários, os altos investimentos tecnológicos, como elementos estruturantes de uma nova modalidade de organização do mercado de trabalho frente às novas exigências do capital. Neste são visíveis alterações da relação entre excluídos/incluídos, das formas precárias de contratação, novas formas de estratificação e discriminação por sexo, idade, cor, entre outros, demanda por uma qualificação elevada e domínio de múltiplas funções (NETTO, 1996).
Entretanto, neste contexto de reestruturação produtiva que acentua a concentração de renda, riqueza e propriedade, que medidas em relação às garantias sociais vão se flexibilizando. Estas produzem como saldo social um universo de desprotegidos (crianças, idosos, aposentados, minorias estigmatizadas, trabalhadores desempregados, subempregados, expulsos do mercado de trabalho) que são vistos “como uma não sociedade ou uma contra sociedade – e assim interatuam com a ordem” (NETTO, 1996, p. 96). Antunes (1996) endossa as afirmações acima, quando diz que:
“[…] não é preciso dizer que esse sistema de flexibilização do trabalho supõe a flexibilização (ou a desmontagem) dos direitos do trabalho. Um sistema de produção flexível supõe direitos do trabalho também flexíveis, ou de forma mais aguda, supõe a eliminação dos direitos do trabalho, e se o trabalhador tem direitos rígidos, essa rigidez dos direitos conquistados ao longo de décadas obsta essa flexibilidade produtiva que necessita do trabalhador disponível; necessita do trabalho parcial, do trabalho de terceiros e do trabalho precário, dessas várias formas de trabalho que eu chamo de subtrabalho, uma subproletarização dos trabalhadores, de modo que flexibiliza e dá efetividade a um modo de produção que é essencialmente destrutivo e que também destrói a mercadoria força de trabalho” (ANTUNES, 1996, p.81).
Acompanhando e reforçando a realidade de desconstrução dos direitos sociais ganha espaço uma cultura do consumo, do efêmero, da descontinuidade, deixando a percepção construída propositadamente “do triunfo do indivíduo sobre a sociedade” (NETTO, 1996, p.98). Além da proliferação de noções de responsabilização dos sujeitos pelos seus atos (de fracasso ou sucesso), ganham corpo idéias que difundem a naturalização e também criminalização da pobreza. Este caldo cultural libera o Estado para a expansão de sua desresponsabilização no enfrentamento das desigualdades entre as classes sociais e permite tanto a transferência de seus deveres para a sociedade civil quanto à assistencialização dos direitos sociais.
Na década de 1980 o Brasil rompia com a ditadura militar, que perdurara durante 30 anos. Esta, por sua vez, antecedeu o neoliberalismo de forma, talvez, inimaginável: proporcionou solo fértil à concretização da política neoliberal, fornecendo o subsídio básico para sua implementação – o aumento da pobreza e o desmonte estatal. A história brasileira, intermediada pelo hiato da ditadura, mostra-nos que a ascensão do poderio militar ao poder nacional veio a estancar um possível desenvolvimento social, rompendo com as classes trabalhadoras e endividando o país com o capital estrangeiro para o financiamento das denominadas obras faraônicas, como a Rodovia Transamazônica (jamais concluída), Rodovia Rio-Santos, Ponte Rio-Niterói, Ponte Colombo-Salles (SC), Usinas siderúrgicas de Tubarão (ES) e Açominas (MG), Ferrovia do Aço (MG) – interrompida em 1979 –, Usinas hidrelétricas de Itaipu (PR), Tucuruí (PA) e Sobradinho (BA), acordo nuclear com ALE para construção de 08 usinas nucleares (apenas uma realmente começou a funcionar – ANGRA I), entre outras.
Em 1979 o general João Baptista Figueiredo sucedeu o general Ernesto Geisel na presidência. Figueiredo se comprometera com seu aliado a dar continuidade ao processo de abertura política e social que este último havia iniciado. No entanto, toda a carreira de Figueiredo estava ligada à comunidade de informações e essa comunidade (formada pelo CIE, SNI e DOI-CODI[9]) era responsável direta pela repressão à esquerda (MOLICA, 2005). Então, mesmo disposto a continuar o trabalho do antecessor, Figueiredo fez o possível para não entrar em atrito com os serviços de informações, pois estes, principalmente o CIE, estavam irritados com o rumo que a política estava tomando: eles haviam sido responsáveis por centenas de casos de tortura e desaparecimento. O fim da ditadura poderia representar o fim da comunidade de informações; seus membros temiam a revolta nas ruas e um possível revanchismo por parte da oposição caso essa assumisse o poder.
Por isso, para estes órgãos, era de interesse que a esquerda se envolvesse com luta armada para que, desta forma, pudessem justificar seus atos de repressão. Mas no fim da década de 1970 a esquerda brasileira havia abandonado os métodos de guerrilha e o grande núcleo de oposição ao governo era o PCB, que nunca aderira à luta armada. Na falta de um perigo real, as alas radicais da ditadura estavam dispostas a fabricar ameaças para justificar uma volta à repressão mais violenta, como ela era no governo Médici[10]. (MOLICA, 2005)
Com o avanço da classe trabalhadora em meio ao processo de abertura política iniciada por Figueiredo, o Brasil retoma a democracia, fundamentando em 1989 sua sétima Constituição da República Federativa do Brasil, com grande enfoque em temas como participação popular, gestão democrática, direitos humanos e seguridade social. Entretanto, já em 1990, quando Collor assume a presidência da República, inicia-se o processo de desconstrução estatal, com a drenagem dos motivos neoliberais importados da Inglaterra e Estados Unidos. Mesmo com a experiência desastrosa ocorrida no Chile (COMBLIN, 2001) o Brasil lança ao limbo todas as expectativas geradas a partir da outorga constitucional: estrangula os cidadãos com o superávit da inflação, furta as poupanças acima de cinqüenta mil cruzeiros dos bancos, desestatiza empresas nacionais, dentre outros.
As mudanças que se iniciaram timidamente na década de 1980 no Brasil, ganharam força com o consenso de Washington em 1989 e alcançaram um movimento frenético na década de 90, basicamente com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para Presidente da República e, mais precisamente, com a publicação do Plano Diretor da Reforma de Estado. A partir de 1995 a classe trabalhadora brasileira observou as conquistas alcançadas com a Constituição Federal de 1988 desmancharem-se. As privatizações, agencificações, contratualizações acarretaram mudanças no mundo do trabalho, tanto dos trabalhadores estatais, quanto dos trabalhadores do serviço público.
Desta forma, com a minimização estatal frente ao poderio do grande capital, as classes trabalhadoras encontraram-se à mercê das transformações do mundo do trabalho, tendendo a adaptar-se às mesmas para garantir sua subsistência. Este momento de ascensão neoliberal no Brasil é denominado por Mandel (1979) enquanto capitalismo tardio. Jameson (2004) caracteriza esta fase como sendo a do capitalismo tardio, cuja nomenclatura do termo “tardio” representa a terceira fase do capitalismo, e, por isso, revela-se um estágio mais puro do que de outras fases.
Filgueiras (2000) aponta que o neoliberalismo:
“(…) já havia adentrado na maior parte da América Latina, implanta-se no Brasil, com toda força, a partir do Governo Collor. O discurso liberal radical, combinado com a abertura da economia e o processo de privatizações inaugura o que poderíamos chamar da “Era Liberal” no Brasil. Até então, apesar da existência de algumas iniciativas nesse sentido, durante o Governo Sarney, e de uma já forte massificação e propaganda dessa doutrina nos meios de comunicação de massa, havia uma forte resistência à mesma, calcada principalmente, na ascensão política, durante toda a década de 1980, dos movimentos sociais e do movimento sindical. A Constituição de 1988, apesar de seus vários equívocos, foi a expressão maior dessa repulsa da sociedade brasileira, por isso mesmo, ela foi alvo privilegiado tanto do Governo Collor quanto do Governo Cardoso, que recolocou, mais tarde, o projeto liberal nos trilhos” (FILGUEIRAS, 2000: 83-84).
É interessante ressaltar ainda que, segundo Filgueiras (2000), a classe dominante, composta em sua maioria, na época, por novos ricos, rechaçava quaisquer possibilidades de consecução de um Estado de bem-estar social, pois não se beneficiariam do mesmo e ainda teriam de financiá-lo através de impostos. Desta forma, conforme atesta Filgueiras (2000), esta classe era formada por:
“(…) executivos de empresas, certos segmentos de profissionais liberais, a alta burocracia governamental, uma nova intelectualidade identificada com os valores e hábitos forâneos e um pequeno grupo de consultores e trabalhadores autônomos altamente qualificados, ocupados em atividades econômicas recém surgidas e típicas dos novos paradigmas tecnológicos. Um segmento social que se beneficiou com a “farra das importações” e também com as altas taxas de juros e que, ao descobrir os padrões de consumo próprios dos países desenvolvidos, e a ele ter acesso, se deslumbrou e se sentiu incluído no primeiro mundo” (Filgueiras, 2000, p. 4).
Em meio à turbulenta gênese tardia do neoliberalismo brasileiro, a massificação do desemprego imprimiu a imagem da década de 1990. A reestruturação produtiva das empresas (privadas e públicas), através da reorganização dos seus processos de produção, com a introdução de novos métodos de gestão do trabalho e de novas tecnologias teve implicações devastadoras sobre o mercado de trabalho. Esse impacto negativo foi reforçado pela abertura comercial e financeira da economia e pelo longo ciclo de estagnação iniciado no começo dos anos 1980, que se caracterizou por baixíssimas taxas de crescimento do PIB e reiteradas flutuações de curto prazo (FILGUEIRAS, 2000).
Junto com o desemprego e como produto de uma ampla desregulação do mercado de trabalho – efetivada na prática pelas empresas e por diversos instrumentos jurídicos emanados dos sucessivos governos – veio um processo generalizado de precarização das condições de trabalho, formas de contratação instáveis que contornam ou burlam a legislação trabalhista, prolongamento da jornada de trabalho, redução de rendimentos e demais benefícios, flexibilização de direitos trabalhistas e ampliação da informalidade, enfraquecendo e deslocando mais ainda a ação sindical para um comportamento defensivo (DRUCK, 2001).
Diante destas condições, conforme nos mostra Anderson (1995):
“Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos (sic) dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito nem grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se as suas normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje. Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes”. (ANDERSON, 1995, p.23)
Temos que o neoliberalismo arruinou quaisquer expectativas de transformações positivas no que concerne ao mundo do trabalho, desestruturando toda uma construção coletiva em prol de melhores condições para as classes trabalhadoras, expressas nos movimentos sindicalistas, sociais e políticos brasileiros. O neoliberalismo retoma a propensão inicial dos órgãos empregatícios do século XIX, quando trabalhadores eram forçados a trabalhar em condições precárias, vastas cargas horárias, para perceber salários deficitários.
Este cenário não mudou tanto se observarmos o mercado de trabalho brasileiro das últimas décadas do século XX, onde a maximização dos lucros reteve o desenvolvimento dos produtores dos lucros. Desta forma, por mais ampla que sejam as argumentações dos teóricos do trabalho, que discutem seu fim, definimos que o extermínio do trabalho é tarefa impossível, e ao mesmo tempo improvável, dada à centralidade do trabalho na vida humana. Mesmo tendo desenvolvido sistemas cada vez mais abrangentes para a substituição do trabalho humano, a tecnologia não suprime a força humana de criação. Entretanto, mesmo tendo existido uma reflexão crítica dos autores que discutem o fim do trabalho, ainda temos os rebatimentos sobre o trabalho, a partir da adesão do regimento neoliberal.
A expansão da “questão social”, a refilantropização das políticas sociais, o desmonte do Estado, a quebra dos paradigmas políticos alcançados com o processo de redemocratização no Brasil, possibilitaram, aliadas a outros fatores, um terreno propenso ao descontentamento das massas, à revolta civil, à organização da sociedade em torno de demandas não respondidas pelo Estado mínimo (MONTAÑO, 2007). O leitor percebe então, que mesmo em um terreno propício à desconstrução social do Estado, um regime como o neoliberalismo perdurou durante toda a década de 1990, alastrando-se para o século XXI e proliferando seu rizoma para vários outros segmentos da vida pública. Seu método para tal feito está contido em sua ideologia, sem seu modo de ser, operacionalizado através do desenvolvimento da tecnologia, das relações sociais, das nuances sócio-econômicas, e mesmo da própria consciência humana. A esta ideologia atribui-se o termo pós-modernidade, sendo ela a grade constituinte da perpetuação do neoliberalismo nas esferas subjetivas.
E veremos a seguir como a subjetividade do trabalho é ainda força produtiva, fomentando ideologias que são disseminadas às classes subalternas como método infalível de perpetuação do ideário neoliberal entre as gerações.
Para refletirmos a respeito da subjetividade do trabalho, devemos ter em mente as transformações materiais consubstanciadas em seu mundo como visto anteriormente. Todas estas transformações materiais possibilitaram a criação de um sistema de pensamento rigoroso, dotado de infinitas variantes, talvez sendo esta característica a mais importante para compreendermos a subjetividade atribuída ao trabalho e à vida social na contemporaneidade (GRENZ, 2008).
Quando analisamos o indivíduo, separado de seu meio, temos um objeto relevante à filosofia ou mesmo à psicologia, portanto devemos ter o cuidado com relação à análise da subjetividade do trabalho e das relações sociais para que possamos abstrair suas características fundamentais para esta análise. Desta forma, iniciemos a discussão com uma breve explanação sobre o conceito subjetividade, tendo em mente que, como explicitado por Iamamoto (2007), desenvolver este tema “supõe explicitar a noção mesma de trabalho” (IAMAMOTO, 2007, p.348).
A discussão a respeito da subjetividade vem sendo realizada no campo sociológico a partir das reflexões sobre as formas de controle da classe trabalhadora, conforme nos aponta Iamamoto (2007):
“No campo da sociologia do trabalho, as preocupações voltam-se à produção do consentimento por parte dos trabalhadores aos mais sutis mecanismos de controle adotados no toyotismo ou pós-fordismo. As estratégias de resistência e negociação na esfera da produção são salientadas, em seus condicionantes no campo fabril e extrafabril, abrangendo a família, relações de gênero, étnico-raciais e tradições culturais”. (IAMAMOTO, 2007, p. 340).
Neste sentido, temos uma denominação ainda não refletida neste trabalho e fundamental para a elucidação deste excerto de Iamamoto (2007), que diz respeito ao toyotismo[11]. Este teve marcante papel na história da organização do trabalho, sendo gradativamente construído no Japão, através de diversas experiências históricas, seja no interior de outras empresas[12] ou mesmo da própria Toyota, vindo a substituir o “cronômetro e a produção em série e de massa” por um processo de “flexibilização da produção, pela especialização flexível, por novos padrões de busca de produtividade” e por “novas formas de adequação da produção à lógica do mercado” (ANTUNES, 2002, p.23).
O toyotismo marcou um novo tempo para a produção de mercadorias, até então tendo a predominância fordista como centro de rotação para as empresas e indústrias, que vinham produzindo em escala faraônica, independentemente das demandas sociais dos produtos disponíveis, o que acarretou em uma crise de produção, pois à medida que iam produzindo mais e mais mercadorias, a resposta social esperada, ou seja, a compra não acompanhava o mesmo ritmo frenético industrial, ocasionando na acumulação de mercadorias e em crises globais. (ANTUNES, 2002)
Quando surge, o toyotismo propõe algo sonhado pelas classes dominantes: a maximização dos lucros e o controle total das classes trabalhadoras. Segundo Antunes (2002):
“Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados do mundo da produção. Diminui-se ou mescla-se, dependendo da intensidade, o despotismo taylorista, pela participação dentro da ordem e do universo da empresa, pelo envolvimento manipulatório, próprio da sociabilidade moldada contemporâneamente (sic) pelo sistema produtor de mercadorias”. (ANTUNES, 2002, p.24)
Para tanto, criam-se os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), a “gestão participativa”, dentre outros, familiarizando a classe trabalhadora ao ambiente de trabalho, como uma idílica parte indissociável do mesmo (ANTUNES, 2002). Entretanto, todos estes mecanismos serviram de alicerce para a implementação do novo regime de produção, desta vez flexibilizada, o que, para que o leitor compreenda, determinava o quantum produtivo, sendo estes realizados conforme a demanda social dos mesmos. Ou seja, produzia-se conforme a necessidade societária, para que se mantenha o controle dos gastos com insumos necessários para a produção, bem como com energia, dentre outros.
O que desejamos explicitar, neste caso, adentra-se à discussão da subjetividade do trabalho: o modelo toyotista serviu de alicerce, como já dito anteriormente, para a construção de um controle total das classes trabalhadoras, ao passo em que as mesmas eram constantemente inseridas na rotina empresarial, participando de atividades em benefício da empresa, tendo como troca o reconhecimento interno de seus feitos enquanto trabalhador do ano, ou mesmo através das competições entre grupos de CCQs, que visavam a melhoria dos processos de trabalho no interior das empresas. Têm-se ainda, como elucidado por Antunes (2002), a célebre máxima empresarial da Toyota, “proteger nossa empresa para defender a vida” (CORIAT apud ANTUNES, 2002, p.32) onde percebe-se, claramente, o caráter ideológico utilizado pela empresa para o controle de seus funcionários.
Entretanto, mesmo com o controle das classes trabalhadoras, sistema algum poderá suprimir a heterogeneidade entre o conjunto dos trabalhadores, tendo em vista que trata-se de seres humanos, dotados de diferentes perspectivas, proposições, ideologias, conceituações, moral, ética, entre outras, o que completa a diversidade do ser social. Conforme Netto e Braz (2006):
“(…) o ser social constitui-se como um ser que, dentre outros tipos de ser, se particulariza porque é capaz de realizar atividades teleologicamente orientadas; objetivar-se material e idealmente; comunicar-se e expressar-se pela linguagem articulada; tratar suas atividades e a si mesmo de modo reflexivo, consciente e autoconsciente; escolher entre alternativas concretas; universalizar-se e sociabilizar-se”. (NETTO e BRAZ, 2006, p.41).
É essa riqueza do ser social que constitui a sua particularidade, sua inegável importância em relação aos demais seres: sua organização e capacidade de transformação coletiva, não como um subproduto do trabalho, mas como algo inerente ao mesmo, indissociável das relações sociais. Todas estas afirmativas de Netto e Braz (2006) caracterizam o ser social como “síntese dessas determinações estruturais” (NETTO e BRAZ, 2006, p.41) descritas no excerto supracitado.
A subjetividade é marcada pela capacidade individual dos sujeitos, esta ratificada pela potencialidade de cada indivíduo socialmente inserido, o que nos leva à profunda discussão relevante à práxis humana. Como já discutido anteriormente, vimos que a práxis é compreendida como toda a atividade humana geradora de transformação e criação, dotada de sentido histórico, político, sendo característica da espécie humana (MARX, 1974). Desta forma, a práxis pode ser utilizada pelos indivíduos pertencentes às classes dominantes como método de coerção e controle, como produtora de consenso.
Como nos aponta brilhantemente Netto e Braz (2006), “a práxis pode produzir objetivações que se apresentam aos homens não como obras suas, como sua criação, mas, ao contrário, como algo em que eles não se reconhecem” (NETTO e BRAZ, 2006, p.44). Este “estranhamento” é corrente na leitura marxiana, sendo denominada alienação. Sua característica primordial, sua significância é atribuída ao processo no qual o homem não se “encontra”, não se reconhece em seu processo de trabalho, e é próprio da divisão social do trabalho, onde o processo de produção é partilhado em diversos setores, como método de controle de produção e das classes trabalhadoras (MARX, 1996). É na alienação que encontra-se a parcela principal do controle do trabalho e onde garante-se a autonomia empresarial sobre as massas produtivas.
Destarte, a alienação não se esgota no processo de produção, tendo em vista que constitui-se enquanto categoria rizomática, pendendo aos níveis da subjetividade humana, como a ideologia, a moral e a ética. Como visto anteriormente, a ideologia, vista às célebres conceituações de Guattari e Rolnik (2005), trata-se dos processos de “construção da subjetividade coletiva” (GUATTARI e ROLNIK, 2005, p.43). Esta construção garante níveis de massificação cultural, como por exemplo uma maior aceitação dos modelos propostos pelos sistemas sócio-econômicos. (HALEBSKY, 1978).
Compreendendo desta forma a alienação, podemos dizer que a mesma finda-se por delimitar a ação humana de transformação, a práxis propriamente dita, restringindo as classes trabalhadoras às previ-ações originárias do sistema em vigência, no que concerne ao modus vivendi, ao modus operandi, entre outros. Neste caso, repetimos, suprimi-se várias possibilidades de organização da classe trabalhadora e é neste ponto que temos a chave para a discussão deste trabalho: o Serviço Social, como conjunto de trabalhadores que tem por objeto as relações sociais e por finalidade uma transformação societária, está passível às mesmas condições de subtração ideológica e política que os demais conjuntos humanos produtivos. Ora, sendo os assistentes sociais pertencentes à classe trabalhadora, implica que sofram dos mesmos males impostados pelo grande capital aos demais trabalhadores, no que tange à organização profissional e à reivindicação por melhorias nas condições de trabalho.
Retomando, a problemática da alienação, neste sentido, estende-se aos níveis da reprodução metabólica dos indivíduos, em suas relações sociais e em suas construções socialmente dispostas, impregnando a ação humana de ideologias, estas que, por sua vez, são produzidas como mecanismos de consenso (PARSONS, 1966). Toda a ação humana tem em seu bojo ideologias, que são necessárias para tomadas de decisões inerentes às relações sociais, seja no âmbito do trabalho, seja no âmbito social propriamente dito, de vida em sociedade. Em excerto de Marx (1979)[13]:
“Por conseguinte, no mundo da concorrência tudo aparece invertido. A forma exterior das relações econômicas, tal como se apresenta na superfície dos fenômenos, em sua existência real e também, portanto, nas concepções pelas quais seus portadores e agentes procuram compreende-las, difere muito e é, na realidade, o inverso, o contrário à sua estrutura interna essencial ainda que oculta, e ao conceito que ela corresponde”. (MARX, 1979, p.159)
Conforme Bottomore (1988), a partir deste excerto de Marx (1979) temos que a “ideologia oculta o caráter contraditório do padrão essencial oculto, concentrando o foco na maneira pela qual as relações econômicas aparecem superficialmente” (BOTTOMORE, 1988, p.184). Obviamente que a ideologia, no excerto supracitado, mantém-se a âmbito econômico, mas tendo compreendido o trabalho como categoria central da vida humana, observa-se o rigor intelectual de tal observação de Marx (1979), pois a economia ainda guia os rumos históricos de uma sociedade.
Sendo assim, temos duas determinantes relacionadas à subjetividade do trabalho: a alienação e a produção de ideologias voltadas ao consenso das classes trabalhadoras. O grande capital retifica-se às classes subalternas através da alienação e da ideologia, produzidas como formas de adestramento dos quadros fixos das empresas. Isto não se retém somente ao nível das indústrias ou empresas, mas ramifica-se, também, ao viés societário, donde a reprodução do ideário de trabalho encontra campo fértil para sua reprodução constante.
A práxis está diretamente ligada à subjetividade, conforme Chauí (2000):
“A subjetividade humana se exprime num objeto produzido por ela e a objetividade do produto é a materialização externa da subjetividade. Pelo trabalho, os seres humanos estendem sua humanidade à Natureza. É nesse sentido que o trabalho é praxis: ação em que o agente e o produto de sua ação são idênticos, pois o agente se exterioriza na ação produtora e no produto, ao mesmo tempo em que este interioriza uma capacidade criadora humana, ou a subjetividade”. (CHAUÍ, 2000, p.543)
Ora, temos o homem inserido em determinada sociedade, como ponto primordial desta análise, servindo de base para as representações dos diversos autores que discutem subjetividade; o indivíduo como visto anteriormente, é ser constituído e constituinte de diversificadas determinações, concernentes à sociabilidade do mesmo com seus iguais. Temos então que, a partir da subjetividade – categoria própria do ser humano – criam-se as possibilidades de construção de relações sociais vitais à continuidade das trajetórias de vida humanas. Isto nos mostra que, conforme a análise de Marx (1996), que outorgava à teleologia a grande diferenciação dos animais aos homens, é a subjetividade humana, encarregada das possibilidades humanas, dos anseios tipicamente humanos, o equivalente à teleologia. Todavia, aproximando-nos da subjetividade humana, o que podemos perceber é que as relações sociais construídas em ambientes laborais, tendem à separação da mesma (subjetividade) e de seu contrário, a objetividade.
Segundo Chauí (2000), a objetividade distingue-se da subjetividade pela materialização desta segunda categoria, ou seja, nos ambientes laborais, a teleologia, capacidade de previ-ação do que vir a ser de determinado objeto, é exercida pelos empregadores, que delimitam as funções de seus funcionários conforme suas especializações: um para cortar, outro para montar, etc. Desta forma garante-se o controle das massas, pois isenta-as da problemática do pensamento, que traz consigo os questionamentos necessários para a superação do sistema, de todo o modo de produção necessário ao pleno funcionamento do capitalismo.
Ao passo em que a teleologia mantem-se enquanto categoria isolada nos ambientes de trabalho objetivado, a ideologia dominante, como visto anteriormente, isenta os profissionais liberais da práxis necessária à transformação societária. O Serviço Social, tendo como princípio fundamental o compromisso para com as classes trabalhadoras, o que, de certa forma, detém a capacidade revolucionária da práxis pela construção de um novo sistema societário, quiçá o socialista, finda nos ambientes de trabalho por não suportar uma base ontológica amplamente difundida, limitando a ação dos profissionais à fundamentos capitalistas: a necessidade do emprego anula a práxis profissional. Não queremos aqui desmerecer as análises de Iamamoto sobre a capacidade propositiva dos profissionais, mas compreendemos que mesmo tendo tal categoria apreendida, ainda sim não realiza as balizas necessárias ao processo de construção de uma nova realidade social, ainda que disposto a tal feitio[14].
O projeto burguês de alienação está bem estruturado, e tem por limite as orlas societárias, ou seja, contempla o todo ao ponto de adequar as classes à suas ideologias, garantindo o controle. Foucault (1979) refletiu sobre o poder através das verdades (ideologias produzidas pelo grande capital), afirmando que estas não existem “fora do poder ou sem poder” (FOUCAULT, 1979, p.10). Isto nos remete à discussão sobre o poder, que se utiliza da ideologia como método de disseminação e aceitação das massas. Pois bem, temos então que o poder é enveredado pela ideologia e que a mesma é constituída de verdades produzidas como formas de consenso, como visto em Parsons (1966). Sendo assim, por conseguinte, temos que o poder é fim último e contemplativo do projeto burguês, que se objetiva nos lucros produzidos, e se subjetiva através da ideologia dominante, como visto anteriormente.
Esta mesma ideologia, dominante e dominadora, “esconde as máquinas sociais efetivas” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p.84), manipula as potencialidades humanas e impede o fim último marxiano e marxista, ou seja, a emancipação humana. Desta forma o poder do grande capital expande-se, legitima-se socialmente e mantém o controle sobre as instituições estatais (judiciário, legislativo e executivo), sobre as organizações societárias, sobre as empresas (em seus diversos setores) e sobre a (re)produção das relações sociais.
Todo o processo de construção do neoliberalismo e de seu fator ideológico, a pós-modernidade, advém de um processo histórico de desenvolvimento, tentativa e erro, e não da causalidade das crises econômicas sofridas pelos países que, à época, voltaram-se ao ideário neoliberal como sistema de regulamentação sócio-econômica.
Neste ponto, a subjetividade do trabalho mantém-se atrelada às condições impostadas pelos organismos empregatícios. Iamamoto (2007) afirma que “cada forma de produção cria, organicamente, suas próprias relações jurídicas e políticas e as idéias que lhes correspondem” (IAMAMOTO, 2007, p.347), vindo a reafirmar o que aqui foi explanado: que é o poder, o controle, o objetivo da subjetividade do trabalho. Segundo Marx apud Iamamoto (2007), “toda produção é apropriação da natureza pelo indivíduo no interior e por meio de uma forma determinada de sociedade” (MARX apud IAMAMOTO, 2007, p.346). Entretanto, quando esta produção é direcionada não ao produtor, mas sim ao empregador de forças produtivas, esta é banalizada, mistificada, alienante e alienadora, fomentando as bases para a dominação capitalista, num regimento neo-escravocrata, onde os indivíduos são alugados por salários, alocando sua força produtiva às necessidades do grande capital.
Estas necessidades produzidas pelo capitalismo, tais como o consumo, são ideologicamente introduzidas através de aparelhos ideológicos legitimados socialmente, como a televisão e a internet, mecanismos de difusão ideológica e cultural massificados. Bourdieu (1997) realiza observação a este respeito:
“Ora, quando se faz sociologia, aprende-se que os homens ou as mulheres têm sua responsabilidade, mas que eles ou elas são em grande parte definidos em suas possibilidades e suas impossibilidades pela estrutura na qual estão situados e pela posição que ocupam nessa estrutura. (…) Penso então que atualmente todos os campos de produção cultural estão sujeitos às limitações estruturais do campo jornalístico. (…) E essas limitações exercem efeitos sistemáticos muito equivalentes em todos os campos. O campo jornalístico age, enquanto campo, sobre outros campos. Em outras palavras, um campo, ele próprio cada vez mais dominado pela lógica comercial, impõe cada vez mais suas limitações aos outros universos”. (BOURDIEU, 1997, p. 77-81).
Neste caso, a análise de Bourdieu (1997) está pautada no poder ideológico exercido pela televisão, tal qual se apresenta aos telespectadores, produzindo comportamentos e opiniões, ou seja, ideologias. Todos estes mecanismos fazem parte do bojo constitutivo do grande capital: são aparelhos indispensáveis para se garantir a ordem necessária à continuidade do sistema.
A subjetividade humana, então, é reproduzida conforme as classificações capitalistas para sua utilização em relações sociais, reduzindo a capacidade dos indivíduos de questionamento aos preceitos objetivados em sociedade. A ideologia é o poder central para a realização do capital no cotidiano: sua subjetividade está contida no trabalho como forma de (re)produzir relações sociais dispostas à continuidade do sistema capitalista de produção. Suas predisposições garantem o controle da sociedade no que diz respeito aos consensos gerados socialmente, capazes de incapacitar permanentemente toda uma classe que, por determinação do mesmo sistema sustentado por estas, possuem baixos níveis de consciência crítica condizente à práxis, ou seja, à transformação, à ação em prol de determinados direitos socialmente garantidos.
Caminhando para uma análise mais aprofundada, a fábrica de consensos do grande capital não limita-se aos aparelhos midiáticos, mas está engendrada, também, na educação. Segundo Mészáros (2005):
“Uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados. Esperar da sociedade mercantilizada uma sanção ativa – ou mesmo mera tolerância – de um mandato que estimule as instituições de educação formal a abraçar plenamente a grande tarefa histórica do nosso tempo, a tarefa de romper com a lógica do capital no interesse da sobrevivência humana, seria um milagre fundamental.” (MÉSZÁROS, 2005, p.45)
Como percebemos, Mészáros (2005) afirma que a educação é, também, um mecanismo de (re)produção das ideologias dominantes: ora, se transmitem a ideologia a crianças e adolescentes garante-se que os mesmos irão não somente tomar para si as proposições capitalistas, como também irão reproduzir as relações sociais básicas para a continuidade do capital.
Mészáros (2005) afirma ainda que:
“(…) a questão crucial, sob o domínio do capital, é assegurar que cada indivíduo adote como suas próprias as metas de reprodução objetivamente possíveis do sistema. Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de “internalização” pelos indivíduos (…) da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas “adequadas” e as formas de conduta “certas”, mais ou menos explicitamente estipuladas nesse terreno”. (MÉSZÁROS, 2005, p.44).
Deste modo, então, assegura-se os parâmetros reprodutivos gerais do sistema do capital, estipulados através de séculos de dominação. O sistema de dominação secular do capitalismo consiste em dois períodos determinados por métodos de legitimação amplos: primeiramente, com a violência, o que, de certa forma, gerava resistência principalmente pelos setores estudantis, intelectuais e sindicais (FOUCAULT, 1979; ARENDT, 1981); em segundo, temos os meios de massificação da ideologia, por meio da educação e da comunicação (MÉSZÁROS, 2005; BORDIEU, 1997). Estes meios se solidificam quando encontrados no ambiente laborativo: tanto a violência institucional quanto a educação e, consequentemente, a comunicação, atrelam-se para um objetivo comum: controle.
Conforme Alves (2005), discorrendo sobre a captura da subjetividade da força de trabalho:
“A terceirização concorre para a desconcentração operária, o que possibilitou, por parte do capital, maior controle do trabalho e redução da luta de classes na produção, contribuindo, deste modo, para a elaboração de novo consentimento operário, imprescindível para a adoção dos novos paradigmas de produção capitalista”. (ALVES, 2005, p.210).
Desta forma, como já salientamos, o grande capital encarcera a subjetividade nata dos indivíduos sociais, condizente à contestação das formas de opressão, trocando-a por uma nova subjetividade, uma identidade atribuída, artificialmente produzida e constantemente reproduzida em sociedade.
Toda a subjetividade do trabalho foi programaticamente desmontada, esmiuçada e lançada ao limbo: os mecanismos de coesão de massas funcionam a todo o vapor, o que impede o emprego da consciência crítica-revolucionária. As ações libertárias tendem a serem vistas com maus olhos; os prodígios intelectuais do grande capital investiram sua genialidade aos ditames comercialistas, globalizando as culturas como método de aceitação não dos valores étnicos do outro, mas como forma de garantir a massificação da ideologia dominante.
As classes subalternas encontram-se em meio à arena do grande capital, como os cristãos que eram lançados aos leões. A cada novo movimento, o capitalismo produz maiores colapsos sociais, como visto na história do Brasil, principalmente na década de 1990, com a vigência neoliberal: sindicatos marginalizados e enfraquecidos, planos de reforma estatal e da seguridade social, desestatizações, empobrecimento, superávits de juros anuais e inflação, diminuição salarial, entre outros.
Os impactos do cerceamento da subjetividade crítica do trabalho encontram-se nos diversos níveis das relações sociais, como visto nas discussões quanto à diminuição da idade penal, ou mesmo em questões sobre o (des)armamento populacional, justificado sempre pelo aparelho midiático, que realiza sua contribuição ao grande capital através da informação, sendo agraciado pelo recebimento de quantidades inimagináveis por veiculação de publicidades.
Com isto, evidenciamos neste espaço que a subjetividade do trabalho está subsumida, desprivilegiada, mas não aquela subjetividade a qual se refere Marx (1974), relacionada diretamente ao controle através do desconhecimento da exploração, mas sim a subjetividade vinculada à práxis humana, elemento substancial para a tomada da consciência de classe (LUKÁCS, 1975). Suprimindo a consciência de classe, suprime-se a ação humana transformadora.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Walisson Pereira Fernandes
Assistente Social, Especialista em Política de Saúde, Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica PUC/SP